O HUSSARDO VALENTE
(Conto de fadas húngaro,
publicado na coleção OS MAIS BELOS
CONTOS DE FADAS, da extinta
Editora Vecchi, Como a acentuação
em húngaro difere da nossa,
deixei os acentos de lado. Adaptação e
versificação William Lagos,
01 JUN 2015).
O HUSSARDO VALENTE I (*)
Após findar a guerra a que
chamaram dos Trinta
Anos, mas que durou quase
quarenta,
viu-se um corajoso hussardo
dispensado,
saindo em busca de um lugar em
que se sinta
mais à vontade para recomeçar sua
vida,
pois só a militar é que lhe era
conhecida;
já antes dos quinze na tropa
praça senta
como tambor, com sua farda
acostumado...
(*) Os hussardos compunham um
regimento de farda rica e elaborada,
cuja origem fora a Hungria, mas
adotada depois por Napoleão.
Porque, de fato, roupa civil nem
sequer tinha
e como a guerra fora ao Império
mal parada,
e de seu soldo só recebera uma
fração,
saiu da tropa a envergar a farda
de linha,
o armamento e a montaria fiel,
não mais tendo alojamento em seu
quartel,
a tropa inteira totalmente
dispersada,
perdida dela a lealdade e
comunhão...
Já que em dinheiro muito pouco
lhe coubera,
saiu o hussardo ansioso a correr
mundo,
atrás da sorte ou quiçá
oportunidade...
Arpad era um tenente, graduação
que só lhe dera
a sua coragem perante mil
perigos,
jamais recuando frente à frente
aos inimigos,
por sua bandeira sentindo amor
profundo
por seu Império uma total
fidelidade!...
Assim Arpad foi cavalgando sempre
à frente,
de volta à Hungria, o seu torrão
natal,
cruzou a Polônia, depois a
Áustria inteira
e a Szombathely chegou
eventualmente,
pensando ainda a Budapeste
dirigir-se,
em que trabalho talvez pudesse
conseguir-se.
Por toda a parte, porém, para seu
mal,
vendo ocupada mesmo a vaga
derradeira.
O HUSSARDO VALENTE II
Ora, a cidade se encontrava em
pleno luto:
não só as pessoas de negro se
vestiam,
mas até mesmo assim pintavam as
suas casas!
Observando a seu redor, com olhar
arguto,
até a fumaça das lareiras a
carvão,
a atmosfera enegrecia em
profusão...
Marchavam tristes os passantes
que se viam,
cinzas nas ruas, de mistura a
algumas brasas...
Seguiu em frente, o cavalo a
trote manso,
que não lhe entrasse brasa em
ferradura!
Parou em frente, afinal, de uma
estalagem,
pois merecia o animal o seu
descanso...
Seu uniforme colorido contrastava
com o negrume que a gente ali
mostrava
em cada peça da indumentária
escura,
mesmo coberto com a poeira da
viagem...
Pediu uma refeição, foi bem
servido,
sem lhe cobrarem qualquer conta
excessiva.
Não sendo hora de grande
movimento,
conversa entabulou, sendo
atendido
pelo patrão, de bastante bom
humor,
que se dispôs a explicar-lhe o
tal pendor
das vestes negras daquela gente
altiva,
que lhe causara um certo
estranhamento...
“Caro Tenente, ocorreu-nos a
desgraça!
Nossa cidade sempre foi
independente,
embora o Reino fosse sujeito ao
Imperador,
sem que nunca dissensão aqui se
faça...
Porém um dia, três parentes
afastadas
perante o Rei Géza chegaram
apressadas,
apresentando, então, razão
premente
para de asilo merecerem seu
favor...”
O HUSSARDO VALENTE III
“Nosso bom rei recebeu-as com
calor
e logo as pôs a tomar conta do
castelo,
entregando-lhes até mesmo a
educação
da Princesa Katalina e, sem
temor,
Sua Majestade submeteu-lhes as
empregadas,
sem saber que eram três bruxas
disfarçadas,
que só fingiam lhe demonstrar
desvelo,
mas feitiços fizeram logo em
profusão!...”
“Sei muito bem, por intermédio de
uma prima,
chamada Ildiko, que no castelo
trabalhava
e viu as bruxas a transportar
coisas no ar
e a enfeitiçarem a Princesa
Katalina;
logo a seguir, convenceram ao bom
rei
que promulgasse a mais estranha
lei:
que Katalina tão somente se
casasse
com quem três provas conseguisse
suportar...”
“Afinal, Katalina seria a
herdeira,
já que os irmãos pereceram em
combates;
logo a seguir, morreu o rei,
subitamente,
como regente se tornou uma
feiticeira!
Desse modo, Katalina, mesmo bela
como o Sol,
com os olhos mais luzentes que um
farol,
há cinco anos está solteira, que
aos embates,
até hoje, ninguém pôde fazer
frente!...”
“Caso ela se casar, as três
bruxas perderão
todo o domínio que têm neste
país!...
Portanto as provas são até
desmesuradas:
ninguém consegue suportar tal
provação!...
E quem não morre, desiste da
empreitada,
sem resistir sequer a uma
jornada!...
A alguns deles a Princesa bem que
quis
e os dias passa a verter lágrimas
pesadas!...”
O HUSSARDO VALENTE IV
“Ninguém consegue se livrar das
falsas tias,
que passam a zombar do triste
pranto:
‘Chore à vontade, porque somente
casará
com quem puder suportar-nos por
três dias!...
Das nossas provas ninguém
consegue triunfar!’
Já se duvida que alguém mais
possa enfrentar;
lastima o povo, encolhido em cada
canto,
que a desafiá-las ninguém mais se
atreverá!”
“Pois tentarei,” disse Arpad,
“sou valente!”
“Pense de novo, alguns ficaram
aleijados,
um ficou cego e dois até
morreram,
péssima é a sorte de cada
pretendente!
Para casar-se, quem decide é a
princesa,
Só que essa lei a agrilhoa com
firmeza...
Mas quem vencer, por piores os
seus fados,
conquistará o que tantos já
perderam!...”
“O povo inteiro o aceitaria como
rei,
que não suportam mais a tirania
dessas três bruxas, que tanto nos
exploram!
Mas dissuadi-lo, assim mesmo, eu
tentarei,
pois seu destino talvez seja
terrível
ou pelo menos, suportará tormento
horrível,
qual relatava toda a gente que
sofria
os malefícios com que as bruxas os
agouram!”
“Amanhã cedo seguirei até o
castelo!”
Arpad, com coragem, repetiu.
“Se não se importa, primeiro
acertaremos
a sua despesa, bravo hussardo
belo,
já que é possível que não venha a
retornar
e meu negócio assim irá
prejudicar...”
O hussardo, alegremente,
consentiu
e foi dormir, sem pesadelos ter
ao menos...
O HUSSARDO VALENTE V
No outro dia, pagou a conta e
despediu-se;
chegou ao castelo, em que foi bem
recebido
pelas três bruxas, Boglanka,
Eniko e Csillina: (*)
“Aguarde as provas hoje à
meia-noite!”
as três disseram, rindo às
gargalhadas.
Ficou Arpad a andar pelas
sacadas,
até avistar no jardim um bem
querido:
Era sem dúvida a Princesa Katalina!...
(*) Pronuncie “Tchilina”.
Ela acenou que descesse até o
jardim.
Era mais bela ainda assim de perto!
“Você é garboso,” lhe disse
Katalina.
“Farei o possível para que
triunfe assim.”
E depois de alimentá-lo,
hospitaleira,
ela entregou-lhe três prendas, a
primeira
um livro negro, um lenço negro
aberto;
e um círio negro nas suas mãos,
enfim.
“Há muitos anos com as três
bruxas convivo
e já aprendi como posso
derrotá-las,
também estudei um bocado de
magia:
de cada uma um ponto fraco ativo:
Boglanka não resiste à negra luz,
para Eniko este livro é como
cruz;
amarre o lenço no rosto, contra
as falas
de Csillina, pois só destarte a
venceria...”
“Hoje à noite, fique à espera no
salão;
acenda o círio, amarre o lenço à
face;
abra o livro, para atentamente o
ler...
Que lhes entregue as prendas
pedirão,
mas não levante os olhos da
leitura,
por mais feroz que seja a sua
tortura;
agarre o círio, qual se em missa
se encontrasse,
bem firme o lenço seu rosto a
proteger!”
O HUSSARDO VALENTE VI
Logo ressoaram as doze badaladas
e as três bruxas cercaram o
tenente,
pedindo as prendas com toda a
gentileza,
porque eram todas as três bem
encantadas
e não poderiam nenhuma lhe
arrancar.
Mas o hussardo fixou no livro seu
olhar,
mantendo o círio em sua direita,
firmemente,
o lenço preso à cabeça com
firmeza.
E como ele a seus pedidos se
negasse,
começaram a zombar com mais veemência,
logo a seguir, mil insultos a
lançar;
mas como os olhos ele nunca
levantasse,
as três o começaram a empurrar,
sem que o círio conseguissem
apagar;
furiosas, o ergueram com
violência,
umas às outras a jogá-lo pelo
ar!...
Mas por maior que fosse o
sofrimento,
Arpad firme às instruções
obedecia,
mesmo lançado às paredes ou ao
chão.
Por várias horas perdurou o seu
tormento;
sentia o pobre as mais terríveis
dores,
mas nenhum osso se quebrou nesses
ardores;
mesmo depois que a consciência
ele perdia,
livro e círio trazia firmes em
sua mão!
E assim ficou, até mesmo
desmaiado,
o círio aceso, o livro ainda
aberto,
o lenço negro em torno de sua
face,
até que as bruxas o largaram,
abandonado.
Mas em seguida aproximou-se
Katalina
e com unguentos mágicos, a menina
rapidamente deixou o rapaz
desperto,
depois que as dores todas lhe
tirasse!
O HUSSARDO VALENTE VII
Durante o dia inteiro ela o
tratou,
alimentou-o, cuidou dele com
carinho:
“Hoje à noite, será a prova ainda
pior,
mas se comporte como já se
comportou
e poderá suportar as feiticeiras:
o livro mágico traz palavras bem
certeiras!”
“Confesso esqueci cada
pedacinho...”
“Não tem importância, desde que o
leia com ardor!”
E nessa noite as bruxas
retornaram.
“Voltou de novo, seu hussardo
louco?
Dê-nos o livro, o lenço e a negra
vela!...”
Gentis palavras a princípio lhe
falaram,
aos poucos já ofendendo e
insultando;
logo no ar o foram levantando;
e como se o castigo fosse pouco,
um azorrague de sete pontas se
revela!
E assim as três o chicotearam
toda a noite,
estraçalhando seu magnífico
uniforme,
rasgada a pele e a carne bem
depressa,
com chibata, com chicote e com
açoite!...
Mas mesmo assim, o lenço negro
nunca sai,
o círio negro de sua mão não cai,
o livro aberto em proteção
conforme...
E a noite inteira seu espancar
não cessa!
Porém possuindo as três prendas
de magia,
continuou firme até seu
desfalecer,
quando então se retiraram as
feiticeiras
e Katalina mais que depressa
aparecia;
com seus unguentos a carne
restaurou,
magicamente, seu uniforme costurou,
até o menor rasgão não mais se
ver,
enquanto as dores iam sumindo bem
ligeiras!
O HUSSARDO VALENTE VIII
Tratou dele o dia inteiro, com
carinho.
“Estão furiosas as três bruxas
com você!
Mas faça o mesmo hoje à noite que
já fez,
embora seja hoje ainda pior seu
pelourinho!...
Seja constante, pois casarei
consigo...”
“Por seu amor, vencerei qualquer
perigo!...”
Que trocaram muitos beijos, já se
vê...
“Por ti tudo aguentarei, sei que
me crês!...”
E nessa noite, as três bruxas
retornaram,
com violência, desde o primeiro
instante,
usando facas, adagas e punhais
e de Arpad muito sangue
derramaram,
porém como ele seguisse
suportando,
na lareira acesa o foram
atirando,
esperando em tal ordálio
causticante,
queimá-lo vivo, em vinganças
terminais!
Contudo o livro ao hussardo
protegeu,
por mais ficasse muito malferido,
mas Katalina acorreu para
tratá-lo
e logo Arpad se acordou e
agradeceu.
Katalina anunciou, no dia
seguinte,
que ele vencera e uma boda, com
requinte,
foi celebrada, todo o ritual
cumprido
tal qual o Bispo resolveu
determiná-lo.
Mas Katalina tivera de aceitar
uma nova condição das
feiticeiras,
antes que as três partissem
finalmente
e após um mês completo terminar,
convidou ela o seu esposo e rei
a assistir, consoante antiga lei,
três missas em igrejas
pegureiras, (*)
em três colinas, à luz do Sol
nascente...
(*) Construídas em encostas de
montanhas.
O HUSSARDO VALENTE IX
“Porém escute muito bem, meu rei
querido,
você não pode em tais missas
dormir,
caso contrário, você me
perderá!...”
Sentiu-se Arpad até muito
surpreendido:
“Não há razão para em missa
adormecer,
jamais tal coisa foi comigo
acontecer!...”
“Então não esqueça do que lhe fui
pedir,
senão terrível maldição se
cumprirá!...”
Foi o Rei Arpad acompanhado por
um pajem,
chamado Csaba, que julgava ser
fiel,
mas que era falso e ambicioso, na
verdade,
e quando se hospedaram em
estalagem,
na qual Boglanka se fingia de
hospedeira,
fez-lhe a bruxa uma oferta bem
traiçoeira:
“Um táler de ouro lhe darei, caro
donzel,
se me atender em brincadeira sem
maldade...”
“Na cueca do rei ponha esta
pequena agulha,
toda de ouro, que em nada o irá
ferir...
Em troca esse táler de ouro lhe
darei;
não o machucará, caso o fizer sem
bulha...”
Destarte, Csaba aceitou essa
propina,
ganhando a moeda de ouro que o fascina,
a agulha de ouro dispondo-se a
inserir...
É só uma agulhinha! Mal
algum eu lhe farei!
No outro dia, de manhã bem cedo,
foi Arpad cavalgar com Katalina,
para a missa assistir naquela
igreja,
sem saber da tal agulha o vil
segredo.
Csaba na cueca a colocara com
cuidado,
presa bem firme, para ficar de
lado,
sem lhe causar sequer dor
pequenina,
durante o tempo em que na missa
esteja.
O HUSSARDO VALENTE X
“Não adormeça na igreja, meu
querido!”
Arpad era húngaro e um católico
sincero:
“Em cada missa que assisti, eu
comunguei,
nenhuma houve em que tivesse
adormecido!”
Porém se viu tomado por um
profundo sono,
logo a dormir, no mais vasto
abandono...
E por mais que a rainha o
beliscão mais fero
lhe aplicasse, despertar não pôde
o rei!...
Arpad só acordou no fim da missa,
quando o “Amém!” pronunciou a
congregação,
muito espantado com o que lhe
ocorrera
e jurou, pela promessa mais
castiça,
que de outra feita não
adormeceria.
Katalina firmemente o advertia:
“Não se deixe envolver na
maldição!
Fique acordado na segunda e na
terceira!...”
Csaba soube o que ao rei
acontecera
e que a agulha fosse a causa,
desconfiou,
mas quando foram para outra
estalagem,
Eniko estava disfarçada e à
espera
e o convenceu, até sem grande
bulha,
por dois táleres de ouro; e a tal
agulha
na roupa branca do rei se
conservou:
foi a ambição maior que a
malandragem...
E novamente, por maior fosse o
cuidado.
o Rei Arpad outra vez adormeceu
e por mais que o empurrasse
Katalina,
só acordou quando se deu por
terminado
do ritual religioso o
sacramento...
Ficou a rainha no maior
pressentimento:
“Pela segunda vez já
aconteceu!...
Não vês, Arpad, qual será a nossa
sina...?”
O HUSSARDO VALENTE XI
Foi extremamente incisiva
Katalina:
“Se adormeceres na terceira
igreja
e não tomares a Santa Eucaristia,
ser-te-ei roubada por terrível
sina!...”
Arpad fez o que pôde para dormir
durante a noite, porém sem
conseguir!
Tomou calmante e chá, tokay e cerveja, (*)
mas uma insônia permanente o
perseguia!...
(*) Famoso vinho húngaro.
Agora Csaba tinha a certeza mais
completa
de que a causa era a tal agulha
de ouro
e jurou em silêncio não colocá-la
novamente,
mas a ambição que o dominava era
abjeta
e quando Csillina cinco táleres
ofereceu
a seus escrúpulos não mais o
pajem acedeu,
pois para ele representavam real
tesouro:
servo corrupto, traiu seu rei
completamente!
E assim na missa, nessa terceira
igreja,
novamente veio a força
irresistível
e os olhos do hussardo se
fecharam totalmente;
até mesmo para erguer-se ele se
aleija
e a despeito de toda a
resistência,
acabou por entregar-se à
impotência
e só despertou da magia
incoercível
quando o “Amém!” o sobressaltou
inteiramente!
Olhou em volta, procurando
Katalina,
sem discerni-la em qualquer
lugar;
interrogou toda a congregação:
ninguém a vira sair da igreja no
fina!...
Colocou os cortesãos à sua
procura,
mais os soldados, porém foi uma
loucura!
Ninguém a vira de seu banco
levantar,
ninguém achava a menor
explicação!...
O HUSSARDO VALENTE XII
Nem todos os sábios do reino
consultados
foram capazes de encontrar a
solução,
mas nessa noite, quando se
desvestiu
e viu Csaba a transportar trajos
usados,
uma coisinha brilhante foi ao
chão
e atraiu do rei hussardo a sua
atenção!...
Ficou o pajem em vergonha e
confusão,
criou desculpas, mas no final se
desmentiu...
Mandou Arpad enforcar o vil
traidor
e procurar por todo o reino as
feiticeiras,
cuja culpa o mau servo
confessara,
mas embalde dos mensageiros foi o
ardor,
que em parte alguma as bruxas
encontraram;
os oito táleres em um rio então
jogaram,
pois maldições havia neles bem
certeiras:
seria maldito o que com eles se
comprara!
Passados três meses, três semanas
e três dias,
em que Arpad dedicou-se a
governar,
tomando sempre as mais sábias
decisões,
conquistando amplo respeito e
honrarias
de todo o povo, mais sua
comiseração,
por ter sido submetido à
maldição,
três estudantes audiência vêm
solicitar,
dizendo ao rei possuir certas
soluções...
“Somos nós três estudantes de
alquimia
e sabemos da Rainha o paradeiro,
o esconderijo também das
feiticeiras,
que descobrimos desvendando sua
magia.
Pois mande o rei forjar balas de
prata,
nenhuma outra essas três bruxas
mata!”
E lhe entregaram então mapa bem
certeiro,
indicando como chegar até suas
beiras.
O HUSSARDO VALENTE XIII
“Mas quem eu quero encontrar é
Katalina!”
“Só que as três bruxas deveis
matar primeiro;
Vossa Majestade é quem as deve
abater.
Não temos o mapa que à Rainha se
destina,
mas elas guardam um cavalo bem
selvagem,
que saberá todo o roteiro da
viagem;
mas levai alforjes cheios de
joias e dinheiro:
grande quantia ireis ter de
despender!...”
“A seguir, montareis nesse
cavalo,
sem arreios, sem estribo e sem
ter freio;
ele conhece aonde fica o grande
mar;
deixai que corra, sem tentar
freia-lo,
que o levará até São Boldizsár,
(*)
que meio mundo tem o dever de
controlar.
Firmar-vos-eis à sua crina, sem
receio;
de forma alguma interrompei seu
galopar!”
(*) Leia-se “boldissar”,
correspondente a Baltazar.
Arpad quis lhes dar a recompensa,
mas recusaram-na os três jovens
alquimistas:
“Queremos o reino sem sofrer mais
bruxaria
e da Rainha recobrar a linda
presença...”
Assim o hussardo fez forjar balas
de prata,
nomeou regentes e partiu para a
tal mata,
cem soldados marchando nas suas
pistas,
até que a choupana em clareira se
atingia...
Os soldados cercaram a choupana
e o rei determinou que a
arrombassem,
mas defenderam-se com sua magia
brava;
e assim mandou pusessem fogo na
cabana.
Saíram então, a gritar, as
feiticeiras,
que ele abateu com suas balas bem
certeiras,
mas evitou que as cocheiras se queimassem,
pois o feroz cavalo baio ali se
achava.
O HUSSARDO VALENTE XIV
Foi mui difícil suster esse
animal,
mas o hussardo montou nele,
facilmente;
fez os alforjes prender com
barrigueira,
firmou-se às crinas com poder
real...
Quando o soltaram, o animal
partiu
qual uma flecha e o rei não
permitiu
que o desmontasse seu corcovear
frequente
e para o Oriente foram tomar
veloz esteira!
Levou três sóis galopando, dia e
noite,
até chegar perante um vasto mar,
em cuja praia havia igreja de
madeira,
parando súbito, qual tocado por
açoite!...
A porta abriu-se e surgiu um alto
ancião,
de barba branca, que inclinou-se
em saudação:
“Rei Arpad, já o estava a
esperar:
Deus enviou-me mensagem bem
certeira!...”
“Fazei primeiro uma boa refeição
e seu cavalo há de ficar comigo,
pois hoje o mar tereis de
atravessar,
numa viagem de longa duração.
Lá do outro lado, encontrareis o
meu irmão,
que ali o espera e lhe dará
orientação.
É São Sebastjen e reparto consigo
(*)
cada metade do mundo a
administrar.
(*) Leia-se “sebástien”,
correspondente a Sebastião.
Pouco depois, o Santo Boldizsar
chamou um grande peixe até a
praia
e disse ao rei que montasse sem
receio,
que o levaria através do grande
mar...
“São Sebastjen do outro lado
encontrará,
que para o seu destino o orientará;
sabe ele apenas de Katalina a
raia
e como lá chegar lhe dará o
meio...”
O HUSSARDO VALENTE XV
Subiu Arpad ao dorso do animal;
nas barbatanas com firmeza se
agarrou,
cruzando o mar por três dias e
três horas,
a praia oposta atingindo no
final,
em que o aguardava outro garboso
ancião,
que o recebeu em respeitosa
saudação.
“Sou São Sebastjen” a seguir ele
falou,
“meio mundo a governar desde os
outroras...”
“Sede bem vindo e alimentai-vos
bem;
será difícil vossa esposa
recobrar;
o Rei Szilverszter a tem em seu
poder (*)
e como filha ele a adotou também,
sabendo bem que lhe chegou por
mágica,
bem conhecendo a sua história
trágica;
mas prometeu-a em matrimônio dar
a quem por prova a possa
merecer...”
(*) Pronuncie “Silvéster”,
correspondendo a Silvestre.
“Dizei-me então, trazeis bastante
ouro?”
“Claro que sim, eu pagarei o que
quiser...”
Riu-se o santo: “De meio mundo
sou guardião
e nem em sete gerações igual
tesouro
vós e os filhos vossos poderíeis
juntar,
igual a quanto tenho meios de vos
dar...
Mas se eu vos desse, não iríeis
merecer
tal grande prêmio, só por bravura
e devoção!”
“Katalina se acha em torre de
cristal,
bem no pico de montanha
alcantilada
e diz Szilverszter que a dará em
casamento
a quem consiga, sem sofrer um
dano ou mal,
cavalgar até o alto da montanha,
somente impondo dificuldade assim
tamanha
porque deseja conservá-la bem
guardada,
sem querer dispor dela em algum
momento...”
O HUSSARDO VALENTE XVI
“Marchai agora por uma hora até a
cidade;
comprai um cavalo negro inteiramente,
sem um só pelo branco, com o
freio,
arreios, sela e estribos em
igualdade,
mais uma roupa toda negra com
chapéu.
Ide a um ferreiro, que se chama
Dorothéu,
que é de minha confiança
totalmente,
que vos faça ferraduras de ouro,
sem receio.”
“Serão seus cravos inteiramente
de diamante.
Basta dizer que vos envia
Sebastjen
e lhe pagar uma conta bem
razoável
e ele vos atenderá bem o
bastante...
Voltai montado de novo, até aqui,
para que eu veja se está como
pedi...”
Andou Arpad até a cidade além,
Só retornando após tempo
apreciável.
São Sebastjen a tudo examinou:
o cavalo negro, sem um branco
pelo,
as ferraduras e as roupas, qual
pedira
e as novas instruções lhe
consignou:
“Amanhã bem cedo, ide à mansão
real,
bem no sopé da Montanha de
Cristal,
em cujo alto enxergareis palácio
belo:
Katalina de saudade no topo só
suspira!”
O Rei Hussardo seguiu-lhe as
instruções,
chegando ao pé da Montanha de
Cristal,
transparente de gelo e igual
escorregadia.
Alguns cavaleiros já tentavam
soluções,
sem conseguir chegar sequer ao
meio do caminho,
mas com um salto, seu cavalo foi
pertinho
e com as ferraduras de dourado
metal,
chegou ao pico a que ninguém mais
atingia!...
O HUSSARDO VALENTE XVII
E na sacada encontrou a sua
belíssima
Katalina, que o reconheceu na mesma
hora.
Trocaram beijos e ela lhe deu um
anel.
“Agora desça aos poucos desta
altíssima
montanha e então reclame a
recompensa!...”
Mas o Rei Szilverszter,
fisionomia tensa,
negou que Arpad a merecesse
agora:
“Você mente ter subido, seu
furriel!...”
Ora, isso era insulto até para um
tenente,
pois um “furriel” era menos que
um sargento,
que dirá o tratamento para um
rei,
mas Szilverszter mentia,
francamente...
Nenhum presente, contudo, o
contrariou
e ao cavaleiro negro ele
expulsou:
“Jamais retorne aqui, verme
nojento!
Caso se atreva, eu o
enforcarei!...”
O rei hussardo retornou a
Sebastjen
e o quanto se passara relatou.
“Já esperava alguma espécie de
traição...
Retornai à cidade. Lá comprareis também
um cavalo com o pelo bem dourado,
douradas roupas e igual todo o
ajaezado.
Voltai ao ferreiro que vos já
acomodou
e encomendai-lhe outra igual
ocupação.”
E quando Arpad retornou para o
guardião,
ele examinou todo o pelo uma vez
mais,
sem que um fio encontrasse de
outra cor.
“Voltai amanhã, com o mais forte
coração.
Szilverszter fez erguer mais a
montanha,
lisa e fria e escorredia é
tamanha
que ele acredita difícil ser
demais
de ser galgada, por maior que
seja o ardor.”
O HUSSARDO VALENTE XVIII
E novamente, após dar salto
tremendo,
o seu ginete dourado arremeteu
e ainda escarvou habilmente todo
o chão,
até o pico, mesmo o topo
acometendo...
Lá de novo encontrou a sua
Rainha,
que o beijou muito saudosa, a
pobrezinha
e então um lenço bordado ela lhe
deu:
“Desça o alcantil com cuidado até
a mansão!”
Mas novamente o rei Szilverszter
se negou:
“Não vi você subir até o alto!...
Vá-se embora, seu grande
mentiroso,
vil anspeçada, que em nada
triunfou!...”
Ora, este era um insulto ainda
maior,
pois “anspeçada” era um posto até
menor
que o de um cabo. Mas que o cavalo dera o salto
uns confirmaram, deixando o rei
furioso!
Mas Arpad recusou-se a discutir,
batendo ao rei respeitosa
continência
e indo de novo consultar o seu
guardião.
“Esse mau rei pretende só
mentir...
Mas desta feita, ireis comprar
uma alimária
totalmente branca e igual
indumentária.
Pedi a Dorothéu ter mais
paciência,
com ouro e diamantes a ferrar, em
minha atenção!”
E lá seguiu, todo de branco, o
cavaleiro,
terceira vez, a mesma prova a
enfrentar...
O rei Szilverszter toda a
montanha cercara
com dez de seus regimentos, por
inteiro,
e proibira toda a presença de
civis,
não contrariassem suas intenções
tão vis;
mas novamente o corcel branco viu
saltar,
pois bem no alto da montanha
aterrissara!...
O HUSSARDO VALENTE XIX
Mais uma vez, ele abraçou a sua
Rainha,
que lhe entregou bela maçã de
ouro...
Szilverszter, por uma vez, não se
negou:
“Você é o mesmo que já antes aqui
vinha;
Ganhou a prova e tem meu
consentimento:
volte amanhã, que ordenarei o
casamento!”
Mas quando Arpad cavalgou, sem mais
desdouro,
uma chuva de flechas o
alcançou!...
Por sorte, só acertaram em sua
perna
e São Sebastjen tratou de sua
ferida.
“Esse rei, de fato, é digno de
morte
e até merece a condenação
eterna!...
Pois levou hoje para a distante
capital
sua Katalina, cheio da fúria mais
total!...
Mas amanhã o acompanharei em
vossa lida,
os três cavalos ajudarão a nossa
sorte!...”
E chegados que foram à capital,
São Sebastjen ajudou-o a
disfarçar-se
e foi o rei pedir emprego no
castelo...
Como copeiro, agiu de forma natural,
até que o rei determinou seu
casamento
com Katalina, feio e cruel
tormento!...
Mas no banquete, em sua taça
colocou-se,
servido o vinho, aquele anel de
ouro belo!
Quando a Rainha encontrou o seu
anel,
teve certeza de que Arpad estava
perto;
pediu licença e foi até a
cozinha,
sob o pretexto de escolher pote
de mel.
Lá viu Arpad, a perna atando com
seu lenço
e lhe pediu, em segredo, o rosto
tenso,
“Trouxe a maçã que eu lhe dei,
meu caro?”
Passou-a Arpad, bem depressa, à
sua Rainha!
EPÍLOGO
Ela serviu a maçã para o mau rei,
que de imediato engasgou-se e
desmaiou!
Na confusão, voltou à cozinha
Katalina:
“Vamos depressa, consigo agora
fugirei!”
Uma passagem secreta logo achava
e junto dela, São Sebastjen já
esperava
com os três cavalos – e o trio
logo escapou,
até a margem de beleza
cristalina!...
O grande peixe pelos dois ali
esperava,
nele subindo o casal, sem mais
temor,
de volta às plagas de sua bela
Hungria.
Boldizsar com o baio os
aguardava...
Recebidos na pátria em mil
festejos,
ambos felizes e a trocarem muitos
beijos...
Porém Szilverszter dessa noite
não passou
e a seu senhor, o demônio,
retornou!...
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