domingo, 21 de junho de 2015





O HUSSARDO VALENTE
(Conto de fadas húngaro, publicado na coleção OS MAIS BELOS
CONTOS DE FADAS, da extinta Editora Vecchi, Como a acentuação
em húngaro difere da nossa, deixei os acentos de lado. Adaptação e
versificação William Lagos, 01 JUN 2015).

O HUSSARDO VALENTE I  (*)

Após findar a guerra a que chamaram dos Trinta
Anos, mas que durou quase quarenta,
viu-se um corajoso hussardo dispensado,
saindo em busca de um lugar em que se sinta
mais à vontade para recomeçar sua vida,
pois só a militar é que lhe era conhecida;
já antes dos quinze na tropa praça senta
como tambor, com sua farda acostumado...
(*) Os hussardos compunham um regimento de farda rica e elaborada,
cuja origem fora a Hungria, mas adotada depois por Napoleão.

Porque, de fato, roupa civil nem sequer tinha
e como a guerra fora ao Império mal parada,
e de seu soldo só recebera uma fração,
saiu da tropa a envergar a farda de linha,
o armamento e a montaria fiel,
não mais tendo alojamento em seu quartel,
a tropa inteira totalmente dispersada,
perdida dela a lealdade e comunhão...

Já que em dinheiro muito pouco lhe coubera,
saiu o hussardo ansioso a correr mundo,
atrás da sorte ou quiçá oportunidade...
Arpad era um tenente, graduação que só lhe dera
a sua coragem perante mil perigos,
jamais recuando frente à frente aos inimigos,
por sua bandeira sentindo amor profundo
por seu Império uma total fidelidade!...

Assim Arpad foi cavalgando sempre à frente,
de volta à Hungria, o seu torrão natal,
cruzou a Polônia, depois a Áustria inteira
e a Szombathely chegou eventualmente,
pensando ainda a Budapeste dirigir-se,
em que trabalho talvez pudesse conseguir-se.
Por toda a parte, porém, para seu mal,
vendo ocupada mesmo a vaga derradeira.

O HUSSARDO VALENTE II

Ora, a cidade se encontrava em pleno luto:
não só as pessoas de negro se vestiam,
mas até mesmo assim pintavam as suas casas!
Observando a seu redor, com olhar arguto,
até a fumaça das lareiras a carvão,
a atmosfera enegrecia em profusão...
Marchavam tristes os passantes que se viam,
cinzas nas ruas, de mistura a algumas brasas...

Seguiu em frente, o cavalo a trote manso,
que não lhe entrasse brasa em ferradura!
Parou em frente, afinal, de uma estalagem,
pois merecia o animal o seu descanso...
Seu uniforme colorido contrastava
com o negrume que a gente ali mostrava
em cada peça da indumentária escura,
mesmo coberto com a poeira da viagem...

Pediu uma refeição, foi bem servido,
sem lhe cobrarem qualquer conta excessiva.
Não sendo hora de grande movimento,
conversa entabulou, sendo atendido
pelo patrão, de bastante bom humor,
que se dispôs a explicar-lhe o tal pendor
das vestes negras daquela gente altiva,
que lhe causara um certo estranhamento...

“Caro Tenente, ocorreu-nos a desgraça!
Nossa cidade sempre foi independente,
embora o Reino fosse sujeito ao Imperador,
sem que nunca dissensão aqui se faça...
Porém um dia, três parentes afastadas
perante o Rei Géza chegaram apressadas,
apresentando, então, razão premente
para de asilo merecerem seu favor...”

O HUSSARDO VALENTE III

“Nosso bom rei recebeu-as com calor
e logo as pôs a tomar conta do castelo,
entregando-lhes até mesmo a educação
da Princesa Katalina e, sem temor,
Sua Majestade submeteu-lhes as empregadas,
sem saber que eram três bruxas disfarçadas,
que só fingiam lhe demonstrar desvelo,
mas feitiços fizeram logo em profusão!...”

“Sei muito bem, por intermédio de uma prima,
chamada Ildiko, que no castelo trabalhava
e viu as bruxas a transportar coisas no ar
e a enfeitiçarem a Princesa Katalina;
logo a seguir, convenceram ao bom rei
que promulgasse a mais estranha lei:
que Katalina tão somente se casasse
com quem três provas conseguisse suportar...”

“Afinal, Katalina seria a herdeira,
já que os irmãos pereceram em combates;
logo a seguir, morreu o rei, subitamente,
como regente se tornou uma feiticeira!
Desse modo, Katalina, mesmo bela como o Sol,
com os olhos mais luzentes que um farol,
há cinco anos está solteira, que aos embates,
até hoje, ninguém pôde fazer frente!...”

“Caso ela se casar, as três bruxas perderão
todo o domínio que têm neste país!...
Portanto as provas são até desmesuradas:
ninguém consegue suportar tal provação!...
E quem não morre, desiste da empreitada,
sem resistir sequer a uma jornada!...
A alguns deles a Princesa bem que quis
e os dias passa a verter lágrimas pesadas!...”

O HUSSARDO VALENTE IV

“Ninguém consegue se livrar das falsas tias,
que passam a zombar do triste pranto:
‘Chore à vontade, porque somente casará
com quem puder suportar-nos por três dias!...
Das nossas provas ninguém consegue triunfar!’
Já se duvida que alguém mais possa enfrentar;
lastima o povo, encolhido em cada canto,
que a desafiá-las ninguém mais se atreverá!”

“Pois tentarei,” disse Arpad, “sou valente!”
“Pense de novo, alguns ficaram aleijados,
um ficou cego e dois até morreram,
péssima é a sorte de cada pretendente!
Para casar-se, quem decide é a princesa,
Só que essa lei a agrilhoa com firmeza...
Mas quem vencer, por piores os seus fados,
conquistará o que tantos já perderam!...”

“O povo inteiro o aceitaria como rei,
que não suportam mais a tirania
dessas três bruxas, que tanto nos exploram!
Mas dissuadi-lo, assim mesmo, eu tentarei,
pois seu destino talvez seja terrível
ou pelo menos, suportará tormento horrível,
qual relatava toda a gente que sofria
os malefícios com que as bruxas os agouram!”

“Amanhã cedo seguirei até o castelo!”
Arpad, com coragem, repetiu.
“Se não se importa, primeiro acertaremos
a sua despesa, bravo hussardo belo,
já que é possível que não venha a retornar
e meu negócio assim irá prejudicar...”
O hussardo, alegremente, consentiu
e foi dormir, sem pesadelos ter ao menos...

O HUSSARDO VALENTE V

No outro dia, pagou a conta e despediu-se;
chegou ao castelo, em que foi bem recebido
pelas três bruxas, Boglanka, Eniko e Csillina: (*)
“Aguarde as provas hoje à meia-noite!”
as três disseram, rindo às gargalhadas.
Ficou Arpad a andar pelas sacadas,
até avistar no jardim um bem querido:
Era sem dúvida a Princesa Katalina!...
(*) Pronuncie “Tchilina”.

Ela acenou que descesse até o jardim.
Era mais bela ainda assim de perto!
“Você é garboso,” lhe disse Katalina.
“Farei o possível para que triunfe assim.”
E depois de alimentá-lo, hospitaleira,
ela entregou-lhe três prendas, a primeira
um livro negro, um lenço negro aberto;
e um círio negro nas suas mãos, enfim.

“Há muitos anos com as três bruxas convivo
e já aprendi como posso derrotá-las,
também estudei um bocado de magia:
de cada uma um ponto fraco ativo:
Boglanka não resiste à negra luz,
para Eniko este livro é como cruz;
amarre o lenço no rosto, contra as falas
de Csillina, pois só destarte a venceria...”

“Hoje à noite, fique à espera no salão;
acenda o círio, amarre o lenço à face;
abra o livro, para atentamente o ler...
Que lhes entregue as prendas pedirão,
mas não levante os olhos da leitura,
por mais feroz que seja a sua tortura;
agarre o círio, qual se em missa se encontrasse,
bem firme o lenço seu rosto a proteger!”

O HUSSARDO VALENTE VI

Logo ressoaram as doze badaladas
e as três bruxas cercaram o tenente,
pedindo as prendas com toda a gentileza,
porque eram todas as três bem encantadas
e não poderiam nenhuma lhe arrancar.
Mas o hussardo fixou no livro seu olhar,
mantendo o círio em sua direita, firmemente,
o lenço preso à cabeça com firmeza.

E como ele a seus pedidos se negasse,
começaram a zombar com mais veemência,
logo a seguir, mil insultos a lançar;
mas como os olhos ele nunca levantasse,
as três o começaram a empurrar,
sem que o círio conseguissem apagar;
furiosas, o ergueram com violência,
umas às outras a jogá-lo pelo ar!...

Mas por maior que fosse o sofrimento,
Arpad firme às instruções obedecia,
mesmo lançado às paredes ou ao chão.
Por várias horas perdurou o seu tormento;
sentia o pobre as mais terríveis dores,
mas nenhum osso se quebrou nesses ardores;
mesmo depois que a consciência ele perdia,
livro e círio trazia firmes em sua mão!

E assim ficou, até mesmo desmaiado,
o círio aceso, o livro ainda aberto,
o lenço negro em torno de sua face,
até que as bruxas o largaram, abandonado.
Mas em seguida aproximou-se Katalina
e com unguentos mágicos, a menina
rapidamente deixou o rapaz desperto,
depois que as dores todas lhe tirasse!

O HUSSARDO VALENTE VII

Durante o dia inteiro ela o tratou,
alimentou-o, cuidou dele com carinho:
“Hoje à noite, será a prova ainda pior,
mas se comporte como já se comportou
e poderá suportar as feiticeiras:
o livro mágico traz palavras bem certeiras!”
“Confesso esqueci cada pedacinho...”
“Não tem importância, desde que o leia com ardor!”

E nessa noite as bruxas retornaram.
“Voltou de novo, seu hussardo louco?
Dê-nos o livro, o lenço e a negra vela!...”
Gentis palavras a princípio lhe falaram,
aos poucos já ofendendo e insultando;
logo no ar o foram levantando;
e como se o castigo fosse pouco,
um azorrague de sete pontas se revela!

E assim as três o chicotearam toda a noite,
estraçalhando seu magnífico uniforme,
rasgada a pele e a carne bem depressa,
com chibata, com chicote e com açoite!...
Mas mesmo assim, o lenço negro nunca sai,
o círio negro de sua mão não cai,
o livro aberto em proteção conforme...
E a noite inteira seu espancar não cessa!

Porém possuindo as três prendas de magia,
continuou firme até seu desfalecer,
quando então se retiraram as feiticeiras
e Katalina mais que depressa aparecia;
com seus unguentos a carne restaurou,
magicamente, seu uniforme costurou,
até o menor rasgão não mais se ver,
enquanto as dores iam sumindo bem ligeiras!

O HUSSARDO VALENTE VIII

Tratou dele o dia inteiro, com carinho.
“Estão furiosas as três bruxas com você!
Mas faça o mesmo hoje à noite que já fez,
embora seja hoje ainda pior seu pelourinho!...
Seja constante, pois casarei consigo...”
“Por seu amor, vencerei qualquer perigo!...”
Que trocaram muitos beijos, já se vê...
“Por ti tudo aguentarei, sei que me crês!...”

E nessa noite, as três bruxas retornaram,
com violência, desde o primeiro instante,
usando facas, adagas e punhais
e de Arpad muito sangue derramaram,
porém como ele seguisse suportando,
na lareira acesa o foram atirando,
esperando em tal ordálio causticante,
queimá-lo vivo, em vinganças terminais!

Contudo o livro ao hussardo protegeu,
por mais ficasse muito malferido,
mas Katalina acorreu para tratá-lo
e logo Arpad se acordou e agradeceu.
Katalina anunciou, no dia seguinte,
que ele vencera e uma boda, com requinte,
foi celebrada, todo o ritual cumprido
tal qual o Bispo resolveu determiná-lo.

Mas Katalina tivera de aceitar
uma nova condição das feiticeiras,
antes que as três partissem finalmente
e após um mês completo terminar,
convidou ela o seu esposo e rei
a assistir, consoante antiga lei,
três missas em igrejas pegureiras, (*)
em três colinas, à luz do Sol nascente...
(*) Construídas em encostas de montanhas.

O HUSSARDO VALENTE IX

“Porém escute muito bem, meu rei querido,
você não pode em tais missas dormir,
caso contrário, você me perderá!...”
Sentiu-se Arpad até muito surpreendido:
“Não há razão para em missa adormecer,
jamais tal coisa foi comigo acontecer!...”
“Então não esqueça do que lhe fui pedir,
senão terrível maldição se cumprirá!...”

Foi o Rei Arpad acompanhado por um pajem,
chamado Csaba, que julgava ser fiel,
mas que era falso e ambicioso, na verdade,
e quando se hospedaram em estalagem,
na qual Boglanka se fingia de hospedeira,
fez-lhe a bruxa uma oferta bem traiçoeira:
“Um táler de ouro lhe darei, caro donzel,
se me atender em brincadeira sem maldade...”

“Na cueca do rei ponha esta pequena agulha,
toda de ouro, que em nada o irá ferir...
Em troca esse táler de ouro lhe darei;
não o machucará, caso o fizer sem bulha...”
Destarte, Csaba aceitou essa propina,
ganhando a moeda de ouro que o fascina,
a agulha de ouro dispondo-se a inserir...
É só uma agulhinha!  Mal algum eu lhe farei!

No outro dia, de manhã bem cedo,
foi Arpad cavalgar com Katalina,
para a missa assistir naquela igreja,
sem saber da tal agulha o vil segredo.
Csaba na cueca a colocara com cuidado,
presa bem firme, para ficar de lado,
sem lhe causar sequer dor pequenina,
durante o tempo em que na missa esteja.

O HUSSARDO VALENTE X

“Não adormeça na igreja, meu querido!”
Arpad era húngaro e um católico sincero:
“Em cada missa que assisti, eu comunguei,
nenhuma houve em que tivesse adormecido!”
Porém se viu tomado por um profundo sono,
logo a dormir, no mais vasto abandono...
E por mais que a rainha o beliscão mais fero
lhe aplicasse, despertar não pôde o rei!...

Arpad só acordou no fim da missa,
quando o “Amém!” pronunciou a congregação,
muito espantado com o que lhe ocorrera
e jurou, pela promessa mais castiça,
que de outra feita não adormeceria.
Katalina firmemente o advertia:
“Não se deixe envolver na maldição!
Fique acordado na segunda e na terceira!...”

Csaba soube o que ao rei acontecera
e que a agulha fosse a causa, desconfiou,
mas quando foram para outra estalagem,
Eniko estava disfarçada e à espera
e o convenceu, até sem grande bulha,
por dois táleres de ouro; e a tal agulha
na roupa branca do rei se conservou:
foi a ambição maior que a malandragem...

E novamente, por maior fosse o cuidado.
o Rei Arpad outra vez adormeceu
e por mais que o empurrasse Katalina,
só acordou quando se deu por terminado
do ritual religioso o sacramento...
Ficou a rainha no maior pressentimento:
“Pela segunda vez já aconteceu!...
Não vês, Arpad, qual será a nossa sina...?”

O HUSSARDO VALENTE XI

Foi extremamente incisiva Katalina:
“Se adormeceres na terceira igreja
e não tomares a Santa Eucaristia,
ser-te-ei roubada por terrível sina!...”
Arpad fez o que pôde para dormir
durante a noite, porém sem conseguir!
Tomou calmante e chá, tokay e cerveja, (*)
mas uma insônia permanente o perseguia!...
(*) Famoso vinho húngaro.

Agora Csaba tinha a certeza mais completa
de que a causa era a tal agulha de ouro
e jurou em silêncio não colocá-la novamente,
mas a ambição que o dominava era abjeta
e quando Csillina cinco táleres ofereceu
a seus escrúpulos não mais o pajem acedeu,
pois para ele representavam real tesouro:
servo corrupto, traiu seu rei completamente!

E assim na missa, nessa terceira igreja,
novamente veio a força irresistível
e os olhos do hussardo se fecharam totalmente;
até mesmo para erguer-se ele se aleija
e a despeito de toda a resistência,
acabou por entregar-se à impotência
e só despertou da magia incoercível
quando o “Amém!” o sobressaltou inteiramente!

Olhou em volta, procurando Katalina,
sem discerni-la em qualquer lugar;
interrogou toda a congregação:
ninguém a vira sair da igreja no fina!...
Colocou os cortesãos à sua procura,
mais os soldados, porém foi uma loucura!
Ninguém a vira de seu banco levantar,
ninguém achava a menor explicação!...

O HUSSARDO VALENTE XII

Nem todos os sábios do reino consultados
foram capazes de encontrar a solução,
mas nessa noite, quando se desvestiu
e viu Csaba a transportar trajos usados,
uma coisinha brilhante foi ao chão
e atraiu do rei hussardo a sua atenção!...
Ficou o pajem em vergonha e confusão,
criou desculpas, mas no final se desmentiu...

Mandou Arpad enforcar o vil traidor
e procurar por todo o reino as feiticeiras,
cuja culpa o mau servo confessara,
mas embalde dos mensageiros foi o ardor,
que em parte alguma as bruxas encontraram;
os oito táleres em um rio então jogaram,
pois maldições havia neles bem certeiras:
seria maldito o que com eles se comprara!

Passados três meses, três semanas e três dias,
em que Arpad dedicou-se a governar,
tomando sempre as mais sábias decisões,
conquistando amplo respeito e honrarias
de todo o povo, mais sua comiseração,
por ter sido submetido à maldição,
três estudantes audiência vêm solicitar,
dizendo ao rei possuir certas soluções...

“Somos nós três estudantes de alquimia
e sabemos da Rainha o paradeiro,
o esconderijo também das feiticeiras,
que descobrimos desvendando sua magia.
Pois mande o rei forjar balas de prata,
nenhuma outra essas três bruxas mata!”
E lhe entregaram então mapa bem certeiro,
indicando como chegar até suas beiras.

O HUSSARDO VALENTE XIII

“Mas quem eu quero encontrar é Katalina!”
“Só que as três bruxas deveis matar primeiro;
Vossa Majestade é quem as deve abater.
Não temos o mapa que à Rainha se destina,
mas elas guardam um cavalo bem selvagem,
que saberá todo o roteiro da viagem;
mas levai alforjes cheios de joias e dinheiro:
grande quantia ireis ter de despender!...”

“A seguir, montareis nesse cavalo,
sem arreios, sem estribo e sem ter freio;
ele conhece aonde fica o grande mar;
deixai que corra, sem tentar freia-lo,
que o levará até São Boldizsár, (*)
que meio mundo tem o dever de controlar.
Firmar-vos-eis à sua crina, sem receio;
de forma alguma interrompei seu galopar!”
(*) Leia-se “boldissar”, correspondente a Baltazar.

Arpad quis lhes dar a recompensa,
mas recusaram-na os três jovens alquimistas:
“Queremos o reino sem sofrer mais bruxaria
e da Rainha recobrar a linda presença...”
Assim o hussardo fez forjar balas de prata,
nomeou regentes e partiu para a tal mata,
cem soldados marchando nas suas pistas,
até que a choupana em clareira se atingia...

Os soldados cercaram a choupana
e o rei determinou que a arrombassem,
mas defenderam-se com sua magia brava;
e assim mandou pusessem fogo na cabana.
Saíram então, a gritar, as feiticeiras,
que ele abateu com suas balas bem certeiras,
mas evitou que as cocheiras se queimassem,
pois o feroz cavalo baio ali se achava.

O HUSSARDO VALENTE XIV

Foi mui difícil suster esse animal,
mas o hussardo montou nele, facilmente;
fez os alforjes prender com barrigueira,
firmou-se às crinas com poder real...
Quando o soltaram, o animal partiu
qual uma flecha e o rei não permitiu
que o desmontasse seu corcovear frequente
e para o Oriente foram tomar veloz esteira!

Levou três sóis galopando, dia e noite,
até chegar perante um vasto mar,
em cuja praia havia igreja de madeira,
parando súbito, qual tocado por açoite!...
A porta abriu-se e surgiu um alto ancião,
de barba branca, que inclinou-se em saudação:
“Rei Arpad, já o estava a esperar:
Deus enviou-me mensagem bem certeira!...”

“Fazei primeiro uma boa refeição
e seu cavalo há de ficar comigo,
pois hoje o mar tereis de atravessar,
numa viagem de longa duração.
Lá do outro lado, encontrareis o meu irmão,
que ali o espera e lhe dará orientação.
É São Sebastjen e reparto consigo (*)
cada metade do mundo a administrar.
(*) Leia-se “sebástien”, correspondente a Sebastião.

Pouco depois, o Santo Boldizsar
chamou um grande peixe até a praia
e disse ao rei que montasse sem receio,
que o levaria através do grande mar...
“São Sebastjen do outro lado encontrará,
que para o seu destino o orientará;
sabe ele apenas de Katalina a raia
e como lá chegar lhe dará o meio...”

O HUSSARDO VALENTE XV

Subiu Arpad ao dorso do animal;
nas barbatanas com firmeza se agarrou,
cruzando o mar por três dias e três horas,
a praia oposta atingindo no final,
em que o aguardava outro garboso ancião,
que o recebeu em respeitosa saudação.
“Sou São Sebastjen” a seguir ele falou,
“meio mundo a governar desde os outroras...”

“Sede bem vindo e alimentai-vos bem;
será difícil vossa esposa recobrar;
o Rei Szilverszter a tem em seu poder (*)
e como filha ele a adotou também,
sabendo bem que lhe chegou por mágica,
bem conhecendo a sua história trágica;
mas prometeu-a em matrimônio dar
a quem por prova a possa merecer...”
(*) Pronuncie “Silvéster”, correspondendo a Silvestre.

“Dizei-me então, trazeis bastante ouro?”
“Claro que sim, eu pagarei o que quiser...”
Riu-se o santo: “De meio mundo sou guardião
e nem em sete gerações igual tesouro
vós e os filhos vossos poderíeis juntar,
igual a quanto tenho meios de vos dar...
Mas se eu vos desse, não iríeis merecer
tal grande prêmio, só por bravura e devoção!”

“Katalina se acha em torre de cristal,
bem no pico de montanha alcantilada
e diz Szilverszter que a dará em casamento
a quem consiga, sem sofrer um dano ou mal,
cavalgar até o alto da montanha,
somente impondo dificuldade assim tamanha
porque deseja conservá-la bem guardada,
sem querer dispor dela em algum momento...”

O HUSSARDO VALENTE XVI

“Marchai agora por uma hora até a cidade;
comprai um cavalo negro inteiramente,
sem um só pelo branco, com o freio,
arreios, sela e estribos em igualdade,
mais uma roupa toda negra com chapéu.
Ide a um ferreiro, que se chama Dorothéu,
que é de minha confiança totalmente,
que vos faça ferraduras de ouro, sem receio.”

“Serão seus cravos inteiramente de diamante.
Basta dizer que vos envia Sebastjen
e lhe pagar uma conta bem razoável
e ele vos atenderá bem o bastante...
Voltai montado de novo, até aqui,
para que eu veja se está como pedi...”
Andou Arpad até a cidade além,
Só retornando após tempo apreciável.

São Sebastjen a tudo examinou:
o cavalo negro, sem um branco pelo,
as ferraduras e as roupas, qual pedira
e as novas instruções lhe consignou:
“Amanhã bem cedo, ide à mansão real,
bem no sopé da Montanha de Cristal,
em cujo alto enxergareis palácio belo:
Katalina de saudade no topo só suspira!”

O Rei Hussardo seguiu-lhe as instruções,
chegando ao pé da Montanha de Cristal,
transparente de gelo e igual escorregadia.
Alguns cavaleiros já tentavam soluções,
sem conseguir chegar sequer ao meio do caminho,
mas com um salto, seu cavalo foi pertinho
e com as ferraduras de dourado metal,
chegou ao pico a que ninguém mais atingia!...

O HUSSARDO VALENTE XVII

E na sacada encontrou a sua belíssima
Katalina, que o reconheceu na mesma hora.
Trocaram beijos e ela lhe deu um anel.
“Agora desça aos poucos desta altíssima
montanha e então reclame a recompensa!...”
Mas o Rei Szilverszter, fisionomia tensa,
negou que Arpad a merecesse agora:
“Você mente ter subido, seu furriel!...”

Ora, isso era insulto até para um tenente,
pois um “furriel” era menos que um sargento,
que dirá o tratamento para um rei,
mas Szilverszter mentia, francamente...
Nenhum presente, contudo, o contrariou
e ao cavaleiro negro ele expulsou:
“Jamais retorne aqui, verme nojento!
Caso se atreva, eu o enforcarei!...”

O rei hussardo retornou a Sebastjen
e o quanto se passara relatou.
“Já esperava alguma espécie de traição...
Retornai à cidade.  Lá comprareis também
um cavalo com o pelo bem dourado,
douradas roupas e igual todo o ajaezado.
Voltai ao ferreiro que vos já acomodou
e encomendai-lhe outra igual ocupação.”

E quando Arpad retornou para o guardião,
ele examinou todo o pelo uma vez mais,
sem que um fio encontrasse de outra cor.
“Voltai amanhã, com o mais forte coração.
Szilverszter fez erguer mais a montanha,
lisa e fria e escorredia é tamanha
que ele acredita difícil ser demais
de ser galgada, por maior que seja o ardor.”

O HUSSARDO VALENTE XVIII

E novamente, após dar salto tremendo,
o seu ginete dourado arremeteu
e ainda escarvou habilmente todo o chão,
até o pico, mesmo o topo acometendo...
Lá de novo encontrou a sua Rainha,
que o beijou muito saudosa, a pobrezinha
e então um lenço bordado ela lhe deu:
“Desça o alcantil com cuidado até a mansão!”

Mas novamente o rei Szilverszter se negou:
“Não vi você subir até o alto!...
Vá-se embora, seu grande mentiroso,
vil anspeçada, que em nada triunfou!...”
Ora, este era um insulto ainda maior,
pois “anspeçada” era um posto até menor
que o de um cabo.  Mas que o cavalo dera o salto
uns confirmaram, deixando o rei furioso!

Mas Arpad recusou-se a discutir,
batendo ao rei respeitosa continência
e indo de novo consultar o seu guardião.
“Esse mau rei pretende só mentir...
Mas desta feita, ireis comprar uma alimária
totalmente branca e igual indumentária.
Pedi a Dorothéu ter mais paciência,
com ouro e diamantes a ferrar, em minha atenção!”

E lá seguiu, todo de branco, o cavaleiro,
terceira vez, a mesma prova a enfrentar...
O rei Szilverszter toda a montanha cercara
com dez de seus regimentos, por inteiro,
e proibira toda a presença de civis,
não contrariassem suas intenções tão vis;
mas novamente o corcel branco viu saltar,
pois bem no alto da montanha aterrissara!...

O HUSSARDO VALENTE XIX

Mais uma vez, ele abraçou a sua Rainha,
que lhe entregou bela maçã de ouro...
Szilverszter, por uma vez, não se negou:
“Você é o mesmo que já antes aqui vinha;
Ganhou a prova e tem meu consentimento:
volte amanhã, que ordenarei o casamento!”
Mas quando Arpad cavalgou, sem mais desdouro,
uma chuva de flechas o alcançou!...

Por sorte, só acertaram em sua perna
e São Sebastjen tratou de sua ferida.
“Esse rei, de fato, é digno de morte
e até merece a condenação eterna!...
Pois levou hoje para a distante capital
sua Katalina, cheio da fúria mais total!...
Mas amanhã o acompanharei em vossa lida,
os três cavalos ajudarão a nossa sorte!...”

E chegados que foram à capital,
São Sebastjen ajudou-o a disfarçar-se
e foi o rei pedir emprego no castelo...
Como copeiro, agiu de forma natural,
até que o rei determinou seu casamento
com Katalina, feio e cruel tormento!...
Mas no banquete, em sua taça colocou-se,
servido o vinho, aquele anel de ouro belo!

Quando a Rainha encontrou o seu anel,
teve certeza de que Arpad estava perto;
pediu licença e foi até a cozinha,
sob o pretexto de escolher pote de mel.
Lá viu Arpad, a perna atando com seu lenço
e lhe pediu, em segredo, o rosto tenso,
“Trouxe a maçã que eu lhe dei, meu caro?”
Passou-a Arpad, bem depressa, à sua Rainha!

EPÍLOGO

Ela serviu a maçã para o mau rei,
que de imediato engasgou-se e desmaiou!
Na confusão, voltou à cozinha Katalina:
“Vamos depressa, consigo agora fugirei!”
Uma passagem secreta logo achava
e junto dela, São Sebastjen já esperava
com os três cavalos – e o trio logo escapou,
até a margem de beleza cristalina!...

O grande peixe pelos dois ali esperava,
nele subindo o casal, sem mais temor,
de volta às plagas de sua bela Hungria.
Boldizsar com o baio os aguardava...
Recebidos na pátria em mil festejos,
ambos felizes e a trocarem muitos beijos...
Porém Szilverszter dessa noite não passou
e a seu senhor, o demônio, retornou!...


William Lagos
Tradutor e Poeta
Blog:
www.wltradutorepoeta.blogspot.com


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