O
TERCEIRO HÓSPEDE
(Folclore mexicano, recolhido por B. Traven, pseudônimo de Otto
Feige, Schwiebus, Brandenburg, 1882-1969,emigrado para o México em 1924, também
ator teatral e de pontas no cinema mudo inglês, sob o pseudônimo de Ret Marut. Conservou o anonimato até sua morte, quando
seus últimos escritos foram revelados por Rosa Luján, sua esposa mexicana. Versão
Poética de William Lagos, 15/12/11, em terza rima.)
O
TERCEIRO HÓSPEDE I -- 15/12/11
No
velho México, há uns duzentos anos,
habitava
um pobre e triste lenhador,
que se
esforçava no seu árduo labor.
Todos
os dias até a noite trabalhava
e lá no
fundo das matas procurava
as
árvores caídas, sem enganos,
cuja
madeira já se achava ressequida
e com
machete era fácil de cortar,
sem precisar
em demasia se esforçar.
Nunca
pudera um machado adquirir:
aquela
lâmina de aço, a reluzir,
custar-lhe-ia
muitos meses de sua vida.
De
fato, por muito tempo só pudera
catar
os galhos secos e vender
os
grandes feixes que podia entretecer
com as
lianas encontradas pela mata,
porém
um dia, enquanto andava à cata,
vira o
facão que alguém por lá perdera.
O
TERCEIRO HÓSPEDE II
De
certo modo, fora preservada
a
lâmina de aço, sem ferrugem,
o cabo
desfizera-se em penugem...
Mas com
uma navalha, foi serrando
um
galho rijo e um cabo afeiçoando,
sua
vida desde então facilitada.
O
lenhador, cujo nome era Macário,
teve
sua obra bem depressa melhorada,
muito
mais lenha logo era cortada...
Ele
dispunha de uma pedra de amolar,
que
achara, pela estrada a caminhar:
servia
bem para seu uso diário.
Ele
afiava o machete com carinho,
a
lâmina brilhando pouco a pouco,
pois se
esfalfava no trabalho feito louco.
Prendeu
o cabo firme com embira,
trançada
bem, amarrada como tira,
mas a
lâmina cedia ainda um pouquinho...
O
TERCEIRO HÓSPEDE III
Então
Macário encontrou um galho duro,
mas de
haste bem fina e foi serrando:
fez
dois tarugos e depois foi empurrando
nos
buracos em que um dia houvera pregos
e no
cabo que cortara, abriu dois regos,
enfiando
uma cavilha em cada furo,
para
cortar depois, pacientemente,
de cada
lado, a ponta que sobrara;
fizera
inchar o pedaço que ficara,
pondo-lhe
água até ficar bem preso,
deixando
o cabo perfeitamente teso
e capaz
de aguentar golpe potente.
Foi
desse modo que Macário conseguiu
um
excelente instrumento de trabalho,
com que
podia cortar um grosso galho
e
aumentou suas cargas, bem contente,
vendendo,
por um preço diferente,
cada
acha grossa que agora produzia...
O
TERCEIRO HÓSPEDE IV
Mas
embora sua renda melhorasse,
seus filhos
aumentaram mais depressa:
teve
dez, teve doze; e depois dessa,
procurou
ficar longe da mulher:
não
poderia sustentar, com seu mister,
mais
nenhum filho que ela lhe gerasse.
Todos
os dias comia raízes e frutinhas
e
fizera uma vasilha de taquara,
comprida
e grossa, carregada numa vara,
que de
água enchia; e assim, a toda hora,
a fome
se enganava e ia embora,
enquanto
mastigava umas folhinhas.
E às
vezes, conseguia roubar mel,
enxotando
as abelhas da colmeia,
que
levava para a esposa, Rosicleia,
com as
frutas que pudesse carregar,
e que
seus filhos vinham logo disputar,
breve
consolo para o amargor de fel...
O
TERCEIRO HÓSPEDE V
Já em
casa, depois de se banhar,
ia
sentar-se, finalmente, à mesa.
Sua
mulher lhe servia, com certeza,
uma
tigela de batatas com feijão,
mas via
os filhos e só de compaixão,
a maior
parte acabava por lhes dar.
E
enquanto as crianças disputavam
e a
mulher o olhava, consternada,
ele
fazia uma prece apaixonada:
“Ai,
meu Deus, eu queria só pra mim
um peru
inteiro, para comer assim,
sem
precisar dividir com os que me olhavam!”
Depois,
ia dormir, louco de fome,
mas o
ditado diz: “Quem dorme, janta...”
E antes
da hora em que passarinho canta,
vai ele
encher no poço sua taquara,
prender
ao cinto o facão por uma apara,
e logo,
logo, pela mata some...
O
TERCEIRO HÓSPEDE VI
E a
história se repete, diariamente:
ele
traz o quanto pode para casa,
mas a
panela fica sempre rasa...
A
comida nunca chega para tantos
e ele
lenha, por trancos e barrancos,
dando o
dinheiro a Rosicleia inteiramente.
Mas na
hora de comer, a criançada,
que
comeu pouco e ainda está faminta,
nada
lhe pede, mas fazem que ele sinta,
com a
força de seus olhos esgazeados
e ele
cede sua tigela aos esfomeados,
comendo
muito pouco ou quase nada!
E
sempre ergue seus braços para o céu:
“Ai,
meu Deus, eu queria só pra mim
um peru
inteiro, para comer assim!...”
Logo em
seguida, se joga a ressonar,
a fome
adiando, sem poder matar,
nessa
tristeza que o envolve como um véu.
O
TERCEIRO HÓSPEDE VII
Um dia,
ao acordar de madrugada,
Sentiu
um cheiro de peru assado,
Mas a
seguir se virou para o outro lado...
É só um sonho bom... fica a pensar.
Pouco
depois, quando vai levantar,
chega
sua esposa, com jeito de cansada
e lhe
entrega alguma coisa bem pesada,
envolta
numa toalha: “Vai embora,
antes
que acordem as crianças nesta hora.”
“Este é
o peru que tanto desejavas:
eu fui
juntando o dinheiro que me davas,
come-o
inteiro e não deixes dele nada...”
“Mas e
tu, não comes um pedaço?”
“Se eu
tirar, não será um peru inteiro.
Eu me
esforcei e levantei primeiro...”
“Quero
que o comas todo, integralmente.
Há
muitos anos quero dar-te este presente:
vai
comer, com meu amor e meu abraço!...”
O
TERCEIRO HÓSPEDE VIII
“Mas, e
as crianças?” perguntou Macário.
“É teu
trabalho que lhes dá comida;
é muito
justo, que uma vez na vida,
possas
comer o teu peru inteiro.
Mas
agora, pega logo e sai ligeiro,
tens de
cumprir o teu labor diário...”
Macário
agradeceu, profusamente,
e
despediu-se da esposa, com um beijo.
Andava
rápido, movido por desejo...
O peru
estava quente no seu braço:
“Ah, comeria, sem deixar um traço!
O seu estômago cheio, finalmente!...
Assim
pensando, se embrenhou no mato,
até
chegar à clareira, muito urgente,
em que
estava trabalhando, ultimamente.
O seu
peru pendurou firme num galho
e
passou toda a manhã no seu trabalho,
água na
boca, pelo peru em seu prato!
O
TERCEIRO HÓSPEDE IX
Depois,
lavou-se na água do riacho
e então
sentou-se para abrir sua toalha:
o
alimento recompensa a quem trabalha...
Ficou
sentindo o cheiro delicioso.
Nunca
vira peru assado mais formoso:
Nem no
espeto, nem no forno e nem no tacho!
Examinou
seu peru, antegozando
o sabor
de sua carne e seu tutano,
para
guardar na lembrança mais de ano.
Ergueu
as mãos para dar graças a Deus,
que
cedo ou tarde ajuda os que são seus
e com
uma folha foi a lâmina limpando.
Mas no
momento em que ia dar-lhe um talho,
apareceu
perante ele um peregrino,
blusa
branca de peão, seu rosto fino...
E lhe
pediu, bastante meigamente:
“Meu
amigo, corro a terra diariamente:
dê-me
um pedaço de peru por meu trabalho...”
O
TERCEIRO HÓSPEDE X
Macário
logo viu não ser qualquer
o
viajante que surgira de repente:
era o
próprio Jesus, ali presente.
Descia
à Terra, para fazer o bem
e que
decerto auxiliara também,
na compra
do peru, a sua mulher...
Andava
esfarrapado e quase nu
e
parecia estar com fome, realmente,
mas
Macário não estava complacente.
“Para
eu poder comer esta ave inteira,
minha
esposa se esfalfou, trabalhadeira:
não
posso dar-lhe um pedaço do peru!”
El
Peregrino suspirou de compaixão:
“Está
certo, meu amigo, passe bem,
que
algumas frutas eu acharei, também.”
“Dou-lhe
minha bênção e todo o meu carinho;
Aproveite
o seu peru; não sou mesquinho.”
E
deu-lhe as costas, em comiseração.
O
TERCEIRO HÓSPEDE XI
Sentiu
algum remorso o lenhador,
mas
Rosicleia se esforçara tanto!
Podia
ver-lhe as lágrimas de pranto,
quando
lhe pode entregar o seu presente
e como
ele ficaria indiferente?
Preparara-lhe
o peru com tanto amor!
Ergueu
os braços para a Deus agradecer
e
levantou bem depressa o seu facão...
Mas uma
sombra lhe cobriu a mão!...
Ergueu
os olhos, cheio de surpresa:
chegara
outro, de oposta natureza,
bem
alto e magro, de estranho parecer...
Como a
de um Charro era sua vestimenta:
um
salteador, que percorria a Terra,
todo de
negro, vestido para a guerra.
Trazia
moedas costuradas no chapéu
e bem
depressa, dissipou-se o véu:
era o
diabo, que todo o cristão tenta!
O
TERCEIRO HÓSPEDE XII
“Estou
com fome, meu querido amigo,
dê-me
um pedaço desse seu peru!”
Macário
percebeu-lhe o olhar cru,
sua
maldade refletida em ameaça,
porém
julgou possuir de Deus a graça
e não
mostrou temor ao inimigo...
“Lamento
muito, mas vai-me desculpar;
minha
esposa passou a noite cozinhando,
para eu
comer sozinho se esforçando.”
“Não
reparti com ela ou com meus filhos:
volte
depressa a seus estranhos trilhos,
pois
nem um pedacinho vou-lhe dar!...”
El
Charro praguejou e foi-se embora,
ameaçando
fazer-lhe grande mal.
Sabia
Macário que tal ser infernal
só
poderia vencê-lo em tentação
e com
fervor, dirigiu nova oração
para
que os céus o protegessem nessa hora!
O
TERCEIRO HÓSPEDE XIII
Mas no
momento em que o peru ia partir,
uma
terceira figura apareceu
que,
num relance, logo conheceu,
com sua
sotaina negra e sua gadanha,
que mil
vidas cortara na sua sanha,
que ele
era a Morte pode logo deduzir!...
“Eu sou
El Magro,” disse-lhe a figura.
“Vai
querer dar-me um pedaço de peru?”
A
ambição lhe marcava o rosto nu
e
Macário já não podia recusar,
porque,
no mínimo, poderia adiar,
por
algum tempo, sua morte já segura...
“Pois
venha, então, para me acompanhar,”
falou o
lenhador, logo em seguida.
Se ele
morresse, quem daria comida
a
tantas bocas que em casa o aguardavam?
E logo
todos dois se banqueteavam,
cada um
a sua metade a mastigar...
O
TERCEIRO HÓSPEDE XIV
Meio
peru, na verdade, lhe bastou:
seu
estômago era pequeno e encolhido
e a ave
inteira nem teria comido
e
alegrou-se seu estranho companheiro,
após
comerem os dois peru inteiro
e na
sotaina as mãos ele limpou...
“Há muitos
séculos não comia tão bem!
Vocês,
humanos, me tratam muito mal.
Que
tenham medo de mim, é natural,
pois
nunca sabem o que espera do outro lado;
cada um
teme o castigo do pecado
e
muitos deles têm razão também!...”
“Porém
você tratou-me hoje diferente.
Para
você, morrer seria descanso,
de mim
seu medo realmente é manso...”
“É por
seus filhos sua preocupação
e só
por isso, vou mostrar-lhe compaixão
e lhe
darei um tesouro bem potente!”
O
TERCEIRO HÓSPEDE XV
“Dê-me
a taquara em que guarda sua água!”
Macário
obedeceu, sem nem pensar.
De um
só trago viu El Magro a esvaziar.
Podia
enchê-la no riacho, facilmente,
mas o
outro tinha intenção bem diferente
e o
contemplou com expressão de mágoa.
“Vai-me
levar ao Paraíso, em recompensa?
E quem
irá cuidar de minha mulher
e de
meus filhos, sem este meu mister?”
“Ou
quer fazer com que morram de fome?
São
jovens vidas que você mais come!...”
Disse-lhe
El Magro: “Não é o que você pensa.”
E
levantou-se, batendo com o pé,
aqui e
ali e pelo chão cuspindo...
Macário
persignou-se. Estava findo
Esse
breve adiamento que alcançara;
pensava
ver que El Magro se zangara
e
encomendou-se a Deus, com muita fé.
O
TERCEIRO HÓSPEDE XVI
Mas de
repente, viu quando jorrou
uma
fonte na clareira, de água pura:
nela
inclinou-se a estranha criatura
e sua
taquara encheu inteiramente.
A fonte
cessou de fluir, incontinenti!...
E o
viajante para ele retornou.
“Nem
toda morte tem de ser obrigatória,”
disse
ele, com os olhos reluzindo.
“Eu sei
que poucas vezes sou bem-vindo.”
“Sempre
apareço em caso de doença
e
dependendo do poder da crença,
as
almas levo para o Inferno ou a Glória!”
“Mas
agora, eu lhe dou a Água da Vida!
Caso me
encontre postado à cabeceira,
a morte
da pessoa é bem certeira...”
“Mas se
estiver aos pés, eu posso adiar:
basta
uma gota e posso me afastar
e
conceder-lhe uma certa sobrevida...”
O
TERCEIRO HÓSPEDE XVII
“Porém
da água se aproveite bem,
que é
quanto lhe darei por seu peru.
Só você
poderá ver-me a olho nu.”
“Se me
encontrar parado aos pés da cama,
num
copo uma só gota se derrama.
Encha
depois com mais água também.”
“Pois
quem bebê-la, logo sarará!
Mas
veja bem onde está seu benefício:
nunca
cobre, porque será um vício!...”
“Porém
todos presentes lhe darão
e à
porta de sua casa lhos trarão
e
facilmente, você enriquecerá...”
“Mas de
novo, se me achar à cabeceira,
diga
logo à família, francamente,
que vão
chamar o padre, prontamente,
Para
que lhe administre a extrema-unção.
Não
desperdice água, que esses vão,
bem
certamente, à sua morada derradeira...”
O
TERCEIRO HÓSPEDE XVIII
O seu
Terceiro Hóspede partiu
e
Macário até pensou ter sido um sonho.
Olhou
os ossos do peru, tristonho...
Comera,
realmente, só a metade?
Mas na
barriga sentia saciedade
e os
ossinhos na toalha ele reuniu.
Pois
serviriam para engrossar a sopa.
Durante
a tarde toda, cortou lenha,
quem
come bem mais energia tenha!
Pôs na
cabeça um feixe muito grosso,
sentia
estar uns dez anos mais moço,
músculos
fortes a lhe esticar a roupa...
Mas na
viagem de volta, duvidava,
pensou
até em beber aquela água,
pela
metade do peru sentindo mágoa.
Mas era
inverno e sua sede era pouca.
Chegando
em casa, viu a esposa quase louca
e
perguntou-lhe por que ela chorava...
O
TERCEIRO HÓSPEDE XIX
“É o
Reginito,” disse ela, em desespero.
“Está
doente, acho que vai morrer!...”
Chegando
à esteira, pode logo perceber.
El
Magro estava perante os pés parado!
Por um
instante, ficou atarantado
e o
outro o contemplou, de olhar severo...
Pediu
uma cuia d’água e lha trouxeram
e
dentro dela um pouco da água derramou;
deu-a à
criança, que logo após sarou...
Contudo,
o olhar de El Magro lhe fez ver
que
água demais ali fora verter
e bem
depressa ambos se entenderam.
Foi
Macário cortar outra taquara,
que
encheu inteira, tirando água do poço;
guardou
a outra em seu telhado grosso.
Que era
feito de bambu e de sapé.
Na água
mágica, agora tinha fé:
“Não
mexam nela!” falou, com voz bem clara.
O
TERCEIRO HÓSPEDE XX
Mas os
vizinhos que em sua casa estavam,
para a
pobre Rosicleia consolar,
viram o
menino depressa se curar.
E entre
si ficaram cochichando...
Já no
outro dia, o estavam procurando:
em sua
rua outros doentes se encontravam.
Macário,
no começo, recusava,
mas sua
mulher se pôs a insistir tanto,
que
teve pena de escutar-lhe o pranto.
Foi
visitar as outras casas em sua rua.
Parado
aos pés de cada esteira nua
El
Magro sorridente se encontrava.
Macário
então pedia um recipiente,
caneca
ou xícara ─ e nelas derramava
uma
pequena gota e a misturava
com
qualquer água que por ali tivessem,
porque
depois que os doentes a bebessem,
sempre
sua cura chegava, de repente.
O
TERCEIRO HÓSPEDE XXI
Todos
ficavam muito agradecidos
e lhe
traziam os presentes que podiam,
pois a
cura quase todos conseguiam.
Porém
se via El Magro à cabeceira,
ele
dizia que a morte era certeira
e
recusava todos os pedidos...
Passou-se
o tempo, seus filhos estudaram,
Macário
comprou nova moradia,
a
cortar lenha nem sequer mais ia...
Pois a
promessa de El Magro se cumprira!
E o
pagamento que ele jamais pedira,
esses
presentes amplamente compensaram.
Sua
fama se espalhou pela cidade,
pela
província e no país inteiro.
Diziam
os médicos que era um feiticeiro.
Mas ele
ia à missa com frequência
e os
padres lhe mostravam deferência,
pois
contribuía com regularidade...
O
TERCEIRO HÓSPEDE XXII
Chegou-lhe
a fama até o governador,
que
tinha o título, então, de vice-rei
e
governava o país com dura lei!...
Os
cirurgiões se queixavam de Macário,
porque
lhes reduzia o numerário
e o
vice-rei os escutava, sem rancor.
Mas
quando viu sua filha se enfermar
e os
médicos não podiam fazer nada,
sua
esposa fez-lhe súplica, alarmada!
“Você
me pede ir chamar um curandeiro?
Que
quer você com esse feiticeiro?”
“Acho
que pode a menina nos salvar!”
Então,
o vice-rei fez convocar
Macário,
a que viesse à capital...
Este
sabia não ter feito nenhum mal.
Porém
tremeu de medo o lenhador:
levou
consigo a taquara, com temor;
só um
restinho no fundo a chocalhar...
O
TERCEIRO HÓSPEDE XXIII
E lhe
disse o vice-rei, severamente:
“Não
acredito em sua bruxaria!
Mas
minha filha se acha em agonia.”
“E
minha esposa está desesperada.
Pois
muito bem: se a deixar curada,
Dou-lhe
grandes riquezas de presente.”
“Porém
se ela morrer, como se espera,
saberei
que não passa de um farsante
e o
queimarei na fogueira nesse instante!”
“E seus
bens eu irei todos confiscar.
A sua
família prenderei para julgar!...”
Macário,
só de ouvir, se desespera...
E ao
ser levado ao quarto da menina,
o seu
maior temor se realizou:
na
cabeceira El Magro ele encontrou.
Que
balançou-lhe a cabeça, em negativa.
“Esta
menina não mais pode ficar viva,
está
escrito que morrer será sua sina!...”
O
TERCEIRO HÓSPEDE XXIV
Pediu
Macário para ficar sozinho,
porque
El Magro era só ele que via:
a mãe
saiu, em grande gritaria...
E o
vice-rei outra vez o advertiu:
as
ameaças o próprio El Magro ouviu,
mas
abanou sua cabeça, de mansinho...
Macário
várias vezes suplicou,
pois
perderia tudo o que lhe dera!
Zangou-se
então, igual que besta-fera.
Virou a
cama, bem rapidamente,
para
deixá-lo aos pés, mas velozmente,
à cabeceira,
El Magro se encontrou!
Ele
tentou de novo, sacudindo
a cama
inteira, até deixá-la torta!
Mas a
menina já se achava morta...
E cada
vez que a cama ele virava,
na
cabeceira El Magro já pulava
e o
vice-rei o barulho estava ouvindo!
O
TERCEIRO HÓSPEDE XXV
E de
repente, Macário percebeu
que a
taquara na disputa se quebrara!
E que
todo o conteúdo se esvaziara...
Então,
exausto, caiu no chão, chorando.
Ficou
El Magro, com pena, o contemplando
e seu
velho coração se confrangeu...
“Meu
amigo, fiz mal em lhe ajudar...
Nem
mesmo eu posso vencer o Fado,
por
mais que eu estivesse do seu lado...”
“O
Destino sempre vem a se cumprir
e foi
tolice sua, ao persistir,
depois
que eu disse que não iria adiantar...”
“Mas eu
sei bem o que irá lhe acontecer
e não
quero que esse duro vice-rei
faça
cumprir a sua perversa lei...”
“Não
quero vê-lo queimado na fogueira.
Mas a
morte da menina é verdadeira,
só há
uma coisa que posso lhe fazer...”
O
TERCEIRO HÓSPEDE XXVI
Então
El Magro tocou-o sobre a testa
e tudo
a seu redor se dissipou...
Macário
na clareira se encontrou,
bem no
momento em que partira seu peru.
E mesmo
achando que ficara um pouco cru,
comeu-o
inteiro, em verdadeira festa...
E só
então El Magro apareceu...
Por um
momento, Macário se lembrou;
logo depois,
sua vista se apagou.
Cheio
de pena, ele o tocou com a foice
e para
vida melhor Macário foi-se,
mas com
o estômago cheio ele morreu...
É
sempre assim, quando nos chega a hora.
A
maldição de El Charro se cumpriu,
de El
Peregrino a bênção o nutriu...
Pois
foi levado direto ao Paraíso,
nesse
lugar em que há alegria e riso
e do
qual nunca mais se vai embora...
EPÍLOGO
Reginito,
porém, nem adoeceu
e a
família inteira se criou:
cada
vizinho um pouco os ajudou.
E
quando acharam Macário na clareira,
comera
até a migalha derradeira
o peru
gordo que sua mulher lhe deu...
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