WIND PEBBLES – 9
SET 2010
Duodecaneto de William Lagos
CALHAUS DE
VENTO I
Adeus, Inanna,
a deusa mais antiga,
adormecida nos
templos soterrados,
pela areia dos
desertos... Abafados,
sem que o soar
dos sistros te consiga (*)
despertar do
sonho teu, que te persiga.
Mesmo depois
dos cantos decifrados
dos milhares
de tabuinhas retirados,
feitos da
argila dessa arcana liga,
tu permaneces
na tumba dos altares,
encerrada na
pedra sem imagem
e nem se sabe
que aparência tinhas.
Chegou de novo
a guerra em seus pesares,
bombardeados
os santuários de passagem,
que, às
escondidas, visitar ainda vinhas...
(*) Instrumentos metálicos de percussão.
CALHAUS DE
VENTO II
Adeus, Umma,
velha mãe... Adormecidas
são as pegadas
que vinham aos pagodes.
Em vão queimei
incenso. Não acodes
e não atendes
às rezas proferidas...
Essa
insistência em preces recebidas
só te
importuna e suportar não podes.
São balidos de
ovelhas ou de bodes,
mil picadas de
moscas insistidas...
Adeus, mãe,
que nunca me aleitaste
e no colo de
tuas servas me deixaste,
enquanto ias
ao despertar da aurora...
Adeus, Umma,
de prata coroada,
santa apsara
desse meu outrora: (*)
queimei o
incenso e respirei o nada...
(*) Dançarinas sagradas hindus.
CALHAUS DE
VENTO III
Adeus,
Parvati, senhora do Industão,
o tempo já se
foi que o romantismo
me levava a
descansar no misticismo
e a colocar no
inalcançável o coração.
Como Shiva,
teu esposo de ocasião,
na mente e
peito um vasto solecismo,
amargurados
contra o realismo,
ejaculei
dentro de ti a inspiração.
Hoje, porém,
embora ainda acredite
que em
qualquer parte de nosso coletivo
e fútil
inconsciente ainda perduras,
já não
descubro em mim o que me incite
a buscar em
tuas estátuas lenitivo,
que não podem
ascender para as alturas.
CALHAUS DE
VENTO IV
Adeus, Durga,
outra deusa inacessível,
tal como é
inacessível a mulher,
tendo o
capricho como seus mister,
sendo, por
mais conhecida, incompreensível,
princípio
feminino inexaurível,
a companheira
que o homem mais requer,
a eterna
doadora que se quer,
mas eterna
gananciosa imperecível.
Em ti gastei a
força masculina,
minhas
reservas mais profundas de energia
e permaneces a
mesma sanguessuga,
que por mais
que se dê, mais nos fascina
e mais requer
de nós, de noite e dia,
em cada abraço
a suspeita de sua fuga.
CALHAUS DE
VENTO V
Adeus, Kali,
que me trouxeste a morte
dos sonhos e
anseios violentos,
deusa da Lua, dominatrix dos ventos,
deusa do fado,
senhora de minha sorte,
deusa
terrível, a mais fiel consorte,
que nunca me abandona
em dias lentos,
parecendo
distanciada em seus portentos
quando eu a
busco das torres de meu forte
e ela apenas
sorri de seda e espera,
seus tughes, cedo ou tarde,
mandará, (*)
de seda as
cordas dos estranguladores,
deusa da
frágua, luz da deusa fera,
que nos seus
braços sei me acolherá
quando
cessarem todos meus ardores.
(*) Seita de assassinos consagrados a
Kali.
CALHAUS DE
VENTO VI
Adeus, ó
Diana, a deusa caçadora,
velha
padroeira das ecologias,
eternamente em
virgens fantasias,
nos devaneios
de quem um dia a adora,
Ártemis deusa,
de mim tormentadora,
semente a
requerer as minhas orgias,
enquanto
corres pelas pradarias,
dos animais e
plantas defensora,
porque te amei
também, em minha sandice,
sem que jamais
pudesse te alcançar,
correndo empós
tão só do turbilhão,
mas sei que
ouves ainda o que te disse,
aljava e
frechas perpétua a transportar
pelas campinas
do meu coração.
CALHAUS DE
VENTO VII
Adeus, deusa
do sexo, Astarteia,
dama da lua, o
alvo dos acenos
das mulheres
de antanho, dos amenos
raios de prata
em teu vezo de epopeia,
face marcada,
sedutora feia,
por ti os
meteoros foram menos
a nos
marcarem, filtrados os venenos
na malha fria
de tua brumosa teia!...
Santa Ishtar,
das velhas tortas de pães asmos,
com sementes
de sabor afrodisíaco,
para guardar
os namorados e os maridos...
Ashtoreth, mãe
de tantos mil orgasmos,
fonte da vida,
cordão de prata umbílico,
dominadora dos
homens seduzidos!...
CALHAUS DE
VENTO VIII
Adeus, Jacy,
que presumiam deusa
os enroupados
jesuítas portugueses,
porque
brilhavas nos céus todos os meses
de Pindorama,
como espelho tesa,
durante três
semanas, pura e ilesa,
para depois
ocultares teus jaezes,
quem em lua
nova os primitivos leses,
sem do retorno
possuírem real certeza...
Pensaram
fosses virgem... Mesmo Anchieta,
nos seus
versos apagados pelas águas,
comparou-te a
Selene, em fantasia...
Mas para os
ameríndios mais discreta,
não foste
deusa e nem choraste mágoas,
não mais sendo
que um farol que ao céu luzia...
CALHAUS DE
VENTO IX
Adeus, Ísis,
companheira tão fiel
do grande
Osíris, o julgador dos mortos,
quando Seth o
esquartejou em seus desportos,
seus despojos
recolheste em luz e gel
e com Nephthys
enfrentaste todo o fel
dos rancores
do inimigo de olhos tortos,
os fragmentos
nos mais estranhos portos,
até em
sarcófago lhes garantir quartel...
Contudo, seu
pênis nunca foi achado
e foi por isso
que geraste apenas Hórus,
por mais que
fosses a mãe da natureza,
causa de estar
o deserto ressecado,
mas nas margem
do Nilo os seus espólios
esparges todo
ano e a vida é acesa!...
CALHAUS DE
VENTO X
Adeus, Tanith,
a dama de Carthago,
envolta em
manto puro e transparente,
diáfano
esplendor em ti presente,
ramos de prata
em teu noturno afago,
deusa da
chuva, luzente como um lago,
pois se não
concedesses dom potente,
se voltariam
os homens para o ingente
devorador
Moloch, o deus pressago,
em cujo ventre
do mais ardente fogo
eram jogados
os filhos da nobreza,
para que
satisfizesse seus pedidos,
ao preço ímpio
desse impuro rogo;
tira de nós, Tanith,
essa vileza,
antes que os
jovens sejam consumidos!
CALHAUS DE
VENTO XI
Adeus,
Perséfone, que Hades raptou
e conduziu
para seu trono solitário,
em que
persiste o choro multifário
de tanta gente
que a Terra já deixou;
muito mais são
os servos que guardou
que esses em
vida a cumprir o seu fadário,
por sobre a
relva e sob o Sol hilário;
mas com suas
trevas não se contentou
e assim, cada
seis meses, todo ano,
as flores
morrem e expande-se o inverno
e sobre a
terra-mãe nos chora a neve...
Mas então voltas
de tal páramo arcano,
deixas que as
sombras prossigam passo eterno
e já nos
trazes primavera, em tempo breve...
CALHAUS DE
VENTO XII
Enfim, adeus,
ó Eva, mãe severa,
que expulsaste
de Adão a sua Lilith,
carne da carne
que a novo amor concite,
castelã meiga,
esfera da minha espera.
Ah, se essa
mãe eu ver assim pudera,
teria amor por
mim, em que acredite?
Por maior a
devoção que o peito agite
à mãe das
mães, atávica quimera...
Calhaus de
vento são tantos sonhos meus,
pois nessas
deusas as mulheres de hoje vejo,
das quais me
devo agora despedir,
que as adorei
por odor e gestos seus,
mas não verei
repetido mais seu beijo,
quebrada a
areia dos calhaus sem persistir...
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