AMOR DE ESTRELA & MAIS
Novas séries de William Lagos, 24/3 a 2/4/16
AMOR DE ESTRELA I – 24/3/2016
Quando de noite no céu há limpidez,
algumas vezes veem-se riscos cintilantes;
talvez um só, talvez uns cem errantes,
a se queimar em plena insensatez.
Anjos caídos talvez seja o que tu vês,
de suas quedas pelas trevas celebrantes,
na cremação de seus pecados delirantes,
ígneos fogos conduzindo à palidez!...
Ouvi também suicídio ser de amores,
ou embriagadas perdendo o seu balanço...
Ou é um milagre que nos traz estas cadentes?
Nas catedrais do céu cantam louvores,
sagrada missa a rezar pelo descanso
das outras almas de estrelas indigentes...
AMOR DE ESTRELA II
Mas que tipo de amor terá uma estrela?
Foi arrastada pelo brilho de um cometa?
Ou algum buraco negro a desafeta,
feroz a boca a desejar contê-la!...
Desejo egoísta tão somente de comê-la,
ou no seu íntimo algum calor projeta,
qualquer forma de amor tão mais secreta
que a pobre estrela não possa compreendê-la?...
Ou, quem diria? Lá do
alto contemplou
a Terra azul e verde e, em desatino,
depressa ou devagar se apaixonou...
E nesse vasto impulso se lançou,
no amor silente de um humilde peregrino,
que nesse abraço final se desmanchou?
AMOR DE ESTRELA III
Há tanta gente que aponta a tal estrela
e bem depressa exprime o seu desejo,
na rispidez violenta de seu beijo
que a terra queima no ponto que encastela...
Até Gepetto, sua meiga luz a vê-la,
seus olhos de madeira nesse ensejo,
a contemplar... num desbragado pejo,
alguma graça pediu-lhe concedê-la...
Carlo Collodi, em sua história, narraria
que o marceneiro não ganhou o que queria:
que esse Pinóquio fosse um filho de verdade!
Mas foi somente um boneco articulado,
abrindo os olhos e movendo-se a seu lado,
mil peripécias a enfrentar pela cidade...
AMOR DE ESTRELA IV
Assim se espera por um tal amor de estrela,
que venha a Fada Azul da lenda antiga
mansa saudade que o coração abriga,
que te entusiasme no júbilo de vê-la!...
Alma vizinha do teu lado a esquecê-la,
na timidez que o peito teu castiga,
de um desaponto, talvez, que te persiga,
na branda estrela a queimar-se feito vela...
Se veloz fores, quem sabe tal desejo
que balbuciaste antes que o queda extinga,
até acredites ter sido concedido...
Mas esse amor de estrela é casto beijo,
teu coração só de raspão atinja
e o verdadeiro amor tenhas perdido...
AMOR DE FESTIM 1 –
25/3/2016
Irei hoje depenar
meus sonhos mortos
E chamuscá-los com
pedaços de jornal;
Já os degolei com
talho terminal:
Cabeça e patas
cortarei desses abortos,
Para depois abrir
seus ventres tortos,
Tirar seu fel e cada
órgão material
Que ao cozimento
traria qualquer mal,
Somente a carne da
panela aos portos...
Aos cães e gatos
lançarei entranhas,
Por mais que sonhos
sejam indigestos,
Muita vez
contaminados por patranhas
Se for a açougue sem
recheio os acharia,
Higienizados de
antemão os restos,
Mas não seriam
iguais sonhos que teria.
AMOR DE FESTIM 2
Então meus próprios
sonhos servirei
E não as compras de
supermercado :
Sabe-se lá quem
sonhou um tal pecado,
Na catedral do
comércio em que acharei!
Meus próprios sonhos
mortos saberei
Quais bens e males
terão transportado,
Quais os motivos por
terem-se finado
E porque em meu
quintal os degolei!
Com o seu sangue
fazendo sarrabulho,
Mesmo em contrário
às Santas Escrituras
Segundo as quais o
sangue é reservado
Para adubar os
campos, não o orgulho,
Minhas rubras
ilusões contendo puras
E meus segredos
facilmente revelados...
AMOR DE FESTIM 3
E na verdade, nem
sei quais os segredos
Que cumpriria
esconder hoje de ti,
Já tantas mágoas que
te expus aqui,
Mais a nobreza
escorrendo de meus dedos.
Talvez seja que tais
sonhos são azedos:
Deixei guardados os
que não consegui,
Pouco importando o
muito que perdi,
Na firme doma dos
mais estranhos medos.
Assim, te servirei nesse
banquete
As sugestões para
tua própria vida
E que não pude reais
tornar pra mim;
Algumas mansas,
outras que projete
Pelo trovão de uma
espoleta percutida,
Já que tais sonhos
foram balas de festim!
AMOR DE FESTIM 4
E para o amor é
possível transmitir
Poesias mortas para
mortos sonhos?
Sentimentos são
reais ou são bisonhos
Conglomerados de
desejos a brunir?
Que se sublime a
lascívia no iludir,
Que após frustrados
ficam mais tristonhos
E guardam neles
rancores tão medonhos
Que emoções também são
sem se cumprir.
Poderão tais
sentimentos ser servidos
E na tua mesa mental
tê-los assim.
Igual conselhos que
anseiem ser ouvidos?
Ou que se possa
revelar alguns segredos
Que ao coração
alimentem, num festim,
Pequenas bênçãos a
dissipar teus medos?
SPOTLIGHT
1 – 26 MAR 16
Não
se trata de janela para a vida:
bem
ao contrário, será mais uma barreira
essa
interface que te prende a noite inteira
perante
a tela em sua imagem colorida.
Esses
fantasmas a que darás guarida
são
mais fantasmas que se pensa. A feira
das
ilusões só se mostra à sua maneira
e
esconde os fatos da verdadeira lida.
Reflexos
não te expõem nesse momento,
fotografias
de pessoas ou animais,
mas
o que passa no crivo e na peneira:
frios
interesses do entretenimento,
em
que só mostram o que interessa mais
para
lucrar com quem segue a sua esteira.
SPOTLIGHT
2
Talvez
te possam aliviar a solidão,
mas
teu televisor tem brilho frio;
talvez
te possa provocar um calafrio,
mostrando
cenas de terror em profusão;
talvez
te exponha uma vasta multidão
de
homens em guerra ou de animais no cio;
do
que precisas, quiçá, não avalio,
porém
são falsas as imagens que ali estão.
E
se conversas com amigo ou com irmão,
é
tão somente o seu fantasma que reduz,
por
animada a impressão que então se via;
quem
sabe o que filtrou toda a emoção?
Talvez
passado seja só o que ali reluz,
velozes
pixeis de fantasmagoria!...
SPOTLIGHT
3
Contudo
eu sei que as opiniões variam:
dizem
alguns que a atenção à “caixa boba”
aos
seres vivos a atenção mais rouba,
na
tela o máximo que teus olhos viam.
Ao
mesmo tempo, há os tais que desconfiam
que
essas pessoas que a rede não esnoba
numa
procura de outras gentes não se afoba:
nenhuma
perda real assim teriam!...
Com
o progresso da técnica, as feições
são
facilmente distinguidas sobre a tela,
mas
com um clique suas pretensões se impede,
sem
ser preciso escutar apelações
sobre
a saudade que ao teclado apela,
já
que “ninguém é cachorro nessa rede!”
SPOTLIGHT
4
E
no final, qual será a realidade?
No
Facebook mais amigos encontrei
e
outros antigos por ali recuperei.
Compensa
o tempo que hoje gasto na verdade:
cento
e cinquenta respostas à amizade
que
a cada dia destes meses enviei;
a
minha própria produção não atrasei,
nunca
fui muito de viver em sociedade...
Mas
o teu caso qual é? Já te esqueceste
de
teus amigos reais ou teus parentes
durante
o tempo em que ficavas a teclar?
E
essas mil horas que já ali verteste
não
terias gasto de maneiras diferentes,
sem
esse teu computador a te chamar?
REGRAS DA VIDA LXXXVII
(87)
Mostre interesse pelo
mundo no qual vive:
não fique olhando só por
televisão;
sem dúvida alcançará mais
proteção
sentado no sofá, em que
se esquive
da luta, da injúria ou
abdução...
Mas nesse mundo falso, em
que já estive
não encontrei os amores
que já tive,
nem a experiência, nem
mais satisfação.
Faça parte das ações
comunitárias:
você sempre pode dar
contribuição,
não somente com trabalho
ou com dinheiro,
porém com mais verdadeira
e ampla ação,
compartilhando de
maneiras vária,
nesse grupo de que se
torna companheiro.
FREIO INIBITÓRIO I – 27 MAR 16
Não saberás o quanto os lábios ferem
até que tenhas beijado em puro amor,
quando esses lábios de máximo calor
transmutarem a tua boca e nela gerem
amor mais verdadeiro que o anterior:
são esses beijos que flechas te desferem,
são esses beijos que tão mais te querem,
são tais os beijos do mais crucial ardor,
que ao te beijarem, para sempre marcam,
porque tais lábios ferem permanente
e nunca poderão ser esquecidos,
enquanto os lábios que nos teus só se recalcam
excitação te provocam, certamente,
mas são os beijos voláteis para olvidos...
FREIO INIBITÓRIO II
Existe em ti uma mescla de prudência
e de cálculo a pesar o teu futuro;
educação recebeste, é bem seguro,
mas tens instinto de maior potência
que não te leva a uma entrega de leniência;
mas se a pedir teu beijo então perduro,
saberás bem que não serei perjuro,
mas fiel a te esperar sem impaciência.
Beijos de outrem sei já experimentaste,
sem te deixares levar por descaminho,
porém meu beijo será assalto de mansinho,
para romper o teu freio inibitório,
somente nele a certeza que aguardaste
na aceitação de tanto beijo transitório.
FREIO INIBITÓRIO III
Tudo o que posso prometer, donzela,
é que te esperarei com aguardança,
mais com espera que com desesperança,
nesse amor manso que nunca se congela,
mais insistência na meiguice que encastela
a pouco e pouco a minha contrastança
ante os beijos que tiveste sem bonança:
amor que fere em beijo que martela,
numa ferida que nunca cicatriza,
se traz o beijo amor bem permanente,
enquanto os outros são no máximo hematomas,
em vasta impermanência que desliza
numa experiência vã e descontente,
enquanto o meu à vida inteira somas...
ARRECIFES I –28 MAR 16
Em duas taças de ácido
teus olhos
aos poucos se diluem e se
embaçam,
até que todo o seu poder
desfaçam
em sombra e luz à margem
dos escolhos;
dissolvem-se, um a um, os
teus refolhos:
mais lentamente, meus
olhos os teus traçam
em névoas de piedade e
então repassam
minhas lágrimas a ti
quais santos óleos,
no lento funeral do teu
orgulho,
até a entrega final,
sudário aberto,
meu peito contra o teu,
não mais deserto,
em que me assento junto a
ti, sem mais esbulho
e te enriqueço, afinal,
com minha constância,
qual tua presença me
enriquece de esperança.
ARRECIFES II
As minhas lágrimas
salgadas são mais doces
que as tuas lágrimas de
ácido entranhadas;
pranto com pranto nas
vistas misturadas,
dores secando na pira dos
amores...
Não são meus olhos teus
contestadores
contra as figuras mais amareladas
dos arrecifes, quais
pérolas grudadas
nas comissuras de teus
olhos tentadores.
Imarcescíveis em tal
percepção, (*)
meus olhos junto aos teus
te perdoarão
todo o desgosto que me
deste um dia
(*) Que não murcham.
e teus regos de tristeza
esvaziarão
nessa eclusa mais arcana
da elegia,
até que a boca se
distenda e me sorria!
ARRECIFES III
E por mais que te
provoque aparvalhança
a inundação do duplo
pranto que flutua,
salsugem doce de meu
peito será tua,
inusitada, mas firme,
essa mudança...
Tua cabeça no meu peito
então descansa,
após o amor que um outro
pranto estua,
receptáculo gentil de
meia-lua,
nessa mistura que teu
ventre inteiro alcança.
Talvez em breve venha um
choro diferente,
mais de alegria, se
provém de ti;
se vier do filho, em
busca de abastança
da branca lágrima de teu
seio quente,
vida e saúde a
distribuir-lhe ali,
nessa boquinha confiante
de criança!...
ACEPIPES I – 29 MAR 16
(*) Iguarias.
A língua-mãe me sobe na garganta;
logo a seguir pela boca
se derrama;
rima e cesura independente
exclama,
métrica e ritmo tão
facilmente imanta.
A minha própria vontade
assim espanta:
sobem os versos da
primeva lama,
longas raízes espalhando
a rama,
branda poesia alegremente
canta!...
Mas “o bocado não é de
quem o faz,
porém de quem o come”,
atesta o velho
ditado – e desta forma,
os versos não são meus,
que a língua em mim
manifesta-se veraz,
porém só vive de teus
olhos num espelho:
por isso afirmo que tais
versos serão teus!
ACEPIPES II
Têm sido igual servidos
em banquete:
sou cozinheiro a preparar
os pratos,
compilador na cadência
desses fatos,
quer sejam duros, quer
gentil confete;
quando o arcabouço o
coração te afete
e os pensamentos à alma
sejam gratos,
teus sentimentos fugindo
a teus recatos
e teu próprio significado
se intromete,
és tu mesma que adicionas
o sabor:
pingos de sal, um resto
de pimenta,
endro, coentro, gergelim
ou açafrão;
quando a comida então
provas com amor
e a luz dos versos sobre
ti se assenta,
muito mais pões que de
meu próprio coração!
ACEPIPES III
Por isso envio tais
versos para o mundo:
para saciar a fome de
carinho
subjacente ao peito mais
mesquinho,
por mais que a empurre
para o mais profundo!
Nesse mister não sou mais
do que iracundo
falcão pelos filhotes do
seu ninho;
não sou garção para depois
contar, sozinho,
meus elogios e gorjetas –
dom imundo!
O que me importa e
espalhar essa doçura,
que em cada mente
enriqueça o paladar,
que te conceda um breve
instante de prazer,
nessa pequena delícia da
textura
de quem os versos
atreveu-se a te enviar,
mas cuja origem, por mim,
podes esquecer!
NEGRIGÊNCIA I – 30 MAR 16
A vida e a morte são
univitelinas,
as irmãs gêmeas de igual
opacidade,
pois nada sabes de tua
vida, na verdade,
só do passado que
recolheu tuas sinas.
A vida gera a morte, a
que destinas,
cada dia em total
diuturnidade, (*)
e a morte gera a vida, em
quantidade,
das muitas larvas em
brancura de opalinas.
(*) Dia e noite sem
parar.
Para muitos é uma
incógnita esta morte,
por não saberem o que
virá depois,
mas que nos guarda esse amanhã
profundo?
E o próprio hoje que nos
trará de sorte,
salvo a certeza desse
jogo a dois,
ossos usando na
construção do mundo?
NEGRIGÊNCIA II
Não! Leste correto esse título que usei.
Não pretendia comentar a
negligência
de quem não quer mostrar
qualquer paciência
nos seus atos, orgulhoso
como um rei.
Nem é intenção de louvar
prece de frei,
seus pecados a catar com
pertinência,
por mais que tenha de
despencar com violência
o pobre coração na
extrema lei,
quando seu tempo de pecar
é bem escasso,
um pouco a dedilhar o seu
rosário,
mais um pouco a cantar na
sua capela...
Não há nada negligente no
que zela,
buscando inveja em
qualquer escapulário
e algum orgulho em seu
próprio e santo passo!
NEGRIGÊNCIA III
De novo, não! O que menciono é a diligência
com que os humanos
perscrutam seu futuro,
em mil mancias do valor
mais obscuro,
em seu temor de uma
funesta penitência,
ansiando pelo dia, em
incontinência,
mas sem saber se algum
encontro duro
tal dia lhes trará...
temendo o escuro
da certa morte com sua
“negrigência”!
Sem saber se o negrume
desse abismo
os irá transportar a
qualquer luz...
Pior ainda, se o tal
brilho que os seduz
não é o do inferno, em
seu vasto cataclismo!
Talvez melhor não
encontrar luminescência,
mas breve fim de qualquer
inteligência!
NEGRIGÊNCIA IV
Negra é a noite, em que
se pode tropeçar,
antigamente, muito mais
perturbadora,
sua escuridão totalmente
constritora,
sem ter a elétrica luz a
nos guiar!...
Negra também a tempestade
a nos chegar,
o céu inteiro a cobrir, assustadora;
quando algum raio o
firmamento doura,
antes o cinza que essa
luz a nos cegar!...
E negra ainda é uma feroz
infecção,
que a carne mate em
maligna gangrena,
bem mais rara hoje em dia
a horrível pena!
Que não se encontre em
“denegrir” uma ilusão:
Racismo tem quem o
associa a raça,
quando é somente a
negrigência que o abraça!
PALÍNDROMO I – 31 MAR 16
Tecer palíndromo é uma
corrida para trás,
na qual o início igual ao
fim tu dotas
SATOR AREPO TENET OPERA
ROTAS
conheço bem desde meus
tempos de rapaz.
Seu significado foi
discutido assaz,
longas disputas
desgastando muitas botas,
que de tratados já
esgotou suas quotas,
pois quanto afirma um,
outro desfaz!...
“Guia o semeador com
cuidado sua charrua”
é do quadrado mágico o
mais aceito
significado e tradução...
porém AREPO
parece apenas inserido
nesse cepo,
por completude da magia
que flutua,
justificando a cada
oráculo assim feito...
PALÍNDROMO II
Não pretendo expor aqui a
coleção
que na Internet se
encontrará a granel:
muitos palíndromos têm ali
o seu quartel,
galharda tropa para a tua
diversão...
Porém de todos, mais
obteve minha atenção
LUZA ROCELINA, A NAMORADA
DO MANUEL,
LEU NA MODA DA ROMANA ANIL É COR AZUL, anel
lido às avessas com
perfeita elocução!...
Fico a pensar no que leva
essas pessoas
a gastar tempo procurando
o inverso,
se poderiam dedicar-se ao
verso,
filosofar, redigir
palavras boas
para quem delas precise
ter ao lado:
mas seu ócio preencher
não é pecado!
PALÍNDROMO III
Magia percebo nesta
caneta que seguro,
a macular de letras meu
papel;
seu suave cheiro me afeta
como o mel,
rasgando o branco com seu
sabor escuro...
Anéis benzoicos nesse
aroma puro
que ali derrama
lantejoulas e ouropel,
pelas páginas galopando
qual corcel,
mesmo quando um resultado
não procuro!
Quem sabe a tinta para
mim é droga?
Há tanta gente respirando
cola!...
Não que perceba ao
escrever qualquer tontura!
É o rio que vem de dentro
que me afoga,
os olhos rasga e a cada
dedo esfola
e me amortalha em
redemoinho de ternura!
PALÍNDROMO IV
Mas não espero que me
leiam ao contrário!
Se me lerem para a
frente, já me basta;
minha inteligência do
alfabeto cúfico me afasta,
do hebraico e do chinês
oriental vário!...
A mim me cabe só o canto
perdulário
em que o antigo verso de
Bilac se desgasta:
“Última flor do Lácio”,
em forma casta,
da esquerda até a direita
o seu fadário.
Sem incluir aqui qualquer
conotação
que possa a Stalin ou a
Hitler apoiar:
se faço versos, busco a
arte pela arte;
se alguém buscar aqui
política emoção
ou de drogado pela tinta
me acusar,
é bem melhor que este
poema já descarte!
PAZ SAGRADA I – 1º ABRIL 2016
AGNUS DEI QUI TOLLIS PECCATA MUNDI,
MISERERE NOBIS! – SOA O CORO MONACAL,
BENEDITINA ESSA MAGIA TRIUNFAL,
QUE PAZ E INQUIETAÇÃO NA ALMA INFUNDE.
A NOITE INTEIRA ESSE DISCO ME CONFUNDE:
TRANQUILO O CANTO, CALMO O SEU RITUAL,
PORÉM ME ACORDO E ALI PERCEBO ALGUM SINAL
DE QUALQUER FALTA A QUE O PEJO ME FECUNDE.
É UMA MENSAGEM, DE FATO, ESQUIZOFRÊNICA:
DO SALVADOR O SANGUE NOS PERDOA,
MAS PARA ISSO PRECISAMOS DE PECADOS
E QUE DA CULPA ORIGINAL A LONGA CÊNICA
SERÁ PRECISO QUE O CORAÇÃO NOS ROA,
PARA NO SANGUE DA CRUZ SERMOS PERDOADOS?
PAZ SAGRADA II
DE MANHÃ CEDO SE EXPÕE A INSPIRAÇÃO,
O ESTRO EM DESESPERO A RELUZIR,
COM QUE AS PALAVRAS SE ESFORÇAM POR SAIR,
PARA TOMAR O METRÔ DE ALGUM CARTÃO.
ELAS SE EMPURRAM, FEROZES, PELA MÃO,
ATÉ A PONTA DE MEUS DEDOS ATINGIR;
DURANTE A NOITE, PERTURBAM-ME O DORMIR:
SERÃO PECADOS A BUSCAR EXPIAÇÃO?
MAS NÃO ME PONHO A ESCREVER PELA VAIDADE
DE GUARDAR O MEU NOME EM BREVE FAMA:
QUANTOS RECORDAM DE SAPPHO OU DE KHAYYAM?
E COMO FORAM GRANDES, NA VERDADE!...
MAS QUEM OS LÊ NO CONFORTO DE SUA CAMA,
PODENDO OUVIR DE SUA TEVÊ O RATAPLAM?
PAZ SAGRADA III
BEM MAIS ALCANCE, AFINAL, TEM O VULGAR:
A MAIORIA NEM VERSOS LÊ, SEQUER;
PARA OS MACHÕES, ISSO É COISA DE MULHER;
PARA A MULHER, MAIS A NOVELA IRÁ AGRADAR!
OU NO MÁXIMO, ALGUM ROMANCE POPULAR
QUE DE SEU ÓCIO AFASTAR TEM O MISTER;
OU O BIG
BROTHER, EM SEU TORPE MALMEQUER,
MAS QUE TANTOS ASSISTEM SEM PARAR!
ISSO QUE ESCREVO, QUE ME ASSOPRAM LÁ DO FUNDO
NÃO TEM QUALQUER VULGAR TONALIDADE
E SE EXPANDE SEM QUALQUER MEDIOCRIDADE,
EM VÁRIOS NÍVEIS DE COMPREENSÃO, PROFUNDO
O QUE TEU CORAÇÃO LHE ATRIBUIRÁ
E ALGO DE PURO PARA TI ENCONTRARÁ.
PAZ SAGRADA Iv
E FICO AINDA A ESCUTAR OS GREGORIANOS,
CANTANDO LENTOS, SEM QUALQUER EXALTAÇÃO,
DAS PRÓPRIAS CULPAS A BUSCAR EXPIAÇÃO,
NESSES VERSÍCULOS SONOROS DOS ROMANOS.
ESCUTO AINDA, A PENSAR SE MEUS ENGANOS
NECESSITAM, NA REAL, DE REDENÇÃO?
FIZ O MELHOR QUE PUDE NA OCASIÃO,
SENDO OS FATOS AO REDOR MEUS SOBERANOS.
E NO POSSÍVEL, A MIM MESMO CONTROLEI:
PRENDENDO IMPULSOS, DEI-ME LIBERDADE.
POR QUE DEVIA ACEITAR A FALTA ALHEIA?
NÃO COMI O FRUTO E A ABEL NUNCA MATEI.
SÓ PENSO APENAS QUE TODA A HUMANIDADE
ME IMPULSIONOU PARA OS PRANTOS QUE GEREI!
LONGOS DESEJOS I – 2 abril 16
Se eu morrer esta noite ou amanhã,
que fim terá essa alta prateleira
em que versos aos milhares comem poeira,
flocos reunindo qual grisácea lã?
Não que minha vida pregressa seja vã:
muito trabalho já deixei na minha esteira;
caso chegasse minha hora derradeira,
em que o estertor rasga a garganta como rã,
em um coaxar repetido e insatisfeito,
pela escassez de ar no meu pulmão,
pela fraqueza a me latir no coração,
já poderia partir, ganhei direito,
pois realmente cumpri mais que a maioria,
que na existência sequer soube aonde iria.
LONGOS DESEJOS II
Mas que seria dos versos que já fiz,
tempo não tendo para tantos digitar
e nem ao menos para datilografar,
de meus trabalhos a girar no almofariz,
em que o pilão me esmagava como giz,
quanta coisa diariamente a me chamar,
enquanto os versos ficavam a clamar?
Cumpri deveres, mas fiz pouco do que quis.
Já deixei claro que não me importa a fama,
porém me sinto eternamente responsável,
igual que disse em St.Exupéry a sua raposa,
não pelo que cativei, que imensa é a gama,
pois cativo eu que fui, na imponderável
ânsia dos versos, a gemerem qual esposa!
LONGOS DESEJOS III
O fato é que, na metade do outro ano,
no dia Nove de Junho, exatamente,
fui assaltado por um fragor potente,
que quase me arrastou para outro plano.
Consequência deixou-me, sem engano:
meu coração, de robustez contente,
se encontra hoje em afecção premente,
como sequela de atroz tensão e afano.
Eu atribuo, sem duvidar, que tal doença
foi provocada por alguém que se insinuou
em minha casa, a me olhar, cheio de inveja,
por mais insídia que se encontre nessa crença, Ayin há rá, em hebraico se chamou (*)
o mau-olhado que em peito igual esteja.
(*) A expressão pode significar mau-olhado, inveja ou
autodestruiçao.
LONGOS DESEJOS IV
Não existe dia em que não faça três sonetos
ou muito mais, quando adoto a ottava rima,
mais apropriada para histórias de menina,
desesperados por não serem mais secretos.
Tal qual suor, às dezenas são excretos,
fiel carpindo no canteiro de minha sina,
sem precisar de escavar a escura mina:
brotam ansiosos, demandando afetos.
E desse modo, o meu direito de morrer,
como qualquer de meus concidadãos,
é repelido pela obra de minhas mãos;
e nem ao menos escolhi tal proceder,
porem a língua, a verve, Dionyso,
ainda me obrigam a escrever, em brando riso!
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