O
LIVRO DOS DESTINOS
(Baseado num conto
em prosa de Malba Tahan.
versão poética William Lagos, 03/04/16)
O
LIVRO DOS DESTINOS I
Um
mercador, perfeito muçulmano,
em
suas crenças e suas orações,
os
Cinco Pilares a cumprir sem nenhum dano,
após
vender em Baghdad suas provisões
de
peles e tapete, qual seu plano,
esmolas
dando e fazendo boas ações,
foi
acampar em um caravançará, (*)
ali
levado pela graça e obra de Alá!
(*)
Karavanserai, hospedaria gratuito à
beira das estradas.
Ficava perto de Damasco a hospedaria,
para todos gratuita e bem segura;
e como estava no caminho que seguia,
aconselhado por sua mente pura,
decidiu esperar, pois se reunia
uma forte caravana, que assegura
o seu retorno à pátria, como dantes,
totalmente protegido de assaltantes...
Na companhia de outros viajantes,
muitos deles com servos bem armados,
não temeria os bandidos abundantes,
pois seus camelos estavam carregados
mais de dinheiro e mesmo alguns diamantes,
sob outras mercancias disfarçados: (*)
não lhe convinha viajar sem companhia,
que salteadores Curdos sempre havia...
(*) Mercadorias.
Não
que não fossem crentes verdadeiros,
mas
no deserto mantinham velha sanha,
dos
séculos antigos os herdeiros
dos
assassinos do Velho da Montanha,
que
ocupavam os montes pegureiros,
sustentados
por assaltos e por manha,
gente
que, é fato, boa atenção não dá
aos
mandamentos instituídos por Alá!...
O
LIVRO DOS DESTINOS II
Sempre
foi dura a vida no deserto,
as
cidades bastante distanciadas;
e
quando se marchava em campo aberto,
era
possível cair-se em emboscadas;
além
dos Curdos, havia o desacerto
de
alguns Pagãos, de faces embuçadas,
que
nunca haviam aceito a conversão,
aos
deuses falsos adorando com paixão!
Clemente é Alá, bom e misericordioso:
por isso, não dá a morte a esses malvados:
talvez Seu Rosto possam ver, radioso
e se afastem da malícia e dos pecados!
Machallah! Por Deus, sempre piedoso, (*)
mesmo que aos crentes tornem atribulados,
Ele é que sabe o Seu Plano verdadeiro,
parece errado, mas sempre é bem certeiro!
(*) Por Deus! Em Nome de
Deus!
E enquanto aguardava a sua viagem,
notou um velho árabe do Hedjaz,
antiga cepa virente de coragem,
tal qual melhor jamais encontrarás,
o qual se achava em constante pabulagem (*)
com os caravaneiros, mas assaz
submetido à sua zombaria,
por mais que confirmasse o que dizia!
(*) Conversa, discussão.
Suas
mãos movia, agitadamente,
porém
o ouviam sem qualquer confiança;
seu
aspecto não inspirava, realmente,
qualquer
motivo para lhe dar fiança,
seu
turbante esfarrapado e indigente,
o
seu trajar bem pouca higiene alcança,
a
mascar constantemente o seu haxixe,
de
mistura com tabaco do mais mixe!...
O
LIVRO DOS DESTINOS III
Os
caravançarás dão só abrigo,
pois
não fornecem a alimentação,
todos
sabendo do costume antigo,
trazendo
cada qual sua provisão,
mas
muitos dão do que trazem consigo,
a
repartir assim com cada irmão...
Mas
esse velho, que não trouxera nada,
só
aproveitava a abundância ali encontrada!
Naturalmente, ninguém lha negava,
pois dar esmola é dever maometano;
de boas palavras também isto tratava:
dar ao mendigo algum respeito, sem engano;
mas muito escasso era quem o escutava,
pouco melhor considerado que um Romano, (*)
a quem comida nunca negariam,
mas só de má vontade o escutariam!
(*) Um Cristão, especialmente um padre, em árabe “roumi”.
Se se tratasse de um contador de histórias
o escutariam, talvez dessem até dinheiro:
moedinhas de cobre, é claro, quase escórias,
mas todos apreciavam, nesse paradeiro,
quem soubesse invocar lendas e glórias...
Esse, contudo, só insistia em verdadeiro
um episódio de sua própria vida,
logo a paciência dos ouvintes já perdida!
Contudo,
ele teimava: “Por Alá, ó muçulmanos!
Eu
já tive o Destino em minhas mãos!...”
Riam-se
dele e iam tratar de seus afanos,
perdendo
logo de qualquer as atenções!...
“Não
regula da cabeça, tem já muitos anos!”
Alá
protege a quantos perdem as razões,
assim
as costas todos logo davam,
mas
alimento e bebida não negavam!...
O
LIVRO DOS DESTINOS IV
Mas
o problema é que insistia em afirmar:
“Tive
em minhas mãos o destino deste mundo!”
Naturalmente,
quem o iria acreditar?
Troçavam
dele e o deixavam furibundo!...
E
o mercador, ao tentar se aproximar,
fora
tratado com um ânimo iracundo:
“O
que quer? Veio também zombar de mim?”
Repreendeu-o
com voz forte, igual clarim!
“Claro que não. Só
gostaria de escutá-lo...”
“Mas por que? Tampouco
vai acreditar!...”
“Disso não sabe. Como hei
de acreditá-lo,
se a tal história não me quiser contar...?”
A sua brandura acabou por acalmá-lo.
“Ninguém lhe disse o que posso lhe falar?”
“Se assim o fosse, por que o indagaria?
Só se são coisas que a ninguém mais falaria...”
“Pois muito bem. Então
lhe contarei
o que eles dizem não poder acreditar:
é que nestas velhas mãos já segurei,
da humanidade inteira, sem falhar,
os seus destinos e até mesmo os alterei:
o Livro dos Destinos consegui pegar!...”
Era essa a afirmação, naturalmente.
que todos levava a tê-lo por demente...
“Meu
caro amigo, gostaria de saber
de
que maneira isso lhe foi possível,”
falou
o mercador, muito calmo, por temer
que
o outro erguesse barreira intransponível.
Ou
por nele confiar ou por querer,
mais
uma vez, contar sua história incrível,
calmo
também o velho observou: “Pois contarei,
precisamente
o seu transcurso eu lhe direi...”
O
LIVRO DOS DESTINOS V
“Sei
que o senhor acredita no Alcorão,
o
Santo Livro para cada muçulmano!”
“Naturalmente
que sim, meu velho irmão!”
“Maktub!
Nele um registro existe, plano: (*)
que
no Livro dos Destinos se acharão
os
mil detalhes de qualquer viver humano,
uma
página dedicada a cada um,
sem
que seja esquecido ali nenhum!...”
(*)
Estava Escrito! Particípio passado do
verbo Ketab, escrever.
“Ali se encontra toda a vida de algum rei
e igualmente a do menor mendigo;
todo o bem e todo o mal, na clara lei
do que lhe há de suceder, meu caro amigo;
pois houve um tempo em que tal livro procurei,
para saber quanto haveria comigo;
e assim lhe digo, com toda a seriedade,
que encontrei o grande livro, na verdade!”
“Se me escutar, verá como o consegui...
Tive ocasião de assistir a um grande ataque
do Xeque Abu Dolak, quando me escondi,
ao som dos gritos, trompas e atabaque...
A tribo dos Morebes massacrar eu vi
e um velho marabu
sofreu um baque, (*)
caindo ao chão à frente de onde eu estava,
perseguido pela turba que matava!...”
(*) Adivinho velho e magro, chamado pelo nome de certa ave
pernalta.
“Ora,
dentro de uma gruta me escondera,
que
na beira de colina se encontrava;
estava
escuro e ao marabu já se perdera,
mas
muito em breve aquela gente o achava!
E
num impulso, saí de minha pedreira,
logo
o adivinho junto de mim puxava!...
Ficamos
quietos, sem sermos percebidos,
enquanto
o procuravam tais bandidos!”
O
LIVRO DOS DESTINOS VI
“Passada
a noite fria e assustadiça,
o
tempo todo temendo a descoberta,
raiou
o sol com sua luz castiça,
a
área do massacre já deserta,
só
nós dois vivos na sangrenta liça,
tendas
queimadas, salvação incerta:
dali
partimos com poucos mantimentos,
quase
sem água, nossos passos lentos...”
“O adivinho tropegamente andava,
mas o levei a uma mesquita, finalmente;
pois sua saúde já bem periclitava
e ao ver que perecia, mansamente
me deu um talismã que carregava:
pedra de ônix, presa num pendente,
de um coração talhado no formato
e revelou-me o mais estranho fato...”
“’Meu talismã... eu o encontrei na sepultura
de um santo muçulmano; e tive uma visão
que revelou-me a sua virtude pura
e de um longo caminho a orientação:
lá no Deserto de Dana’a, em grande altura,
havia uma gruta, com um djinn
em proteção; (*)
mas de sua entrada era chave o talismã:
quem lá chegasse, não teria viagem vã!...’”
(*) Gênio de boa índole.
“’Quem
enfrentasse aquele alto precipício,
veria
a vasta Gruta da Fatalidade
e
lá encontraria, para seu benefício
o
Livro dos Destinos, na mais real verdade,
a
registrar o amplo bem e o malefício
ali
descritos de toda a humanidade!...
Pensei
que poderia, sem qualquer chacota,
de
muita gente seu futuro tomar nota!...’”
O
LIVRO DOS DESTINOS VII
“’Assim
segui viagem, longa e extenuante,
alcançando
a dita gruta, finalmente;
e
ali se achava o djinn, forte e
gigante,
que
me desafiou, rispidamente;
porém
mostrei-lhe o talismã, confiante
e
logo a entrada deu-me, prontamente:
Mas lembre: tem direito só
a uma hora!
Quando findar, saia
depressa e sem demora!’”
“’E ali encontrei o Livro dos Destinos...
Saquei velozmente o pergaminho
que comigo trouxera e pequeninos
frasco de tinta mais um forte espinho;
folheei as páginas do livro, em desatinos,
tomando nota de qual seria o caminho
dos homens ricos que melhor eu conhecia,
exceto ao ver que algum em breve morreria.’”
“’Mas finalmente, o gênio bom me preveniu:
Chegou o
momento, saia sem demora!
Fechei o livro e o djinn
me conduziu
Até a entrada e dali mandou-me embora.
Agradeci. Depois Alá meus
passos viu
e protegeu-me no caminho a cada hora.
Cheguei a salvo até a minha cidade,
em que gozei da maior prosperidade!...’”
Contava
aos ricos que destino os aguardava
e
sempre o que informava se cumpria;
de
profeta logo a fama me chegava,
de
boa vida gozando, até que um dia
Abu
Dolak, por sua vez, me consultava,
mas
de seu próprio destino eu não sabia...
Assim,
por medo, falei-lhe boas palavras,
mentiras
sendo de minhas próprias lavras...’”
O
LIVRO DOS DESTINOS VIII
“’Infelizmente,
não se realizaram
e
desde então, me persegue por vingança;
matou
a todos quantos me auxiliaram;
fugia
de novo, sem perder a esperança,
até
que esses malvados massacraram
toda
essa gente que me fez tanta bonança...
Em
breve eu morro, mas lhe deixo o talismã:
faça
bom uso, não o perca em coisa vã!...’”
“Todo o caminho ensinou-me, com cuidado
e assim que pude, minha viagem empreendi;
foi tudo igual ao que me havia relatado:
o djinn me interpelou,
parado ali,
mas tão logo o talismã lhe foi mostrado
deu-me passagem... e aviso igual ouvi:
Mas lembre:
tem direito só a uma hora!
Quando
findar, saia depressa e sem demora!’”
Também eu carregava um pergaminho,
pincel e tinta, mas a intenção não era igual:
eu pretendia era mudar o meu caminho
e escreveria em minha página, afinal,
Será feliz,
terá respeito, amores e carinho,
muita saúde,
todo o gozo terrenal,
muitos
filhos, vastas terras e riquezas,
longa vida, palácio
cheio de belezas!...”
“Mas
quando junto ao livro me encontrei,
fui
tomado por tremenda tentação
e
nem ao menos meu própria fado procurei:
Abu Dolak!... – seu
malvado coração,
sem mais demora, eu hoje
punirei!...
Pois
escrevi, no rancor dessa ocasião:
Irá morrer no suplício das
torturas,
muito em breve, a sofrer
vastas agruras!
“
O
LIVRO DOS DESTINOS IX
“Ter
já feito isso só era um pecado:
Abu
Dolak era mau e o merecia,
mas
por Alá deveria ser julgado
e
não por mim, que ali me intrometia!
Mas
ai de mim! Se tivesse me bastado...
Logo
outro nome na mente me ocorria:
Mussa
al-Hamad, meu terrível inimigo
e
também me decidi lhe dar castigo!”
“Morrerá
triste, doente e na miséria!”
Lembrei do Xeque Zalifah el-Abari:
seu bom destino transformei em coisa séria:
Ficará cego
e vai morrer perto daqui,
perdido do
deserto em seca artéria!
Decerto foi Sheitan a
aconselhar-me ali... (*)
Maktub! Rancor e inveja fortes vícios,
lembrei somente de causar mil malefícios...”
(*) O diabo, em árabe. “Satã” deriva deste termo.
“E de repente, apareceu-me o gênio bom:
Está na
hora, venha já comigo!...
‘Mas a minha página! Não
marquei sequer um dom,
o meu destino melhorar ainda consigo!...’
O bom djinn
admoestou-me em forte tom,
pedi um momento a mais no seu abrigo...
Ouvi então uma estridente gargalhada
e o gênio bom correu depressa para a entrada!”
“Apareceu-me
um effrit em seu lugar,
um
anjo mau de terrível catadura,
o
talismã de minhas mãos a arrebatar
e
me empolgando com sua força impura,
para
longe, no deserto, me atirar,
de
qualquer água na maior lonjura!...
Nem
consegui encontrar o meu camelo,
crestou-me
o sol o corpo inteiro e o pelo!”
O
LIVRO DOS DESTINOS X
“Por
vários dias me arrastei pelo deserto,
até
por sorte encontrar-me caravana,
bons
maometanos, de coração aberto,
de
mim cuidaram por mais de uma semana
e
me deixaram em caravançará, bem perto
de
uma cidade crente e muçulmana...
E
após rezar bastante na mesquita, (*)
amigos
encontrei – gente bendita!...”
(*)
Igreja muçulmana.
“Só então soube no sul de Oman me achar,
longe da gruta de Dana’a no deserto,
sendo impossível outra vez a encontrar,
nas montanhas de Masirá, a céu aberto...
Mas por sorte, quiseram-me ajudar
e enfim cheguei a meu destino certo:
assim revi a cidade em que morava,
mas ai de mim! ninguém de
mim lembrava!”
“Andei a pé até a minha residência
e então notei que fora reformada;
bati à porta, observando com paciência
que de uma nova cor fora pintada;
veio uma serva atender, com impertinência:
‘Dou-lhe um pouco de comida, água e mais nada!”
Quando afirmei que eu residia ali,
riu-me na cara: ‘Ora, dê o fora daqui!...’”
‘Mendigos
aqui até tratamos bem,
mas
os loucos mandamos à mesquita!
Lá
os atendem e albergue dão também.’
‘Mas
sou Najib! A loucura não me incita!’
‘Nunca
ouvi seu nome antes!’ – ‘Porém,
pergunte
aos vizinhos, então, moça bonita!’
respondi
eu, tentando já agradá-la.
‘São
gente boa e não vou incomodá-la!’”
O
LIVRO DOS DESTINOS XI
“’Bem
ali mora Suleiman, o pedreiro,
aqui
em frente Ahmad, o militar,
do
outro lado, Mustafá, o carpinteiro...’
‘De
nenhum deles jamais ouvi falar.
Há
vinte anos meu patrão, o vidraceiro,
Hassan
Salim, foi à praça me comprar
e
já morava antes aqui por vários anos.
Vá
embora, velho, com seus ditos insanos!’”
“Bateu-me a porta na cara!
Em vão, tentei
pelos vizinhos me fazer reconhecido...
Será certo
que da razão eu me apartei?
Fui até a praça, muito entristecido
e na fonte central então me olhei:
Machallah! – eu tinha mesmo envelhecido!
Com a barba branca que apresento agora,
Cheio de rugas – a mocidade fora embora!”
“Encontrei alguns velhos num café
e lhes falei: ‘Eu sou Najib, era daqui!’
A maioria nem ao menos me deu fé,
mas um velhinho decrépito então vi...
Olhos azuis reconheci, por Maomé!
‘Khalid, é você?’ – alto exprimi;
Ele me olhou, ainda límpida a visão:
“Najib, é você? Por onde
andava, meu irmão?’”
“Fora
um meu companheiro de folguedos,
mas
estava velho, velho!... Perguntei:
‘Mas
em que ano estamos?’ ‘Sem segredos,
a
resposta de diversos escutei:
Duzentos e setenta se
passaram, quedos,
desde a Héjira
sagrada!... Acreditei... (*)
Então
menti que estivera aprisionado
por
muito anos, num oásis... escravizado...”
(*)
Fuga de Maomé de Meca para Medina.
O
LIVRO DOS DESTINOS XII
“Pois
a verdade não iriam acreditar!
O
effrit ao me lançar da gruta afora,
só
por maldade, decidira me roubar
quase
toda a minha vida nessa hora!...
Fui
ver o cáide, que poderia me ajudar; (*)
de
boa vontade, os pergaminhos, sem demora,
foi
consultar: ‘Aqui está, Najib Mohammed...
Sessenta
anos de seu tempo já se mede!’”
(*)
Mistura de juiz e prefeito. Daqui deriva
“Alcalde”, em português.
“’Daqui partiu em longa caravana,
sem retornar jamais. Foi
declarado
falecido e em leilão feita a derrama
de todos os seus bens para o Estado...’
‘E como posso fazer deles meu reclamo?’
‘Você não pode. Antes precisa ser provado
que você é mesmo aquele cidadão...
mas de reclamos já passou toda a ocasião!’”
“’Foi declarado, já lhe disse, falecido;
esse registro não se pode deletar,
pois em Duzentos e Trinta foi cumprido,
o prazo máximo que se podia esperar,
já vinte anos de desaparecido...
Mesmo que possa ser Najib comprovar,
não é mais possível que recobre nada:
há quarenta anos que a ata foi lavrada...’”
“’Mas
poderá na mesquita alimentar-se:
da
esmola cumprem o dever sagrado...
Algum
emprego talvez possa arranjar-se,
de
varredor ou de algum assemelhado;
já
não tem forças para habilitar-se
a
transportar algum barril pesado
e
poderá viver desse salário
até
arranjar algum emprego vário...’”
O
LIVRO DOS DESTINOS XIII
“Naturalmente,
eu aceitei. Que mais faria?
Um
cantinho me arranjou para dormir,
cheio
de mágoa, pela terrível zombaria
desse
effrit, meu talismã a subtrair...
Indagações
logo a seguir então fazia
e
o mau destino dos que fora perseguir
muito
em breve constatei que se cumprira,
pobre
consolo por minha vida que sumira...”
“Mas que fizeste com tua própria vida?”
indagou o mercador. “Nem ao menos leste?”
“Fui dominado pela mágoa recolhida,
fiz mal aos outros, pois já não percebeste?
Não, a minha página nem sequer foi lida,
Maktub! O que diria já soubeste!...
Desperdicei a minha oportunidade
de ser rico e alcançar felicidade!...”
“Pensando bem, foi castigo merecido!
Só que as pessoas não cessavam de indagar
por que eu queria saber do acontecido
com essa gente, após tanto passar!...
Caí na asneira de dizer que havia mentido
sobre o oásis, a prisão, o escravizar...
Logo a seguir, fui reputado como louco,
mesmo do fato só relatando um pouco!...”
“Pois
aqui estou. Deixei logo a cidade,
seguindo
a trilha dos caravaneiros;
alguns
escutam minha loquacidade,
mas
logo zombam, igual que os companheiros;
Se
me exigir uma prova da verdade,
dentro
de mim guardo a energia dos janeiros:
passou-se
o tempo, por fora envelheci,
mas
estou forte e meu castigo não cumpri!”
EPÍLOGO
Deu-lhe boa esmola e despediu-se o mercador,
sem submetê-lo a troça ou zombaria,
que escarnecer não tinha em seu pendor...
Na caravana, logo após, ele seguia,
sem nunca ver de novo o tal senhor...
Na sua história acreditar ele podia?
Até hoje ignoro. Mas guardo o
ensinamento
de como a vida nos oferta um só momento...
E se pudermos tal maré aproveitar,
alcançaremos desde então prosperidade!...
Mas quanta gente o irá desperdiçar,
por Maomé! – só em atos de maldade!...
Esse Najib, quis o mal só praticar,
para si próprio sem demonstrar bondade...
E tu, ó crente, conserva o sentimento,
firme de Alá toda a lei e o mandamento!
NB: Esta história segue bem o estilo das Mil e Uma
Noites: um conto dentro de outro. O
narrador conta a história do mercador, que conta a história de Najib, que conta
a história do adivinho, que conta o que lhe aconteceu...
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