(LE BAIN AU SOIR D'ÉTÉ, Félix Vallotton)
A PROFETISA – 14-23/3/16
(Novas séries
de William Lagos)
A PROFETISA I – 14 MAR 16
Certa senhora fundou uma igrejinha
e ali se pôs a defender o feminismo,
logo a seguir, também o lesbianismo,
ao descobrir que maioria já tinha
em sua congregação dito modismo
e após a Wicca,
secretamente, vinha,
num conventículo a presidir sozinha, (*)
já que algum bruxo mostraria machismo!
(*) Grupos de doze feiticeiras chefiadas por um
bruxo.
Em seus sermões proclamava Madalena,
que entre os cristãos primitivos ela quer
ter sido a inspiradora e governante!
E finalmente, declarou, sem qualquer pena,
que Jesus Cristo, de fato, era mulher
e quem morreu na cruz foi seu amante!...
A PROFETISA II
Essa assertiva, por fim, escandalizou
a certos membros de sua congregação,
preconceituosos, a negar, sem ter razão,
a descoberta que tão alegre proclamou!
Disse a senhora ter sido inspiração
da Grande Mãe, que a mente lhe tocou;
e os Doze Apóstolos também denominou
por doze nomes de feminina alocução!...
E denunciada sendo à autoridade,
já se arrogou a Lei Maria da Penha,
a liberdade religiosa contrapondo!
As advogadas apoiando essa verdade,
em que a presente sociedade mais se atenha:
se fosse presa, isso seria um crime hediondo!
A PROFETISA III
Não mais seria que a feroz perseguição
de “elites brancas” afirmando o seu machismo,
pois perseguiam ao homossexualismo
e pretendiam “denegrir-lhe” a religião!
Publicidade angariando na ocasião,
foi liberada, é claro, e com cinismo,
aos policiais acusou de vandalismo,
ante as repórteres de tal televisão,
Pois lhe haviam apreendido o Evangelho
que redigia no seu computador!...
Logo um juiz seus documentos devolveu;
Comunidades se espalharam qual espelho
da Grande Igreja de Madame Salvador
e foi assim que a profetiza enriqueceu!...
cabala 1 – 15 mar 16
“a história dessa história é uma
história
por si mesma” é um provérbio dos
judeus,
os quais com a verve e humorismo
que são seus,
três palavras utilizam em tal
frase peremptória,
do francês e do alemão e a
derivar da antiga glória
do velho hebraico, com retoques
arameus...
não falo iídiche, mas tenho os
livros meus,
com citações que então colhi da folclória!...
judeus respeito, até mesmo os
sionistas,
tão malfadados na propaganda
atual,
mesmo após tudo que esse povo
padeceu,
pois afinal, do cristianismo as
pistas
no judaísmo tem sua origem
natural
e Jesus Cristo, quem duvida? –
era judeu!
cabala 2
mas uma coisa é respeitar a
religião
desse povo que foi tanto
perseguido,
bem outra acreditar tenha
escondido
o próprio Deus, ao orientar a
redação
desse velho testamento, só por numeração
dessas letras quadrados o que é
pretendido,
todo o futuro desde sempre ali
escolhido
da humanidade, desde o início até
a extinção,
qual nos afirma um grande sábio
cabalista:
que o significado aparente é
secundário,
porém que Jeová, nesse ato sectário,
de cada ato do porvir nos deu a
pista!
sinceramente, não aceito tal
fadário,
acho melhor esse senhor baixar a
crista!
cabala 3
nikhmas yayim
yatsa sod! – é um ditado
que nos chegou do mais antigo
hebraico,
para o iídiche adaptado, bem mais
laico, (*)
que nada tem, afinal, de
inusitado...
(*) Idioma falado pelos judeus
orientais, baseado no alemão.
“entra vinho, sai segredo” – é
proclamado,
tal qual nosso epigrama, um tanto
arcaico,
in vino
veritas! – tão citado que é prosaico,
“no vinho está a verdade” – aqui
afirmado.
porém nos diz, com proficiência,
o ensaísta,
benjamin harshav, que existe um
subtexto,
bem mais profundo que a afirmação
primária;
ainda embora na expressão kabala não se insista,
mas em guemétria, de helênico contexto,
a nossa “geometria” – conotação
bem vária!
Cabala 4
diz o ensaísta que somente “sod”
é utilizada sem contexto hebreu,
como “segredo” significar para um
judeu
que algo de iídiche conhecer
ainda pode.
outro ditado a esse autor então
acode:
“o sábio guarda no pulmão, mas o
sandeu
embriagado, em sua língua já o
perdeu”,
quando borracho se encontra como
um bode!
já que essas letras possuem valor
numérico:
sessenta mais seis mais quatro a
dar setenta,
um número por si só meio
intrigante...
mas yayin, para nós “vinho”, mais etérico,
soma dez e mais dez e mais
cinquenta,
em cuja soma outro setenta se
alevante!...
cabala 5
diz ele mesmo ser só um
quebra-cabeças,
muito comum nos jogos de
crianças!
porém há adultos desnudos de
esperanças,
por mau destino a sofrer mentes
opressas,
no seu lamento das desgraças já
pregressas,
que se entregam a iguais
adivinhanças,
nas letras vendo alguns indícios
de bonanças,
gregas ou hebraicas contendo tais
promessas...
porém se a Deus se pretende
interpretar,
por que não pelo novo testamento?
só porque foi o cristianismo um
dialeto
de um messias que não puderam
aceitar
e que na grega redação há
impedimento,
língua pagã por que Deus não tem
afeto?
cabala 6
na minha cabeça tenho sopa de
letrinhas:
a concha enfio e retirar mais um
soneto,
que distribuo, sem nada de
secreto,
na poética eucaristia de minhas
vinhas...
em cada coisa que vejo, encontro
linhas
que me encaminham a um poema mais
dileto
ou tendo tom humorístico e
concreto;
mas nunca afirmo que as estrofes
que são minhas,
por mais que tragam divina
inspiração,
tenham condão de interpretar o
teu futuro,
salvo em seus sete subtextos de
mensagem...
muito admiro que ainda os leias
com coragem,
pois distribuí-os com o ânimo
mais puro,
mas as interpretas com teu
próprio coração!
VENTRES
SECOS I – 16 MAR 16
Recordo
marcas de moscas na vidraça
do
janelão que dava para a rua;
há um
reverbero e o rosto então recua:
é um
caminhão que ali ruidoso passa.
Recordo
o cheiro que o caixilho me perpassa,
algo de
poeira e chuva que flutua;
foi
arrancado o janelão por grua,
a casa
inteira desmanchada por desgraça.
Cada
marca na janela a luz transpassa
em
duplo círculo como olhos esquecidos;
um
pouco antes, de volta do estrangeiro,
vim ver
a casa encolhida e já sem graça,
igual
que gatos, meus sonhos escondidos,
as
velhas moscas espantadas por pedreiro...
VENTRES
SECOS II
Essa
casa em que passei a minha infância,
uma
relíquia do século anterior,
aos mil
eventos de minha vida posterior,
gerou
talvez, em sua primeira instância.
Ali
estudei, aplicado em minha constância,
ali
brinquei com meus soldados de valor;
em
frente dela, em longa tarde de calor,
me
atropelaram, mas sem ter grande importância.
Em
minhas paredes havia mapas e poemas,
onde se
achava lugar entre as estantes,
moscas
pousavam de antigas gerações.
Na sala
ao lado, com mãos hábeis e serenas,
manipulava
minha mãe teclas vibrantes
e na
eletrola o som de antigas gravações.
VENTRES
SECOS III
Férteis
ventres tinha cada dependência
e as
paredes da sala eram pintadas,
creio
que a óleo, com imagens encantadas;
ali
aprendi a leitura, em assistência
das
lições que minha mãe, em sua paciência,
dava
constante às jovens empregadas;
tinha
três anos, a escutar letras cantadas,
que se
encaixaram para mim com pertinência.
Essas
meninas, já meio adolescentes,
nunca
chegavam a aprender como deviam,
mas a
meus olhos as páginas se abriam,
meus
pais deixando orgulhosos e contentes...
Mas só
mais tarde meus dedos escreviam
letras
de forma em garranchos complacentes...
VENTRES
SECOS IV
Porém
custaram a aceitar-me a miopia:
só aos
sete anos consegui ver as estrelas...
contudo
as moscas... bem conseguia vê-las,
na
transparência da vidraça que luzia...
Repreendido
eu era então, quando caía.
Que
falta de atenção! E aquelas telas
das
paredes, por mais que fossem belas,
não
consigo recordar, pois mal as via...
Recordo
um cisne, em plácido nadar,
no
falso lago do lateral painel,
mas as
demais ficavam sobre as portas...
Talvez
do alto me pudessem contemplar
dez
cavaleiros, cada qual no seu corcel:
talvez
descessem dali nas noites mortas...
VENTRES
SECOS V
Eu
compensava a má visão com um espelho
e
olhando para ele eu caminhava:
do teto
os ventres secos contemplava;
com
algum receio a seguir-me a tia velha,
minha
segunda mãe, que me aconselha
a não
fazê-lo, mas eu sempre teimava
e
quando a porta do pátio atravessava,
certa
vertigem momentânea e desparelha
me
acometia, qual pisasse no azul mar,
pintalgado
por dez flocos de algodão...
Nunca
caí, contudo, em tal ação,
só o
ventre seco do assoalho a me chamar,
qual
desejando acolher-me em sepultura,
por sob
as tábuas de irregular lisura...
VENTRES
SECOS VI
A velha
casa já não existe mais,
levou
consigo moscas e fantasmas;
no
reboco já não vejo as faces pasmas,
esfaceladas
e lançadas no jamais...
Ergueram
prédio ali, de inaturais
salões
secos, impessoais e sem alarmas;
esses
painéis rasgados em seus carmas,
não
mais que vírgulas perdidas nos portais.
As
novas moscas talvez deixem seus sinais
pelas
paredes, mas me são indiferentes,
pois
nunca entrei nessas salas complacentes,
mas
multiplicam suas gerações demais
e ao
invés de quadros, desenham nas paredes
seus
labirintos de arredondadas redes!...
DESEJOS FALECIDOS I – 17 mar 16
Duas taças de ácido os teus olhos,
me fitam lestos em sua avaliação,
mefíticos olhares de paixão
de consumir-me a carne até os refolhos.
Quando bebo essas taças, meus espólios
se desmancham em fímbrias de ilusão,
fibra por fibra a dissolver-se o coração,
enquanto os ossos despedaçam nos escolhos
desse par de pupilas sem afeto,
luz negra que me rasga sem piedade
e à luz da própria luz me recompõem:
taças de aço, de esplendor dileto,
capazes de abranger toda a saudade
e que em azeite e vinho me depõem.
DESEJOS FALECIDOS II
Guardado fico para a decoração
das prateleiras douradas da vaidade,
minha imagem recompondo à sua vontade:
pequenos fetos em cada botijão...
cada desejo ali mantido sem paixão,
meros troféus de limpa iniquidade,
travada a tampa com firmeza e sem maldade:
que se preserve assim a coleção!...
E nesses meus desejos falecidos
flutuam trapos de minhalma retalhada,
o que restou tão somente alguns frangalhos,
que ainda exponho, em sonetos esquecidos,
à multidão indiferente e desconfiada,
tal qual em açougue a examinar meus talhos!
DESEJOS FALECIDOS III
Sou fantasma de mim, resto solene
de um anseio ambulante e solitário;
torno constante ao exame desse vário
acervo opaco em exposição perene.
Fui dissolvido, porém pareço indene,
canto, sorrio, sou com outrem solidário,
mas o melhor de mim se acha no armário
de tuas pupilas – amor que me condene!
Não são, de fato, meus desejos falecidos:
quando os recordas, põem-se a agitar,
na tentativa e desespero de escapar
desses teus olhos, em que se acham contidos,
na vasta angústia de nos lábios teus pousar,
qual triste beijo de meus sonhos esquecidos!
RIO DOS HOMENS I – 18 março 2016
De pouco me ajudou conhecer tanto,
se não reconhecia como agir:
fui podado em tanta coisa e meu sentir
não podia demonstrar sequer no canto;
minhas falhas corrigi, nesse entretanto,
de meus anos ao longo, a me brunir,
em mim criado o necessário reagir,
reconstituindo o que nunca fora santo;
precisei me reeducar, tudo esquecer
que me fora ensinado anteriormente,
examinar meus livros e a experiência,
até as facetas enfim reconhecer
do que devia guardar ou totalmente
ser esmagado na peneira da paciência!
RIO DOS HOMENS II
Desde os milênios as águas me concitam
a recordar paisagens desoladas,
montanhas a galgar alcandoradas:
de cada floco de neve os olhos fitam:
rostos que foram e não mais se agitam,
mas no meu seio se acham conservados,
no rio das águas de meus antepassados,
que em mornas brasas no imo ainda palpitam,
tantos deixaram no corpo meu legados,
sobre os limites fugazes da instrução,
de repartir-me o alimento no cenáculo
contra os parâmetros em mim tão inculcados,
meus ancestrais, em pálida emoção,
em mim contidos qual em fiel receptáculo!...
RIO DOS HOMENS III
Sou rio dos homens e dos homens rio,
depois que, a custo, finalmente me encontrar,
todo o frágil ministrado abandonar,
quebrando a ganga no esforço de meu brio!
À vasta gama dos avós me alio,
a casca grossa já de mim quebrar;
novo fragor pessoal em mim gerar:
no rio dos homens sou Narciso e me sorrio!
Mas essa água ainda flutua e meu reflexo
não me prende, tal qual fez ao pastor,
pois não se tocam jamais as mesmas águas;
dentro da mente a refazer meu nexo,
meus velhos mortos refeitos em vigor
pelo fluir sutil de tantas mágoas!...
ÉLITROS I – 19 mar 2016
São élitros as asinhas, fios sedosos
que ficam sob as cascas dos besouros,
quitina negra, mais rígida que
couros,
bichinhos mansos, que em nada são
danosos,
bem diferentes dos insetos pavorosos
que às mulheres provocam tais
desdouros,
blatofobia ocasionando os seus
estouros, (*)
de nojo e medo de tais bichos temerosos,
(*) Medo de baratas.
que raramente voam, antes se
entranham
por fendas e janela, esgoto e ralo:
podem voar, mas com certa rigidez;
se perseguidas, mais a correr se
assanham,
enquanto algumas se assombram com o
estalo
quando sua morte com um golpe se
perfaz!...
ÉLITROS II
Que seja feio o rosto do poeta,
qual recoberto por igual quitina;
por sob a pele a seda se ilumina,
pronta a voar em vã missão secreta!
Abrem-se élitros e a luz do canto
excreta;
digo que é vã, porque o verso então
se afina,
brilha nos olhos, nos ouvidos da
menina
e adeja leve, qual falena ou
borboleta!
Mas os élitros se limitam a canções,
mudas somente, que ouvidos não
alcançam;
lábios precisam que os leiam em voz
alta
ou que nos olhos se lhes filtrem
emoções...
nos brônzeos pratos sentimentos se
balançam,
algum dos lados sempre achado em
falta!
ÉLITROS III
Seria lindo se o adejo então pousasse
sobre faces de alvura delicada,
sobre rostos de ternura amorenada
e como lágrima, o poema se
estampasse!
Seria lindo se cada verso acariciasse
a um coração de tristeza amargurada,
ao desaponto da princesa despeitada,
que a condição de ser plebeia
rejeitasse!
Seria lindo se as palavras do poeta
fossem nos lábios as gotas mais
esquivas,
sem que jamais esse rosto
contemplasse,
mas que esse verso, a vã missão
completa,
tornasse manso em quimeras redivivas
e igual beijo peregrino lhe
alcançasse!...
ventosas da noite 1 — 20 mar 16
possuem os polvos tentáculos
grudentos,
com cem boquinhas, sucções poderosas,
que descrições já causaram pavorosas,
ao respirar do leitor sugando
alentos!...
Victor Hugo descreveu-nos tais
portentos,
sem ter, decerto, tocado em tais
ventosas:
não sugam sangue, só se firmam,
pegajosas,
pontos marcando, ante o olhar
nojentos...
outras ventosas possuem as sanguessugas,
que estas, sim, são terríveis
hematófagos,
que antes usavam os barbeiros em
sangrias...
mas quando a noite sobre a tarde
estende rugas,
seus raios negros certamente são
luçófagos, (*)
diuturnamente a devorar-nos dias!...
(*) Bebedores de luz.
ventosas da noite 2
tentáculos a noite estende na
paisagem,
suga faminta toda forma e toda cor,
mas não se diga que o faça sem amor:
sem manto escuro aos amantes dá
coragem...
e ao mesmo tempo concede igual
vantagem
ao batedor de carteira e ao salteador
ao assassino e ao atrevido
arrombador,
cúmplice ignota que jamais mostra sua
imagem!
as sombras que ali encontra então
perfilha,
qual antiaurora, busca tudo para si,
em vasta rede afogando até montanha;
cada alto pico sobrenada tal qual
ilha,
mas nas artérias de antiluz, dança de
esqui,
em salto inverso que até os cumes
arrebanha!
ventosas da noite 3
mas muito embora ela engula a forma e
a cor,
não as dessangra definitivamente:
somente as guarda até o momento em
que pressente
ter de ocultar-se de seu perseguidor,
que logo estende seus tentáculos de
ardor,
as suas ventosas a espalhar
alegremente,
a noite dessangrando inteiramente,
cada ventosa a dar-lhe beijos sem
pudor!
e a Terra gira nas ventosas desse Sol
que firme a prende em mil tentáculos
de luz;
mas os seus próprios tentáculos
estende
contra o satélite, gravidade como
anzol,
na tríplice aliança dessa cruz
que o dia apaga e a noite então
acende!
O FOGO DO VENTO I – 21 mar 2016
Ninguém se iluda: eu sempre amei o vento,
Principalmente nos dias de verão,
Cada lufada a refrescar-me o coração,
A fresca brisa a devolver-me o alento...
Mesmo no inverno, com tais ares me contento:
Nosso Minuano executa a sua missão,
Pois nos transmite do passado a exclamação,
Vozes antigas, entre prantos e lamento...
Contudo, há um vento que nos cresta a pele:
Fala o gaúcho a nos deixar “quarteadas”
Das mãos as costas, se por demais mostradas...
Pois o tal vento que então “fogo” se apele,
Nos assopra sem parar, constante rio,
A despertar nos corações o frio!...
O FOGO DO VENTO II
Segundo Dante Alighieri, em seu Inferno,
Há o Segundo Círculo, que aos lascivos
É dedicado, aperreados nesses crivos
De um vento em fúria, singular e eterno...
Mesmo que fosse seu o amor mais terno,
No adultério teriam sido ativos
E Dante nunca perdoa seus motivos:
Do Catecismo a seguir fiel caderno...
O interessante é que o homossexualismo
Ele inseriu num círculo diverso,
A sua punição muito mais grave...
Tal qual não houvera amor no lesbianismo,
Mas somente o sensualismo mais perverso,
Que a perdição eterna assim lhe cave...
O FOGO DO VENTO III
Bem nessa época viveu Savonarola,
Monge profeta que desafiou o Papado,
Em sua cidade ferozmente castigado
Quem “sodomita” por apodo esfola!...
Desnudo o grupo pela cidade rola,
Por feroz bando de meninos espancado,
Até o suplício a que fora condenado,
Tendo, com sorte, só a forca na sua gola!...
Os tempos eram outros e outro vento
Sobre nós sopra diuturnamente,
Que a lei hoje castiga o oposto intento;
Vento de fogo para quem condena
A quem seu próprio sexo contente,
O povo hétero a punir com forte pena!...
O FOGO DO VENTO IV
Antigamente, a cultura camponesa
Precisava de mãos para o trabalho,
Por mais que o vento cortasse forte talho
Das mãos nas costas expostas sem defesa.
Mas nas cidades se encontra parca mesa,
Alimentar os filhos forte malho;
O vento sopra chocarreiro o seu chocalho
Na criação de muitos filhos, com certeza!
Submetidos a tais ventos de mudança,
Em nada espanta que mudem os costumes,
Sem que o impulso sexual seja cortado;
Não obstante, há exagero nessa andança,
As punições a gerar mais azedumes
Em quem mantém-se ao outro sexo inclinado!...
O FOGO DO VENTO V
Não me parece ter fugido da temática,
Muito embora pretendesse um outro rumo;
A narração do Gênesis reassumo,
Ventos de fogo condenando toda a prática
De Sodoma e de Gomorra, numa enfática
Destruição pelo fogo e pelo fumo;
A Admah e Zeboiim igual insumo
Por ventania sulfurosa e sorumbática!
Também o povo pereceu dessas aldeias,
Nas prédicas correntes esquecidas,
Mas Lot e as filhas só acharam mortos;
E de um incesto cometeram as ações feias,
Pensando ter o vento destruídas
Todas as gentes pelo fogo em tais abortos!
O FOGO DO VENTO VI
Mas o que isso tem a ver com meu Minuano?
Fogo do vento na alma apenas sinto,
Não o dantesco quadro que hoje pinto:
Fogo da geada nos fertiliza o plano...
Fogo nos cascos do animal paisano,
Fogo no peito de cada herói distinto,
Fogo em peleia que a meu redor pressinto,
Fogo do vento no passo do aragano...
Fogo na seiva de cada velho umbu,
Fogo no rubro de cada corticeira,
Fogo nas ventas crioulas do corcel,
Fogo torrando negro a cada anu,
Que contra o vento força a asa ligeira:
Fogo nas linhas com que avento meu papel!...
PÁLIDAS MÃOS I – 22 mar 16
Quando eu a vejo, a luz que me transporte
é como a Lua a acariciar-me a face;
mas quando ausente, é como se algo me transpasse
e de amargura recame a inteira sorte...
Quando eu a vejo, tão grácil no seu porte,
quase não creio que algum dia me abraçasse
e com a ponta de seus dedos me tocasse
do rosto a pele, para espantar-me a morte...
Seus olhos brilham, porém a meiga luz
de suas mãos, em translúcido fanal,
o peito inteiro me rasga sem razão,
e então sua ausência é verdadeira cruz,
em mim lançada por sua voz imaterial,
saudade apenas a ressecar-me o coração.
PÁLIDAS MÃOS II
Li certa vez, quando ainda adolescente:
“Pálidas mãos que eu amava, perto de Shalimar,
onde andareis agora, a quem ireis afagar?”
na contracapa de um disco, simplesmente.
Mas essa frase em mim ficou subjacente,
durante décadas, sem nunca se apagar,
que algumas vezes até pensei em musicar,
sabendo embora da afirmação ali presente
de que era, desde o início, a tradução
dessa “Canção da Índia”, em ópera linda
de Rimskij-Korsakov, um dos maiores
compositores: era de Sadko a canção,
que me nutriu dessa memória infinda,
no melancólico luzir de meus temores...
PÁLIDAS MÃOS III
Não sei se um dia a encontrarei de novo,
nem se nas mãos permanece a palidez
ou se o sol manchas castanhas nelas fez,
como é comum no feminino povo,
que ao sol se expõe, na busca de um renovo
desse bronzeado que escurece a tês..
Ai, meu olhar, se de novo um dia a vês,
será que o peito, de revê-la, ainda comovo?
Só sei que essa luz me atravessava
a cada vez que seus dedos contemplava,
imaginando se podia me aquecer...
Ou se a presença que tanto se insinuava,
passados anos, sem jamais me aparecer,
dedos mostrasse que queria até esquecer...?
NO ABANDONO DA TRISTEZA I – 23 mar 16
Teu rosto aguardo com trepidação,
hoje que a força dos músculos perdi,
tendo vergonha de me expor a ti,
por mais igual que ainda seja minha paixão.
Da forma física já perdi toda a ilusão,
quando meu corpo de setenta eu vi;
somente em sonhos meu amor nutri,
cacos de espanto a rasgar expectação.
E já nem sei se te rever eu quero;
queria ter algo de belo a te mostrar,
que até nos versos desgastei toda a emoção.
Por isso eu digo que em tal temor espero,
quiçá querendo até mesmo te evitar,
pela tibieza de meu pobre coração...
NO ABANDONO DA TRISTEZA II
Embora tanta vez se nos pareça
que a tristeza possui razão real,
o abandono ou a morte o seu causal
e que destarte em nossa alma permaneça,
uma coisa é importante: não se esqueça
de que tristeza é dor apenas, no final,
intensa no começo, imenso mal,
porém que diminui, sem que nos cresça.
Mas se uma dor em nós se intensifica
é com frequência de moléstia terminal:
por que a tristeza deveria ser igual?
Tal qual um câncer que nalma se nos pica,
que deveria ser então mandado embora,
senão metástase provoca e nos devora!
NO ABANDONO DA TRISTEZA III
Porém metástase diversa se deseja:
que algum amor fremente de emoção
saltar pudesse em algum outro coração
e ali encontrasse a triste dor que o aleija!
Contaminação de amor então se enseja,
toda a tristeza enquistada na paixão,
toda envolvida nessa vasta brotação
do câncer puro com que alma outra alma beija!
E que não fosse suscetível a radiação
e muito menos a quimioterapia,
quando a biópsia amor somente revelasse!
A própria alma na multiplicação
das células de amorosa oncologia,
em que a paixão em novo peito se implantasse!
NO ABANDONO DA TRISTEZA IV
Belo seria se a contaminação
de um coração por outro nesse amor
conseguisse dominar todo o estertor,
perpetuando doravante essa emoção!
Belo seria se esse câncer da paixão
toda feiura e defeito constritor
dos olhares apagasse com vigor,
a contemplar unicamente o coração!
Que fosse vista unicamente essa ternura
que se acha ao exterior subjacente,
por tantas décadas em sobrevivência
e que a vergonha da aparência impura
fosse apagada por carícia tão fervente
que só restasse a mais gentil luminescência!-
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