quinta-feira, 11 de agosto de 2016




CINCO HISTORINHAS DE TERRIR
William Lagos – 26/30 jun 2016
(Baseadas em FAVORITE SCARY STORIES por Richard Young e Judy Dockrey Young).

O GIGANTE DE PEDRA … … … ... pág. 1
O GOLEM DE NEW YORK ... ... ... …pág. 6
A ESPOSA DO SAMURAI … … … ... pág.11
OS HOBIÁS ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... pág.16
AS BATIDAS DO FANTASMA ... ... ... pág. 21

O GIGANTE DE PEDRA – 26 JUN 2016

O GIGANTE DE PEDRA I

No antigo tempo em que todos conversavam
não era só com as flores e animais;
também falavam com os seres minerais:
estes, de fato, realmente, balbuciavam.

Os ameríndios aos seus filhos avisavam
que não saíssem dos caminhos habituais,
que então rondavam certos seres anormais,
alguns dos quais aos humanos devoravam.

Havia um indiozinho chamado Esquinandy
que aos conselhos importância pouca dava
e com frequência se ausentava do tipi; (*)
(*) Tenda de couro ameríndia.

os pais e os velhos sempre o aconselhavam,
mas Esquinandy com nada se importava
e alguns problemas sempre o encontravam!...

Mas acima de tudo, os velhos lhe diziam:
“Não vá ao monte em que moram os gigantes,
fica num círculo de pedras bem possantes,
pois qualquer mal certamente lhe fariam!...”

Que ele era destemido, bem sabiam
e tinham medo dos perigos incessantes
que a Esquinandy pareciam interessantes,
pois sempre novas surpresas lhe trariam...

E pelas matas passeava alegremente,
que os animais julgando ter mais manha,
pensando ser esperto e mais valente;

porém não era totalmente descuidado:
em cada galho e cipó via artimanha
e mesmo enchentes jamais tinha enfrentado.

Mas certo dia, em tempo de estiagem,
Esquinandy pôs-se a brincar no rio,
pulando as pedras com bastante brio,
para a si mesmo demonstrar coragem...

Somente o vento lhe servia de arbitragem,
as águas finas e rasas como um fio,
o fundo vendo pelo espelho esguio,
considerando ser tudo sua vantagem.

E nesse pulo a pulo, foi acima,
saltando sempre a rocha mais além,
todo encharcado, porém calor fazia,

até que, de repente, viu-se em cima
daquele círculo de pedras, que também
marcava a casa dos gigantes que lá havia!...

Tentou correr de volta, já assustado,
mas esbarrou no pé duro de um gigante,
que do sono despertou no mesmo instante
e segurou o indiozinho com cuidado...

“Quem é você?” – indagou, já atarantado.
“És um inseto de formato interessante...
Por que meu pé coçaste, seu tratante?”
“Não foi por mal, só tropecei, atrapalhado...”

“E o que é você?  Para flor grande demais,
não é peludo como são os animais,
nem me parece ter seis patas como inseto!...

“É bem mais mole do que casca de madeira,
mas não é pedra, nem concha, nem objeto...
Não me parece coisa em nada costumeira...”

O GIGANTE DE PEDRA II

“Eu sou um índio!” – disse Esquinandy.
“Se é índio, é gente!  Bem que me lembrava.
Eu como gente!” – E logo a boca escancarava!
“Não me coma!” “Por que não?” “Porque eu pedi.”

Ora, o gigante que se achava ali
seu raciocínio pouco controlava.
A nova ideia que então considerava
era de fato demasiada para si...

“Mas por que não irei comê-lo?  Estou com fome.
Há muito tempo que não devoro gente...”
“Eu sei fazer uma pedra dar pulinhos...”

“Vou-lhe provar, se não puder, você me come.”
“Também sei isso fazer perfeitamente,
já enchi de pedras vários riachinhos...”

Ficou o gigante um longo tempo a meditar,
até entender a tal competição,
sem compreender não haver qualquer razão,
mas grande pedra foi logo segurar.

“Te agarro fácil, se tentares me escapar!”
Pegou a pedra e atirou rente do chão,
quatro vezes ela pulou na flutuação.
“Ganhei!... Agora eu vou te devorar!...”

“Só vai ganhar quando eu jogar também!”
Esquinandy protestou na mesma hora,
enquanto a pedra mais lisa procurava...

Disse uma pedra: “Sou melhor do que ninguém!”
O indiozinho agarrou-a, sem demora;
logo a seguir seu arremesso calculava...

Na superfície a pedra mal tocou:
pulou quatro, cinco, seis e sete vezes!
E por estranho que o resultado peses,
nove, dez, onze, doze vezes já pulou!

Até que na outra margem se aquietou.
“Eu ganhei!” – disse ele.  “Não me leses!...”
“Ah, seu tratante!  Ganhar de mim te atreves?”
E o gigante, em sua raiva, trepidou!...

E tanto estremeceu, que se quebrou
numa centena de cacos e pedaços...
Esquinandy, com muito alívio, suspirou

e bem depressa para a água se escapou;
pegou a pedra e tomou-a nos seus braços,
agradecendo pelo bem que lhe causou!...

Mostrou o indiozinho tanta gratidão
que pela pedra seu pranto escorreu
e nos seus braços a pedra se aqueceu,
criou patinhas e bateu-lhe o coração!...

Esquinandy surpreendeu-se na ocasião,
porém à pedra ainda mais carinho deu;
surgiu rabinho e uma cabeça apareceu:
com a linguinha lhe lambeu a mão!...

“Doravante juro sempre obedecer!...”
grave perigo ele correra realmente
e de outra vez, não encontraria fuga!

Mas viu a pedra nas areias se mover:
ganhara vida de seu pranto, inteiramente,
e foi assim que nasceu a tartaruga!...

O GOLEM DE NEW YORK – 27 JUN 16

O GOLEM DE NEW YORK I

Existe crença antiga entre os judeus
que se puderem esculpir um monumento
e sobre ele lançar certo encantamento,
ergue-se a estátua a defender os seus.

Chamam de “Golem” tal figura os fariseus
e na sua testa fazem o assentamento
de uma palavra de grande valimento:
EMET, que é “verdade” entre os hebreus...

Mas se apagarem da palavra a inicial
somente MET permanece nessa testa
e de imediato perde toda a animação,

pois é figura fantástica, afinal,
e MET é “morto” e nada mais lhe resta
em sua vida transitória de ilusão!...

Ora, ocorreu que um rabino afortunado
veio de muda para os Estados Unidos;
trouxe consigo seus entes queridos,
móveis e jóias e quanto havia ganhado,

fugindo aos inimigos do passado,
quadros e estátuas em caixões contidos;
em New York todos já estabelecidos
sua sinagoga ele atendia com cuidado.

Mas também trouxe um caixote bem pesado,
que guardava com cuidado em seu porão,
ao que se saiba, nunca mais o abrindo.

Ficou o rabino, enfim, velho e cansado
e para um filho delegou sua profissão,
os seus segredos igualmente transmitindo.

Muitas décadas depois, seu filho, igual,
a um seu neto educou como rabino,
sua congregação povo educado e fino,
sem precisarem de defensores, afinal... 

Porém o neto foi um famoso intelectual,
sem ter tempo para um filho pequenino;
e como seu sucessor, quis o destino
que tomasse um aprendiz para o ritual...

Porém morreu sem ensinar ao sucessor,
que não chegou a aprender os seus segredos;
e um certo dia, desceu ele até o porão,

empoeirado de sujeira, um feio horror,
e sobre a caixa enorme pôs os dedos,
abrindo a tampa com um gancho de alvião. (*)
(*) Pé-de-cabra.

E ali encontrou uma estátua branca e imensa,
e MET leu na testa da figura...
Sendo tomado por tentação impura,
a letra E acrescentou na testa densa!...

Seguiu imóvel a figura, sem pretensa
vida – ficando ainda quieta e dura...
Mas havia um pergaminho, e em frase pura,
o verdadeiro nome de Deus, segundo a crença!

E num impulso, o jovem imprudente,
ao ver na orelha do monstro um orifício,
ali enfiou profundamente o pergaminho...

E para o orgulho total desse descrente,
ergueu-se a estátua, para cumprir o ofício,
de destruir cada inimigo em seu caminho!

O GOLEM DE NEW YORK II

“Belo Amo, de quem devo defendê-lo?”
rugiu o Golem...  Balbuciou o aprendiz:
“Mas não tenho inimigos!”  “Se assim diz,
dê-me tarefa, a fim de obedecê-lo!...”

“Então, limpe o porão...” “Sim, Amo belo!”
E trabalhou veloz qual chafariz,
em minutos completou. “Amo, eu já fiz!
Desça a escada para ver o meu desvelo...”

“Belo Amo, se já cumpri sua orientação,
dê-me logo algo mais para fazer!...”
“Limpe a casa...” – gaguejou o aprendiz.

E o Golem se moveu num turbilhão,
sem quebrar nada, trabalhando com prazer.
E o pergaminho retirar-lhe o jovem quis...

“Não, belo Amo, bem me agrada vivo estar!
Dê-me logo outra tarefa, que obedeço!”
“Limpe o jardim e a cerca; e depois, peço
que pinte a casa e vá o telhado consertar...”

Tão logo abrira a Torá para estudar (*)
lá estava o Golem, pedindo mais apreço...
“Seu trabalho cumpriu bem, desde o começo!
O pergaminho vou-lhe agora retirar...”
(*) Os primeiros livros do Velho Testamento;

“Não, belo Amo, eu gosto de estar vivo!
Dê-me logo outra tarefa, eu sou ativo
e sinto falta de empregar minha energia!”

“Então, conserte da rua o calçamento,
todas as ervas arranque, bem atento:
nessa tarefa deverá passar o dia!...”

Saiu o Golem e tal como a ventania,
fez seu trabalho pela rua extensa...
O aprendiz, com a mente e a alma tensa,
foi procurar velho rabino que lá havia

e lhe explicou o fato que ocorria...
“Meu filho, cometeu tolice imensa!
A criatura tem tremenda violência,
só quer matar a quem nos perseguia!...”

“Mas aqui em New York há segurança!
Como eu o mandarei matar alguém?”
“Com essas tarefas não se contentará!”

“Seu Golem tem de sangue a esperança:
provavelmente o irá matar também
e a muitos outros talvez massacrará!...”

Foi a porta nesse instante derrubada
e o Golem abraçou firme o aprendiz:
“Outra tarefa, meu belo Amo!” – diz.
“Bom Golem, não tenho outra empreitada!”

Falou o rabino velho, alma inspirada:
“Vá à praça, junto ao lago cor de anis,
em que um parquinho construir se quis:
responda tudo o que indagar a criançada!”

O Golem se afastou, rapidamente,
e ali um bando de crianças encontrou,
que mil e uma coisas perguntaram...

E após sete mil respostas, finalmente,
a letra E da própria testa ele apagou,
pois suas perguntas nunca terminaram!...

EPILOGO

Ali se encontra essa estátua cinza e feia;
nenhuma criança dela se arreceia.
Satisfazer curiosidade não se alcança,
ainda que seja de uma só criança!...

Mas onde se acha o tal de pergaminho?
Simplesmente escorregou pelo caminho,
Talvez esteja coberto pela terra
e o Nome místico de Deus ainda encerra...

E se algum tolo lho enfiar no ouvido
e o termo EMET novamente completar,
provavelmente o faz de novo despertar!

É bom que tenha longo trabalho concebido
ou então que haja um inimigo na cidade,
que há de matar na maior ferocidade!...

A ESPOSA DO SAMURAI – 28 JUN 16

A ESPOSA DO SAMURAI I

Era bem raro os antigos samurais,
envolvidos em perpétuo treinamento,
se disporem a contrair um casamento,
pois parecia responsabilidade ser demais.

Graças, porém, a ocorrências eventuais,
certo Senhor deixou em testamento
algumas terras de vasto rendimento
a um que o servira acima e além dos mais.

E dessa forma, abandonando a guerra,
já que de fato ficara sem Senhor,
o samurai foi tomar conta de sua terra,

logo a seguir pensando em se casar,
pela jovem Oiwako nutrindo certo amor,
um sentimento que aprendera a desprezar...

Oiwako só o chamava de Oto-San,
que significa “senhor meu marido”;
e o matrimônio que haviam contraído
foi coroado por enérgica paixão.

Porém não pôde provocar-lhe gestação
e Oto-San foi ficando aborrecido;
sem ter filhos, seu ardor era perdido,
maior que fosse a firme e mútua devoção.

Uma noite, foi com ela a um casamento,
no qual jovem muito bela conheceu,
chamada Matsuo... e então a quis trocar,

já não nutrindo o mesmo sentimento...
E sendo um homem feroz, o impulso seu
foi de sua amante esposa assassinar!...

E quando estavam os dois ao lar voltando,
passando a trilha por penhasco à beira-mar,
viu-se tentado a Oiwako derrubar,
que num só grito às rochas foi tombando!

Chamou os amigos, aos berros, implorando
que o ajudassem a esposa a resgatar,
pois mentiu que a não pudera segurar,
quando no limo a vira escorregando...

Achado o corpo e após feito o funeral,
pôs-se a dormir na solitária casa,
feliz com a aquisição da liberdade...

Zunia o vento através do carvalhal,
gélidos raios de luar, dedos de gaza,
silenciados os ruídos da cidade...

Mas de repente, acordou sobressaltado,
por uma voz a sussurrar: “Vingança!”
Olhou ao redor e a luz bem alto alcança:
em torno à casa só havia um descampado...

No outro dia, acordou estremunhado,
mas do projeto que firmara não se cansa:
de Matsuo vai aos pais, na esperança
de obter consentimento ambicionado...

Sendo um casal de pobres camponeses,
com doze filhas e nenhum varão,
foi uma honra lhe conceder sua mão;

mas para a boda exigiram mais três meses,
até poderem completar o enxoval,
caso contrário, sentir-se-iam muito mal...

A ESPOSA DO SAMURAI II

E nessa noite, foi dormir alegremente,
até de novo se acordar, sobressaltado,
a parede deslizando para um lado
e uma presença... gemendo horrivelmente.

Era Oiwako, descabelada horrivelmente,
semienvolta num manto esbranquiçado,
um dos olhos sobre a face pendurado...
“Quero Vingança!” – uivando ferozmente.

O samurai ergueu-se, apavorado,
e para a rua escapou, rapidamente:
chamou os criados, mas nada foi achado.

Na outra noite, foi dormir numa cabana,
a luz da lâmpada acesa permanente,
contra o retorno da visão insana!...

Porém, precisamente à meia-noite,
a lamparina pareceu ter aumentado
e nessa chama foi o rosto divisado
de Oiwako, que gemia num aboite!....

Até os bambus das paredes, como açoite,
contra ele se haviam levantado
e o samurai acordou-se, chicoteado,
e bem depressa fugiu do seu acoite!...

Mas ao ar livre viu dois outros samurais,
Gunzê e Kaminazu, seus bons amigos,
que o atacaram, com olhos apagados

e o fantasma retornou, soltando ais!...
O samurai correu dos três perigos,
os dois guerreiros parando, atarantados!

Mas o pescoço de Oiwako ali esticou-se
e o perseguiu ao longo dessa estrada!
De um só golpe, cortou-o com a espada,
mas a cabeça decepada gargalhou-se!...

“Vingança!” – disse.  E o samurai desesperou-se.
Foi sobre o túmulo rezar da assassinada
e por três meses não lhe surgiu mais nada,
até que o novo casamento celebrou-se...

Mas no banquete de comemoração
apareceu-lhe à porta o seu fantasma,
em forma de esqueleto esfarrapado...

Tentou evitar dos convivas a atenção,
rindo bem alto para a assembleia pasma,
que o visitante só por ele era enxergado!...

Mas a cabeça cresceu, desmesurada
e o samurai pôs a fugir, no seu terror,
pelo fantasma perseguido com ardor
e ao precipício foi sendo encaminhado...

E bem no ponto em que a havia empurrado,
no descontrole de seu total pavor,
Oto-San se jogou contra o fragor
e sobre as rochas foi também despedaçado!

Então Oiwako mais uma vez apareceu,
em seu quimono e formosa, novamente
e o ergueu dos recifes gentilmente...

“Oto-San, serás agora sempre meu:
irás comigo para onde eu te levar,
que não deixei um só instante de te amar!...”

OS HOBIÁS – 29 JUN 16

OS HOBIÁS I

Houve um tempo em que existiam Hobiás,
uns monstrinhos feito sapos que falavam;
de carne humana também se alimentavam:
se me escutares, nunca os procurarás!...

Havia um casal de velhos, meu rapaz,
que numa casa de caniços se encontravam;
com uma netinha os dois velhos moravam,
além de Terby, um cachorrinho bem capaz.

E houve uma noite em que o bando de Hobiás
se aproximou, atrevido, da choupana,
com a intenção de comer esse casal!...

E uma canção horrível ouvirás
quando essa turba, com intenção profana,
se aproximar, querendo fazer mal:
        Hobiás!...  Hobiás!...  Hobiás!...
Essa cabana vamos derrubar!
O velho e a velha vamos devorar!
E a menina nós vamos carregar,
para fazer-lhe uma porção de coisas más!

Mas Terby, o cachorrinho, os escutou
e latiu com quanta força tinha!...
Os Hobiás se escaparam, depressinha,
mas só então é que o velho se acordou...

“Esse Terby a noite toda incomodou!
Pois amanhã eu vou cortar a sua colinha,
como castigo por latir em ladainha!”
Dormiu de novo, mas no outro dia, despertou

e sem ter pena, cortou-lhe seu rabinho
e a ferida com um tição cauterizou...
Tampouco a velha sentiu a menor pena!

Só a menina que consolou o bichinho,
cujo rabinho nunca mais se balançou,
mas as mãos lhe lambeu, em triste cena...

Na outra noite, os Hobiás voltaram:
em toda a volta da casa se espalharam,
deram as mãos para formar a roda
e sua horrorosa canção eles cantaram:
        Hobiás!...  Hobiás!...  Hobiás!...
Essa cabana vamos derrubar!
O velho e a velha vamos devorar!
E a menina nós vamos carregar,
para fazer-lhe uma porção de coisas más!

Porém Terby, o cachorrinho, os escutou
e por um longo tempo ele ladrou:
fez disparar os monstros, de igual moda,
mas só então é que o velho se acordou!

“Esse Terby nem me deixa cochilar!...
Pois vou cortar uma de suas patinhas,
só desse jeito ele para de latir!...”

Foi no outro dia o mau intento realizar,
deixando a velha e a menina bem tristinhas...
“É o único jeito de nos deixar dormir!”

E novamente os Hobiás voltaram,
sendo escutados pelo animalzinho,
que mesmo estando agora aleijadinho,
pôs-se a latir e aos monstros dispersou!
        Hobiás!...  Hobiás!...  Hobiás!...
Essa cabana vamos derrubar!
O velho e a velha vamos devorar!
E a menina nós vamos carregar,
para fazer-lhe uma porção de coisas más!

Porém o velho novamente despertou
e bem zangado, falou em tom mesquinho:
“Corto outra pata desse ruim bichinho!”
E pelo resto da noite cochilou...

Nessa manhã, a netinha suplicou,
mas disse o velho: “Quem manda aqui, sou eu!”
E ao cachorrinho outra pata ele cortou!

Com uma brasa, depois cauterizou
e o pobre Terby todo o dia sofreu,
mas, mesmo assim, a lealdade não perdeu!

OS HOBIÁS II

E nessa noite, os Hobiás voltaram,
dançando alegres em volta do terreiro,
também fizeram ali o maior berreiro
e sua horrível cantilena interpretaram:
        Hobiás!...  Hobiás!...  Hobiás!...
Essa cabana vamos derrubar!
O velho e a velha vamos devorar!
E a menina nós vamos carregar,
para fazer-lhe uma porção de coisas más!

Já bem fraquinhos, os latidos escutaram,
fugindo logo para o antigo paradeiro,
mas o velho se acordou e, zombeteiro:
“Esses latidos de novo me acordaram!...”

“Pois amanhã o seu pescoço eu vou cortar!”
E no outro dia, de manhã bem cedo,
cortou a garganta do pobre cachorrinho!

Só a menina o carregou para enterrar,
rabo e patinhas, no maior segredo:
tirou do lixo o coitado do bichinho!...

E nessa noite, eles voltaram novamente,
cercando a casa, com péssima intenção,
para entoar de novo a sua canção,
mas com as orelhas a escutar atentamente:
        Hobiás!...  Hobiás!...  Hobiás!...
Essa cabana vamos derrubar!
O velho e a velha vamos devorar!
E a menina nós vamos carregar,
para fazer-lhe uma porção de coisas más!

E sem ouvirem o animal valente,
logo a seguir realizaram a invasão:
comeram os velhos, com satisfação
e a menina amarraram firmemente!...

E a transportaram para o seu covil,
quase morta de susto e desmaiada...
Quando acordou, ainda mais apavorada!

Pois a enfiaram num saco sujo e vil.
e prometeram as coisas mais horríveis,
a cochichar em tons de voz terríveis!...

E o pobre Terby, até morto e enterrado,
escutou os mil gritinhos da menina
e ainda quis protegê-la de sua sina,
vendo o rabinho e as patas do seu lado...

E ainda mesmo se encontrando degolado,
saiu da cova, sacudindo a crina
e cambaleou até a fogueira pequenina
em que um caçador havia acampado...

E deu um jeito de falar com o seu cão,
enorme mastim negro, que entendeu
e foi depressa puxar o caçador,

que ao ver Terby estendido ali no chão
os puxões de seu cachorro compreendeu
e da floresta enfrentaram o negror!...

Ora, a menina nem havia adormecido,
e ainda chorava, cheia de terror,
os Hobiás a dormir num estupor,
já era de dia, todo o bando endurecido...

E o caçador escutou cada gemido:
abriu o saco, retirando com amor
a menininha e abraçando-a com vigor...
E pôs o cão no saco. ali escondido!

Chegada a noite, os Hobiás se despertaram
e os cordões bem depressa desataram:
saiu o cão negro e matou o bando inteiro!...

Voltou depressa... e os três juntos moraram...
Os Hobiás nessa noite se acabaram,
exterminado até mesmo o derradeiro!...

AS BATIDAS DO FANTASMA – 30 JUN 16

AS BATIDAS DO FANTASMA I

Na Inglaterra houve um grande detetive,
que residia na Londres nebulosa
e escutava muita história pavorosa
sobre fantasma que por lá se esquive,

até que um tal mistério ele se ative
a desvendar, mesmo lenda tenebrosa,
de aparições tirando toda a prosa
de ali assombrar a gente que ainda vive!

Algumas vezes, era só um escapamento
de gás... não lamentoso retornado...
Ou as batidas que se tinham escutado

surgido haviam, em idêntico momento,
na casa do vizinho e, como vedes,
o som cruzava pelo meio das paredes!...

Houve um caso de mansão bem isolada,
em que de noite escutavam um piano!
Ele provou, sem sombra de um engano,
que a melodia era por canos transportada!

Ora, um dia, lhe chegou dama assustada
no escritório, com um temor insano:
“Senhor Cherloque, escuto há quase um ano
certas batidas de razão inexplicada.

Herdei a mansão de minha avó querida
e para lá em seguida me mudei,
mas nessa noite uns ruídos escutei:

certas batidas sem explicação,
de dia e de noite a amargurar-me a vida,
moro sozinha e me pula o coração!...

Em certos dias, não escuto nada,
mas a seguir, os barulhos recomeçam;
não existe hora para que apareçam:
é ao meio-dia ou pode ser de madrugada!

Diz minha copeira que é a Vovó, coitada!
Ela morreu mas não deseja que a esqueçam
ou há alguma coisa que do Além me peçam!
Foi por um padre reza forte executada!...

Mas tão logo sete dias se passaram,
as estranhas batidinhas retornaram;
quase não durmo, estou louca de medo!

Será que é mesmo a Vovó que está batendo?
Não quer que eu fique ali permanecendo
ou pretende me contar algum segredo?

Cherloque Bones pegou o seu boné,
seu impermeável em tecido de xadrez,
um par de botas da mais negra tês
e a grossa lupa, para melhor dar fé...

E com a senhora foi saindo a pé,
com seu cachimbo recurvado, tipo inglês,
sem qualquer fumo colocar-lhe desta vez,
mais como enfeite – não gostava de rapé!...

Porém, chupando o cachimbão vazio,
dava a impressão de ser mais inteligente
e não falava, quando não sabia nada...

Mas enganava os outros com tal brio,
pretendendo meditar atentamente,
caso a tarefa fosse muito complicada!

E assim chegaram na antiga residência,
que tinha mesmo certo jeito de assombrada...
Zunia o vento nos galhos da ramada
e assim que entraram na primeira dependência

Tap-tap-tap! – logo ouviram com urgência!...
“Ouviu, Cherloque?  Será mesmo alma penada?”
“De manhã cedo?  É difícil empreitada...
Examinemos toda a casa com paciência!”

“Neste vestíbulo não se encontra nada,
mas os agasalhos vamos pendurar...
Se for fantasma, até pode se ofender,

caso eu penetre com a cabeça ainda tapada...”
No mesmo instante, o ruído ouviu parar.
“Ouviu só?  Ele quer-nos receber!...”

AS BATIDAS DO FANTASMA II

“Vovó querida, sou eu, a Mariazinha!
O que é que a senhora quer comigo...?
Cherloque Bones, aqui, é meu amigo,
quer descobrir o que há na sua casinha!”

Fez-se silêncio.  Mas ao entrarem na cozinha,
surgiu de novo o tal ruído antigo!...
Disse Cherloque: “Acredito que consigo
ouvir desde o porão a batidinha!...”

E então desceram, com uma lamparina
(eletricidade não havia ainda então)
para um porão bastante atravancado...

Mas só escutaram uma batida pequenina
que provinha de outra parte da mansão.
“Não vem daqui.  Vamos para um outro lado!”

E percorreram todo o rés do chão
(como o andar térreo então era chamado)
e o som chegava sempre de outro lado:
Tap-tap-tap! – em intermitente duração...

Sempre que entravam em cada locação,
o tal ruído não mais era escutado,
mas noutro cômodo parecia ter soado
e lá seguiam os dois, com precaução!

“Não é no térreo.  Subamos um andar,”
disse Cherloque, seu cachimbo mastigando,
e pela escada foram os dois subindo...

O tal barulho sempre a se afastar:
Tap-tap-tap! – prosseguia soando,
mas sempre além de onde estavam indo!

E assim chegaram ao segundo andar,
e procuraram atrás dos cortinados,
em cada cama dos quartos abafados
e embaixo delas foram espiar!...

Cada porta dos armários a afastar,
remexendo em cobertores empilhados...
Tap-tap-tap! – os barulhinhos apressados
de mais adiante se ouviam projetar!...

Falou Cherloque: “A senhora tem um sótão?”
“Sim,” disse ela e puxou uma corrente,
para uma escada descer, devagarinho...

Distintamente escutaram pelo vão
as batidinhas, com som já mais potente...
Foram subindo a escada de mansinho...

E lá em cima, tudo examinando,
o tal barulho parecia se esconder...
Um ar gelado o local a percorrer...
vinha o ruído, depois ia se apagando...

Enfim, Cherloque se foi aproximando
de uma cômoda com porta de correr:
forte o ruído de trás dela a aparecer!...
Depressa a dama se foi persignando... (*)
(*) Fazendo o sinal da cruz.

Mas Cherloque, sem temor, abriu a porta:
estava frouxa do fundo a cobertura!
Ele a afastou e descobriu que na parede

havia um furo!  E o vento à tábua torta
fazia bater, na maior desenvoltura!...
Mais um mistério que ante o Cherloque cede!...

  
CINCO HISTORINHAS DE TERRIR
William Lagos – 26/30 jun 2016
(Baseadas em FAVORITE SCARY STORIES por Richard Young e Judy Dockrey Young).

O GIGANTE DE PEDRA … … … ... pág. 1
O GOLEM DE NEW YORK ... ... ... …pág. 6
A ESPOSA DO SAMURAI … … … ... pág.11
OS HOBIÁS ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... pág.16
AS BATIDAS DO FANTASMA ... ... ... pág. 21

O GIGANTE DE PEDRA – 26 JUN 2016

O GIGANTE DE PEDRA I

No antigo tempo em que todos conversavam
não era só com as flores e animais;
também falavam com os seres minerais:
estes, de fato, realmente, balbuciavam.

Os ameríndios aos seus filhos avisavam
que não saíssem dos caminhos habituais,
que então rondavam certos seres anormais,
alguns dos quais aos humanos devoravam.

Havia um indiozinho chamado Esquinandy
que aos conselhos importância pouca dava
e com frequência se ausentava do tipi; (*)
(*) Tenda de couro ameríndia.

os pais e os velhos sempre o aconselhavam,
mas Esquinandy com nada se importava
e alguns problemas sempre o encontravam!...

Mas acima de tudo, os velhos lhe diziam:
“Não vá ao monte em que moram os gigantes,
fica num círculo de pedras bem possantes,
pois qualquer mal certamente lhe fariam!...”

Que ele era destemido, bem sabiam
e tinham medo dos perigos incessantes
que a Esquinandy pareciam interessantes,
pois sempre novas surpresas lhe trariam...

E pelas matas passeava alegremente,
que os animais julgando ter mais manha,
pensando ser esperto e mais valente;

porém não era totalmente descuidado:
em cada galho e cipó via artimanha
e mesmo enchentes jamais tinha enfrentado.

Mas certo dia, em tempo de estiagem,
Esquinandy pôs-se a brincar no rio,
pulando as pedras com bastante brio,
para a si mesmo demonstrar coragem...

Somente o vento lhe servia de arbitragem,
as águas finas e rasas como um fio,
o fundo vendo pelo espelho esguio,
considerando ser tudo sua vantagem.

E nesse pulo a pulo, foi acima,
saltando sempre a rocha mais além,
todo encharcado, porém calor fazia,

até que, de repente, viu-se em cima
daquele círculo de pedras, que também
marcava a casa dos gigantes que lá havia!...

Tentou correr de volta, já assustado,
mas esbarrou no pé duro de um gigante,
que do sono despertou no mesmo instante
e segurou o indiozinho com cuidado...

“Quem é você?” – indagou, já atarantado.
“És um inseto de formato interessante...
Por que meu pé coçaste, seu tratante?”
“Não foi por mal, só tropecei, atrapalhado...”

“E o que é você?  Para flor grande demais,
não é peludo como são os animais,
nem me parece ter seis patas como inseto!...

“É bem mais mole do que casca de madeira,
mas não é pedra, nem concha, nem objeto...
Não me parece coisa em nada costumeira...”

O GIGANTE DE PEDRA II

“Eu sou um índio!” – disse Esquinandy.
“Se é índio, é gente!  Bem que me lembrava.
Eu como gente!” – E logo a boca escancarava!
“Não me coma!” “Por que não?” “Porque eu pedi.”

Ora, o gigante que se achava ali
seu raciocínio pouco controlava.
A nova ideia que então considerava
era de fato demasiada para si...

“Mas por que não irei comê-lo?  Estou com fome.
Há muito tempo que não devoro gente...”
“Eu sei fazer uma pedra dar pulinhos...”

“Vou-lhe provar, se não puder, você me come.”
“Também sei isso fazer perfeitamente,
já enchi de pedras vários riachinhos...”

Ficou o gigante um longo tempo a meditar,
até entender a tal competição,
sem compreender não haver qualquer razão,
mas grande pedra foi logo segurar.

“Te agarro fácil, se tentares me escapar!”
Pegou a pedra e atirou rente do chão,
quatro vezes ela pulou na flutuação.
“Ganhei!... Agora eu vou te devorar!...”

“Só vai ganhar quando eu jogar também!”
Esquinandy protestou na mesma hora,
enquanto a pedra mais lisa procurava...

Disse uma pedra: “Sou melhor do que ninguém!”
O indiozinho agarrou-a, sem demora;
logo a seguir seu arremesso calculava...

Na superfície a pedra mal tocou:
pulou quatro, cinco, seis e sete vezes!
E por estranho que o resultado peses,
nove, dez, onze, doze vezes já pulou!

Até que na outra margem se aquietou.
“Eu ganhei!” – disse ele.  “Não me leses!...”
“Ah, seu tratante!  Ganhar de mim te atreves?”
E o gigante, em sua raiva, trepidou!...

E tanto estremeceu, que se quebrou
numa centena de cacos e pedaços...
Esquinandy, com muito alívio, suspirou

e bem depressa para a água se escapou;
pegou a pedra e tomou-a nos seus braços,
agradecendo pelo bem que lhe causou!...

Mostrou o indiozinho tanta gratidão
que pela pedra seu pranto escorreu
e nos seus braços a pedra se aqueceu,
criou patinhas e bateu-lhe o coração!...

Esquinandy surpreendeu-se na ocasião,
porém à pedra ainda mais carinho deu;
surgiu rabinho e uma cabeça apareceu:
com a linguinha lhe lambeu a mão!...

“Doravante juro sempre obedecer!...”
grave perigo ele correra realmente
e de outra vez, não encontraria fuga!

Mas viu a pedra nas areias se mover:
ganhara vida de seu pranto, inteiramente,
e foi assim que nasceu a tartaruga!...

O GOLEM DE NEW YORK – 27 JUN 16

O GOLEM DE NEW YORK I

Existe crença antiga entre os judeus
que se puderem esculpir um monumento
e sobre ele lançar certo encantamento,
ergue-se a estátua a defender os seus.

Chamam de “Golem” tal figura os fariseus
e na sua testa fazem o assentamento
de uma palavra de grande valimento:
EMET, que é “verdade” entre os hebreus...

Mas se apagarem da palavra a inicial
somente MET permanece nessa testa
e de imediato perde toda a animação,

pois é figura fantástica, afinal,
e MET é “morto” e nada mais lhe resta
em sua vida transitória de ilusão!...

Ora, ocorreu que um rabino afortunado
veio de muda para os Estados Unidos;
trouxe consigo seus entes queridos,
móveis e jóias e quanto havia ganhado,

fugindo aos inimigos do passado,
quadros e estátuas em caixões contidos;
em New York todos já estabelecidos
sua sinagoga ele atendia com cuidado.

Mas também trouxe um caixote bem pesado,
que guardava com cuidado em seu porão,
ao que se saiba, nunca mais o abrindo.

Ficou o rabino, enfim, velho e cansado
e para um filho delegou sua profissão,
os seus segredos igualmente transmitindo.

Muitas décadas depois, seu filho, igual,
a um seu neto educou como rabino,
sua congregação povo educado e fino,
sem precisarem de defensores, afinal... 

Porém o neto foi um famoso intelectual,
sem ter tempo para um filho pequenino;
e como seu sucessor, quis o destino
que tomasse um aprendiz para o ritual...

Porém morreu sem ensinar ao sucessor,
que não chegou a aprender os seus segredos;
e um certo dia, desceu ele até o porão,

empoeirado de sujeira, um feio horror,
e sobre a caixa enorme pôs os dedos,
abrindo a tampa com um gancho de alvião. (*)
(*) Pé-de-cabra.

E ali encontrou uma estátua branca e imensa,
e MET leu na testa da figura...
Sendo tomado por tentação impura,
a letra E acrescentou na testa densa!...

Seguiu imóvel a figura, sem pretensa
vida – ficando ainda quieta e dura...
Mas havia um pergaminho, e em frase pura,
o verdadeiro nome de Deus, segundo a crença!

E num impulso, o jovem imprudente,
ao ver na orelha do monstro um orifício,
ali enfiou profundamente o pergaminho...

E para o orgulho total desse descrente,
ergueu-se a estátua, para cumprir o ofício,
de destruir cada inimigo em seu caminho!

O GOLEM DE NEW YORK II

“Belo Amo, de quem devo defendê-lo?”
rugiu o Golem...  Balbuciou o aprendiz:
“Mas não tenho inimigos!”  “Se assim diz,
dê-me tarefa, a fim de obedecê-lo!...”

“Então, limpe o porão...” “Sim, Amo belo!”
E trabalhou veloz qual chafariz,
em minutos completou. “Amo, eu já fiz!
Desça a escada para ver o meu desvelo...”

“Belo Amo, se já cumpri sua orientação,
dê-me logo algo mais para fazer!...”
“Limpe a casa...” – gaguejou o aprendiz.

E o Golem se moveu num turbilhão,
sem quebrar nada, trabalhando com prazer.
E o pergaminho retirar-lhe o jovem quis...

“Não, belo Amo, bem me agrada vivo estar!
Dê-me logo outra tarefa, que obedeço!”
“Limpe o jardim e a cerca; e depois, peço
que pinte a casa e vá o telhado consertar...”

Tão logo abrira a Torá para estudar (*)
lá estava o Golem, pedindo mais apreço...
“Seu trabalho cumpriu bem, desde o começo!
O pergaminho vou-lhe agora retirar...”
(*) Os primeiros livros do Velho Testamento;

“Não, belo Amo, eu gosto de estar vivo!
Dê-me logo outra tarefa, eu sou ativo
e sinto falta de empregar minha energia!”

“Então, conserte da rua o calçamento,
todas as ervas arranque, bem atento:
nessa tarefa deverá passar o dia!...”

Saiu o Golem e tal como a ventania,
fez seu trabalho pela rua extensa...
O aprendiz, com a mente e a alma tensa,
foi procurar velho rabino que lá havia

e lhe explicou o fato que ocorria...
“Meu filho, cometeu tolice imensa!
A criatura tem tremenda violência,
só quer matar a quem nos perseguia!...”

“Mas aqui em New York há segurança!
Como eu o mandarei matar alguém?”
“Com essas tarefas não se contentará!”

“Seu Golem tem de sangue a esperança:
provavelmente o irá matar também
e a muitos outros talvez massacrará!...”

Foi a porta nesse instante derrubada
e o Golem abraçou firme o aprendiz:
“Outra tarefa, meu belo Amo!” – diz.
“Bom Golem, não tenho outra empreitada!”

Falou o rabino velho, alma inspirada:
“Vá à praça, junto ao lago cor de anis,
em que um parquinho construir se quis:
responda tudo o que indagar a criançada!”

O Golem se afastou, rapidamente,
e ali um bando de crianças encontrou,
que mil e uma coisas perguntaram...

E após sete mil respostas, finalmente,
a letra E da própria testa ele apagou,
pois suas perguntas nunca terminaram!...

EPILOGO

Ali se encontra essa estátua cinza e feia;
nenhuma criança dela se arreceia.
Satisfazer curiosidade não se alcança,
ainda que seja de uma só criança!...

Mas onde se acha o tal de pergaminho?
Simplesmente escorregou pelo caminho,
Talvez esteja coberto pela terra
e o Nome místico de Deus ainda encerra...

E se algum tolo lho enfiar no ouvido
e o termo EMET novamente completar,
provavelmente o faz de novo despertar!

É bom que tenha longo trabalho concebido
ou então que haja um inimigo na cidade,
que há de matar na maior ferocidade!...

A ESPOSA DO SAMURAI – 28 JUN 16

A ESPOSA DO SAMURAI I

Era bem raro os antigos samurais,
envolvidos em perpétuo treinamento,
se disporem a contrair um casamento,
pois parecia responsabilidade ser demais.

Graças, porém, a ocorrências eventuais,
certo Senhor deixou em testamento
algumas terras de vasto rendimento
a um que o servira acima e além dos mais.

E dessa forma, abandonando a guerra,
já que de fato ficara sem Senhor,
o samurai foi tomar conta de sua terra,

logo a seguir pensando em se casar,
pela jovem Oiwako nutrindo certo amor,
um sentimento que aprendera a desprezar...

Oiwako só o chamava de Oto-San,
que significa “senhor meu marido”;
e o matrimônio que haviam contraído
foi coroado por enérgica paixão.

Porém não pôde provocar-lhe gestação
e Oto-San foi ficando aborrecido;
sem ter filhos, seu ardor era perdido,
maior que fosse a firme e mútua devoção.

Uma noite, foi com ela a um casamento,
no qual jovem muito bela conheceu,
chamada Matsuo... e então a quis trocar,

já não nutrindo o mesmo sentimento...
E sendo um homem feroz, o impulso seu
foi de sua amante esposa assassinar!...

E quando estavam os dois ao lar voltando,
passando a trilha por penhasco à beira-mar,
viu-se tentado a Oiwako derrubar,
que num só grito às rochas foi tombando!

Chamou os amigos, aos berros, implorando
que o ajudassem a esposa a resgatar,
pois mentiu que a não pudera segurar,
quando no limo a vira escorregando...

Achado o corpo e após feito o funeral,
pôs-se a dormir na solitária casa,
feliz com a aquisição da liberdade...

Zunia o vento através do carvalhal,
gélidos raios de luar, dedos de gaza,
silenciados os ruídos da cidade...

Mas de repente, acordou sobressaltado,
por uma voz a sussurrar: “Vingança!”
Olhou ao redor e a luz bem alto alcança:
em torno à casa só havia um descampado...

No outro dia, acordou estremunhado,
mas do projeto que firmara não se cansa:
de Matsuo vai aos pais, na esperança
de obter consentimento ambicionado...

Sendo um casal de pobres camponeses,
com doze filhas e nenhum varão,
foi uma honra lhe conceder sua mão;

mas para a boda exigiram mais três meses,
até poderem completar o enxoval,
caso contrário, sentir-se-iam muito mal...

A ESPOSA DO SAMURAI II

E nessa noite, foi dormir alegremente,
até de novo se acordar, sobressaltado,
a parede deslizando para um lado
e uma presença... gemendo horrivelmente.

Era Oiwako, descabelada horrivelmente,
semienvolta num manto esbranquiçado,
um dos olhos sobre a face pendurado...
“Quero Vingança!” – uivando ferozmente.

O samurai ergueu-se, apavorado,
e para a rua escapou, rapidamente:
chamou os criados, mas nada foi achado.

Na outra noite, foi dormir numa cabana,
a luz da lâmpada acesa permanente,
contra o retorno da visão insana!...

Porém, precisamente à meia-noite,
a lamparina pareceu ter aumentado
e nessa chama foi o rosto divisado
de Oiwako, que gemia num aboite!....

Até os bambus das paredes, como açoite,
contra ele se haviam levantado
e o samurai acordou-se, chicoteado,
e bem depressa fugiu do seu acoite!...

Mas ao ar livre viu dois outros samurais,
Gunzê e Kaminazu, seus bons amigos,
que o atacaram, com olhos apagados

e o fantasma retornou, soltando ais!...
O samurai correu dos três perigos,
os dois guerreiros parando, atarantados!

Mas o pescoço de Oiwako ali esticou-se
e o perseguiu ao longo dessa estrada!
De um só golpe, cortou-o com a espada,
mas a cabeça decepada gargalhou-se!...

“Vingança!” – disse.  E o samurai desesperou-se.
Foi sobre o túmulo rezar da assassinada
e por três meses não lhe surgiu mais nada,
até que o novo casamento celebrou-se...

Mas no banquete de comemoração
apareceu-lhe à porta o seu fantasma,
em forma de esqueleto esfarrapado...

Tentou evitar dos convivas a atenção,
rindo bem alto para a assembleia pasma,
que o visitante só por ele era enxergado!...

Mas a cabeça cresceu, desmesurada
e o samurai pôs a fugir, no seu terror,
pelo fantasma perseguido com ardor
e ao precipício foi sendo encaminhado...

E bem no ponto em que a havia empurrado,
no descontrole de seu total pavor,
Oto-San se jogou contra o fragor
e sobre as rochas foi também despedaçado!

Então Oiwako mais uma vez apareceu,
em seu quimono e formosa, novamente
e o ergueu dos recifes gentilmente...

“Oto-San, serás agora sempre meu:
irás comigo para onde eu te levar,
que não deixei um só instante de te amar!...”

OS HOBIÁS – 29 JUN 16

OS HOBIÁS I

Houve um tempo em que existiam Hobiás,
uns monstrinhos feito sapos que falavam;
de carne humana também se alimentavam:
se me escutares, nunca os procurarás!...

Havia um casal de velhos, meu rapaz,
que numa casa de caniços se encontravam;
com uma netinha os dois velhos moravam,
além de Terby, um cachorrinho bem capaz.

E houve uma noite em que o bando de Hobiás
se aproximou, atrevido, da choupana,
com a intenção de comer esse casal!...

E uma canção horrível ouvirás
quando essa turba, com intenção profana,
se aproximar, querendo fazer mal:
        Hobiás!...  Hobiás!...  Hobiás!...
Essa cabana vamos derrubar!
O velho e a velha vamos devorar!
E a menina nós vamos carregar,
para fazer-lhe uma porção de coisas más!

Mas Terby, o cachorrinho, os escutou
e latiu com quanta força tinha!...
Os Hobiás se escaparam, depressinha,
mas só então é que o velho se acordou...

“Esse Terby a noite toda incomodou!
Pois amanhã eu vou cortar a sua colinha,
como castigo por latir em ladainha!”
Dormiu de novo, mas no outro dia, despertou

e sem ter pena, cortou-lhe seu rabinho
e a ferida com um tição cauterizou...
Tampouco a velha sentiu a menor pena!

Só a menina que consolou o bichinho,
cujo rabinho nunca mais se balançou,
mas as mãos lhe lambeu, em triste cena...

Na outra noite, os Hobiás voltaram:
em toda a volta da casa se espalharam,
deram as mãos para formar a roda
e sua horrorosa canção eles cantaram:
        Hobiás!...  Hobiás!...  Hobiás!...
Essa cabana vamos derrubar!
O velho e a velha vamos devorar!
E a menina nós vamos carregar,
para fazer-lhe uma porção de coisas más!

Porém Terby, o cachorrinho, os escutou
e por um longo tempo ele ladrou:
fez disparar os monstros, de igual moda,
mas só então é que o velho se acordou!

“Esse Terby nem me deixa cochilar!...
Pois vou cortar uma de suas patinhas,
só desse jeito ele para de latir!...”

Foi no outro dia o mau intento realizar,
deixando a velha e a menina bem tristinhas...
“É o único jeito de nos deixar dormir!”

E novamente os Hobiás voltaram,
sendo escutados pelo animalzinho,
que mesmo estando agora aleijadinho,
pôs-se a latir e aos monstros dispersou!
        Hobiás!...  Hobiás!...  Hobiás!...
Essa cabana vamos derrubar!
O velho e a velha vamos devorar!
E a menina nós vamos carregar,
para fazer-lhe uma porção de coisas más!

Porém o velho novamente despertou
e bem zangado, falou em tom mesquinho:
“Corto outra pata desse ruim bichinho!”
E pelo resto da noite cochilou...

Nessa manhã, a netinha suplicou,
mas disse o velho: “Quem manda aqui, sou eu!”
E ao cachorrinho outra pata ele cortou!

Com uma brasa, depois cauterizou
e o pobre Terby todo o dia sofreu,
mas, mesmo assim, a lealdade não perdeu!

OS HOBIÁS II

E nessa noite, os Hobiás voltaram,
dançando alegres em volta do terreiro,
também fizeram ali o maior berreiro
e sua horrível cantilena interpretaram:
        Hobiás!...  Hobiás!...  Hobiás!...
Essa cabana vamos derrubar!
O velho e a velha vamos devorar!
E a menina nós vamos carregar,
para fazer-lhe uma porção de coisas más!

Já bem fraquinhos, os latidos escutaram,
fugindo logo para o antigo paradeiro,
mas o velho se acordou e, zombeteiro:
“Esses latidos de novo me acordaram!...”

“Pois amanhã o seu pescoço eu vou cortar!”
E no outro dia, de manhã bem cedo,
cortou a garganta do pobre cachorrinho!

Só a menina o carregou para enterrar,
rabo e patinhas, no maior segredo:
tirou do lixo o coitado do bichinho!...

E nessa noite, eles voltaram novamente,
cercando a casa, com péssima intenção,
para entoar de novo a sua canção,
mas com as orelhas a escutar atentamente:
        Hobiás!...  Hobiás!...  Hobiás!...
Essa cabana vamos derrubar!
O velho e a velha vamos devorar!
E a menina nós vamos carregar,
para fazer-lhe uma porção de coisas más!

E sem ouvirem o animal valente,
logo a seguir realizaram a invasão:
comeram os velhos, com satisfação
e a menina amarraram firmemente!...

E a transportaram para o seu covil,
quase morta de susto e desmaiada...
Quando acordou, ainda mais apavorada!

Pois a enfiaram num saco sujo e vil.
e prometeram as coisas mais horríveis,
a cochichar em tons de voz terríveis!...

E o pobre Terby, até morto e enterrado,
escutou os mil gritinhos da menina
e ainda quis protegê-la de sua sina,
vendo o rabinho e as patas do seu lado...

E ainda mesmo se encontrando degolado,
saiu da cova, sacudindo a crina
e cambaleou até a fogueira pequenina
em que um caçador havia acampado...

E deu um jeito de falar com o seu cão,
enorme mastim negro, que entendeu
e foi depressa puxar o caçador,

que ao ver Terby estendido ali no chão
os puxões de seu cachorro compreendeu
e da floresta enfrentaram o negror!...

Ora, a menina nem havia adormecido,
e ainda chorava, cheia de terror,
os Hobiás a dormir num estupor,
já era de dia, todo o bando endurecido...

E o caçador escutou cada gemido:
abriu o saco, retirando com amor
a menininha e abraçando-a com vigor...
E pôs o cão no saco. ali escondido!

Chegada a noite, os Hobiás se despertaram
e os cordões bem depressa desataram:
saiu o cão negro e matou o bando inteiro!...

Voltou depressa... e os três juntos moraram...
Os Hobiás nessa noite se acabaram,
exterminado até mesmo o derradeiro!...

AS BATIDAS DO FANTASMA – 30 JUN 16

AS BATIDAS DO FANTASMA I

Na Inglaterra houve um grande detetive,
que residia na Londres nebulosa
e escutava muita história pavorosa
sobre fantasma que por lá se esquive,

até que um tal mistério ele se ative
a desvendar, mesmo lenda tenebrosa,
de aparições tirando toda a prosa
de ali assombrar a gente que ainda vive!

Algumas vezes, era só um escapamento
de gás... não lamentoso retornado...
Ou as batidas que se tinham escutado

surgido haviam, em idêntico momento,
na casa do vizinho e, como vedes,
o som cruzava pelo meio das paredes!...

Houve um caso de mansão bem isolada,
em que de noite escutavam um piano!
Ele provou, sem sombra de um engano,
que a melodia era por canos transportada!

Ora, um dia, lhe chegou dama assustada
no escritório, com um temor insano:
“Senhor Cherloque, escuto há quase um ano
certas batidas de razão inexplicada.

Herdei a mansão de minha avó querida
e para lá em seguida me mudei,
mas nessa noite uns ruídos escutei:

certas batidas sem explicação,
de dia e de noite a amargurar-me a vida,
moro sozinha e me pula o coração!...

Em certos dias, não escuto nada,
mas a seguir, os barulhos recomeçam;
não existe hora para que apareçam:
é ao meio-dia ou pode ser de madrugada!

Diz minha copeira que é a Vovó, coitada!
Ela morreu mas não deseja que a esqueçam
ou há alguma coisa que do Além me peçam!
Foi por um padre reza forte executada!...

Mas tão logo sete dias se passaram,
as estranhas batidinhas retornaram;
quase não durmo, estou louca de medo!

Será que é mesmo a Vovó que está batendo?
Não quer que eu fique ali permanecendo
ou pretende me contar algum segredo?

Cherloque Bones pegou o seu boné,
seu impermeável em tecido de xadrez,
um par de botas da mais negra tês
e a grossa lupa, para melhor dar fé...

E com a senhora foi saindo a pé,
com seu cachimbo recurvado, tipo inglês,
sem qualquer fumo colocar-lhe desta vez,
mais como enfeite – não gostava de rapé!...

Porém, chupando o cachimbão vazio,
dava a impressão de ser mais inteligente
e não falava, quando não sabia nada...

Mas enganava os outros com tal brio,
pretendendo meditar atentamente,
caso a tarefa fosse muito complicada!

E assim chegaram na antiga residência,
que tinha mesmo certo jeito de assombrada...
Zunia o vento nos galhos da ramada
e assim que entraram na primeira dependência

Tap-tap-tap! – logo ouviram com urgência!...
“Ouviu, Cherloque?  Será mesmo alma penada?”
“De manhã cedo?  É difícil empreitada...
Examinemos toda a casa com paciência!”

“Neste vestíbulo não se encontra nada,
mas os agasalhos vamos pendurar...
Se for fantasma, até pode se ofender,

caso eu penetre com a cabeça ainda tapada...”
No mesmo instante, o ruído ouviu parar.
“Ouviu só?  Ele quer-nos receber!...”

AS BATIDAS DO FANTASMA II

“Vovó querida, sou eu, a Mariazinha!
O que é que a senhora quer comigo...?
Cherloque Bones, aqui, é meu amigo,
quer descobrir o que há na sua casinha!”

Fez-se silêncio.  Mas ao entrarem na cozinha,
surgiu de novo o tal ruído antigo!...
Disse Cherloque: “Acredito que consigo
ouvir desde o porão a batidinha!...”

E então desceram, com uma lamparina
(eletricidade não havia ainda então)
para um porão bastante atravancado...

Mas só escutaram uma batida pequenina
que provinha de outra parte da mansão.
“Não vem daqui.  Vamos para um outro lado!”

E percorreram todo o rés do chão
(como o andar térreo então era chamado)
e o som chegava sempre de outro lado:
Tap-tap-tap! – em intermitente duração...

Sempre que entravam em cada locação,
o tal ruído não mais era escutado,
mas noutro cômodo parecia ter soado
e lá seguiam os dois, com precaução!

“Não é no térreo.  Subamos um andar,”
disse Cherloque, seu cachimbo mastigando,
e pela escada foram os dois subindo...

O tal barulho sempre a se afastar:
Tap-tap-tap! – prosseguia soando,
mas sempre além de onde estavam indo!

E assim chegaram ao segundo andar,
e procuraram atrás dos cortinados,
em cada cama dos quartos abafados
e embaixo delas foram espiar!...

Cada porta dos armários a afastar,
remexendo em cobertores empilhados...
Tap-tap-tap! – os barulhinhos apressados
de mais adiante se ouviam projetar!...

Falou Cherloque: “A senhora tem um sótão?”
“Sim,” disse ela e puxou uma corrente,
para uma escada descer, devagarinho...

Distintamente escutaram pelo vão
as batidinhas, com som já mais potente...
Foram subindo a escada de mansinho...

E lá em cima, tudo examinando,
o tal barulho parecia se esconder...
Um ar gelado o local a percorrer...
vinha o ruído, depois ia se apagando...

Enfim, Cherloque se foi aproximando
de uma cômoda com porta de correr:
forte o ruído de trás dela a aparecer!...
Depressa a dama se foi p 
CINCO HISTORINHAS DE TERRIR
William Lagos – 26/30 jun 2016
(Baseadas em FAVORITE SCARY STORIES por Richard Young e Judy Dockrey Young).

O GIGANTE DE PEDRA … … … ... pág. 1
O GOLEM DE NEW YORK ... ... ... …pág. 6
A ESPOSA DO SAMURAI … … … ... pág.11
OS HOBIÁS ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... pág.16
AS BATIDAS DO FANTASMA ... ... ... pág. 21

O GIGANTE DE PEDRA – 26 JUN 2016

O GIGANTE DE PEDRA I

No antigo tempo em que todos conversavam
não era só com as flores e animais;
também falavam com os seres minerais:
estes, de fato, realmente, balbuciavam.

Os ameríndios aos seus filhos avisavam
que não saíssem dos caminhos habituais,
que então rondavam certos seres anormais,
alguns dos quais aos humanos devoravam.

Havia um indiozinho chamado Esquinandy
que aos conselhos importância pouca dava
e com frequência se ausentava do tipi; (*)
(*) Tenda de couro ameríndia.

os pais e os velhos sempre o aconselhavam,
mas Esquinandy com nada se importava
e alguns problemas sempre o encontravam!...

Mas acima de tudo, os velhos lhe diziam:
“Não vá ao monte em que moram os gigantes,
fica num círculo de pedras bem possantes,
pois qualquer mal certamente lhe fariam!...”

Que ele era destemido, bem sabiam
e tinham medo dos perigos incessantes
que a Esquinandy pareciam interessantes,
pois sempre novas surpresas lhe trariam...

E pelas matas passeava alegremente,
que os animais julgando ter mais manha,
pensando ser esperto e mais valente;

porém não era totalmente descuidado:
em cada galho e cipó via artimanha
e mesmo enchentes jamais tinha enfrentado.

Mas certo dia, em tempo de estiagem,
Esquinandy pôs-se a brincar no rio,
pulando as pedras com bastante brio,
para a si mesmo demonstrar coragem...

Somente o vento lhe servia de arbitragem,
as águas finas e rasas como um fio,
o fundo vendo pelo espelho esguio,
considerando ser tudo sua vantagem.

E nesse pulo a pulo, foi acima,
saltando sempre a rocha mais além,
todo encharcado, porém calor fazia,

até que, de repente, viu-se em cima
daquele círculo de pedras, que também
marcava a casa dos gigantes que lá havia!...

Tentou correr de volta, já assustado,
mas esbarrou no pé duro de um gigante,
que do sono despertou no mesmo instante
e segurou o indiozinho com cuidado...

“Quem é você?” – indagou, já atarantado.
“És um inseto de formato interessante...
Por que meu pé coçaste, seu tratante?”
“Não foi por mal, só tropecei, atrapalhado...”

“E o que é você?  Para flor grande demais,
não é peludo como são os animais,
nem me parece ter seis patas como inseto!...

“É bem mais mole do que casca de madeira,
mas não é pedra, nem concha, nem objeto...
Não me parece coisa em nada costumeira...”

O GIGANTE DE PEDRA II

“Eu sou um índio!” – disse Esquinandy.
“Se é índio, é gente!  Bem que me lembrava.
Eu como gente!” – E logo a boca escancarava!
“Não me coma!” “Por que não?” “Porque eu pedi.”

Ora, o gigante que se achava ali
seu raciocínio pouco controlava.
A nova ideia que então considerava
era de fato demasiada para si...

“Mas por que não irei comê-lo?  Estou com fome.
Há muito tempo que não devoro gente...”
“Eu sei fazer uma pedra dar pulinhos...”

“Vou-lhe provar, se não puder, você me come.”
“Também sei isso fazer perfeitamente,
já enchi de pedras vários riachinhos...”

Ficou o gigante um longo tempo a meditar,
até entender a tal competição,
sem compreender não haver qualquer razão,
mas grande pedra foi logo segurar.

“Te agarro fácil, se tentares me escapar!”
Pegou a pedra e atirou rente do chão,
quatro vezes ela pulou na flutuação.
“Ganhei!... Agora eu vou te devorar!...”

“Só vai ganhar quando eu jogar também!”
Esquinandy protestou na mesma hora,
enquanto a pedra mais lisa procurava...

Disse uma pedra: “Sou melhor do que ninguém!”
O indiozinho agarrou-a, sem demora;
logo a seguir seu arremesso calculava...

Na superfície a pedra mal tocou:
pulou quatro, cinco, seis e sete vezes!
E por estranho que o resultado peses,
nove, dez, onze, doze vezes já pulou!

Até que na outra margem se aquietou.
“Eu ganhei!” – disse ele.  “Não me leses!...”
“Ah, seu tratante!  Ganhar de mim te atreves?”
E o gigante, em sua raiva, trepidou!...

E tanto estremeceu, que se quebrou
numa centena de cacos e pedaços...
Esquinandy, com muito alívio, suspirou

e bem depressa para a água se escapou;
pegou a pedra e tomou-a nos seus braços,
agradecendo pelo bem que lhe causou!...

Mostrou o indiozinho tanta gratidão
que pela pedra seu pranto escorreu
e nos seus braços a pedra se aqueceu,
criou patinhas e bateu-lhe o coração!...

Esquinandy surpreendeu-se na ocasião,
porém à pedra ainda mais carinho deu;
surgiu rabinho e uma cabeça apareceu:
com a linguinha lhe lambeu a mão!...

“Doravante juro sempre obedecer!...”
grave perigo ele correra realmente
e de outra vez, não encontraria fuga!

Mas viu a pedra nas areias se mover:
ganhara vida de seu pranto, inteiramente,
e foi assim que nasceu a tartaruga!...

O GOLEM DE NEW YORK – 27 JUN 16

O GOLEM DE NEW YORK I

Existe crença antiga entre os judeus
que se puderem esculpir um monumento
e sobre ele lançar certo encantamento,
ergue-se a estátua a defender os seus.

Chamam de “Golem” tal figura os fariseus
e na sua testa fazem o assentamento
de uma palavra de grande valimento:
EMET, que é “verdade” entre os hebreus...

Mas se apagarem da palavra a inicial
somente MET permanece nessa testa
e de imediato perde toda a animação,

pois é figura fantástica, afinal,
e MET é “morto” e nada mais lhe resta
em sua vida transitória de ilusão!...

Ora, ocorreu que um rabino afortunado
veio de muda para os Estados Unidos;
trouxe consigo seus entes queridos,
móveis e jóias e quanto havia ganhado,

fugindo aos inimigos do passado,
quadros e estátuas em caixões contidos;
em New York todos já estabelecidos
sua sinagoga ele atendia com cuidado.

Mas também trouxe um caixote bem pesado,
que guardava com cuidado em seu porão,
ao que se saiba, nunca mais o abrindo.

Ficou o rabino, enfim, velho e cansado
e para um filho delegou sua profissão,
os seus segredos igualmente transmitindo.

Muitas décadas depois, seu filho, igual,
a um seu neto educou como rabino,
sua congregação povo educado e fino,
sem precisarem de defensores, afinal... 

Porém o neto foi um famoso intelectual,
sem ter tempo para um filho pequenino;
e como seu sucessor, quis o destino
que tomasse um aprendiz para o ritual...

Porém morreu sem ensinar ao sucessor,
que não chegou a aprender os seus segredos;
e um certo dia, desceu ele até o porão,

empoeirado de sujeira, um feio horror,
e sobre a caixa enorme pôs os dedos,
abrindo a tampa com um gancho de alvião. (*)
(*) Pé-de-cabra.

E ali encontrou uma estátua branca e imensa,
e MET leu na testa da figura...
Sendo tomado por tentação impura,
a letra E acrescentou na testa densa!...

Seguiu imóvel a figura, sem pretensa
vida – ficando ainda quieta e dura...
Mas havia um pergaminho, e em frase pura,
o verdadeiro nome de Deus, segundo a crença!

E num impulso, o jovem imprudente,
ao ver na orelha do monstro um orifício,
ali enfiou profundamente o pergaminho...

E para o orgulho total desse descrente,
ergueu-se a estátua, para cumprir o ofício,
de destruir cada inimigo em seu caminho!

O GOLEM DE NEW YORK II

“Belo Amo, de quem devo defendê-lo?”
rugiu o Golem...  Balbuciou o aprendiz:
“Mas não tenho inimigos!”  “Se assim diz,
dê-me tarefa, a fim de obedecê-lo!...”

“Então, limpe o porão...” “Sim, Amo belo!”
E trabalhou veloz qual chafariz,
em minutos completou. “Amo, eu já fiz!
Desça a escada para ver o meu desvelo...”

“Belo Amo, se já cumpri sua orientação,
dê-me logo algo mais para fazer!...”
“Limpe a casa...” – gaguejou o aprendiz.

E o Golem se moveu num turbilhão,
sem quebrar nada, trabalhando com prazer.
E o pergaminho retirar-lhe o jovem quis...

“Não, belo Amo, bem me agrada vivo estar!
Dê-me logo outra tarefa, que obedeço!”
“Limpe o jardim e a cerca; e depois, peço
que pinte a casa e vá o telhado consertar...”

Tão logo abrira a Torá para estudar (*)
lá estava o Golem, pedindo mais apreço...
“Seu trabalho cumpriu bem, desde o começo!
O pergaminho vou-lhe agora retirar...”
(*) Os primeiros livros do Velho Testamento;

“Não, belo Amo, eu gosto de estar vivo!
Dê-me logo outra tarefa, eu sou ativo
e sinto falta de empregar minha energia!”

“Então, conserte da rua o calçamento,
todas as ervas arranque, bem atento:
nessa tarefa deverá passar o dia!...”

Saiu o Golem e tal como a ventania,
fez seu trabalho pela rua extensa...
O aprendiz, com a mente e a alma tensa,
foi procurar velho rabino que lá havia

e lhe explicou o fato que ocorria...
“Meu filho, cometeu tolice imensa!
A criatura tem tremenda violência,
só quer matar a quem nos perseguia!...”

“Mas aqui em New York há segurança!
Como eu o mandarei matar alguém?”
“Com essas tarefas não se contentará!”

“Seu Golem tem de sangue a esperança:
provavelmente o irá matar também
e a muitos outros talvez massacrará!...”

Foi a porta nesse instante derrubada
e o Golem abraçou firme o aprendiz:
“Outra tarefa, meu belo Amo!” – diz.
“Bom Golem, não tenho outra empreitada!”

Falou o rabino velho, alma inspirada:
“Vá à praça, junto ao lago cor de anis,
em que um parquinho construir se quis:
responda tudo o que indagar a criançada!”

O Golem se afastou, rapidamente,
e ali um bando de crianças encontrou,
que mil e uma coisas perguntaram...

E após sete mil respostas, finalmente,
a letra E da própria testa ele apagou,
pois suas perguntas nunca terminaram!...

EPILOGO

Ali se encontra essa estátua cinza e feia;
nenhuma criança dela se arreceia.
Satisfazer curiosidade não se alcança,
ainda que seja de uma só criança!...

Mas onde se acha o tal de pergaminho?
Simplesmente escorregou pelo caminho,
Talvez esteja coberto pela terra
e o Nome místico de Deus ainda encerra...

E se algum tolo lho enfiar no ouvido
e o termo EMET novamente completar,
provavelmente o faz de novo despertar!

É bom que tenha longo trabalho concebido
ou então que haja um inimigo na cidade,
que há de matar na maior ferocidade!...

A ESPOSA DO SAMURAI – 28 JUN 16

A ESPOSA DO SAMURAI I

Era bem raro os antigos samurais,
envolvidos em perpétuo treinamento,
se disporem a contrair um casamento,
pois parecia responsabilidade ser demais.

Graças, porém, a ocorrências eventuais,
certo Senhor deixou em testamento
algumas terras de vasto rendimento
a um que o servira acima e além dos mais.

E dessa forma, abandonando a guerra,
já que de fato ficara sem Senhor,
o samurai foi tomar conta de sua terra,

logo a seguir pensando em se casar,
pela jovem Oiwako nutrindo certo amor,
um sentimento que aprendera a desprezar...

Oiwako só o chamava de Oto-San,
que significa “senhor meu marido”;
e o matrimônio que haviam contraído
foi coroado por enérgica paixão.

Porém não pôde provocar-lhe gestação
e Oto-San foi ficando aborrecido;
sem ter filhos, seu ardor era perdido,
maior que fosse a firme e mútua devoção.

Uma noite, foi com ela a um casamento,
no qual jovem muito bela conheceu,
chamada Matsuo... e então a quis trocar,

já não nutrindo o mesmo sentimento...
E sendo um homem feroz, o impulso seu
foi de sua amante esposa assassinar!...

E quando estavam os dois ao lar voltando,
passando a trilha por penhasco à beira-mar,
viu-se tentado a Oiwako derrubar,
que num só grito às rochas foi tombando!

Chamou os amigos, aos berros, implorando
que o ajudassem a esposa a resgatar,
pois mentiu que a não pudera segurar,
quando no limo a vira escorregando...

Achado o corpo e após feito o funeral,
pôs-se a dormir na solitária casa,
feliz com a aquisição da liberdade...

Zunia o vento através do carvalhal,
gélidos raios de luar, dedos de gaza,
silenciados os ruídos da cidade...

Mas de repente, acordou sobressaltado,
por uma voz a sussurrar: “Vingança!”
Olhou ao redor e a luz bem alto alcança:
em torno à casa só havia um descampado...

No outro dia, acordou estremunhado,
mas do projeto que firmara não se cansa:
de Matsuo vai aos pais, na esperança
de obter consentimento ambicionado...

Sendo um casal de pobres camponeses,
com doze filhas e nenhum varão,
foi uma honra lhe conceder sua mão;

mas para a boda exigiram mais três meses,
até poderem completar o enxoval,
caso contrário, sentir-se-iam muito mal...

A ESPOSA DO SAMURAI II

E nessa noite, foi dormir alegremente,
até de novo se acordar, sobressaltado,
a parede deslizando para um lado
e uma presença... gemendo horrivelmente.

Era Oiwako, descabelada horrivelmente,
semienvolta num manto esbranquiçado,
um dos olhos sobre a face pendurado...
“Quero Vingança!” – uivando ferozmente.

O samurai ergueu-se, apavorado,
e para a rua escapou, rapidamente:
chamou os criados, mas nada foi achado.

Na outra noite, foi dormir numa cabana,
a luz da lâmpada acesa permanente,
contra o retorno da visão insana!...

Porém, precisamente à meia-noite,
a lamparina pareceu ter aumentado
e nessa chama foi o rosto divisado
de Oiwako, que gemia num aboite!....

Até os bambus das paredes, como açoite,
contra ele se haviam levantado
e o samurai acordou-se, chicoteado,
e bem depressa fugiu do seu acoite!...

Mas ao ar livre viu dois outros samurais,
Gunzê e Kaminazu, seus bons amigos,
que o atacaram, com olhos apagados

e o fantasma retornou, soltando ais!...
O samurai correu dos três perigos,
os dois guerreiros parando, atarantados!

Mas o pescoço de Oiwako ali esticou-se
e o perseguiu ao longo dessa estrada!
De um só golpe, cortou-o com a espada,
mas a cabeça decepada gargalhou-se!...

“Vingança!” – disse.  E o samurai desesperou-se.
Foi sobre o túmulo rezar da assassinada
e por três meses não lhe surgiu mais nada,
até que o novo casamento celebrou-se...

Mas no banquete de comemoração
apareceu-lhe à porta o seu fantasma,
em forma de esqueleto esfarrapado...

Tentou evitar dos convivas a atenção,
rindo bem alto para a assembleia pasma,
que o visitante só por ele era enxergado!...

Mas a cabeça cresceu, desmesurada
e o samurai pôs a fugir, no seu terror,
pelo fantasma perseguido com ardor
e ao precipício foi sendo encaminhado...

E bem no ponto em que a havia empurrado,
no descontrole de seu total pavor,
Oto-San se jogou contra o fragor
e sobre as rochas foi também despedaçado!

Então Oiwako mais uma vez apareceu,
em seu quimono e formosa, novamente
e o ergueu dos recifes gentilmente...

“Oto-San, serás agora sempre meu:
irás comigo para onde eu te levar,
que não deixei um só instante de te amar!...”

OS HOBIÁS – 29 JUN 16

OS HOBIÁS I

Houve um tempo em que existiam Hobiás,
uns monstrinhos feito sapos que falavam;
de carne humana também se alimentavam:
se me escutares, nunca os procurarás!...

Havia um casal de velhos, meu rapaz,
que numa casa de caniços se encontravam;
com uma netinha os dois velhos moravam,
além de Terby, um cachorrinho bem capaz.

E houve uma noite em que o bando de Hobiás
se aproximou, atrevido, da choupana,
com a intenção de comer esse casal!...

E uma canção horrível ouvirás
quando essa turba, com intenção profana,
se aproximar, querendo fazer mal:
        Hobiás!...  Hobiás!...  Hobiás!...
Essa cabana vamos derrubar!
O velho e a velha vamos devorar!
E a menina nós vamos carregar,
para fazer-lhe uma porção de coisas más!

Mas Terby, o cachorrinho, os escutou
e latiu com quanta força tinha!...
Os Hobiás se escaparam, depressinha,
mas só então é que o velho se acordou...

“Esse Terby a noite toda incomodou!
Pois amanhã eu vou cortar a sua colinha,
como castigo por latir em ladainha!”
Dormiu de novo, mas no outro dia, despertou

e sem ter pena, cortou-lhe seu rabinho
e a ferida com um tição cauterizou...
Tampouco a velha sentiu a menor pena!

Só a menina que consolou o bichinho,
cujo rabinho nunca mais se balançou,
mas as mãos lhe lambeu, em triste cena...

Na outra noite, os Hobiás voltaram:
em toda a volta da casa se espalharam,
deram as mãos para formar a roda
e sua horrorosa canção eles cantaram:
        Hobiás!...  Hobiás!...  Hobiás!...
Essa cabana vamos derrubar!
O velho e a velha vamos devorar!
E a menina nós vamos carregar,
para fazer-lhe uma porção de coisas más!

Porém Terby, o cachorrinho, os escutou
e por um longo tempo ele ladrou:
fez disparar os monstros, de igual moda,
mas só então é que o velho se acordou!

“Esse Terby nem me deixa cochilar!...
Pois vou cortar uma de suas patinhas,
só desse jeito ele para de latir!...”

Foi no outro dia o mau intento realizar,
deixando a velha e a menina bem tristinhas...
“É o único jeito de nos deixar dormir!”

E novamente os Hobiás voltaram,
sendo escutados pelo animalzinho,
que mesmo estando agora aleijadinho,
pôs-se a latir e aos monstros dispersou!
        Hobiás!...  Hobiás!...  Hobiás!...
Essa cabana vamos derrubar!
O velho e a velha vamos devorar!
E a menina nós vamos carregar,
para fazer-lhe uma porção de coisas más!

Porém o velho novamente despertou
e bem zangado, falou em tom mesquinho:
“Corto outra pata desse ruim bichinho!”
E pelo resto da noite cochilou...

Nessa manhã, a netinha suplicou,
mas disse o velho: “Quem manda aqui, sou eu!”
E ao cachorrinho outra pata ele cortou!

Com uma brasa, depois cauterizou
e o pobre Terby todo o dia sofreu,
mas, mesmo assim, a lealdade não perdeu!

OS HOBIÁS II

E nessa noite, os Hobiás voltaram,
dançando alegres em volta do terreiro,
também fizeram ali o maior berreiro
e sua horrível cantilena interpretaram:
        Hobiás!...  Hobiás!...  Hobiás!...
Essa cabana vamos derrubar!
O velho e a velha vamos devorar!
E a menina nós vamos carregar,
para fazer-lhe uma porção de coisas más!

Já bem fraquinhos, os latidos escutaram,
fugindo logo para o antigo paradeiro,
mas o velho se acordou e, zombeteiro:
“Esses latidos de novo me acordaram!...”

“Pois amanhã o seu pescoço eu vou cortar!”
E no outro dia, de manhã bem cedo,
cortou a garganta do pobre cachorrinho!

Só a menina o carregou para enterrar,
rabo e patinhas, no maior segredo:
tirou do lixo o coitado do bichinho!...

E nessa noite, eles voltaram novamente,
cercando a casa, com péssima intenção,
para entoar de novo a sua canção,
mas com as orelhas a escutar atentamente:
        Hobiás!...  Hobiás!...  Hobiás!...
Essa cabana vamos derrubar!
O velho e a velha vamos devorar!
E a menina nós vamos carregar,
para fazer-lhe uma porção de coisas más!

E sem ouvirem o animal valente,
logo a seguir realizaram a invasão:
comeram os velhos, com satisfação
e a menina amarraram firmemente!...

E a transportaram para o seu covil,
quase morta de susto e desmaiada...
Quando acordou, ainda mais apavorada!

Pois a enfiaram num saco sujo e vil.
e prometeram as coisas mais horríveis,
a cochichar em tons de voz terríveis!...

E o pobre Terby, até morto e enterrado,
escutou os mil gritinhos da menina
e ainda quis protegê-la de sua sina,
vendo o rabinho e as patas do seu lado...

E ainda mesmo se encontrando degolado,
saiu da cova, sacudindo a crina
e cambaleou até a fogueira pequenina
em que um caçador havia acampado...

E deu um jeito de falar com o seu cão,
enorme mastim negro, que entendeu
e foi depressa puxar o caçador,

que ao ver Terby estendido ali no chão
os puxões de seu cachorro compreendeu
e da floresta enfrentaram o negror!...

Ora, a menina nem havia adormecido,
e ainda chorava, cheia de terror,
os Hobiás a dormir num estupor,
já era de dia, todo o bando endurecido...

E o caçador escutou cada gemido:
abriu o saco, retirando com amor
a menininha e abraçando-a com vigor...
E pôs o cão no saco. ali escondido!

Chegada a noite, os Hobiás se despertaram
e os cordões bem depressa desataram:
saiu o cão negro e matou o bando inteiro!...

Voltou depressa... e os três juntos moraram...
Os Hobiás nessa noite se acabaram,
exterminado até mesmo o derradeiro!...

AS BATIDAS DO FANTASMA – 30 JUN 16

AS BATIDAS DO FANTASMA I

Na Inglaterra houve um grande detetive,
que residia na Londres nebulosa
e escutava muita história pavorosa
sobre fantasma que por lá se esquive,

até que um tal mistério ele se ative
a desvendar, mesmo lenda tenebrosa,
de aparições tirando toda a prosa
de ali assombrar a gente que ainda vive!

Algumas vezes, era só um escapamento
de gás... não lamentoso retornado...
Ou as batidas que se tinham escutado

surgido haviam, em idêntico momento,
na casa do vizinho e, como vedes,
o som cruzava pelo meio das paredes!...

Houve um caso de mansão bem isolada,
em que de noite escutavam um piano!
Ele provou, sem sombra de um engano,
que a melodia era por canos transportada!

Ora, um dia, lhe chegou dama assustada
no escritório, com um temor insano:
“Senhor Cherloque, escuto há quase um ano
certas batidas de razão inexplicada.

Herdei a mansão de minha avó querida
e para lá em seguida me mudei,
mas nessa noite uns ruídos escutei:

certas batidas sem explicação,
de dia e de noite a amargurar-me a vida,
moro sozinha e me pula o coração!...

Em certos dias, não escuto nada,
mas a seguir, os barulhos recomeçam;
não existe hora para que apareçam:
é ao meio-dia ou pode ser de madrugada!

Diz minha copeira que é a Vovó, coitada!
Ela morreu mas não deseja que a esqueçam
ou há alguma coisa que do Além me peçam!
Foi por um padre reza forte executada!...

Mas tão logo sete dias se passaram,
as estranhas batidinhas retornaram;
quase não durmo, estou louca de medo!

Será que é mesmo a Vovó que está batendo?
Não quer que eu fique ali permanecendo
ou pretende me contar algum segredo?

Cherloque Bones pegou o seu boné,
seu impermeável em tecido de xadrez,
um par de botas da mais negra tês
e a grossa lupa, para melhor dar fé...

E com a senhora foi saindo a pé,
com seu cachimbo recurvado, tipo inglês,
sem qualquer fumo colocar-lhe desta vez,
mais como enfeite – não gostava de rapé!...

Porém, chupando o cachimbão vazio,
dava a impressão de ser mais inteligente
e não falava, quando não sabia nada...

Mas enganava os outros com tal brio,
pretendendo meditar atentamente,
caso a tarefa fosse muito complicada!

E assim chegaram na antiga residência,
que tinha mesmo certo jeito de assombrada...
Zunia o vento nos galhos da ramada
e assim que entraram na primeira dependência

Tap-tap-tap! – logo ouviram com urgência!...
“Ouviu, Cherloque?  Será mesmo alma penada?”
“De manhã cedo?  É difícil empreitada...
Examinemos toda a casa com paciência!”

“Neste vestíbulo não se encontra nada,
mas os agasalhos vamos pendurar...
Se for fantasma, até pode se ofender,

caso eu penetre com a cabeça ainda tapada...”
No mesmo instante, o ruído ouviu parar.
“Ouviu só?  Ele quer-nos receber!...”

AS BATIDAS DO FANTASMA II

“Vovó querida, sou eu, a Mariazinha!
O que é que a senhora quer comigo...?
Cherloque Bones, aqui, é meu amigo,
quer descobrir o que há na sua casinha!”

Fez-se silêncio.  Mas ao entrarem na cozinha,
surgiu de novo o tal ruído antigo!...
Disse Cherloque: “Acredito que consigo
ouvir desde o porão a batidinha!...”

E então desceram, com uma lamparina
(eletricidade não havia ainda então)
para um porão bastante atravancado...

Mas só escutaram uma batida pequenina
que provinha de outra parte da mansão.
“Não vem daqui.  Vamos para um outro lado!”

E percorreram todo o rés do chão
(como o andar térreo então era chamado)
e o som chegava sempre de outro lado:
Tap-tap-tap! – em intermitente duração...

Sempre que entravam em cada locação,
o tal ruído não mais era escutado,
mas noutro cômodo parecia ter soado
e lá seguiam os dois, com precaução!

“Não é no térreo.  Subamos um andar,”
disse Cherloque, seu cachimbo mastigando,
e pela escada foram os dois subindo...

O tal barulho sempre a se afastar:
Tap-tap-tap! – prosseguia soando,
mas sempre além de onde estavam indo!

E assim chegaram ao segundo andar,
e procuraram atrás dos cortinados,
em cada cama dos quartos abafados
e embaixo delas foram espiar!...

Cada porta dos armários a afastar,
remexendo em cobertores empilhados...
Tap-tap-tap! – os barulhinhos apressados
de mais adiante se ouviam projetar!...

Falou Cherloque: “A senhora tem um sótão?”
“Sim,” disse ela e puxou uma corrente,
para uma escada descer, devagarinho...

Distintamente escutaram pelo vão
as batidinhas, com som já mais potente...
Foram subindo a escada de mansinho...

E lá em cima, tudo examinando,
o tal barulho parecia se esconder...
Um ar gelado o local a percorrer...
vinha o ruído, depois ia se apagando...

Enfim, Cherloque se foi aproximando
de uma cômoda com porta de correr:
forte o ruído de trás dela a aparecer!...
Depressa a dama se foi persignando... (*)
(*) Fazendo o sinal da cruz.

Mas Cherloque, sem temor, abriu a porta:
estava frouxa do fundo a cobertura!
Ele a afastou e descobriu que na parede

havia um furo!  E o vento à tábua torta
fazia bater, na maior desenvoltura!...
Mais um mistério que ante o Cherloque cede!...

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