terça-feira, 2 de agosto de 2016




DEVANEIO & MAIS – 16-25 JUN 16
Novas séries de William Lagos

DEVANEIO I – 20 set 2007

a Lua chora mansa sobre a praça
e o Sol pinga de cores o horizonte...
a Nuvem meiga a escuridão perpassa
e a própria Chuva é foice em seu reponte...

o Vento brilha em lama, que esvoaça;
se esbranquece o Azul em tal remonte;
e o Verde se enegrece e quase esbaça
no acinzentar feliz de estranha Fonte...

as Pedras umedecem meu caminho;
a Flor do espinho me acaricia o passo
e até a mágoa é embalsamada pela Urtiga...

enquanto a Estrela me enlaça, com carinho
e a Geada toda me prende, em seu abraço
e do Orvalho da noite brota a espiga...

DEVANEIO II – 16 JUN 16

a Escrita corre em manso fio de lua,
ferve o Rascunho sob a luz do sol,
mil guirlandas de Capim nesse farol,
vozes de Arbustos em melopeia crua.

cada Palavra em seu retrós flutua,
Preposições em seu vasto caracol,
de cada Verbo o artigo um torto anzol,
Pontos Finais correndo pela rua.

a Exclamação vai pular salto de vara
e as Reticências tropeçam na barreira,
da Interrogação o gancho me envenena,

enquanto o Travessão na raia para 
desses Parênteses em branda choradeira
pela morte ou banimento de seu Trema.

DEVANEIO III

o Braço cresce como longa guia
pelas forquilhas de cada Cotovelo;
o Pulso dança a giga do desvelo,
veloz a Mão a deslizar na geada fria.

Palmas e Costas mostrando outra harmonia,
cada Dedo a estender-se num apelo,
em arrepio até mesmo o menor Pelo,
enquanto as Unhas recitam litania.

os Nós dos Dedos repicam castanholas,
cada Lúnula em seu giro de pandeiro,
algumas Farpas trauteando de improviso,

contudo as Digitais nunca controlas,
saem as Cutículas empós o seresteiro,
dos Quiromantes contrariando o siso.

DEVANEIO IV

porém minhas Pernas profetizam maravilhas,
duas coroas cingidas por meus Joelhos,
versos redijo com os ossos dos Artelhos,
Tarsos as teclas das prestimosas trilhas.

meus Tornozelos pousados em duas ilhas,
os Calcanhares refletindo igual espelhos
as velhas marcas dos Antanhos velhos,
sobre as Pegadas em esmaecidas pilhas.

há gravidez em ambas Panturrilhas
e dois sepulcros ao longo das Canelas,
enquanto as Coxas contraem o costureiro,

arte poética gerada nas Virilhas,
para nova criação Viris procelas,
até que brotem num Espasmo derradeiro,

CALAZANS I – 21 set 2007

os Flocos cor de chumbo do luar
se embebem em minhalma, em Nostalgia.
não quero a Luz das flores, nem o dia,
só quero refletir-me em teu Olhar...

as flores cor de Mármore da espera
são mausoléus de entorno a meu Sudário.
não quero a Vida das flores, mas fadário
do inesperado Ardor que reverbera...

somente Flores consumidas de moleza,
na Modorra feroz da inquietação:
tão belas essas flores de Madeira...

e assim eu fico, tal qual meu Coração,
em Chumbo e mármore convida a derradeira
Mortalha espessa revestida de Incerteza...

CALAZANS II – 17 JUN 16

são calazans uma forma de Calaza,
ponto interior que alimenta o Embrião;
por ele passa toda a sua Nutrição,
por ele a Vida a pouco e pouco vaza...

em cada Ovo de ave ele se embasa,
tecido mole a conformar Cordão
pela Clara do ovo em travessão,
prendendo a Gema à membrana de sua casa.

também se encontra na Semente vegetal
essa estrutura em forma de Tendão;
e assim conservam o Núcleo em suspensão

tais Filamentos, como trança natural
da qual depende a Segurança da semente
e lhe confere a Duração mais permanente. 

CALAZANS III

mas Calazans também foi um adivinho
do mito gregos, em Micenas residente;
o dom de Apollo em si era potente;
profetizava com guirlanda de Azevinho,

embriagado por Vapores, não por vinho,
quanto dizia ocorreria Realmente;
para os Aqueus era um real vidente,
pois indicou-lhes dos Dórios o caminho,

vindos do Norte para tudo conquistar,
Jônios e Eólios a fugir de seu avanço,
na Ásia Menor cem colônias a fundar,

pois derribaram as antigas Fortalezas
para somente aceitar o seu Descanso
depois de cem Vitórias ter certezas...

CALAZANS IV

foi sobrenome comum entre os Helenos
frequentes Vezes o encontramos entre nós
em descendentes de Italianos, diz a voz
ou nesses raros Gregos que aqui vemos.

mas também Representa, talvez menos,
esse espargir da Vida em dom atroz,
milhões de mortes da Natureza algoz,
apenas uma a mostrar Ramos pequenos.

também eu dos versos sou Carrasco:
tantos Milhares vejo-me a compor,
mesmo por Mim afinal sendo esquecidos.

será que sentem por mim rancor ou Asco
tais Enjeitados que não têm louvor,
mas pelo Mundo espalham-se perdidos?

ESCAVADOR I – 21 set 2007

Rosas de pedra que carrego nalma,
goivos de mármore abertos em botão,
hemerocálides negras de ilusão,
dracenas balouçando em viva calma,

íris abertas em sua altiva palma,
hortênsias regeladas de emoção,
corimbos e amentilhos, todos são
apenas fetos mortos em minhalma.

Que não me adianta lembrar-me dos jardins
que um dia desejei plantar contigo:
tornaram-se sepulcros, meu jazigo...

Não mais que lantejoulas, trampolins
para o mundo sem cor ou sentimento,
em que apenas me viceja o esquecimento..

ESCAVADOR II – 18 JUN 16

Dizem que há cravos da verdadeira cruz
santificando a mil e um altar
e muita cruz se poderia armar
com os fragmentos sobre que sofreu Jesus.

Da Renascença já um cálculo conduz,
talvez movido por um cínico cantar:
trinta e sete cruzes poder-se-ia montar
com tais cavacos que afirmam ser de truz.

Porém os cravos que carrego nalma
e que os pés de Jesus não perfuraram
são bem reais, ainda que abstratos.

São os meus cravos de mais modesta palma,
a que  meus órgãos internos se afeiçoaram
por mais que ainda os firam seus maltratos.

ESCAVADOR III

Foi em meu próprio coração que cravei mudas:
as minhas artérias empreguei como tutores;
metade sonhos, metade dissabores;
caso espanhol eu fosse, também “dudas”.

Mas não são dúvidas, quiçá, com que me iludas;
são verdadeiras todas essas dores
que cultivei desde a vida nos albores
e que adubei com as penas mais agudas...

Assim, o que escavei foi só meu peito,
impedindo que no teu fosse plantado
esse canteiro de flores de marfim,

porém no qual reproduzi cada defeito
que meu orgulho já tivesse alimentado
pois tudo o que era bom mandei-te, enfim.

ESCAVADOR IV

São depósitos de pedra que plantei,
dentro da alma e no meu coração;
flores sem vida, simulacros de emoção,
flores sem alma que nalma reguei.

E tais sementes de pedra que espalhei
tal qual arte funerária em brotação;
cada soneto outra muda de ilusão,
nas mil palavras de granito que lavrei,

foram centenas de poemas nascituros
a que somente tu podes dar vida,
na luz do olhar transmutada em beijos puros

a converter essas mil folhas de arenito
em novas flores de canção perdida,
pelos suspiros de um coração aflito.

DATILOSCOPIA I – 23 set 2007

dedos de Almíscar, que um dia meu destino,
filtraram nas Pupilas, sem motivo,
senão o Gesto apenas, inquisitivo,
de examinar qual fosse o Peregrino

que se acercava assim de seu Santuário
e conferir-lhe então o Dom franzino
de deixar-se adorar, Dote mofino,
castanholar de Unhas, no ordinário

percutir zombeteiro da Malícia
de quem traz entediado o Coração
e não se abala mais com Bem, nem Mal.

mas se contenta com breve Impudicícia,
entrecortada de Caprichos, maldição
com que gravaram em mim sua Digital.

DATILOSCOPIA II – 19 JUN 16

também beijei em tais dedos Benjoim,
perfume Insano que para mim descia
de sob as Unhas e tanto me iludia
quando eu pensava só Jorrasse para mim.

mas como a flor dourada do Alecrim
que nas Coxilhas e prados recendia,
estava à Espera assim de quem queria
bem menos casta que as flores do Jardim.

se benjoim seu Corpo destilou,
meu corpo inteiro desta forma Ungindo,
seus Dedos foram com outros generosos,

esses seus dedos com que Prazer deixou
em minhas Narinas, seu faro refletindo
nos eventuais Momentos deliciosos...

DATILOSCOPIA III

dedos também de mirra ou de Aloés,
pingando aos poucos mil Gotas serenas,
frasco minúsculo, qual Chanel apenas –
por grande Soma a garantir-me as sés.

dedos de Amomo na ponta de seus pés,
de Cardamomo arredondadas gemas
sobre meu Coração em suas condenas,
lentas Pegadas de seus suntuosos pés.

marcado assim meu peito por Artelhos,
trago nas costas das unhas os Vergões,
dentro do Sangue inserindo o seu perfume,

a transformar-me os olhos em Espelhos,
sua luz tranquila dentro em meus Pulmões
e no meu coração todo o seu Lume.

DATILOSCOPIA IV

então um dia já cessa a Impudicícia,
acastanhado então o seu Perfume,
de mil Amores consumido ao lume,
irresponsável por seus vezos de Estultícia,

então me chega, diluída a sua Malícia,
talvez por não saber onde mais Rume
e numa Súplica que compaixão espume
promete nunca mais mostrar Nequícia. (*)
(*) Maldade, impiedade.

então Olvido todo o sofrimento,
só lembro o almíscar, o Nardo e o benjoim
que no meu Sangue estão entrelaçados

e nessa Essência de rosas de um momento
aloés e cardamomo Aspiro assim,
mais por amor que em ânsia de Pecados.

LÁGRIMAS DE PRATA I – 23 SET 2007

O TEMPO PASSA SEM GRANDE EXULTAÇÃO
IGUAL QUE O FIO DE ÁGUA NA TORNEIRA
TAL COMO A CONTA QUE NOS VEM, CERTEIRA,
O SEU BOLETO SE APRESENTA AO CORAÇÃO.

NÃO CHEGA A CONTA DE GRANDE APERREAÇÃO
E A GENTE PAGA DA FORMA MAIS ORDEIRA,
ATÉ PENSANDO, DE CERTA MANEIRA,
NÃO SER TÃO CARA A DIÁRIA ACEITAÇÃO.

MAS PAGO O DIA COM VIDA, FOI-SE EMBORA
E PELA AURORA CHEGARÁ A CONTA DA NOITE,
A QUAL PAGAMOS, SEM PROTESTAR, COM CALMA,

COM CÉDULAS DE VIDA A CADA HORA,
DA MORTE ADIANDO APENAS O ACOITE,
O MEDO A DESCARTAR QUE BROTA NALMA.

LÁGRIMAS DE PRATA II – 20 JUN 2016

O FATO É QUE NA PLENA JUVENTUDE
TODO O UNIVERSO PARECE ABERTO À FRENTE;
DOS LONGOS DIAS O PINGAR É INDIFERENTE
ESSA VITÓRIA SOBRE O MUNDO NOS ILUDE.

É SUFICIENTE QUE SE TRABALHE E ESTUDE:
MAIS DE UM AMOR ACHAREMOS COMPLACENTE
E UM VERDADEIRO AMOR SERÁ PRESENTE,
RIQUEZA E GLÓRIA SOBRE ADVERSÁRIO RUDE.

MAS PASSA O TEMPO E NADA É BEM ASSIM,
É NECESSÁRIO COMPROMISSOS ASSUMIR
O MAIOR SONHO JÁ A PERDER QUAISQUER FATIAS

COM UM SUSPIRO DE ALÍVIO NO OUTROSSIM
POR RESULTADO MENOR A NOS NUTRIR,
MESMO NÃO SENDO AQUELE QUE QUERIAS...

LÁGRIMAS DE PRATA III

ASSIM MUITOS SE ASSENTAM NA AMARGURA
JÁ QUE A VIDA LHES NEGOU O QUE BUSCAVAM,
CERTO RANCOR AO VER QUE TRIUNFAVAM
OS QUE JULGAVAM MERECER VIDA MAIS DURA.

ENQUANTO OUTRAS SE REVESTEM DE DOÇURA,
SUA ESPERANÇA TRANSFERIDA A QUEM AMAVAM
ANSIANDO VER SE SEUS FILHOS ALCANÇAVAM
OS SEUS IDEAIS DESGASTADOS PELA AGRURA.

QUE DESAPONTO QUANDO O MESMO SE REPETE,
FILHOS E NETOS AO VEREM ACEITAR
OS SINGELOS RESULTADOS DE SUAS VIDAS

QUANDO A SORTE INDIFERENTE SE INTROMETE,
UM BEM DIVERSO DESTINO A LHES MOSTRAR
QUE RARO É O SONHO QUE NO REAL ACHE GUARIDA.

LÁGRIMAS DE PRATA Iv

E QUANDO VEJO OS JOVENS ABRAÇADOS
OU DESCUIDADOS PRATICANDO SEUS ESPORTES
SÓ CONSIGO IMAGINAR QUE ESTRANHAS SORTES
OS TERÃO EM SEU FUTURO MALTRATADOS.

NEM POR INSTANTE QUERO VÊ-LOS DERROTADOS:
SÃO DA MINHA RAÇA, AFINAL, OS MESMOS PORTES
QUE EU TIVE NO PASSADO, ANTES DOS CORTES
COM QUE O FADO ME PODOU SONHOS ALADOS.

O QUE DESEJO É QUE TENHAM ADIAMENTO
DE SEUS PERCALÇOS, DESILUSÕES, TRISTEZAS
QUE CEDO OU TARDE ACHARÃO INESPERADOS.

E QUE MANTENHAM ILUSÕES POR LONGO TEMPO
NO QUAL ESPERO PRODUZAM MAIS BELEZAS
PARA OUTROS JOVENS QUE SURJAM DESCUIDADOS.

PRANTO DO SOL I – 21 JUN 16

Eu vou plantar um almácego de rosas
e transformá-lo num mágico jardim;
entre os canteiros talvez venhas a mim
em tardes puras de luz esplendorosas.

Mais do que as flores parecem-me formosas
as dobras de teus lábios de cetim,
cujo perfume me embriaga qual jasmim,
tornando as tardes puras proveitosas!...

Mas eu não poderei, por mais que queira,
plantar mudas de ti no meu terreno,
somente as marcas das plantas de teus pés,

ainda que guarde semente derradeira
de teu canteiro de gentil veneno,
no desaponto das mais ternas fés.

PRANTO DO SOL II

No meu almácego plantarei pegadas,
adornadas pela lama dos caminhos,
adubadas com a areia dos carinhos,
flores diversas por elas esmagadas.

Eu plantarei a marca das passadas,
prendendo em si capilares pequeninhos
que de meu peito raspaste como espinhos,
veias e artérias em tuas solas conservadas.

Eu plantarei ali teus pés descalços,
seus lisos peitos manchados pelo Sol
nesses mil raios com que brinda a Terra

a recolher de ti os teus percalços,
que não te aflijam a alma qual anzol,
mas se redimam no húmus que ela encerra.

PRANTO DO SOL III

As tuas pegadas que ali cultivarei
são aquelas que marcaste no meu peito,
algumas plenas, outras com defeito
dos calcanhares que tanto admirei.

Por tal razão só as plantas plantarei
como prova febril deste meu preito,
que me pises de leve eu sempre aceito
e cada pétala de ti recolherei.

Porém teus pés eu nunca fecundei,
mesmo que neles derramasse um canto
e os ungisse com meu mais puro amor.

Contudo a mágoa do sol conservarei,
na calidez de seu dourado pranto,
para de noite libertar em resplendor.

PRANTO DO SOL IV

Diariamente o Sol chora sobre a Terra,
talvez pranteando esse imenso desperdício
de sua própria luz, no antigo vício
de se expandir ao redor em quente esfera.

Só uma fração nos vem molhar a serra...
Será então esse, de fato, o seu ofício?
Ou nos concede apenas um resquício,
indiferente aos povos em sua espera?...

Bizarra chuva de ouro que pranteia,
com a Lua sua tristeza compartida,
com seu chuvisco de prata captando

essas lágrimas do Sol em branca teia,
pálida chama como espelho refletida
a umidade que do Sol vai condensando.

PRANTO DO SOL V

Vede!  Se o Sol em nós se concentrasse,
todo o seu pranto em lúcido amargor,
não nos traria, por certo, mais vigor,
a vida inteira quiçá nos calcinasse.

Esse choro do Sol que nos queimasse
em soluços e torrentes de fragor,
morte dourada em seu fogo constritor,
com suas lágrimas de luz nos afogasse.

Destarte a luz que Selene nos reflete
talvez sirva para nós como ataduras
para pensar as feridas do amplo Sol,

num linimento que a alma nos complete,
brando carinho contra as queimaduras
do calcinar das chamas em lençol!...

PRANTO DO SOL VI

E assim eu planto um almácego de Lua,
cada raio protegido por tutor,
a flor prateada brotando com vigor,
protegida desse fulgor que a morte estua.

Mas esse Sol que perfura igual que pua
sua solidão choraria em tal palor,
contra as mudas da Lua um vingador
a ressecá-las mesmo em sombra nua.

E sobre o peito de teus pés seria atento
o meu amor qual sandália protetora,
pois sob o pranto do Sol se queimaria...

E com almácego de ti eu me contento,
sem plantar Sol nem Lua sedutora
pois com meu próprio pranto o regaria.

ROUFENHO I – 22 JUN 16

Ao verão da praia azul acorrem tantos,
Seus olhos a piscar, os pés descalços,
Conchas e cacos servindo de percalços
Que não pensam encontrar e causam prantos.

Lágrimas vertem ao toparem nesses cantos
Das varilhas que serviram como calços
Para prender as tendas, restos falsos
De latas de cerveja ou de outros quantos

Dejetos de anteriores veranistas,
Tendo por leves os desgostos que lhes cabem
Com luz solar a lhes trazer calor gostoso,

Sem se importar que nestas longas pistas
Milhares já pisaram, poucos sabem
Estar deitando onde já pisou um leproso!

ROUFENHO II

Talvez na praia azul dessas espumas
Muitos casais já tenham feito amor,
A praia a umedecer com seu ardor,
Dúzias de gotas em grudentas rumas.

Também os dez cigarros que hoje fumas
Companhia façam, com seu triste odor,
A outros milhares largados ao redor,
Saliva e nicotina nessas dunas!

Quem sabe ainda restos de sangue coagulado
De algum aidético que seu pé cortou
Em qualquer caco de vidro abandonado

E neles pisa em passo descuidado
Quem seus chinelos hoje não calçou,
Infectando seu corpo sem pecado!...

ROUFENHO III

Mas por que a praia azul assim condeno?
Lá pessoalmente nunca andei descalço,
Embora possa ter dado passo em falso,
Um “pé de atleta” a contrair, sereno...

Sempre usei algum boné desde pequeno,
Que não tirei às vistas do mar salso,
Da insolação nunca sofri percalço,
Com camisetas protejo o peito a pleno.

Mas vejo ali da imprudência o efeito:
Há quem se exiba em busca de conquista,
Outras apenas alardeando a sua vaidade,

Por entre os seios das sardas o defeito,
Que a maioria sob o sol se enquista,
O câncer a chamar de boa-vontade!

ROUFENHO IV

Das raras vezes que marchei em qualquer praia,
Por azulada que fosse a sua beleza,
Dejetos vi flutuando, com certeza,
Entre os tantos veranistas nessa raia...

De cada esgoto de cuja boca saia
De atroz contaminação essa pobreza,
Sem tratamento qualquer a suja empresa,
Vejo a promessa que a saúde traia.

Quem nada ali a imundície compartilha
Por mais belas que pareçam as  marolas.
Buscam doenças para ter maior remanso?

Um atestado qualquer quem sabe pilha,
Tem novas férias por doenças tolas
Que talvez nunca mais lhe deem descanso!

ROUFENHO V

O Câncer tem entre nós grande incidência:
Há o Carcinoma Basocelular
E o Carcinoma Espinocelular,
Que se difundem na maior frequência.

E o Melanoma, com bem feroz potência;
O Tumor de Merkel muitos a afetar
(mas não vá a Dona Ângela culpar!)
E ainda sarcomas e linfomas têm valência.

Menos se expõem os que são mais atilados,
Buscando as horas de menor calor,
A radiação a causar-lhes menos mal,

Mais proteção buscando os “antenados”,
Que então esfregam na pele um protetor,
Favorecendo a indústria nacional!...

ROUFENHO VI

“Eu já sou negro”, dizem Afrodescendentes,
“E contra o Câncer já me encontro protegido!”
Bem menos Carcinomas têm sofrido
Que os compatriotas Eurodescendentes...

Mas essa proteção de que são crentes
É apenas ilusória, pois é neles difundido
Um câncer mais traiçoeiro, esse atrevido
Que cruza a pele até dos mais valentes!

Surge entre os negros a Anemia Falsiforme,
Em incidência de extrema difusão
E a Leucemia, doença bem mortal,

Nessa pele mais escura bem conforme...
Cuidado tenhas, portanto, negro irmão,
Até mesmo ao pular no Carnaval!...

LÁGRIMAS NÃO SÃO CARINHO I – 23 JUN 16

Lágrimas jorram em múltiplos momentos,
algumas apenas para a lubrificação
de algum lugar, nessa leve flutuação
com que as vistas perfazem julgamentos

de quanto mostra do Sol refletimentos,
bem necessárias para a proteção
desse canal para o mundo, essa visão
de que dependem tanto os sentimentos...

Bem ao contrário, podem ser cortinas
que nos impeçam contemplação de horror
ou atrapalhem os instantes cobiçados

que nos revelam as tramas das retinas,
desses momentos que passam sem calor
e para sempre serão desperdiçados...

LÁGRIMAS NÃO SÃO CARINHO II

Igual colares muita vez representadas,
como pérolas preciosas em cadeias
ou como as conchas que da África as aldeias
pelo comércio ainda são conectadas.

Existem lágrimas de raiva ou espalhadas
como uma forma de ocultar o que receias;
outras lágrimas destinadas a ser peias,
como busca de domínio derramadas.

Lágrimas fáceis que a emoção invoca,
seja alegria ou compaixão, tristeza,
grossas lágrimas de sangue em filtração

ou que qualquer irritação provoca,
crocodilianos chuveiros sem nobreza,
querendo em outrem despertar vera emoção.

LÁGRIMAS NÃO SÃO CARINHO III

E existem mesmo lágrimas sinceras,
a revelar qualquer pendor de compaixão,
ou no momento da vitória, em exultação,
além das outras, ardilosas como feras.

Porém as lágrimas, desde longas eras,
não são um dote para amante ou irmão,
mas só revelam que sofres emoção,
da qual um alívio para ti mesma geras.

Assim, quem diga: “Eu já chorei por ti”,
por mais que julgue estar sendo verdadeira,
vive um embuste de dupla falsidade,

pois quando chora, pranteia só por si,
o real motivo lá no fundo interesseiro,
com o qual engana sua própria ingenuidade.

YBICUERA I – 24 JUN 2016

Nosso grandíssimo Érico Veríssimo
nos deixou um romance: “Tibicuera”,
já entre nós desde vetusta era:
desde os começos do século passado.

Acreditava, com seu talento altíssimo,
que mais sonoridade ao nome dera
do personagem a quem criar quisera,
nalgum resquício do indianismo ultrapassado

com que chamaram cidades aos milhares,
mesmo inventando sons altissonantes,
que de origem tupi-guarani se pretendia;

e o pobre índio desses seus cantares
ficou sofrendo muito mais que dantes,
em depressão tão profunda que doía!...

YBICUERA II

Naturalmente que existe “Ibicuí”,
ou “Água do Pó da Terra”, na Bahia;
ali há praia bela, em longa via,
quiçá porque pouca gente chegue ali...

Também o Rio Ibicuí temos aqui,
que para o Rio Uruguai contribuiria
com o “pó da terra” essa água que traria?
Bastante estranha a tradução que vi.

Mas “Tibicuera”, o batismo do coitado,
talvez tenha sido aplicado em ironia,
pois significa “Um Lugar Abandonado”,

enquanto “Ybicuera”, do seu lado,
um “Lugar de Água Parada” indicaria,
em que o ameríndio se poderia ter banhado!

YBICUERA III

Eu, pessoalmente, nunca fui muito a favor
da aplicação de tal nomenclatura:
a nossa língua, o Português, perdura
e o idioma ameríndio já perdeu o seu valor.

Que me perdoe o IBAMA, por favor!
Que cada tribo conserve a língua pura,
mas sendo imposta a nós é só amargura,
a nossa língua tão sonora em esplendor!

Por mim, muitos dos nomes mudaria
para topônimos de origem lusitana,
que poderiam escolher os vereadores!...

E minha Bagé, desta forma, ficaria
a “Rainha da Fronteira”, igual proclama
sua velha fama a merecer os meus louvores!

FORAGIDOS DO REI I – 25 JUN 16

QUE O SOL A TERRA CIRCUNDASSE CRIAM,
EM TOTAL CONVICÇÃO, POVOS ANTIGOS;
ISTO TORNOU AOS CIENTISTAS INIMIGOS
DA SANTA IGREJA PELAS COISAS QUE DIZIAM.

DE FATO, OS SALMOS ATÉ MESMO NOTICIAM
QUE A PALAVRA DE DEUS EM SEUS ARTIGOS
NA EXTREMIDADE DA TERRA TEM ABRIGOS
E NOS PROTEGE DE QUANTOS MAL TRAZIAM.

“E ALI ERGUEU UMA TENDA PARA O SOL”,
QUE NO POENTE TEM O SEU ACOITE,
QUE NO OCIDENTE DE NOVO NOS RELUZ.

MESMO QUE O ESCURO ESCONDA O SEU FAROL,
NÃO É O SOL QUE SE PÕE A CADA NOITE,
PORÉM NÓS MESMOS QUE FUGIMOS DE SUA LUZ.

FORAGIDOS DO REI II

É O NÚCLEO SUPRAQUIASMÁTICO NA MENTE,
SUPERPOSTO ENTRE E ACIMA DOS QUIASMAS,
QUE REAGE À LUZ; E QUANDO EM SONO PASMAS
FOI EM ORDEM SUA, ENIGMÁTICA E POTENTE.

POIS QUANDO O DIA SE FAZ DESVANECENTE,
ALI SE ALBERGAM DOS SONHOS OS FANTASMAS
E NOUTRAS VIDAS PELA NOITE ORGASMAS,
NUM OUTRO PLANO JUNTO AO NOSSO RENTE.

DURANTE O DIA, EM HORAS DE CALOR,
ABORRECIDOS, AS PÁLPEBRAS FECHAMOS,
EM FALSA NOITE, NA QUAL NOS REFUGIAMOS.

FORAGIDOS DO SOL COM SEU ARDOR,
CONVALESCENTES NA NOITE ARTIFICIAL,
EM QUE SE BUSCA QUALQUER VIDA IMATERIAL. 

FORAGIDOS DO REI III

ASSIM AO SOL DAMOS MORTE CEREBRAL
E FICA PRESO DO OLHAR NAS ARMADILHAS,
NOSSAS PUPILAS AS IRIDIADAS ILHAS
EM QUE SE BUSCA OUTRO SOL IMATERIAL.

POIS RARAMENTE, NESSA VISÃO VIRTUAL,
VEMOS A TREVA, POREM AS NOSSAS QUILHAS
DESSES BARCOS DO SONHOS CORREM MILHAS
DE PAISAGENS DE UM FULGOR ARTIFICIAL.

ASSIM, SE DO ESPLENDOR DA LUZ SOLAR
NOS FORAGIMOS, BUSCAMOS NOVO SOL,
CALEIDOSCÓPICAS CORES EM FANAL,

NOVA AQUARELA DE NUANCE A CONQUISTAR,
COM QUE TRAÍMOS O REINO DO ARREBOL,
QUEIMANDO O CÍRIO DO SONO EM CASTIÇAL!

FORAGIDOS DO REI Iv

HOJE SABEMOS QUE A TERRA É QUE PERSEGUE
A LUZ DO SOL EM CONSTANTE ROTAÇÃO,
BEM MAIS VELOZ, PORÉM, QUE A TRANSLAÇÃO
QUE AO ASTRO-REI ETERNA NOS APEGUE.

A LUZ PERPÉTUA QUIÇÁ ATÉ NOS CEGUE:
DÁ-NOS REFÚGIO O ONÍRICO RINCÃO,
ESCASSO É O SONHO DE PERENE ESCURIDÃO:
POR OUTRA LUZ A ÂNSIA ENTÃO NOS SEGUE.

FORAGIDOS DE UMA LUZ, OUTRA BUSCAMOS,
DA MESMA FORMA QUE, POR TODA A VIDA,
VAMOS EMPÓS DE QUALQUER NOVO DESEJO,

DIVERSO SENDO DO QUE JÁ CONQUISTAMOS,
A FALSA LUZ POR NÓS SENDO  PRESEGUIDA,
POR BEIJO FALSO ESQUECENDO O REAL BEIJO.





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