CLAUDIUS & MAIS –
16-25/7/2016
NOVAS SÉRIES DE WILLIAM LAGOS
HERÓIS NO INVERNO XI: CLAUDIUS IMPERATOR
16/07/16
FOI MINHA VIDA REALMENTE MUITO ESTRANHA:
AQUI ESTOU EU, ENQUANTO FALECERAM
NÃO SÓ QUANTOS ME PLANEJARAM ARTIMANHA
COMO TANTOS QUE A MIM NO TRONO PRECEDERAM,
SEM QUE EU MORRESSE COMO ALVO DE SUA SANHA,
COMO TODOS OS MEUS PARENTES PERECERAM...
TIVE DOIS FILHOS, QUE ACABARAM POR MORRER,
DRUSO E BRITÂNICO, QUE ME DEVIAM SUCEDER.
CASEI-ME QUATRO VEZES... QUEM DIRIA!
MINHA PRÓPRIA MÃE ME ACHANDO MONSTRUOSO.
PORÉM NÃO FUI FELIZ TAL QUAL DESEJARIA:
DE URGULANILA DIVORCIEI-ME, BEM CONFUSO;
éLIA NÃO TEVE IGUAL SAÚDE QUE EU QUERIA
E A MESSALINA CONDENEI POR SEU ABUSO...
ESTOU AGORA COM A QUARTA, MINHA AGRIPINA,
PARENTE LONGE, AINDA GENTIL E FEMININA...
FOI POR EFEITO DA
SOBREVIVÊNCIA
QUE FINALMENTE ME TORNEI IMPERADOR,
MAS CUMPRI ATOS DA MAIOR POTÊNCIA,
CONQUISTEI SETE PROVÍNCIAS COM VIGOR:
TRÁCIA, NÓRICA, PANFÍLIA; A RUDE E EXTENSA
MAURITÂNIA, LÍCIA, JUDEIA; BRITÂNIA, A MOR,
QUE O PRÓPRIO CÉSAR NÃO PÔDE CONQUISTAR
POR QUE CALÍGULA MANDOU AS ONDAS AÇOITAR!... (*)
(*) CALÍGULA MANDOU AS TROPAS “CASTIGAR’ AS ONDAS E CELEBROU UM
TRIUNFO...
CONSTRUÍ AQUEDUTOS, VIAS E PONTES,
TODOS OS PÂNTANOS DO LÁCIO FIZ DRENAR,
REFORMEI ÓSTIA, PURIFIQUEI AS FONTES...
MAS A RAZÃO PRINCIPAL DE ME ORGULHAR
SÃO MANUSCRITOS, QUE REDIGI AOS MONTES,
HISTÓRIAS DE CARTAGO, E DA ETRÚRIA MILENAR
E ATÉ O ALFABETO ROMANO EU REFORMEI
E TENDO TEMPO, SEI MUITO MAIS FAREI...
INFELIZMENTE, NÃO O TEVE.
FOI ENVENENADO POR AGRIPINA PARA COLOCAR SEU FILHO NERO NO TRONO. A
DRENAGEM DOS PÂNTANOS AFASTOU OS MOSQUITOS DA MALÁRIA POR UMA GERAÇÃO E PELO
PORTO DE ÓSTIA DEU GRANDE IMPULSO AO COMÉRCIO.
HERÓIS NO INVERNO XII: ALEXANDRE –
17/07/2016
JÁ CONQUISTEI TODO O MUNDO
CONHECIDO
OU, PELO MENOS, O QUE JULGUEI
CIVILIZADO;
MEU PAI, FELIPE, PENSOU TER ABRANGIDO
TUDO QUE HAVIA POR SER DOMINADO:
A GRÉCIA INTEIRA E O ARQUIPÉLAGO
INCLUÍDO,
SEM PARA MIM QUASE NADA TER
DEIXADO...
MAS COMO TÊM OS CONCEITOS
EXPANSÃO!...
CADA HORIZONTE NOS TRAZ MAIS REVELAÇÃO...
QUE MEU PAI, REALMENTE, FUI MAIOR:
A ÁSIA CONQUISTEI, A SÍRIA E O
EGITO;
A PALESTINA, O VASTO SUL, EM GRANDE
ARDOR
E O IMPÉRIO PERSA, APÓS VASTO
CONFLITO...
MAS FUI ALÉM!... CRUZEI DESERTOS DE
CALOR,
MONTANHAS GÉLIDAS, VENCI TRIBOS EM
AGITO
E FINALMENTE, TODA A BACTRIANA ,
AS TERRAS ÍNDICAS ATÉ MESMO À
SOGDIANA! (*)
(*) CORRESPONDENDO ATUALMENTE A
CASHEMIRA E A JUMMO.
E AQUI ESTOU EU, COM TRINTA E
POUCOS ANOS;
CINCO MIL MILHAS COM MINHAS TROPAS
PERCORRI,
FIZ ALIANÇAS COM VÁRIOS REIS
INDIANOS
E A QUANTOS ME ENFRENTARAM...
DESTRUÍ!
MANDEI NEARKOS ATÉ OS PORTOS
AFRICANOS,
NO GOLFO PÉRSICO JUNTO A ELE ME
REUNI...
MAS MEU EXÉRCITO SE DESGASTOU,
TAMBÉM
SENDO POR ISSO QUE NÃO FUI UM POUCO
ALÉM...
E AGORA, ME ACHO PRESO NESTE LEITO,
AQUI PROSTRADO POR FEBRE TENEBROSA,
AOS TRATAMENTOS DOS MÉDICOS
SUJEITO,
NESTA MOLÉSTIA CADA VEZ MAIS
INSIDIOSA...
DIZEM ALGUNS QUE FOI VENENO, ALGO
MAL FEITO;
ROXANNA ACUSAM, MINHA ESPOSA
CARINHOSA.
JÁ ME PEDIRAM QUE AO HERDEIRO DESSE
O SIGNO
E PUDE APENAS RESPONDER: “SEJA O
MAIS DIGNO!”
EFETIVAMENTE, TERIA SIDO ENVENADO, SEGUNDO SE AFIRMA, POR ORDEM
DE OLÍMPIA DO ÉPIRO, SUA MÃE, COM QUEM SE DESENTENDEU E ACREDITAVA PODER
GOVERNAR EM NOME DE SEU NETO, A QUEM COROOU COMO ALEXANDRE VI. MAS O IMPÉRIO FOI DIVIDIDO ENTRE OS SEUS
GENERAIS, CADA QUAL SE ACHAVA “O MAIS DIGNO”.
INSPIRADOR
I – 24 set 2007
coroadas
de cachos e gavinhas
as
pisoeiras esmagam frescas uvas,
nas
largas bordalesas: longas linhas
de
esguichos as recobrem; como luvas
avermelham
seus braços; tais quais meias
lhes
sobem pelas pernas, quase ao ventre,
enquanto
Tu, Dionysos, incendeias
o fértil
vinho que o fermento adentre.
após ser
esmagado, ferve o mosto
e em
álcool se transmuta, numa calma
transformação,
que me afogueia o rosto,
ao ver
meus sonhos a Teus pés imersos;
porque
uvas não são: é o sangue d'alma
que se
fermenta em vinho nestes versos.
[para
meus dois amigos, Sappho e Alkayos]
INSPIRADOR II (18 JUL 16)
à noite, enquanto dançam
vagalumes,
chovem estrelas contra a
pradaria;
fazem grinaldas as pisoeiras, à
porfia:
cada uma colhe mais gotas desses
lumes.
mil fogos-fátuos em tuas mãos
assumes,
cada gavinha um novo mosto fia,
enquanto Tu, Dionysos, em
homilia,
para as cirandas aloucadas
rumes.
e cada estrela que se faz
cadente
se embrenha nas macegas com
cometas,
para gerar um novo astro
iridescente;
e como estrelas, escorrem de
meus dedos
as mil fagulhas, inspirações
completas
desse uso sedutor de Teus
segredos.
INSPIRADOR III
e quando a aurora chega, já
afogueadas,
as pisoeiras se banham nas lagoas,
compartilhando entre si
histórias boas
das suas guirlandas de fogo
apisoadas,
suas faces inda do luar
iluminadas,
adquirindo nuances já de broas
e a Ti, Dionysos, tecendo vastas
loas,
sob o solar suas faces mais
rosadas.
e dos raios do arrebol seus
cintos tecem
para prender as túnicas
flutuantes,
enquanto à granja, bem cansadas,
descem
e eu me limito, enquanto as
luzes crescem,
aos restos das guirlandas
delirantes,
que meu próprio cansaço nalma
aquecem.
INSPIRADOR
IV
e sob o
sol do meio-dia, ali sesteias,
a barba
rubra dos grumos de teu mosto,
a
ressonar sem tristeza, em puro gosto,
dos
novos sonhos a tecer Tuas teias,
que a
nova noite ingênua já incendeias
nas
derradeiras candeias do sol posto
ao
próprio vento, perfumado rosto,
dentes
brilhantes com que a mim enleias.
ah,
Dionysos, que seria dos poetas
se não
bebessem de Ti embriaguez?
e mesmo
os monges, nas preces das completas,
o que
fariam sem o mosto que lhes dês?
cantam
meus versos as preces mais completas,
porque,
se creio em Ti, em mim Tu crês!
SOMBRA I –
24 set 2007
ela
chegou, consigo trouxe a chuva,
para
atiçar em mim o chumbo liquefeito,
ela me deu
calor à margem do direito
e, com
palavras mudas, estendeu-me a luva,
No velho
gesto do antigo desafio,
se me
dispunha então a tudo retomar,
as idas e
retornos, hesitações de amar,
na calidez
do inverno e gelidez do estio.
nem sei
se poderá
plantar-se
novamente
dentro em
meu
coração,
porém
trouxe
a semente
e dentro
dessa luva
um gérmen
de botão,
como se
lastimara
a perda e
que avaliara,
depois de
tentar tudo e tudo experimentar,
maior
fosse a constância que o drama da paixão.
SOMBRA II
– 19 JUL 2016
ELA
CHEGOU, NUM PASSO DE ALVORADA,
MEU DIA
SILENTE NALMA A DESPERTAR;
ELA
CHEGOU, EM MANSO CAMINHAR,
COMO QUEM
TUDO DESEJA E NÃO QUER NADA.
ELA
CHEGOU, SUA FACE DEMARCADA
PELAS
NÉVOAS DA TRISTEZA E DESAMAR,
CHEGOU-SE
NUA, A MENTE A DESCARTAR,
TRAZENDO A
CARNE TOTALMENTE ENOVELADA.
NEM SEI
SE
PRETENDIA
TORNAR-SE
PERMANENTE,
NEM SEI
SE ELA
SABIA
DA GELIDEZ
CANDENTE,
SE SABE
O PRANTO
DA IMPUREZA
PURA.
NENHUM DE
NÓS SABIA
DA DOR DO
ENCANTAMENTO
QUE O
PEITO RASGA EM TERÇO DE LOUCURA
NA LUZ
CREPUSCULAR DA SOMBRA DE UM MOMENTO.
SOMBRA III
ELA
ACHEGOU-SE, EM SOM DE MAREMOTO,
PERFEITO
TSUNAMI DE NÁIADE SINGELA;
ASSIM,
NESSA SURPRESA, MOSTROU-SE INDA MAIS BELA
QUE A
IMAGEM REFUTADA POR MIM PARA O IGNOTO.
ELA
CHEGOU, A COMPLETAR-ME O COTO
DAS
ARTÉRIAS DE MINHALMA, ESCURA ESTRELA,
PRAZER E
DOR NO ESPANTO DE ASSIM VÊ-LA,
RETALHOS E
REMENDOS SOBRE MEU PEITO ROTO.
ELA CHEGOU
INTEIRA,
FARRAPO
DE ALEGRIA,
BESUNTADA
DE EMOÇÃO,
CANÇÃO
DE
FANCARIA,
FRUMENTO
PARA O
VENTRE
EM
SABOROSO
PÃO.
CHEGOU-SE
AFARINHADA.
VIRENTE DE
CEREAL
A SE
PLANTAR NA HORTA FUGAZ DO CORAÇÃO,
QUAL JOIO
DO MEU BEM, QUAL TRIGO DO MEU MAL.
SOMBRA Iv
CHEGOU-SE
PARA MIM, ESQUÁLIDA QUIMERA,
REBANHO DE
POTRANCAS DE CASCOS LUZIDIOS,
LANOSAS
MIL OVELHAS, EM CORDEIRINAS CRIAS,
SEU LEITE
A DERRAMAR POR SOBRE A LONGA ESPERA.
CHEGOU
COMO ALIMENTO SOBRE A PENÚRIA MERA,
QUAL LUZES
REJEITADAS DE BREVES CHAMAS FRIAS,
EM NEGRO
DE CARVÃO, NAS INFRAÇÕES DOS BRIOS,
CALEIDOSCÓPIO
MANSO, QUE GIRA E NÃO SE ALTERA.
MAL SEI
SE ENTÃO
AMOR
QUALQUER
ME TROUXE,
NEM SEI
SE ME
ALCANÇOU
INDECISAO
DE FOICE,
UM GUME
TRANSPARENTE
NA BRUMA
A
CINTILAR,
PORÉM, QUE
MAIS FARIA
NÃO FÔRA
RECEBÊ-LA?
MADRÉPORA
LUZENTE DE CRISTALINO COCHE,
A SOMBRA
QUE ABRACEI, ENFIM, SEM PERCEBÊ-LA?
POREJAR I – 25 set 2007
quando menciono Sangue,
não recordo
o dos Tuberculosos,
tampouco dos aidéticos,
nem tampouco os
Resultados de pendores céticos
dos que não acreditam que
o liquido Transbordo
de Copos sem cessar
desmanchará seu fígado:
todo esse sangue de Morte
e capital tortura.
Penso no sangue limpo,
que enquanto a Vida dura,
aquece o Ventre e afrouxa
até o pendor mais rígido.
ou penso em sangue almar,
Desfiada de emoção,
no sangue do sonhar, em
precessão de Mágoas,
não no sangue Menstrual,
que opõe parturição,
que traz a vida ao Mundo,
ideal puro e sagrado,
no sangue que transforma
em luz as mudas Águas,
e as verte
fora, então, no Olhar amargurado...
POREJAR II – 20 JUL 2016
quando menciono Sangue,
não recordo
somente Hemácias,
leucócitos, plaquetas,
nem anticorpos nas
Falanges mais secretas,
as mil defesas
conservadas em Trasbordo.
e nem Colesterol,
correndo em sangue gordo,
nos níveos níveis de
Açúcar, maus profetas
do ímpio Diabetes,
vitaminoses incompletas,
nada que cause ao
organismo um Desacordo.
nem penso em sangue no
Álcool diluído
ou pior ainda, nesse
Líquido invadido
por qualquer intromissão
Farmacológica,
penso no sangue que assim
Projeta a alma,
nesse suor com que a
Mente enfim se acalma,
exsanguinada na Emoção
psicológica.
POREJAR III
quando penso no Sangue,
então refiro
o Marchetar que borbulha
em cada poro,
as Plurivariegadas
nuances do que choro,
todo o muco que
Transborda num suspiro.
no Amniótico oceano em
que respiro,
dentro do Ventre humano,
em vasto foro,
da humanidade um Salivar
em coro,
no jato de Ouro que
completa o que perspiro.
penso no líquido que flui
Cefalorraquiano,
que me alimenta o cérebro
e a Medula,
no sangue Elétrico de meu
nervoso afano,
no sangue celular do
Citoplasma,
no sangue Acidular que
invoca a gula,
no sangue Auricular que a
audição pasma.
POREJAR IV
mas se falo no meu sangue
é que Remendo
a própria alma com
Plaquetas de emoção,
uma Retícula que me
provém do coração
imaterial que a meu corpo
trás Adendo.
quando penso no sangue,
não te Ofendo
com hemorrágica Ebola em
expansão,
penso no sangue
Imperceptível da paixão,
por todo o tempo que o
conservar Pretendo.
penso no sangue que me
Palpita o sonho,
no sangue leve que
Coagula o devaneio,
no sangue Estático
despejado na poesia,
no sangue Rosa a se
espargir risonho
em cada Verso que lancei
no rosto alheio,
presente Humilde que sei
bem ninguém queria.
POEMAS NA REDE I – 25 set 2007
"Cartas de amor perderam seu
lugar
no século vinte e um," assim
disseste.
Outro veículo tomou-lhes o
cantar,
este: eletrônico... Assim o
supuseste.
Mas não me posso tão fácil
conformar
que as missivas de amor, como
quiseste
não mais existam... Ou que
nada reste
de amor a ser escrito ou a
declamar...
Em minhas mensagens, sou
cavalheiresco,
gentil e generoso, homem
antigo...
E em todas elas deponho o meu
calor.
Tolo poeta, permaneço
romanesco...
Mas por trás do formato em que me
abrigo,
cada soneto é carta – ainda de
amor.
POEMAS NA REDE II – 21 JUL 16
Os meus poemas projeto como rede,
em malha fina, apenas aparente,
que por traz deles encontra-se tridente;
permeio às malhas, cada emoção te mede
e assim calcula cada alvo que concede
teu sentimento, de ingenuidade crente;
lançado arpão contra a alma complacente,
enquanto finge que teu amor não pede.
Na verdade, se acha ali qual chamariz,
em seu aspecto límpido e inocente,
missiva plúmbea de ardiloso caçador,
que te acorrenta qual quem nada quer,
com seus sonetos de vastidão premente,
cordas trançadas no cânhamo do amor.
POEMAS NA REDE III
Junto de nós a rede está, bem transitória,
ali se encontra, tal qual Bem intangível,
correndo pixels para tornar visível
cada mensagem sutil ou peremptória.
Mas nada existe que a torne obrigatória:
é necessário dar-lhe o clique do possível,
um toque tal em teu teclado a tem tangível,
parindo página de presença provisória.
Contudo a rede ali está, todos conhecem,
embora não se encontre em algum lugar,
mais sorrateira que rede de estamenha;
e sobre cada celular tantos padecem,
sem das chamadas se poderem libertar,
na vaga espera de mensagem que lhes venha.
POEMAS NA REDE IV
Se eu te lançasse uma rede em
fios de linho,
se te alcançasse uma rede em fios
de lã,
se te aliciasse para meus versos
fã,
se te trançasse nas redes de um
carinho,
seria de fato laço bem mais
pequeninho
que o vasto laço de invisível
astracã,
que percorre tanto espaço em
forma vã
para encaixar a cada qual num
escaninho.
Porém te lanço apenas redes de
sentenças,
enquanto espero que comigo as
tuas compartas
com as outras redes tecidas de
tuas crenças.
Mesmo que sejam digitais, têm seu
vigor
e mais do que em papel escrevem
cartas,
que mesmo em dias de hoje, o são
de amor!...
CORPUS TRISTIS
I – 22 JUL 16
No cibório de
minha vida bebo o vinho
dos amores
maltratados e vazios,
de cem ódios
descartados no caminho,
cem estertores
de abandonados cios;
das artérias
enroladas em cem fios,
dos cabelos
destituídos de azevinho,
de cem sonhos
moribundos finais pios,
membranas de
mortalha – renda e linho.
O incensário
gira e a névoa me esvoaça,
sinetas tocam
para mim espectros
e as multidões
dissolvem-se, dolentes;
o meu
translúcido vitral se despedaça
e sobre as
cordas se beliscam plectros
ante os
santíssimos de hóstias impotentes.
CORPUS TRISTIS
II
O mundo encaro
por estranhas lentes,
de caráter
precário os meus fantasmas,
de amores
congelados flores pasmas
não se resumem
em chocalhar de dentes.
Os meus
espectros são seres transparentes,
criaturas de
luz negra em miasmas,
geradas sem
fermento em hóstias asmas
dos
sacramentos humanos e impotentes.
São
melancólicas tais coagulações,
as cascas do
passado desferidas,
seja em placas
de cor, seja em escritos,
malevolentes
em confabulações,
para mim e por
mim mesmo construídas
nas madrugadas
dos sonhos mais aflitos.
CORPUS TRISTIS
III
Não são os
sonhos que me traz o sono,
mas as vagas
mutações dos devaneios,
entre o
acordar e o dormir francos esteios
perante a
morte e a vida em desabono.
De tais
fantasmas eu nunca fui o dono,
tal qual no
sono ainda escravo sou de alheios,
éguas da
noite, desabridas nos arreios,
num relinchar
que não sou eu que entono.
Em certas
tardes, até penso em provocar
as meigas
avalanches pardacentas,
porém, Morfeu,
quase sempre desalentas
quaisquer farrapos
de orgulho em gracejar,
nesses
rebanhos lanígeros que atentas
sobre uma
cerca inexistente a pulular.
CORPUS TRISTIS
IV
E assim me
prendo nessas sombras cintilantes,
as suas
presenças surpresas esperadas,
gases voláteis
em fumarolas apressadas,
eletromagnéticos
impulsos dominantes.
Nelas não vejo
percepções constantes,
mas se
transmutam, ninfas dominadas
ao cio dos
sonhos, relutantes revoadas
sobre
penhascos de ardor periclitantes.
Se me coloco
em Alpha, como dizem,
faço-me em
servo dominado por visão,
não mais
escravo na casa do patrão,
mas submisso
ao azorrague com que pisem
os belos
sonhos que sonhar queria,
em seu
escárnio da aguardada fantasia.
CORPUS TRISTIS
V
Que os
devaneios são sofridas procissões,
a percorrer-me
as vias, sem andor,
são
flagelantes, penitentes em terror,
crenças
sombrias no poder das orações
repetitivas,
salmodiando suas paixões,
como se fossem
a Paixão do Salvador,
enquanto olham
ao redor, inda em sexor,
ansiando mesmo
por mais consumações.
Nunca é o
Corpo de Cristo que ali está,
mas o corpo da
vaidade, em cinza e pó,
vestes
rasgando para mostrar os peitos,
mas não os
corações, que orgulho há
nesses passos
ritmados pelo dó
de ao mundo
exporem o fulgor de seus defeitos.
CORPUS TRISTIS
VI
Não tem um
pingo de fé a maioria,
mas só o temor
do inferno e purgatório;
bebem
fantasmas e não bruma de incensório,
mastigando em
crença vã a salmodia
toda essa
gente, na confiança mais vazia,
sem realmente
acreditar no galho arbório
em que de uma
só vez o emunctório
da massa inteira
dos pecados desfazia.
Mostram
somente terem fé a seus vizinhos,
talvez mesmo
ainda a manter velho temor
de um dia
serem excomungados pela igreja,
já despojada
dos poderes mais daninhos,
sem conseguir
despertar, contudo, o amor
nos corações a
que a culpa mais aleija.
VENDETTA I – 23 JUL
2016
A vingança é o
apanágio dos que perdem
e que não sabem
superar os seus revezes,
é coisa bem
mesquinha por mais vezes
que se perceba ao
redor quantos a herdem.
Eu não preciso e nem
quero me vingar:
quem mal me faz, não
tarda a repetir
qualquer ato
parecido e destarte irá atingir
algum diverso no seu
modo de pensar.
Assim, quem me fez
mal, mais cedo ou tarde
encontrará o seu
castigo redobrado,
sem que eu desgaste
a pele de meus dedos;
e desse modo, pouco importa
o quanto arde,
deixo aos mesquinhos
o golpe retrucado,
enquanto apenas os
observo em meus segredos.
VENDETTA II
Decerto muito
raramente me vinguei
e mesmo assim,
somente em coisas mínimas;
não é de meu feitio
o agir assim,
pois mais vezes
esqueci do que perdoei.
Não me arrependo do
que não cobrei;
deixei de lado as
zombarias e as mímicas
e a cada “não” dei
em resposta um “sim”;
foi de tal modo que
minha estrada calceteei. (*)
(*) Pavimentei.
Indiferença sempre à
mofa demonstrei,
sem dar grande valor
a um tal desdém,
sem ante o escárnio
ser revoltoso ativo;
minha própria
aprovação é que busquei,
sem exigir demais de
mim também,
nesse padrão mais ou
menos permissivo...
VENDETTA III
“Vingança é um prato
que se come frio”,
igual proclama desde
sempre esse ditado,
porém nos deixa o
coração interditado
a pensamentos de
mais correto brio.
E se a vingança
ocorre, que vazio!
Deixa um buraco bem
ali, desocupado,
sem nada para o
encher, beijo apagado
pela ânsia da morte
e não do cio!...
E depois de se
passar uns vinte anos
alimentando a alma
inteira com vingança,
que se fazer, após
ser completada?
O que se põe no
lugar dos desenganos,
resgatada
inteiramente essa esperança
que se descobre não
nos levar a nada?
VENDETTA IV
Há um conselho nas
Santas Escrituras,
que se for
examinado, é até cruel:
pagar o Bem em troca
de algum fel,
Bem devolver em
troca das torturas.
Sobre as feridas
aplicar as ataduras
de quantos nos
perseguem sem quartel;
para cada amargor,
retribuir mel,
nunca mentir às
almas mais perjuras...
Isto porque, diz a
Escritura, assim fazendo,
irás sobre as
cabeças derramar,
desses teus
inimigos, brasas vivas!...
Duro é o perdão que
assim vão recebendo,
pois bem-aventurado,
mesmo, é dar
que receber, se de
tal vingança os privas...
VENDETTA V
Não se trata, desta
forma, de bondade;
não se vingar é
vingança de ardiloso,
acumular-se brasas
vivas, pavoroso;
nisso pensar é até
mesmo iniquidade.
Mas de Jesus vem tal
magnanimidade,
se de fato Ele o
falou, se é duvidoso
tal conselho
mencionado; ou insidioso,
interpolado por
qualquer perversidade.
Caso o pensemos, é
bem mais compreensível
do que perdoar-se
setenta vezes sete,
como a Pedro teria
sido declarado...
Mas e Ananias e
Saphira, o quase incrível
assassinato que este
São Pedro um dia comete,
nos Livro de Atos
claramente registrado. (*)
(*) Em Atos dos Apóstolos, Pedro
provoca a morte de Ananias e Safira
por puro medo, depois que estes
lhe mentiram. Leia o Capítulo Cinco.
VENDETTA VI
Como falei no princípio, sempre evito
qualquer vingança, talvez por indolência;
deixo a vendetta para a
Providência
ou para um outro algum que seja aflito
por aquele que não nego ter maldito,
pelo mal que me fez em igual ardência;
mas não quero as brasas vivas da fervência
acumular-lhe na cabeça, qual foi dito.
Só de mim mesmo é que busco me vingar,
sempre que vi ter cometido erro terrível;
dele me lembro de forma inexaurível,
para nunca uma outra vez o praticar,
e na longanimidade do possível,
de cada nova tolice me perdoar!...
O CIENTISTA FETAL I (24/7/2016)
(Sobre uma ideia de Krafft-Ehricke)
Um cientista habitava uma criança
que ainda não nascera, um gentil feto,
sobrevivência global seu objeto,
comprometido por real desesperança.
Era uma célula, das de maior pujança,
no sétimo mês o nenê (que era seu teto)
e observava a seu redor com desafeto,
às demais células prevendo uma mudança.
“Dentro de um mês, se prosseguir o crescimento,
tal qual vem sendo, nos ritmos de agora,
será ocupado todo o espaço disponível!...”
“Dentro de dois, haverá envenenamento;
e quando o décimo chegar, terrível hora!
Todos morremos por falta de alimento!...
O CIENTISTA FETAL II
Naturalmente, o bom cientista não sabia
que ao nono mês ocorreria o nascimento;
tal organismo a restringir-lhe o julgamento:
o mundo inteiro o tal nenê lhe parecia!
Seu universo era o ventre em que cabia...
Como teria um ulterior conhecimento,
pobre cientista de orgulhoso pensamento,
o inteiro cosmo a acreditar que conhecia!
Para a comunidade das células previa
breve extinção por longo sofrimento,
guerras civis e, a seguir, revoluções!...
Tremenda a luta por recursos que haveria
e que somente a suspensão do crescimento
controlaria as excessivas multidões!...
O CIENTISTA FETAL III
O mesmo ocorre com a atual humanidade,
pelo ventre a se expandir de nossa Terra,
a consumir os recursos que ela encerra,
até morrermos por nossa própria iniquidade!
Será que estamos no oitavo mês da realidade,
nosso globo a preencher do mar à serra,
cada órgão a preparar-se para a guerra,
sem de algum parto conhecer fatalidade?
Mas se a Terra nos parir para as estrelas,
em evento que ainda creio se aproxima,
jamais seremos em tal ventre sufocados;
tal como as mães, sejam feias, sejam belas,
à luz trarão, cada qual, feto que mima,
fará a Mãe-Terra que a nós todos tem gerados!
DO FUNDO DO CORAÇÃO I – 25 JUL 16
Os bicos dos teus seios me contemplam,
ambos curiosos e assim isentos de pudor,
olhos macios, castanhos de calor:
não há olhos azuis que ali retemplam...
Mas os bicos de teus seios mais me alentam,
no magnífico colostro desse amor,
em ternura de arremedo nutridor,
nessa saga imaterial em que me inventam.
Esses bicos cintilantes profetizam
qual a criança que algum dia aleitarão;
e antes que venha, já generosos são,
com seu cálido odor que me cativam
às incertezas sobre os tempos que virão,
nessa missão que desde os séculos cultivam.
DO FUNDO DO CORAÇÃO II
De teus seios esses bicos têm aguardo
da projeção oportuna da semente,
a rebrotar em seu solo ali jacente,
ali crescendo com seu lento fardo,
nessa mistura do vermelho com o pardo
ejacular que tenha efeito permanente,
que no seu ventre se tornará presente,
mais do que carne, num vigor de bardo.
Efeito semeadura, mesmo sendo produzido
pelos testículos em que ardor se alinha,
o corpo inteiro de outro corpo se avizinha,
também o cérebro ali sendo expelido,
num sentimento a que a alma dá vazão,
quando se expele inteiro o coração!...
DO FUNDO DO CORAÇÃO III
Se os bicos de teus seios me contemplam,
são do próprio coração as sentinelas,
seus ritmos controlando duas procelas,
enquanto a mente e a alma se requentam.
Qual o futuro que para nós aventam,
nesse momento em que abrem as janelas
e nos conduzem, imaculadas velas,
para o lago do ventre em que se alentam?
Ao biológico impulso nos fascinam,
mas igualmente a beber o sentimento
que flui em sêmen e na ovulação:
dois campanários que um ao outro se destinam,
para forjar um novo guizo em tal momento
das castanholas de um terceiro coração!
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