quinta-feira, 1 de setembro de 2016


CINCO OCTETOS DE WILLIAM LAGOS
(Sobre cinco textos em prosa de Viriato Corrêa – 26/7/16 a 30/7/2016)



                (NASCIMENTO DE CRISTO, MINIATURA VYSZCY BROD, CIRCA 1350)


O Nascimento de Jesus ... ... ... 26/7/16
A Mariposa ... ... ... 27/7/16
O Reinado do Tigre ... ... ... 28/7/16
A Bolsa do Canguru ... ... ... 29/7/16
Em Busca da Felicidade ... ... ... 30/7/16

O NASCIMENTO DE JESUS I – 26/7/2016

Há mais de dois mil anos, na Judeia,
correu o boato de que houvera nascimento
de um pequeno nenê, grande portento,
beleza pura que a noite já incendeia.

Mas fora em estrebaria, assim se creia,
segundo as Escrituras, tal momento,
José apenas à sua Maria dando alento,
o menino a dar à luz em palha feia…

Destinada ao alimento, a manjedoura,
um boi e um burro em nada protestando,
sempre ao redor havia tufos de capim,

a criancinha a contemplar que um halo doura,
o seu carinho animal lhe demonstrando,
surpresa e honra recebendo assim...

O Boi e o Burro com seu hálito aqueciam
a criaturinha mansamente adormecida;
entre os braços de José, Maria encolhida,
do parto a recobrar-se das dores que traziam.

As duas Ovelhas então mantilha lhe teciam
com a própria lã sobre as costas já crescida;
Pombas lançavam sobre a palha endurecida
a plumagem mais suave que possuíam...

Até um enxame de Abelhas se achegou,
transportando nos ferrões favos de mel...
Falou o Burro: “Hoje eu serei como um leão!”

De sentinela junto à porta então ficou:
jumentos mansos nunca trazem ouropel,
mas toda a vida lhe dariam proteção!...

Também o Céu se aproximou da estrebaria,
iluminando-a com um brilho singular.
“Minhas estrelas nesta noite fiz brilhar
da melhor forma que O embelezaria...”

“Todas elas a cintilar de altanaria,
até a mais humilde em seu lugar,
que possa a tantas tal criança contemplar
e assim saber que todo o Céu lhe pertencia!...”

“Mas bem acima da palha do telhado
eu fiz surgir de todas a mais bela:
será chamada de A Estrela de Belém,

“de meus presentes o mais rememorado,
muitas canções dirigidas a essa estrela,
quando o clarão já não brilhe mais além!...”

Da estrebaria aproximou-se o Mar...
“Eu sou apenas o Mar da Galileia,
que a pescadores toda a vida esteia,
no qual milagres Ele há de realizar...”

“Sei de antemão o quanto me há de honrar
e minhas ondas recolhi, sem maré feia;
nenhuma tempestade a noite ateia,
para que possa o bom Menino descansar...”

“Antes as ondas trouxeram branca espuma,
que recolhi e assim fiei manto de renda,
para depor sobre os ombros de Maria,

“contra o frio que sentirá quando se apruma;
que a seu Menino com leite branco atenda,
agora vendo que o próprio Mar o protegia!”

O NASCIMENTO DE JESUS II

Soprou o Vento por ali, suavemente:
“Cheguei agora desde os confins do mundo,
sei ser apenas um pobre vagabundo,
sem ter descanso, nem morada permanente...”

“Mas quero a glória de espiar este inocente,
por enquanto a ignorar o mal profundo
que este belo planeta torna imundo,
pela maldade que faz o homem inclemente.”

“Daqui afastei toda e qualquer iniquidade,
tristeza eu desviei, todo rancor e azedume,
mas não julguei ser um dote suficiente...

“Então as pétalas roubei da castidade,
comigo trouxe o dote do perfume
para envolver meu Salvador nascente...”

Também o Ar quis fazer a sua homenagem:
“Meus amigos, toda a poeira eu descartei,
sobre os desertos as areias descansei
e os maus odores expulsei desta paragem.”

“Neste Natal eu Lhe presto vassalagem:
coros de anjos longínquos eu busquei,
sons de alegria ao redor daqui soprei;
sou invisível, porém chego com coragem!”

“Pois serei eu a quem Ele há de aspirar,
destarte hoje eu me tornei mais puro
e ainda mais puro eu sairei daqui...”

“Seu gentil bafo irá me acompanhar
e o expandirei, tornando o mundo mais seguro,
que em toda parte proclamarei que O vi!...”

Então viram se adentrar alguns pastores
e o Céu e o Mar e o Vento se calaram,
somente o Ar a soprar que respiraram:
“Este é o Senhor de todos os senhores!”

Soprou no ouvido dos pobres condutores,
que os pelegos que possuíam ofertaram
e mansamente os homens rudes se ajoelharam,
para depois retornar a seus labores...

Chegou-se a Terra, então. “Venho atrasada...
Aqui é inverno... Frutas alhures recolhi,
uvas e trigo desses locais distantes...”

“Mas desse esforço já estou recompensada,
que este Menino finalmente eu vi,
que com Seu Sangue dominará gigantes!...”

Enfim chegou-Lhe mais um visitante,
de um sacerdote com as ricas vestimentas,
sob a tiara as suas rugas bem assentes:
fitou a Criança com seu olhar distante...

“Fala!”  indagou-lhe cada circunstante,
“Oh, tu que trazes nos ombros roupas bentas!
Irás deixar-Lhe o manto que hoje ostentas,
presenteado ao jovem Rei nestes instantes?”

Calou-se o Homem, com o cenho carregado,
qual se estivesse ali tudo avaliando...
Passado um tempo, indagou: “Este é Jesus?”

“Por certo é, o Salvador profetizado!...
Qual teu presente para Ele, vai falando!...”
“Só vim tirar-Lhe as medidas para a cruz...”

A MARIPOSA I – 27 JUL 2016

Havia Mariposa, negra e acinzentada,
dentro a habitar de uma floresta escura,
em sua humildade permanecia pura,
saindo apenas para comer, de madrugada...

Algumas vezes, contemplava-se espelhada
no rocio ou sobre a geada de lisura,
pelo luar a destacar-se na planura,
feia se achando e também desengonçada...

Seus dias sempre sombrios e silenciosos,
os seus ouvidos pela casca bem tapados
daquele tronco em que se refugiava...

Mal percebia possuir pelos sedosos,
belos desenhos nas asas marchetados,
nem sequer outras mariposas encontrava...

Durante as noites, percorria a mata,
atenta apenas à fome das corujas,
todas as cores lhe parecendo sujas,
só o farfalhar do vento se desata...

Um certo dia, acordou-se, timorata,
à beira das campinas, nas lambujas
de umas ramas somente, sobre cujas
se refugiara da fome de uma gata...

Estremunhada, mal movia as asas...
Mas escutou então forte zumbido,
forte terror a perpassá-la de imediato!

Era uma Abelha, seus élitros quais gazas, (*)
os seus apêndices a criar esse ruído,
vindo pousar a seu lado, em leve trato...
(*) Asas translúcidas dos coleópteros.

“Por favor, não me devore!” – suplicou.
“Querida, eu não devoro, sou uma abelha;
o meu probóscide perigo só espelha (*)
para o néctar e o pólen... – lhe explicou.
(*) Pequena tromba de alguns insetos.

“Então o levo à minha colmeia,” lhe falou –
e lá fazemos mel e cera em telha,
que chamamos de favos.  Só por Rainha-abelha,
a nossa mãe, qualquer ferrão picou...”

E assim se tornaram boas amigas...
“Eu me perdi, mas sei de belas flores
que dá minha árvore...” “Por faro a encontrarei.”

Disse-lhe a Abelha: “Muito embora não consigas...”
E de fato, no escuro e por odores,
sua toca acharam.  “Aqui me abrigarei...”

Mas a Abelha, que tais flores apreciava,
muitas vezes retornou a visitá-la
e então as duas partilhavam longa fala...
Para a colmeia a Abelha então voava...

“Comadre Mariposa,” certo dia lhe falava,
“Venha comigo, que vou mostrar-lhe a gala
dos prados, das lagoas, cada vala...
Você se perde aqui...” – lhe aconselhava.

“Lá fora o mundo é muito mais bonito,
cheio de luz, de cor, de passarinhos!...”
“Ah, tenho medo!  São bichos bem daninhos

para nós, as mariposas!”  “Meu amor, agito
as aves todas com este meu ferrão!...
Junto de mim, jamais a atacarão!...”

A MARIPOSA II

A Mariposa realmente se encantou
com esse mundo dourado e colorido,
até forte tempestade ter surgido,
que para longe da floresta a arrastou...

Da amiga Abelha logo o vento a afastou
e protegeu-se sob um tronco ali caído.
Voltou o sol, finalmente... E aquecido
o seu corpinho, outra vez ela voou...

E numa poça de água foi olhar
o seu reflexo, dourado e multicor,
ali o arco-íris refletido com vigor...

Em Borboleta se fora transformar!...
Bailou, dançou, alegre e, com amor,
querendo a outras borboletas encontrar...

Mas quando as encontrou, fugiram dela.
De persegui-las, finalmente, se cansou...
Por que nenhuma delas me aceitou?
Olhou-se noutra poça e achou-se bela...

Tão bonita como após essa procela.
Sou corpo inteiro dourado observou,
mas logo pássaros pelo céu notou,
já um e outro a se lançarem sobre ela!...

Bem ao longe, viu sua mata, ao por-do-sol
e para lá se deslocou, com precaução;
já escurecia quando ali chegou,

o Sol ao longe, brilhando qual farol;
da antiga árvore encontrando a proteção,
das aventuras bem depressa descansou...

Dormiu a noite inteira, de exaustão,
só se acordando quando o dia já se fora,
no mesmo ritmo circádico de outrora,
abrindo as asas para pousar no chão.

“Sou borboleta!” – afirmou, com emoção,
esvoaçando pela clareira afora,
só a luz do luar brilhando nessa hora
e foi olhar-se em outra poça, com paixão!

Mas ai!... De novo negra e acinzentada,
cada asa com desenhos debruada,
mas sem o ouro que lhe dera o sol!...

E sem o arco-íris, que a deixara deslumbrada,
com sete cores brilhantes no seu rol:
era de novo a Mariposa amesquinhada!...

Voltou ao tronco, cheia de tristeza
e nessa noite nem se alimentou...
De um novo dia a chegada mal notou,
cheia de luto pela perda da beleza...

Mas na outra noite, para sua surpresa,
um outro ser de asas negras encontrou,
ali perto pousado.  Com carinho, ele a saudou:
“Mariposa, os teus desenhos têm nobreza!”

E assim, montou seu lar com o companheiro,
para seus ovos eventualmente pôr,
numa fiada recurva como anzol...

Negros filhotes em seu voar brejeiro!...
O pai a sussurrar-lhe, em doce amor:
“Nós só ficamos dourados sob o Sol!...

O REINADO DO TIGRE I – 28 JUL 16

Um dia, o Tigre destronou o Leão
e sobre o trono de peles se assentou;
o Rei Leão em uma jaula aprisionou,
sua autoridade a impor com decisão!...

Antigamente, qualquer fosse a razão,
sempre que um bicho ali se apresentou
o Rei Leão, cortesmente, o aceitou,
embora, às vezes, contrariasse a petição.

Mas se a negava, era com delicadeza
e o queixoso se percebia respeitado,
que o Rei Leão era bondoso e justiceiro!

Até mesmo democrático em sua nobreza,
mantendo o reino satisfeito e organizado,
todos contentes, ate mesmo o derradeiro...

Porém o Tigre, quando deu golpe de Estado,
prender mandou seus numerosos oponentes,
o Beija-flor, a Borboleta, os insetos dissidentes,
criando impostos no valor mais abusado!

Do Rei Leão o Parlamento era formado
por pássaros e animais inteligentes,
sendo ministros Tartarugas complacentes,
desta forma o país bem governado!...

Mas o Rei Tigre aboliu o Parlamento,
substituído por violento Ministério,
o Leopardo, o Urso e a Pantera,

com o Guepardo, cruel e violento,
a Cascavel e o Javali, em despautério,
formando tropa com cada besta-fera!

Os súditos mais mansos se queixaram,
mas o Rei Tigre não lhes dava a menor bola.
Só o Elefante a advertir ser coisa tola,
Mas todos os demais dele troçaram!...

Um dia, a Vespa os outros enviaram,
acompanhada pela Pomba-Rola
e por um Chimpanzé, torcendo a cola
e uma audiência ao rei solicitaram...

As muitas queixas para o Rei apresentarem:
o desemprego, as falências, os impostos,
mas disse o Tigre: “Obedeçam meu governo!”

“Devem os pobres e os fracos sustentarem
aos que se encontram nos elevados postos:
sempre esse foi um mandamento eterno!...”

Mandou então expulsar os embaixadores
por sua guarda de Gorilas prepotentes.
Só os Elefantes sendo mais pacientes,
Hipopótamos e Rinocerontes predadores!...

“O soldo, Majestade, dos ferozes lutadores
pagam os impostos dos humildes obedientes,
mas um dia se revoltam, impacientes,
sem mais lugar nas prisões com seus horrores!”

“Que se revoltem!  Elefante, és um covarde!”
“Não, Majestade!... Apenas previdente.
Virá o dia em que me dará razão...”

“É dos humildes a revolta que mais arde,
eles são fracos, mas de número imponente:
será penoso lhes esmagar revolução!...”

O REINADO DO TIGRE II

Passados tempos, o Leão foi libertado
por Louva-a-deuses e Pulgões conspiradores
e a eles se juntaram os multicores
Pássaros, Joaninhas e todo o mundo alado!

Da capital o casario foi abandonado
pelas Abelhas e Gafanhotos mercadores
e dos campos desertaram agricultores
em vasto exército de um povo rebelado!

Muito em breve, a capital viu-se cercada,
mas o Rei Tigre tão somente deu risada:
“Que podem eles contra minhas legiões!?”

Disse o Elefante: “Rei, seja agora ponderado,
o seu exército realmente é bem armado,
mas dispõem eles das Vespas e Escorpiões!”

“Você também pretende me trair...?”
“Não, Majestade!  Prestei-lhe juramento
e os demais de minha família em seguimento;
nós lutaremos enquanto a força o permitir!”

“Mas é minha crença que está a se iludir.
Os rebelados formam vasto regimento,
têm grandes forças e muito mais alento
que os mercenários que o senhor pôde reunir!”

Porém todos troçaram do Elefante,
logo saindo para dar combate:
era uma tropa de gigantes aguerridos,

porém menos numerosos nesse instante
que os pequenos animais, de cujo abate
muito em breve se achavam convencidos!

Ainda o Elefante recomendou cuidado:
“Ao inimigo não ataquem, assim no mais!”
Nova assuada dos diversos generais,
que se lançaram num embate airado!...

Mas já metade do caminho atravessado,
subiu uma nuvem, escura por demais...
“São passarinhos!...” – afirmaram os animais
“Tais Cotovias não me deixam assustado!”

Rugiu o Tigre.  “Avancem, meus Condores!”
E a tropa alada alçou voo de imediato,
para logo dispersar-se, em desacato!...

“São as Vespas!” – piou um dele, em estertores
e logo a inteira revoada debandou!...
Mas o Tigre nem assim se perturbou.

“Meus Paquidermes têm espesso couro!”
Mas que nada!  Defesa ali não há,
contra Vespas,  Marimbondo e Magangá
e mesmo os Búfalos fugiram num estouro!

Até os Gorilas, seu exército mais mouro:
não há mais dor que a Lechiguana dá!...
E os Escorpiões também ferroavam já
suas patas, para urrarem em desdouro!...

Para seu trono retornou o Rei Leão,
trocando os prisioneiros das cadeias,
tratando bem os que perdão pediram;

porém o Tigre se ocultou num buracão,
mas as Aranhas o prenderam em suas teias
e ao Rei Leão arrastado o conduziram!

EPÍLOGO

O Reino inteiro sem ter mais agitação,
Orangotangos no maior contentamento,
seu Rei Leão a saudar com grandes festas!
E depois de vários meses de prisão,
do usurpador foi decretado o banimento
e foi-se o Tigre para o fundo das florestas!

A BOLSA DO CANGURU I – 29 JULHO 2016

“Foi depois do Dilúvio.  Um viandante” (*)
seguia bem depressa pela estrada,
acompanhada por toda a filharada...
Surgiu o Quati e interpelou-a nesse instante:
(*) Citação de um verso de Castro Alves em Vozes d’África.

“Aonde vai, Comadre?  Está bem elegante...”
“Vou à festa que Tio Noé tem preparada...”
“Mas duvido que consiga nela entrada!
Seu convite foi bem claro e dominante...”

“Só os animais que na Arca viajaram,
nenhum filhote e nem qualquer criança...”
“Mas meu marido está longe, foi saltando...”

“Até a Austrália, a ver se as águas já baixaram;
de retornar para lá nossa esperança...
Abandonar não podia este meu bando...”

“Mas não adianta!  Foi um convite taxatório:
só os adultos para a festa convidados...
Tio Noé é gente boa, mas malvados
os filhos dele.  O texto foi peremptório!”

Crianças deixam tudo num mictório!
Há assuntos sérios para serem combinados.
Pelas crianças nós seremos perturbados:
fazem muita gritaria, é bem notório!...

Chegaram o Macaco, a Paca e o Coelho.
“Mas por que não os deixou na sua casinha?
Estão os meus bem quietos na toquinha,”

Disse o Coelho.  “Toma conta o meu mais velho.”
“E o meu marido ficou assando pão,”
falou a Paca.  “É bem gentil de coração...”

“E a minha Macaca ficou na sala, fofoqueando
com a Orangotanga, a Guariba e a Chimpanzé.
De nossas crias assim cuidam bem, até...
Só a um de nós o Tio Noé foi convidando...”

“Mas com quem os meus nenês iria deixando?
Nossa choupana é toda feita de sapé...
Tentei fazer com que dormissem, por minha fé,
só que o mais velho estava sempre despertando...”

“De toda a turma enchi bem a barriguinha,
mas insistiram para vir comigo à festa!
Atrás de mim vinham pulando na floresta!”

“Fui obrigada a trazer toda a turminha!...”
“Os seus filhos malcriados é que são,”
disse o Quati.  “Tudo vem da criação!...

A Cangurua até ficou meio ofendida:
“Eles são bem criadinhos, sim, senhor!
Mas apegados são a mim, que é um amor!
Ainda mais com o pai estando de saída...”

“E depois, esse convite até invalida
a minha vinda, indelicado que é um horror!
Venha sozinha, sem os filhos, por favor
É lá isso convite que se receba nesta vida?”

“Não é assim,” falou o Quati.  “Nem há lugar
na casa grande ou no pátio de Noé:
cada um dos bichos já arranjou urna filharada!”

“Chegando todos, até a comida iria faltar;
vão quebrar tudo, copos e pratos até!...
Dona Noé iria ficar desesperada!...”

A BOLSA DO CANGURU II

“Só imaginem se o Compadre Rato
aparecesse com a imensa filharada?
Eles roeriam tudo, sem deixar mais nada!
E se os caçasse nosso Compadre Gato?”

“Lembra os filhotes do Compadre Pato?
Iriam fazer uma tremenda gritalhada!
A pular e a sujar na mesa armada!
Que lá não devam chegar é um puro fato!”

“Pior ainda, já pensou nos leitõezinhos?
Não há nada que não sujem tais bichinhos!
Transformariam a festa inteira num chiqueiro!”

“E se viessem então gafanhotinhos?
Iam fazer da festa uma tristeza!
Comendo tudo, até a toalha da mesa!...”

“Mas o que é que eu faço?” – indagou a Cangurua.
“Vejo só uma solução,” – disse o Macaco.
“Volte agora para casa.  Em algum barraco,
há de encontrar qualquer vizinha que se atua.”

“Cuidar concorde seus filhotes até que a Lua
os faça adormecer em seu buraco...
Depois da festa, para ela leve um naco
do bolo... Não se dá bem com a Perua...?”

“Tem a Comadre Ornitorrinca, mas não sei
se vai querer...  Dona Koala é minha amiga,
mas seus maridos viajaram com o meu...”

Com alguma delas minhas crias deixarei,
caso a turminha convencer consiga...
Vamos voltar, guris, que já quase escureceu!...”

Porém quem disse que seus canguruzinhos
queriam saber de para a casa retornar?
“Quero ir à festa!...” – se puseram a berrar,
“para comer bastante bolo e mil docinhos!...”

Finalmente, a Cangurua decidiu:
“Macaco amigo, empreste-me seu saco!”
“Mas está cheio com a roupa para a festa!”

“Eu quero me trocar...”  Mas ela insistiu:
“Seja bonzinho, como um gentil Macaco!...”
“Vou-me sujar no caminho da floresta...”

“Coloque a roupa nesta minha maleta,
a minha trouxe, também, para trocar
e dentro dela ainda há um bom lugar...”
E o Macaco de reclamar se aquieta.

“Vocês me ajudem agora...” – disse inquieta.
Logo os amigos a se prontificar.
“Vamos à festa, então!” – pôs-se a chamar
e seus filhotes retornaram como seta!...

E foram sendo abraçados, um a um,
E ali enfiados, numa manobra pura,
dentro do saco todos apertados,

que ela prendeu como bolsa na cintura,
sem  conseguir se escapar nenhum
e numa bolsa são até hoje carregados!...

EM BUSCA DA FELICIDADE I – 30 JUL 16

Um pescador, que era homem pobre e feio,
viu um dia linda jovem na lagoa;
lançou-lhe a rede, em arremetida boa,
as malhas fortes a prendê-la com enleio!

“Solte-me, Homem!  De mim não tem receio?”
“Sou pobre e feio, a viver cheio de mágoa;
hoje te encontro a banhar-te nesta água!
De te soltar tão somente existe um meio!”

“Vais te casar comigo, ainda esta noite,
para cuidar de mim em minha choupana,
trazer-me à vida um pouquinho de bondade!”

“Casar não posso!” – silvou ela, como açoite.
“Pois não percebes que não sou humana?
Prendeste a Fada da Felicidade!...”

“Se me soltares, te darei o que quiseres!
Por tudo o que é sagrado, eu juro agora!...”
Não fugirás, caso te solte nesta hora...?”
“Já te jurei que atenderei os teus prazeres!”

“Fada que jura fica presa a seus deveres!”
“Ir-me-ás dar o que nunca tive outrora?
“Quanto pedires.  E depois que eu vá embora,
poder-me-ás chamar se em mais pensares...”

“Pois bem, quero ser dono de riquezas,
de largas terras, morando num castelo!...”
“Está feito! – disse a Fada.  E, de repente,

a rede se partiu sem mais proezas...
“Se em outro dia almejares meu desvelo,
basta chamar-me e me terás presente!...”

O pescador voltou para a choupana,
envolto agora em rica indumentária,
de camponeses a escutar saudação vária,
até um castelo que seu orgulho inflama!

E realmente, esse tesouro que reclama
enchia uma sala em riqueza perdulária,
tinha criados e guarda extraordinária,
que se curvavam tal como a lei proclama!

Anos passou a gozar de sua fortuna,
até notar que dele faziam troça
pelas suas costas, por não ter educação;

seu próprio aspecto em nada coaduna
com o da turba parasita que retoça,
já seu tesouro tendo rápida erosão!

Foi à lagoa para chamar Felicidade.
“Aqui me tens,” lhe disse mansamente.
“Vejo que queres qualquer coisa diferente,
já a riqueza não te basta, na verdade!”

“Senhora Fada, apelo à sua bondade,
necessito que me dês inteligência:
que aos demais assombre sua potência
e identifique desses tais a falsidade.”

“Foi um bom pedido.  Esse dom, pois, já te dei.”
De imediato, ele sentiu-se esclarecido,
todas as coisas revendo em compreensão,

doravante a comportar-se como um rei,
todo o respeito lhe sendo assim devido:
fez bons negócios e restaurou sua provisão!

EM BUSCA DA FELICIDADE II

Passou-se o tempo e mesmo rico e inteligente,
podendo ter as mulheres que queria,
seu amor falso facilmente compreendia:
era a riqueza que atraía aquela gente!...

E sua própria inteligência assim potente
a muitas delas até mesmo enraivecia;
manipulá-lo nenhuma assim podia,
suas artimanhas desvendando facilmente...

De seu aspecto zombavam, por despeito,
um corpo magro, sem ter musculatura;
quando partiam, a zombar de sua feiura!

Sou homem rico e esperto por direito,
mas as mulheres não amam inteligência:
se eu fosse belo, mostrariam mais veemência!

E foi de novo a procurar Felicidade.
“Tens-me aqui.  O que desejas desta vez?”
“Quero ser belo e de formosa tês,
músculos fortes a demonstrar virilidade!”

“Já concedi o teu pedido de vaidade,”
disse-lhe a Fada – e seu vulto se desfez.
Nenhum comentário ao retornar se fez,
tal qual se assim sempre fora em realidade.

Sem qualquer dúvida, tão simpático ficou,
que muitas damas dele se apaixonaram,
não mais por ouro, mas por ser homem viril.

A mais bela ele escolheu e se casou
E belos filhos logo lhe chegaram...
Mas foi tomado por moléstia vil!...

E lá tornou, mais uma vez, para sua Fada.
“Aqui me tens...  O que queres agora?”
“Quero de volta minha saúde, boa senhora,
sem ela, a formosura não é nada!...”

“Pois já te dei.  Retorna à tua morada.
Volta à tua esposa nesta bela hora.
Estás robusto e viril qual foste outrora,
mas já te dei todos os dons de minha alçada...”

Mais uma vez, chegou ao castelo o pescador
e se teve por feliz, por muitos anos,
até notar que lhe chegava a idade...

De que me valem todo o ouro multicor,
a beleza e a inteligência, nos afanos
desta velhice de tão madura idade...?

E foi de novo da Fada em sua procura;
chamou-a então, mas custou-lhe a responder.
“Qual dom que agora esperas receber?”
Disse-lhe ela, mas sem qualquer ternura.

“Senhora, nem sei bem.  A vida é escura
e tudo quanto eu recebi, irei perder;
sinto-me velho, até sem parecer:
senectude brota dentro como agrura!”

“Mas o que queres hoje que eu te faça?
Ainda conservas toda a tua fortuna,
a tua saúde, teu saber, virilidade...”

“Quem te contempla não vê qualquer desgraça,
nem tens um inimigo que te puna,
tua velha esposa a tratar-te com bondade...”

“Dizes bem. Ela está velha e eu não pareço;
externamente aparento ser bem forte,
porém já entendo que se aproxima a morte:
belo e robusto à sepultura eu desço!...”

“Sou inteligente, vida mais longa não te peço,
a lastimar, contudo, a estranha sorte
de não mostrar no rosto e nem no porte
essa velhice que por dentro clara eu meço!”

“O que precisas é alcançar a aceitação,
talvez de todas a maior virtude,
mas que jamais eu te posso conceder...”

“Essa faz parte só da humana condição
e qualquer outro desejo só te ilude.
caso não possas tal bem desenvolver!...”

EPÍLOGO

“Enfim, percebo agora esta verdade...
Melhor seria permanecer um pescador
que perder da esperança todo o ardor...”
“Isso eu te dou,” lhe falou Felicidade.
E dele então seus mil dotes retirou:
o pescador junto à margem se deitou...
“Eu tive tudo, mas somente hoje aprendi
que em mim estava a paz que consegui...”


Nenhum comentário:

Postar um comentário