DISRITMIA
OLÍMPICA
Duodecaneto
de William Lagos (2008)
DISRITMIA OLÍMPICA
I (2008)
Contemplo o tempo e o tempo me
contempla:
eu só imagino que esse tempo
exista,
embora o tempo de existir insista
e me consuma, enquanto me
destempla...
Retemplo o tempo e o tempo me
retempla:
existe aqui, fato comum... Me
avista,
como um retalhador; e o tempo
enlista
quem tempo entelha e tempo assim
entempla.
Na proteção do templo, assento as
telhas,
na negação do tempo, assento as
cinzas
e o templo me protege contra o
tempo.
A vida passa e as telhas quedam
velhas:
as cinzas brilham com estranhas
luzes,
quando o tempo me
contempla o contratempo.
DISRITMIA OLÍMPICA II
O contratempo do tempo é
para-vento;
o para-vento do tempo é um
bastidor,
que me separa das franjas de um
andor,
mantido longe do olor do
sacramento.
Perante o templo vestido me
apresento;
trajo completo em tempo de calor,
a igreja até condena o meu candor
por esse templo que, afinal,
sustento,
pelo temor do completo
contratempo,
que me fará dormir por sob as
cruzes:
perante as campas me apresento
nu,
nesse momento em que me acaba o
tempo
e meus olhos se fecham para as
luzes,
e vejo que por mim ainda aguardas
tu.
DISRITMIA OLÍMPICA III
Às vezes, eu me escondo em
gemebundo luto
e então me refugio em moribundo
nada,
os dias a perder-se em tremebundo
cada
e as vozes do silêncio
meditabundo escuto,
não mais que as vibrações de
platibundo ducto,
que a recordar me levam a
pundibunda fada,
às vezes pouco mais que vagabunda
alada
em silvos que me tornam em
furibundo bruto.
Eu mesmo em vida abundo a manejar
a pá
que em leve curva abunda de cem
palavras vãs
e recolhe, gentilbunda, as menos
ofensivas,
por mais que pluribunda escorra a
ideia má,
ainda é artibunda a solércia de
minhas cãs,
disritibunda e olímpica às
ilações lascivas...
DISRITMIA OLÍMPICA IV
Voltando imundo ao tempo
moribundo,
não me cabe insistir em tantos
neologismos,
no tema rubicundo de meus
farisaísmos:
somente o coração escuto, ainda
iracundo.
No ralo deste verso de empolgação
jocundo,
não me cabe insistir em meus
solipsismos,
meus versos deveriam, enfim, ser
socialismos,
mas só em metáforas de mim os
aprofundo.
São versos comunistas, tão só por
ser comuns,
sem nada de esquecidos, porém
sendo esquecíveis,
são versos socialistas que à
sociedade entrego,
são versos nacional-socialistas
como alguns,
são versos que perecem, alimentos
perecíveis
que com todos eu divido e que a
ninguém sonego.
DISRITMIA OLÍMPICA V
Algumas vezes, porém, me quedo a
imaginar
se olho para o tempo ou é o tempo
que me olha,
se cada dia espelha o que o tempo
me desfolha,
ou se me fiz a imagem do primeiro
contemplar.
Eu me olho no tempo, meu tempo a
relembrar,
minha imagem antiga me foge e se
me antolha,
do tempo leio o livro que lê-me
em cada folha
de cinza-amarelado, de ouro falso
a me pintar.
Será que em algum tempo no tempo,
realmente,
eu fui a imagem crente que me
recorda a mente
na imagem que me crês eu creio no
talvez,
daquela que meus órgãos um dia se
orgulharam
ou que tiveram nojo e no tempo a
descartaram,
deixando no passado cada tempo
por sua vez...
DISRITMIA OLÍMPICA VI
O tempo velho, penso, não passa
de um espelho
distorcedor de imagem, tal qual
esses de feira,
imagem de lisonja a espelhar-me
lisonjeira,
imagens mais louçãs a apresentar-me
velho!...
Não sei se o tempo vem ou ao
tempo me destelho
ou se de um maneirismo o tempo me
maneira,
se a pele descascou-me o tempo
que se abeira,
se a vida descascou o tempo, qual
um relho!...
Talvez, opostamente ao que teve
Dorian Gray
o tempo me envelheça ao
conservar-se moço,
o tempo fortaleça enquanto eu
enfraqueço,
impondo-me a confiança em sua
antiga lei,
pela qual pague um albor pelos
dias de alvoroço,
o tempo a me aguardar na cova em
que adormeço.
DISRITMIA OLÍMPICA VII
Mas afinal, por que tenho tal
certeza?
árvore velha permanece em pé,
mesmo engrossando os galhos de
sapé,
ergue-se o tronco com maior
firmeza.
As tartarugas, ao sabor da
natureza,
durante a longa vida crescem e
até
seu casco engrossa a protegê-las,
pela fé
de que perdure para sempre tal
grandeza.
É de notar-se que as aves e
animais
quando envelhecem, bem poucos
sinais
demonstram de sua lenta
decadência;
tombam as árvores com galhos
ainda fortes,
os cães e gatos a mostrar-nos
iguais sortes:
só dormem mais e perdem sua potência.
DISRITMIA OLÍMPICA VIII
Por que, então, precisamos, nós,
humanos,
demonstrar tantos traços de
velhice?
Há tanto velho que esquece até o
que disse
e só se lembra de seus mais
tenros anos.
Mas de que modo decifrar estes
arcanos,
estes desgastes, a fraqueza e até
tolice,
esse abandono da graça e da
ledice,
mesmo daqueles que já foram os
mais lhanos?
Será somente porque vivemos mais
que os animais que junto a nós
criamos?
Ou porque já não moramos mais no
mar,
no qual, dizem, ninguém morre
jamais,
senão por acidente, enquanto nós
ficamos
cá fora, diariamente a
absorvermos ar?
DISRITMIA OLÍMPICA IX
Eu bem compreendo que há alguns
fatores
que em nós influenciam toda a
decadência:
expor-se ao sol, com excesso de
frequência,
quando a pele desidrata e
traz-nos dores.
Doenças temos, com seu séquito de
horrores,
falta-nos paz ou não gozamos de
prudência;
vento no rosto, a sombra da
impotência,
influenciam também nossos
pendores...
Contudo me parece que nossa
senescência
é mais questão de culpa e até de
escolha:
nós assumimos o dever de
envelhecer,
quando os mais velhos, em nossa
adolescência
furam, mordazes, do entusiasmo a
bolha,
profetizando-nos igual desgaste e
perecer.
DISRITMIA OLÍMPICA X
Talvez por isso, também, é que
morremos,
não que essa morte nos seja
obrigatória;
é mais questão de fé, na
desultória
afirmação de que igualmente
envelhecemos.
Quando bem jovens, até nos
conteremos,
sem aceitar tal decisão
peremptória,
mas corre o tempo nessa luta
inglória:
mudanças vemos naqueles que
escolhemos.
E não se livra nunca a sociedade
desse seu feio costume de morrer:
“Fui como és e serás como hoje
sou”,
nos afirmam, com um sorriso de
impiedade
e irá o próprio fim nossa mente
conceber
a cada vez que nossa alma se
enlutou.
DISRITMIA OLÍMPICA XI
Porém será isso mesmo necessário?
Será que a morte e sua irmã, a
senectude
são algo mais que uma simples
atitude
de aceitação desse mal
atrabiliário?
Será que existe algum desejo
perdulário,
sem esperança que conosco a coisa
mude?
Será que existe algum grimório
que se estude (*)
e nos ensine a nos furtar a tal
ideário?
(*)
Livro de Feitiçaria.
Todos os povos, afinal, têm as
suas lendas
sobre os antigos de vidas
imortais,
que ainda habitam no alto das
montanhas,
ou que percorrem, disfarçados,
nossas sendas,
pretendendo partilhar fados
iguais ,
no desempenho de ardilosas
artimanhas?
DISRITMIA OLÍMPICA XII
Seres olímpicos seriam assim, de
fato,
que conseguem esconder a
disritmia,
enquanto fingem ter a mesma
desvalia,
a pretender uma doença, um
desacato
articular; então escutam o sopro
de um boato
e logo partem, até no próprio
dia,
para um local em que ninguém os
conhecia,
vida nova a iniciar com grande
tato...
Algumas vezes simulando a própria
morte,
deixando a herança à nova
identidade,
que se apresenta então, qual neto
ou filho
ou então filha, dependendo de seu
porte
e assim prosseguem, através da
sociedade,
dando início, facilmente, a um
novo trilho!
DISRITMIA OLÍMPICA XIII
Porém suas vidas também passam
por percalços;
É difícil se casar, uma vez que a
companheira
ou o companheiro de sua vida
inteira
perceberiam velozmente os sinais
falsos,
que é muito raro descobrirem seus
iguais
ou se os acharem, gostar deles.
Assim, após
uns trinta anos, necessitam
viajar sós
e então pretendem sofrer mortes
naturais
em um lugar distante e dentro em
urna
cinzas anônimas remetam para o
lar
ou finjam um naufrágio em pleno
mar,
ou um acidente no fundo de uma
furna...
e logo após, cada um empreenderia
a nova vida, onde ninguém
suspeitaria...
DISRITMIA OLÍMPICA XIV
Alguns pintam o cabelo, em
precaução,
de branco, é claro; ou de certo
tom grisalho;
raspando entradas, a pretender
que é falho
seu pelo capilar, para melhor
enganação.
Assim conseguem que o povo de
onde estão
sinais descubram do tempo com seu
malho
nos traços de seu rosto, sempre
algum talho
de rugas leves a simular com
perfeição.
Mas se têm filhos com mulher
comum
dificilmente lhes darão essa
vantagem,
embora saibam que não é
impossível;
se por acaso os perceberem em
algum,
o levarão em sua mudança de
paragem,
tão logo aceitem sua disritmia
como crível.
DISRITMIA OLÍMPICA XV
Porém não vão pensar sejam
vampiros
os entes de que falo. São seres humanos,
iguais que tu ou eu, porém sem
sofrer danos,
seja da idade, da doença ou dos
suspiros.
Nada os afeta, a exceção de faca
ou tiros,
ou acidentes fatais, golpes
insanos,
um veneno, quem sabe? Ou mesmo arcanos
segredos que os perturbem em seus
giros.
Mas certamente se protegem dos
assaltos;
vivem modestamente, ainda que
viajem
bem mais do que é comum. Assim, a
olho nu
é difícil percebê-los, nem belos,
nem mais altos
que a maioria, nos locais em que
se engajem.
Talvez eu seja um deles... Ou
antes... serás tu?
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