FENG SHUI & MAIS – 31/7-9/8/16
Novas séries de William Lagos
(LUOPAN, COMPASSO DO FENG SHUI))
FENG SHUI
I – 26 SET 2007
De quando
em vez, é bom lançar ao lixo
quanto se
guarda de inútil e pesado:
os
objetos velhos, o estragado
pelo uso
constante e até o prolixo
redigir
destes versos, neste fixo
mascar de
lágrimas e sêmen do passado:
tempo
e sonetos, de ilusões cercado,
que meu
futuro afivelam em prefixo.
Quiçá
lance de mim essa poesia
que
fracamente ferve dentro dalma,
por combustível
de curta duração.
Ou jogue
fora esse amor de fantasia...
Mas nesse
instante de rejeição da palma,
jogarei
fora também meu coração.
FENG SHUI
II – 31 JUL 2016
Para que
serve um coração tão velho,
por mais
que jovem permaneça a mente?
A algum
novo reencarnar não se pressente
ao
contemplar-se dupla imagem sobre espelho?
Pobre
destino, já desgastado o relho
com que
antes me impelia firmemente!
Já nem
resisto a ele, francamente,
e nem
tampouco cedo a seu conselho.
De fato,
lancei fora minhas dissídias,
meus
rancores, esperanças e malícias,
há longo
tempo decompostas minhas perfídias
e até
mesmo os sentimentos mais singelos
já
expulsei de mim, sob sevícias, (*)
transfigurados
em mil sonetos belos.
(*) Espancamentos, torturas.
FENG SHUI
III
Não que
me torne escravo do “Pakuá”, (*)
o Caminho
que segui foi o do Meio,
sem
grande atrevimento e sem receio
do mundo
e quanto incerto nele há.
(*) A mandala símbolo do Yin-Yang
chinês.
Perdi a
ambição do que se encontra lá,
pois
quantas vezes me foi cortado o veio,
por todo
o esforço vertido de meu seio,
na
aceitação da vida e o que me dá.
Bem ao
contrário, prossigo a acumular
tempestades
de livros ao redor
e
tsunamis de discos em gavetas,
que o
Feng Shui me aconselha a descartar,
para
expulsar a polvadeira sem calor,
cantos
vazios das caligens mais secretas. (*)
(*) Pontos de escuridão.
FENG SHUI
IV
Assim,
limito-me a meu próprio descartar
desse
vasto turbilhão de assentimentos,
contrariedades
de tantos julgamentos,
com os
quais as Redes vou atravancar.
Tudo
pensado, em cada raio de luar
já
pendurei os meus assentamentos;
e se de
alguns demonstrei esquecimentos,
sob o Sol
os plantarei em pleno ar!...
Sei muito
bem que tais redes sociais
muitos
atulham com fotos transitórias,
nesse
infinito teclar dos celulares
e os
acumulam quais neuróticos virais
e assim
meus versos lutas têm inglórias
com a
multidão de tais falsos alamares.
FENG SHUI
V
Deste
modo, não me deves repreender
se ali
postei os sonetos que não pedes,
quando
pródigo teu tempo a alheios cedes,
a ti
forçando ao indiferente responder.
Quando os
poemas não desejares ler,
afogados
nas nervuras dessas redes,
desse
vasto fofoquear que sequer medes,
seu
descartar se encontra em teu poder.
Essa a
vantagem de tal meio eletrônico:
para apagar,basta
um toque no teclado,
que é bem
mais fácil deletar do que criar.
Enquanto
em meio físico ou mnemônico,
deve o
poema ser queimado ou alijado
até que
venha algum lixeiro o transportar.
FENG SHUI
VI
De
qualquer modo, meu Feng Shui é preguiçoso
e envia
aos outros o que devia descartar,
cabendo a
outrem decidir o que alijar
ou
conservar, caso julgue algo formoso.
Eu não me
animo a consentir no gozo
do Deus
Descarte no meu próprio lar:
livros e
discos continuo a acumular,
mais os
rascunhos de amontoado numeroso.
Não que
disponha de tempo, realmente,
ou de
qualquer disposição de lançar fora
e mesmo
os versos com que te incomodo
guardo em
meu próprio sistema totalmente
e imprimo
cópias para empilhar a rodo,
sem me
querer desfazer de meu outrora!
METALINGUAGEM I – 26 set 07
Vira esta página e olha atrás do poema,
o que se esconde lá, se é uma fatia
do mesmo coração que te escrevia:
jóias de carne da mais pura gema...
Procura na tua mente o mesmo esquema
que dá vida às palavras e induzia
em tuas próprias emoções a nostalgia
dos sons, das ondas, das cores
desse lema...
Que seja o lema uma lemma em
significado,
a meta além da meta metafísica,
a sema que introduz metalinguagem...
Que seja a fona um canto atribulado
e a própria mima além da mente física
que te invade o coração em dor
selvagem...
lemma = proposição que introduz a
definição de outra; meta = proposição que introduz a seguinte; sema = unidade
de significado; fona = unidade de som; mima = unidade de imitação.
METALINGUAGEM II – 01 AGO 16
Toda linguagem se inscreve em coração
cruamente digitado em cem fatias;
sobre o encarnado linhas negras redigias
dessa mensagem sobre qualquer paixão,
tal qual um pergaminho ante vulcão,
ressecado por calor em folhas frias,
ou melhor dito, um papiro em que só vias
um maço negro sem maior diagramação.
Hoje é possível, por ultrassom, quiçá,
ou outra técnica da modernidade,
desvendar esses segredos que contém,
por mais grudadas as folhas que ali há.
Mas de que forma poderá a humanidade
ler os segredos que um coração mantém?
METALINGUAGEM III
Nem sempre é efeito da temperatura
ambiental, mas calcinada pelo peito
pelos rancores a que se fez sujeito
essa reunião de folhas em negrura.
Inicialmente, se gravou emoção pura;
então a mima amarfanhou seu leito,
introduzindo algum desdém, qualquer
despeito,
a superpor estranha imagem que perdura.
Já nem é nosso o próprio coração,
escravizado assim a alheia sema,
de alguma forma cruzando nosso ouvido.
Negro é esse livro que queima a
imitação,
suas várias páginas condensadas numa
lemma
de qualquer proposição de amor sofrido.
METALINGUAGEM IV
Procura, então, nas costas de tua mente
qual foi tua própria inicial proposição,
descartada em escaninho tua ilusão
por qualquer mima de som onipresente,
que se introduz de forma permanente,
nos interstícios de teu pobre coração,
numa insídia maculada de paixão (*)
que não foi tua, mas se acha ali
dormente.
(*) Invasão traiçoeira, caluniosa,
sorrateira.
E lá somente encontrarás a figurinha
desgrenhada, tristonha, enfraquecida,
que foi um dia desdenhada pela aragem
das influências externas, pobrezinha,
porém não morta, apenas reprimida
por agourentos guinchos da linguagem.
METALINGUAGEM V
Vira essa página e busca além do peito,
nessa prisão constritora das costelas,
de que alijaram as emoções mais belas
que por ti mesma geraste sem defeito,
mas que deixaste despojar de seu
direito,
após abrir no coração janelas
por que invadiram as mais negras
estrelas,
cuja visita jamais devias ter aceito.
Assim ideias dos outros te marcaram,
algumas vezes por pura distração,
que talvez penses mesmo que adotaste,
mas foram elas que te perfilharam
nessa senzala de impura escravidão,
cujos grilhões até hoje não quebraste.
METALINGUAGEM VI
É dessa forma que te impõe a sociedade
os seus domínios, desejos e prazeres,
sem a menor preocupação com teus
quereres,
mas somente por te impor falsa verdade
ou despertar dentro de ti necessidade
na imposição de artificiais deveres,
lucro obtendo na imposição de seus
poderes,
na metavida da competitividade.
Destarte ingressas na metaostentação
desse metapossuir que em outros vês,
os metaprêmios da possessividade,
posto de parte o teu desejo são,
metadesprezo dos valores em que crês,
na metonímia da metainiquidade.
REGRAS
DA VIDA XXXVIII (38)– 26 set 07
Seja
gentil em todos os seus atos:
a
vida é curta demais e a grosseria
extrai
de seu viver tanta valia...
Muito
melhor é nos mostrarmos gratos
pelos
pequenos favores recebidos...
Pois
agradeça sempre e sempre use
o
"por favor..." Que a pressa não escuse
um
"obrigado", por sorrisos tidos...
Seja
sincero em quantos elogios
fizer
aos outros, porém nunca se esqueça
que
é necessário dar os "parabéns"
e
os "pêsames" talvez, quando em esguios
dedos,
a morte venha, por que alguma vida peça,
para
não mais desfrutar da Terra os bens...
PACTO
FAUSTIANO I – 27 Set 2007
Meus
olhos se embaciaram. Fui golpeado
e um
coágulo surgiu em minha retina.
É da lei
do equilíbrio a triste sina:
se
recebes um bem, por outro lado
irás
perder outro dom, de inesperado.
Assim é
que transcorre e não se atina
que os
deuses cobrem, em harmonia fina,
os dons
que te concedem, quando, alado,
vai até
eles o ingênuo pensamento:
pois o
jovem tem tempo e tem pobreza,
o homem
maduro não dispõe de tempo,
enquanto
o velho tem tempo e tem riqueza,
mas já
perdeu o jovem sentimento.
(E assim
se esvai a vida, em contratempo.)
PACTO
FAUSTIANO II – 02 AGO 2016
Este é de
fato o pacto satânico;
nunca o
encontras vestido de encarnado,
chifres e
cauda, qual morcego alado,
olhar
cruel a despertar-te o pânico,
fruto
soturno do obscurantismo hispânico,
pura
desculpa para o mal ser praticado,
para após
vaga penitência, ser perdoado,
tal qual
prescreve esse ritual canônico.
Sempre
tal pacto é muito mais sutil:
não
necessitas de assinar um documento
com o
próprio sangue tirado de teu pulso,
nem
atribuível à tentação mais vil;
fazes teu
pacto pelo diário assentimento
com que
cedes, pouco a pouco, a cada impulso.
PACTO
FAUSTIANO III
O Doutor
Fausto existiu e foi real,
provavelmente
com aparência mais saudável
do que
aos demais parecia ser viável
nas duras
eras do período medieval.
Talvez
até de Margarida o ideal durável
o haja
impulsionado a ser dela fiel
e a tal
amor possa quiçá ser atribuível
a
persistência de juventude artificial.
E como
foi, realmente, um alquimista,
não é
espantoso que se criasse a lenda
do
Mefistófeles com que haveria pactuado,
que para
Goethe apresentou a bela pista
dos
longos versos... nos quais se compreenda
que o
próprio anseio por um pacto foi mostrado.
PACTO
FAUSTIANO IV
Para os
romanos, “Fausto” era “feliz”
e assim
dias “nefastos” evitavam,
sendo
“infaustos” os negócios que firmavam:
mal
resultando, consoante então se diz...
Mas por
“fausto” significar também se quis
riqueza e
pompa nas festas que brindavam,
que
“fausto” e “festa” igual compartilhavam
de uma
semântica... talvez de chamariz...
Assim o
Fausto deveria ser “faustoso”,
compartilhando
pompa e circunstância,
não um
eremita em sua torre de marfim,
sua longa
vida em transcorrer umbroso,
enquanto
tantos pereciam já na infância,
na peste
e na escassez vivendo assim...
PACTO
FAUSTIANO V
Porém na
vida real, assim sucede:
há um
equilíbrio nos pratos da balança
e a cada
vez que ansiado bem se alcança
algo de
nós o fado também pede;
e se
algum santo ou deus algo nos cede,
não será
por vela branca de faiança
e se no
colo qualquer bem nos lança,
para
melhor pagamento já nos mede.
Eis por
que bem melhor é não pedir;
julgando
a sorte ter, terás azar,
que graça
dada só virá nos iludir.
O mais
seguro é apenas dar louvor
ao Ser
Supremo, que bem sabe cuidar
e nos
dispensa gratuito o Seu favor...
PACTO FAUSTIANO VI
“Daí graça em tudo” nos referem Escrituras;
mais um conselho do que uma imposição;
não tem o Decálogo uma tal proposição,
mas noutras partes achareis palavras puras.
Contudo, noutras, há frases bem mais duras:
“Dá graça a teu Senhor com devoção
ao receberes a mais pequena dotação,”
(mesmo que a encontres mesclada com agruras)
“pois somente se pelo pouco agradeceres
merecerás a final dignidade
de receberes o muito do Senhor...”
Este é o pacto faustiano dos deveres
pertinentes a toda a humanidade,
da criatura para com seu Criador.
REGRAS DA
VIDA XXXIX (39) – 28 SET 2007
É o
conselho do Feng Shui, que quer a poda
sempre frequente
do que não mais se usa:
os
objetos abandonados pela musa,
em sua
breve presença nessa Roda
eternamente
móvel. Viver leve,
escassa
essa bagagem que se guarde:
consuma o
fogo o resto, enquanto arde
e se
usufrua bem do amor mais breve.
Pois quem
avança depressa pela vida
não
arrasta quatro malas no aeroporto:
traz uma
bolsa só, traz uma pasta,
ou mesmo
um laptop, em que guarida
dá a todo
pensamento, salvo o aborto
que
deixou para trás, na estrada vasta.
QUANDO O
AEDO CANSA I – 29 SET 2007
Nublado o
céu, nublado o meu despeito,
nublada a
mancha de toda humilhação,
nublado o
coração, nublado o peito,
nublada a
mágoa, desfeita essa ilusão...
Desfeito
o céu, por trás da névoa e véu,
desfeito
o espelho que minhalma encerra,
desfeito
o xale por sobre o mesmo céu,
desfeita
essa emoção, nublada a Terra...
Que um
jogo de palavras é essa vida,
mais que
o jogo de palavras destes versos,
que do
estro zombam a nubla inspiração...
Porque em
meu peito se esvaziou a ermida,
meus
sentimentos nublados e dispersos,
tal qual
desfeito se tornou meu coração...
QUANDO O
AEDO CANSA II – 03 AGO 16
Revisto o
verso, após os sons passados,
Revisto o
sonho em novel colocação,
Revisto o
azinhavrar do coração,
Revisto
de pureza os meus pecados...
Revestido
o rastejar de anjos alados,
Revestida
a quimera em vastidão,
Revestida
a fênix de sua nova cremação,
Revestido
o cinzel em coagulados,
Retorno
ao perpassar de meus cuidados...
Disse-me
amigo que cansar não deveria,
Que como
Aedo deveria continuar...
E aqui
estou, dez anos desgastados,
Ainda
escrevendo, enquanto a musa concebia
Vasta
torrente, sem nunca a retirar...
QUANDO O
AEDO CANSA III
Aceitei
desse amigo o bom conselho,
Aceitei
lenho para a crucificação,
Aceitei
meu redigir em solidão,
Aceitei o
azinhavrado deste espelho.
Acatei os
meus deveres, mesmo velho,
Acatei
este meu terço de ilusão,
Acatei o
dedilhar do coração,
Acatei
este rosário como um relho,
Com que
expulso ainda hoje minha tristeza
Para
longe de mim, feita ventura
No
simples ato de rasgar meu peito,
Vindo de
sangue a me encher a bordalesa, (*)
Trigo de
pão preenchendo a noite escura
Neste
almácego de mil versos sem defeito.
(*) Grande tonel de vinho, criado em
Bordeaux, na França.
QUANDO O
AEDO CANSA IV
Mesmo que
seja de palavras jogo,
Mesmo que
seja um falso solidéu, (*)
Mesmo que
seja opaco este meu véu,
Mesmo que
seja ignorado o rogo,
(*) Gorro curto dos religiosos.
Mesmo que
esteja acinzentado o fogo,
Mesmo as
palavras truncadas para o léu,
Mesmo
alquebrado sobre mim o céu,
Mesmo que
exausto já me encontre logo,
Sigo
marchando ao longo desta lira,
Tensas
cordas entre chifres de carneiro,
Em
miscelânea de versos desgarrados,
Cada
soneto nova corda que se estira,
Cada
final um tesouro derradeiro,
Nos
versos pálidos digitalizados...
QUANDO O
AEDO CANSA V
Permanecendo
em mim dever de Aedo,
Permanecendo
em mim mister de bardo,
Permanecendo
o transportar do fardo,
Permanecendo
o revelar de meu segredo,
Rascunhando
muito mais que sonho ledo,
Rascunhando
os espinhos de meu cardo,
Rascunhando
o virote de meu dardo,
Rascunhando
os mil destroços de meu medo,
As
palavras ainda brotam e saltitam
Revestidas
de uma estranha juventude,
Temas
solícitos e sempre renovados;
Que
alguns os leiam e quiçá reflitam
Nessa
revolta de plena mansuetude, (*)
Pelo
ruído de meus cascos perturbados.
(*) Mansidão, paciência.
QUANDO O
AEDO CANSA VI
Convocado
não sou como um rapsodo,
Convocado
não sou como instrumentista,
Convocado
nem sequer qual baterista,
Convocado
talvez a me banhar no lodo,
Convocado
a viver no meu alheio modo
Convocado
para ser corda de um harpista,
Convocado
para ser bocal de algum flautista,
Convocado
a desatar qualquer diverso nodo,
Aqui
estou eu, outra vez receptor
De
alheias emoções e sentimentos,
Do que
nunca me ocorreu o descritor.
Aqui
estou eu, Aedo sem ter mãos,
Qual
surdo-mudo no abismo dos momentos,
Ante a
cegueira final das mutações.
PROSÁPIA I – 04 AGO 2016
Contemplo a vida em vestes de esmeralda,
clivada com carinho e facetada,
esmerilada a ganga acumulada
pelo polir gentil de cada falda.
Os meus temores a cada dia escalda
e os descarta em sarjeta abandonada;
correm com eles, na mesma revoada
os passos dessa turba que se esbalda.
Assim já fui purgado de terrores,
fiquei meio vazio por não ter medos,
a vida verde um tanto desbotada.
Só me resta buscar novos albores,
a iluminar no coração segredos
de paixão morta e nunca revelada.
PROSÁPIA II
Prosápia era “nobreza” em espanhol,
a longa lista de ilustres
ancestrais,
que se buscava, de formas naturais,
expor mais uma vez à luz do sol,
qual um canto atribuído ao rouxinol,
mesmo que esse não se abalasse mais
a repetir seus gorjeios triunfais
por toda a noite até a quebra do arrebol.
Assim, novo sentido adquiriu,
como sinal de algum convencimento
de alguém querendo apenas se gabar,
com certa “prosa”, como o nome sugeriu
e talvez mesmo a indicar o atrevimento
de quem melhor se queria apresentar...
PROSÁPIA III
Se minha vida foi, de fato, esmeraldina,
já libertada de sua ganga impura,
devo dizer que só um amor perdura
e para tal meu coração se inclina.
Se minha vida foi adorno de opalina,
que fabricaram, num gesto de ternura,
devo dizer que perdeu sua jaça escura
ante o fulgor de uns olhos de menina,
que o tempo passa, mas não empalidece
e apesar dos percalços e problemas,
há uma confiança que mutuamente cresce,
por mais que pense tão só em sua ascendência
e que diversos dos meus sejam seus lemas,
mas sem que insista sobre os meus ter ingerência.
PROSÁPIA IV
Vejo minha vida assim entrelaçada
com os rubis de múltiplos semblantes,
nos topázios e safiras dos instantes,
do oricalco a magia conquistada, (*)
(*) Liga metálica preciosa, cuja segredo se perdeu.
com electro sua face contemplada,
de jaspe e de jacinto rebrilhantes,
de ágata contra ônix em
cambiantes,
água-marinha a meio turquesada,
de berílio e crisopraso marchetada,
de bdélio e sardônio coroada,
nos diamantes de tocaia em seu olhar,
água de estrelas sobre mim lançada
em cada lágrima dessa face amada
de que não posso nunca me apartar...
INCLEMÊNCIA I – 5 AGO 16
A VIDA É COMO UM CLIPE: TEM DOIS PICOS,
O PRIMEIRO NO VIGOR DA MOCIDADE,
O SEGUNDO APÓS SE ACHAR MATURIDADE:
AMBOS SE CURVAM, A FORMAR ASSIM DOIS BICOS.
DEPOIS RETORNAM DESSE EXTREMO CUME
E DESCEM NOVAMENTE, NUMA RETA;
EVENTUALMENTE, A LINHA SE COMPLETA
E SE INTERROMPE, QUAL SE APAGA O LUME.
PORÉM HÁ CLIPES MAIS CURTOS E MENORES,
DE BREVE DURAÇÃO EM SEUS CURVARES:
SE ALCANÇA O PICO E LOGO SE RETORNA,
ENQUANTO OUTROS SÃO MAIS LONGOS E MAIORES,
BEM MAIS INTENSOS EM SEUS DEMORARES,
SEM QUE ALGUÉM SAIBA EM QUAL DOS DOIS SE ADORNA...
INCLEMÊNCIA II
MAS SEMPRE É A VIDA UM CLIPE OBSTINADO,
METAL BRILHANTE ATÉ SE AZINHAVRAR;
SE DESDOBRADO, TENDE A SE ENTORTAR:
CURVAS PERTURBAM A LISURA DO ARAMADO.
NÃO É POSSÍVEL TRANSFORMAR O FIO MARCADO
SEM POR PERCALÇOS VIOLENTOS SE PASSAR,
RODA GIGANTE QUE É PRECISO SE AZEITAR
BALANÇO E EMBALO ENTÃO DESCOMPASSADO.
QUANDO O FORMATO, AO INVÉS, É ACATADO
NOS LEVA O CLIPE MAIS MACIAMENTE
ATÉ SEU CUME, QUAL AUGE DA VIDA;
MAS É PRECISO PROSSEGUIR PELO OUTRO LADO,
POR MAIS QUE NOS PAREÇA IMPERTINENTE,
QUE ESTAMOS PRESOS NA RETA DA DESCIDA.
INCLEMÊNCIA III
NÃO SE PODE ESPERAR QUE O CLIPE LEVE
PARA OUTRO PONTO DIVERSO DO PERCURSO,
SEMPRE FIRMANDO SEU ABRAÇÃO DE URSO,
SEMPRE DOBRANDO NO LOCAL JUSTO QUE DEVE.
E QUEM DE UM SALTO INTERROMPER SE ATREVE
DUPLA ALTERNÂNCIA ENCONTRA NESSE CURSO:
OU EMBARCA PARA UM NADA SEM RECURSO
OU PARA DENTRO, A TORNAR VIDA MAIS BREVE.
POIS PECULIAR É O FORMATO DESSE CLIPE:
COMEÇA SEMPRE DE FORA, LARGAMENTE,
A SE CURVAR PARA DENTRO NO FINAL,
QUANDO SE DOBRA SEM SEQUER UM BIPE
PARA INFORMAR DE TAL VOLTA INCLEMENTE,
POIS TODO O CLIPE TEM SEU FIM MORTAL.
INCLEMÊNCIA Iv
NUNCA SE SABE QUAL SERÁ A EXTENSÃO
DESSE CLIPE QUE NOS COUBE NA ROLETA:
PARA ALGUNS MOSTRA SENDA MAIS DILETA
A OUTROS APENAS UMA CURTA DURAÇÃO.
SENDO O FORMATO IGUAL NESSA OCASIÃO
EM QUE SE EMBARCA NO METAL DA SETA,
NÃO É POSSÍVEL SABER QUANDO COMPLETA
SUA DUPLA VOLTA CONDUZINDO À EXTINÇÃO.
NÃO SE PROLONGA O FIO, POR MAIS SE QUEIRA,
APÓS TER SIDO COMPLETADO O SEU TRAJETO:
O FIM SE ENCONTRA FEITA A CURVA DO INTERIOR
E O TEMPO QUE SE LEVA NESSA ESTEIRA
PELO FADO SERÁ TIDO POR COMPLETO,
DANDO UM CHOQUE FINAL EM NOSSO ARDOR.
FIBONACCI I – 6 AGO 16
Minhalma é feita de boas intenções,
qual mórbido gigante de mil cores,
a palpitar num agoniar de flores,
das quais intende novas plantações.
E o resultado de tais exaltações
são novas piras de múltiplos flavores,
são novos sons de sui-generis fragores,
a dissolver-se em citoplásmicas ações,
porque se não combinam, simplesmente,
nem se dividem em compartilhamentos,
porém se multiplicam sem parar,
cada um somando os prévios, calmamente,
até formarem inatacáveis monumentos
que nem consigo poder mais contemplar.
FIBONACCI II
Foi Leonardo de Pisa um matemático
apelidado “Fibonacci”, o qual introduziu
no mundo ocidental a relação que viu
numa soma sequencial que pôs em prática
em Mil Duzentos e Dois, coisa fantástica
em plena Idade Média e a senda abriu
para os Números de Lucas, de frações em
fio,
a contrariar Regra de Ouro da
Escolástica.
Não é de espantar que São Tomás de
Aquino
o encarasse com sua vasta desconfiança,
em sua série a entrever algo satânico
e preferência desse ao fracionar mais
fino
dito “de Lucas”, a descrever
perseverança
com que Deus criou o mundo em dom
dinâmico.
FIBONACCI III
Talvez soubesse o monacal compilador
que tais números já fossem conhecidos
pelos pagãos hindus e transmitidos
aos europeus por muçulmanos detestados.
Ao que parece, foi o inicial calculador
um Virahanka, em séculos perdidos
e pelos árabes eventualmente traduzidos
por Fibonacci então sendo estudados...
Nessa sequência, cada elemento é a soma
dos anteriores, em sucessão veloz,
a Natureza inteira em sua abrangência,
desde os templos dos gregos e de Roma
até as escamas de algum sáurio mais
feroz
e da antera em sua perfeita deiscência.
FIBONACCI IV
Em matemática, sua presença é bem
frequente,
sem ser buscada, surgindo tão somente;
nos algoritmos de hoje onipresente,
uma das bases da atual computação.
De forma igual, no computar do coração,
encontro em minha mais simples intenção
inesperadas consequências de adição,
com resultado que nunca se pressente.
E de uma única célula, o gigante
que “sonha mórbido” suas
inconsequências,
se expande de maneira interminável,
em cada verso pondo fecho triunfante,
inauguradas fibonáccicas tendências,
tão infinito tal pensar quanto
insondável.
CANÇÃO DE EROS I – 7 AGO 2016
Torna-se bela, ainda mais bela, em tal
momento,
brilho de estrelas a irradiar de seu
olhar,
a pele em róseo de nuance singular,
arredondada e macia, brisa de vento,
os seus cabelos a flutuar da testa ao
mento, (*)
seus lábios úmidos em desusado cintilar,
as duas narinas perfumadas pelo arfar,
as faces a irradiar candor e alento,
(*) Queixo, maxilar.
a carne inteira mostra novo integumento,
já dos seios emanando um novo olor,
do ventre brota redolência de calor:
tornou-se fada em cada movimento,
que nada torna uma mulher mais bela
que essa criança que se encontra dentro
dela!
CANÇÃO DE EROS II
É deste modo que a Natureza se assegura
de que esse ser minúsculo e vivente
irá obter sua nutrição frequente
até surgir, em turbilhão de agrura;
nunca como antes, a maternidade pura
necessita proteção sobressalente
de um lar mantido num fervor ingente
que em tais momentos de gentil tortura,
que poderiam até torná-la repelente,
mesmo afastando de si a quem precisa;
e surge então a artimanha do hormonal,
mil feromônios que a tornam atraente,
mesmo sem ser fecundação incisa,
já completada a armadilha do sexual...
CANÇÃO DE EROS III
O deus alígero contempla, sorridente,
o resultado final da antiga manha,
quebrada a haste da flecha com que
lanha,
(mas a ponta ali se encontra,
permanente).
Não é sua mãe, Afrodite, uma impudente
que para a impudicícia não se acanha;
bem ao contrário, é pelo orgasmo que ela
ganha
para um casal esse prêmio, finalmente,
que assim permite o continuar da raça;
é deusa-mãe, afinal – nasceu sem pai,
de sangue e sal, das ondas de um oceano;
por isso envolve nesse fluxo de graça
a gravidez, quando o desejo esvai,
na construção de um novo ser humano.
ACATISIA I – 8 AGO 2016
Em meus momentos de espasmo, como sombra
flutuo a meu redor e piso em mim,
meu movimento tão inquieto assim
que nem ausculto ao redor o que ressombra.
E de meus próprios passos faço alfombra,
emaranhado em losangos de arlequim,
a receber minhas próprias balas de festim,
cadeira elétrica que aciono e que me assombra.
Não é que fique, realmente, em movimento,
salvo, talvez, no centro do imo peito,
no coração, no ventre, nos neurônios...
Meus sentimentos é que não têm assento
e se entrelaçam a lutar por seu direito
quando na mente chicoteio meus demônios.
ACATISIA II
Acatisia é “não ter capacidade
de se assentar”, em inicial definição,
manifestada por longa inquietação,
desassossego, temores e ansiedade.
A boca em plena descontrolaridade,
descrita como “mordida em reversão”,
tirando nacos do próprio coração:
vasto distúrbio da neuralidade.
Se a diagnosticam como psicose
só provocam o agravamento dos sintomas,
na alma inteira a geração da dor,
mesmo a causar o efeito de uma artrose
em que as articulações parecem gomas
dura a coluna num espasmo restritor.
ACATISIA III
Mas não se assuste comigo, bom leitor:
sobre os sintomas tão somente eu li;
de fato, nada parecido já sofri,
porém o tema foi bastante inspirador...
A acatisia poética é um fervor
que só na mão talvez já percebi,
na vasta inquietação com que escrevi
os meus poemas desnudos desse horror...
Quaisquer espasmos acalmados ao escrever
alguns sonetos de caráter insistente
em sua ansiedade de passar para o exterior;
mas a seguir submeto a meu prazer
a longa fila então no cérebro presente
sentada quieta em um vasto corredor!...
SOB UM OUTRO CÉU I – 9 AGO 16
Durante as horas em que domina o sono
eu raramente me permito dominar...
Talvez um efeito da acatisia peculiar
que ontem descrevi e ora retomo...
De meu dormir eu permaneço o dono,
e não desejo ali minha vida esperdiçar,
em longas horas de ruidoso ressonar
e tais períodos a meu prazer eu domo...
Vastas cidades eu torno a visitar,
ali encontrando amigos que conheço,
mas nunca vi neste mundo de vaidade,
salvo, quem sabe? – em nebuloso devanear,
enquanto aos poucos para o espaço desço
da estreita faixa entre o sono e a realidade.
SOB UM OUTRO CÉU II
É quando entrego meus óbulos a Morfeu,
que não pretendo ao mau Caronte dar,
visto em sua barca não querer atravessar
para esse reino que jamais foi meu.
Não acredito em tal dantesco perigeu
de mil torturas para outrem delinear...
Provavelmente, após sua vida terminar,
Dante Alighieri a tais páramos desceu...
Pois aquilo em que de fato eu próprio creio
é que nós mesmos com a morte pactuamos
e escolhemos o lugar para onde vamos,
pela esperança ou açoitados por receio;
e cada um entra no reino que merece,
impulsionado por vigor da própria prece.
SOB UM OUTRO CÉU III
Certeza tenho que, ao final do deslizar,
encontrarei esse outro céu que já conheço,
esses rincões a que de noite desço,
essas paragens de constante atravessar.
Um outro mundo, no qual posso controlar
a minha presença desde o seu começo,
com essa gente por quem demonstro apreço,
que deste lado jamais pude encontrar...
Lá quedarei, até que chegue a hora
(seja perdoada para mim tal heresia)
em que me apreste a retornar para este lado,
complementando assim o meu outrora
essa Entidade que tal vida presidia,
que com paciência justificou-me o fado!
Nenhum comentário:
Postar um comentário