CARROSSEL E MAIS – William
Lagos
Sementes de 1980 para 01 a 10 de maio de
2017.
CARROSSEL I – 28 fev 1980
Queria estar agora a sós
contigo,
Em nossa noite azul de
sangue ardente,
Que corre nas artérias, tão
fremente
Pelo teu jovem corpo tão
antigo!
Queria estar agora em
permanente
Rosácea vinculada a teus
sentidos;
Queria ser a pérgula de
olvidos
Por que o mundo avistasse
continente.
E te amaria então, com o
mesmo ardor
Que sinto nestas veias,
tumescidas,
Das costas de minhas mãos,
bem aquecidas
Pela força somente deste
ensejo...
Quisera estar agora em pleno
amor,
Meu sangue a fecundar-te em
puro beijo.
CARROSSEL II – 1ª de maio
2017
Contudo a vida sempre roda
sem parar,
Se o carrossel apenas
contemplarmos
E suas mil voltas dará após
deixar-nos,
Sempre que a entrada alguém
apresentar.
E sem nossa presença há de
girar,
Num redemoinho, enquanto nos
ficarmos
Somente olhando, presos nos
marasmos
De quem do giro não quis
participar.
É muito longo da angústia o
carrossel,
Num giro desusado o seu volteio,
Muito demora o retorno a seu
quartel
E quem apenas vê, em
observar silente,
Por aqueles que ali rodam
seu receio,
Para dar-lhes proteção vê-se
impotente.
CARROSSEL III
Mas nem sempre é voluntária,
totalmente,
Do carrossel a não
participação;
Crianças pobres no parque
igual estão,
Olhando as voltas em suas
cores atraente,
Mas sem dinheiro para o giro
complacente,
Vendo cavalos, elefante e
até dragão,
Outras crianças que comprar
bilhetes vão,
Única forma de ali se achar
presente.
E as excluídas tudo veem,
apenas,
Desse giro caudaloso e
multicor:
Só para a inveja compraram a
passagem!
Enquanto o carrossel reveste
as cenas
Com melodias gritantes de
estridor,
Imóvel sempre em um só ponto
da paisagem.
CARROSSEL IV
E a noite azul permaneceu correndo,
Sua caminhada sempre mais
ardente
E te arrastou de mim, nessa
inclemente
Velocidade, vida e morte
desfazendo,
Sem que a rosácea, que então
estava vendo,
Fosse a lugar algum, mas tão
somente
Te desgastasse a vida
inteiramente,
Sem nunca a ti de fato
pertencendo.
Ainda sinto nas mãos esse
pulsar,
Pois forte é a vida do corpo
sedentário
Que nesse turbilhão não quis
marchar,
Pelo qual foste, em falsa
liberdade,
Até seres incluída em teu
sacrário,
Enquanto versos ainda
escrevo de saudade.
códice I – 01 mar 1980
não cabe-me indagar, eu hoje
só te aceito,
eu hoje só te quero, eu só,
de meu despeito,
te abro em claro verso as
fibras de meu peito
e aguardo, de encantado, os
guizos do ouropel.
não cabe-me instigar, eu
hoje só te espero,
eu hoje só compreendo, eu
nunca desespero,
do firme sentimento os
termos nunca altero,
e aguardo a lantejoula em
fios de seda e mel.
não cabe-me instilar, porém
aqui destilo,
nos termos compassados do
mesmo arcaico estilo,
tisana e pergaminho, nos
versos em que firo
tua mente e coração, no
mesmo ideal de entrega
que a alma assimilou,
tratado que se apega
às fibras feitas carne em
glória de papiro!...
códice II – 2 mai 17
pois quem sou eu, de fato,
para algo perguntar?
que a vida passa lenta ou em
ritmo veloz,
quando algum bem nos chega,
tal qual um fero algoz:
as coisas são assim, não há
como as mudar.
e a cada vez que a noite
permite-me abraçar
teu corpo de marfim, teus
olhos de retrós,
quando em mútuo prazer
empolgo-me empós,
são tais instantes breves e
rápido o olvidar.
contudo em tal instante que
o mal a nós assole,
ou quando as circunstâncias
nos tornem infelizes,
então o tempo é lama a nos
prender os pés,
igual que potestade de longe
nos controle,
com seu olhar arguto de
hiena sem deslizes,
as almas espreitando dos
corpos através.
códice iii
a vida é um pergaminho
escrito de antemão.
por um escriba qualquer, um
monge irresponsável,
somente a registrar seu
ditado formidável,
dos dedos a lamber nanquim
em profusão.
a vida é uma tisana fervilhante
e sem paixão
por qualquer herbanário, sem
vezo condenável;
que tal receita sirva como
um cálice abençoável
não lhe causa interesse e
nem fere sua razão.
assim nos encontramos em
plano enevoado,
marchando lado a lado por
campos de metal
e aguardo com paciência o
toque de tua mão,
sob árvore esgalhada um
descanso consagrado,
a carne contra a carne, a
mente no carnal,
um instante de pecado a
curar-me a extenuação.
códice IV
e o beijo emurchecido no
genital da aurora,
enquanto para nós não chega
o dealbar,
a lua ensimesmada, lixívia
de luar,
assassinando em prata a
ânsia desse outrora.
não cabe-me a revolta, não
mais que cada hora
degustar lentamente, tua
boca a me abençoar,
muito mais ouro havendo no
céu desse cantar,
tua língua acorrentando
minha pele sem demora.
por que indagar então de
qualquer causalidade,
se o trono observante seu
magro dedo aponta
e determina o instante do
rebrilhar do orgasmo?
por que instigar então a
qualquer casualidade,
quando a réstia de prazer no
ventre nos desponta,
no instante singular e
minimal do pasmo?
TESTAMENTO I – 6 mar 1980
vomitei-me a mim mesmo esta
manhã
na ânsia verde de uma bile
verde,
amarga como o bem que não se
herde,
favor comprado, amor de
barregã;
vomitei-me a mim mesmo em
tantos versos,
menos amargos, gentis e até
brejeiros,
talvez porque meus gostos
derradeiros
sejam meus sonhos em música
dispersos.
ressumbra nestes versos o
amargor
do azeite verde que meu
corpo exala,
nos sons suados, triunfais
da escala;
golfadas são ferozes de um
amor,
de apego à vida que sinto
alcandorada
mas breve há de saltar ---
noutra golfada!
TESTAMENTO II – 03 MAI 17
Mesmo o prazer sexual tão só
subliminar,
pendor que já se espera no
instante dessa entrega,
pendão real que a lenda a
cada um nos lega,
da artimanha da fauna um
crivo a nos gerar..
Se em flora se pudesse ao
invés classificar
um vago ser humano que à sua
raiz se apega,
se acaso o nosso pólen em
adejar navega,
seria outra armadilha o
passo a controlar.
E não nos esqueçamos ser
metáfora comum
comparar-se a mulher à
beleza de uma flor,
tal qual se o seu perfume
assim nos fecundasse,
lançado ao léu do vento para
lugar algum,
até pousar acaso em pulmão
acolhedor,
a alma e o coração destarte
a completar.
TESTAMENTO III
Pois no instante fatal
mergulho nesse abismo
a que chamas de beijo até
que sobrenado,
do mar quente salmoura em
sabor adocicado,
no qual em minhas braçadas
permanecer eu cismo.
Das algas ao redor o rosto
inteiro eu tisno,
lavado na saliva meu beijo
acidulado,
até turbilhonar num clímax agoniado,
em suicídio gentil composto
de otimismo,
sendo engolfado assim nessa
omissão da aurora,
na meiga escuridão de clara
inconsistência,
é furtacor o ósculo de
oracular nobreza,
meu sangue dentro dele
vertido pela espora
que ativa cada antera à plena
deiscência
e os ventos contamina na
poeira da incerteza.
TESTAMENTO IV
E se comparo assim a vômito
minha escrita,
do peito o esternutar em
similar golfada,
na flora singular da flor
mais encarnada,
em que escorro a mim mesmo
na busca de outra dita
e se o pólen beija a flor na
gestação aflita,
não mais que minha metade
será assim gerada,
aquela que seu óvulo tomou
por abençoada,
na escolha entre o brancor
que a seu redor se agita,
que cada verso meu foi ao
zéfiro lançado
em priápico momento de pura exaltação,
mas sem qualquer certeza de
um peito fecundado:
mais como flor explode a
dança da semente,
espalhada ao redor, sem
discriminação,
para a fome do solo atender
mais inclemente.
ARPOADOR I – 07 mar 1980
Se um dia te possuir, não
são favores,
Mas entrega total, sem
restrições:
Que não haja reservas nem
razões
Que nos afastem da senda dos
amores...
Se um dia te possuir, não
são furtivas
As manhas de mulher que
atrairão:
Nem temeroso amor, parente
da traição,
Num dar e sonegar de mil
bênçãos esquivas...
Mas que o primeiro beijo,
igual ao derradeiro
Pareça ser, por nele a vida
se jogar,
Para possuir assim seu dom
matreiro;
Porque, no dia enfim que teu
seio me abraçar
Eu quero te possuir total o
corpo inteiro
E não somente o beijo que
então me queiras dar!
ARPOADOR ii – 4 MAI 17
Se um dia te perder, não há
penhores,
Mas longo lanho do carnal,
sem restrições,
Que não haja promessas nem
senões
Que sendas abram para novos
estertores.
Se um dia te perder,
fingidas dores
Não lacrimejes em lamentações,
Como se mais sofresses as
lesões
Cardíacas... no desdém de
teus pendores.
Porque, se eu te perder, é
tua a vontade,
Meras desculpas recordar de
circunstâncias,
Meras escusas tuas
justificativas;
Só quero te perder sem
falsidade,
Sem alusões a fantásticas
instâncias
De brancas juras por teu
descaso esquivas.
ARPOADOR III
Se um dia retornares, de
repente,
Para indagar se ainda te
desejo,
Só me trarás o fantasma de
teu beijo,
Despedaçado contra boca
inconsequente.
Se me afirmares ser tudo diferente,
Que me retornas completa
nesse ensejo,
Eu provarei esse gosto
malfazejo
Em teus lábios amargos de
outra gente.
Mas, sobretudo, não voltarás
completa,
Pois tantos dias teus se
desmancharam
Diante de mãos que
entrementes te tocaram,
Nem a tua pele esquecerá
dessa pressão
Nem há olvido em tua visão
secreta,
Nem teus reflexos para mim
retornarão.
ARPOADOR IV
Se em tal dia te possuir,
outra serás
E não aquela que já possuí
inteira:
Mesmo te guarde até a hora
derradeira,
Tantos reflexos dia algum devolverás.
Se em tal dia te possuir,
não me darás
De novo os anos de tua vida
passageira,
Para outros foi que sorriste
mais brejeira,
Rostos perdidos mas que
ainda lembrarás.
Contudo, sabes bem que ainda
te quero
E aceitarei quanto sobrou de
ti,
Nessa esperança de o
restante conservar
Mas apagar essa tua ausência
não espero,
Qual não apago esse tempo em
que vivi
No vão desejo de ainda
ver-te retornar.
campainha – 01 mar 1980
por que me procuraste,
caprichosa,
na busca vã de singular
castigo,
sabendo que do amor jamais
abrigo
encontrarás em mim, por mais
formosa?
por que me desejaste,
dolorida,
na chama e sangue ardente e
insatisfeita,
por que te sujeitaste a essa
desfeita,
que te deixou mais débil,
malferida?...
por que então me
inquietaste, sem remédio,
e foste em busca depois de
outro qualquer?
seria apenas por calmar-te o
tédio,
por não poderes possuir o
bem-me-quer?
será que apenas te lançaste
ao assédio
pelo dom de sentir-te mais
mulher...?
campainha II – 5 mai 2017
é tão comum pela vida se
encontrar
essas mulheres revestidas de
vaidade
e ao mesmo tempo de
incapacidade
de sua autoestima totalmente
modelar!
é tão comum que só anseiem
superar
outras mulheres, com certa
insanidade,
pelo domínio de alguém, sem
caridade,
que qualquer outra já pudera
conquistar!
nem mesmo querem esse prêmio
masculino,
mas apenas demonstrar-se
superiores,
confirmando seu pendor mais
feminino,
mostrando apenas que esse
alheio podem ter,
nem que seja para quebrar
veros amores,
pelo prazer de o bem alheio
desfazer...
campainha III
muitas dessas pela vida já
encontrei,
seja aceitando ou recusando
seu apelo,
por alguns dias a possuir um
rosto belo...
e algumas vezes, até me
enamorei!...
mas em geral, de escorregar
me controlei;
acalentei o que me deu o seu
desvelo;
elas se foram e não mais
consegui tê-lo,
mas nem por isso minha vida
desprezei...
desde o começo conheci ser
transitório
esse amor feito de perfídia
e sedução,
mas com certo desdém, lhe
dei a mão...
sempre valeram alguns
momentos de emoção,
sem por demais me bater o
coração,
sem vestir luto nem
sentar-me em seu velório!
campainha IV
mas quantos já sofreram por
capricho
de um rosto belo ou um corpo
bem formado,
seu coração a bater
descompassado,
trocando o certo por esse
amor de lixo!...
tema frequente do romance
mais castiço,
algum querendo tão só ter
conquistado
por alguns dias, esse prêmio
cobiçado,
sem intenção de jamais
fixar-se nisso!
de parte a parte, enfim, o
mesmo jogo,
no qual ingênuos são
sacrificados
pelos que jogam despidos de
ilusão!
jamais dispostos a aceitar
um rogo
dos que por eles foram
despojados,
para tudo descartar sem
emoção!...
ABSOLVIÇÃO – 01 mar 1980
Bem no fundo de ti: queimar-me inteiro,
Até que a própria essência de minh'alma,
No líquido golfar que só me acalma
E a embalsamar-me venha derradeiro...
Bem no fundo de ti, com tal ternura...
Que o odor suave de musgo e de alfazema
Se torne qual avenca e já não tema
Mais recusar-se ao mosto desta alvura...
Bem no fundo de ti, na aurora apenas
De uma entrega total, tão despojada
De sentimentos vis, tão mais airada
Quanto é doirada a trança que me acenas...
Bem no fundo de ti, sem mais escusas,
Na aceitação completa e sem recusas...
ABSOLVIÇÃO II – 6 MAI 17
Sem na verdade se acreditar no amor
Com que me acenas e uns poucos dias me tiras,
Amor sabido ser em parte de mentiras,
De parte a parte, sem qualquer enganação.
Mas que me mintas amor nessa ocasião
E a língua falsa em minha boca então insiras,
Se os sentimentos no
peito me reviras,
Minto também, sem mais traço de rancor...
Amor casual, mas semiapaixonado,
Mútuo a mútuo consentir nesse pecado,
Não que insídia resida em fazer sexo,
Mas na recíproca mentira deslavada,
Breve carinho, sem ânsia deslumbrada,
Breve consolo de nosso breve amplexo!
ABSOLVIÇÃO III
Mas será que é de fato uma mentira
Quando se sabe adrede que o outro mente?
Quando à outra por alguns dias se consente
Em aceitar deste amor o que se tira?
Quando o falso em meia-verdade vira,
Em cada abraço de prazer potente,
Em cada afago de acarinhar dolente,
Enquanto o fado ao derredor nos gira
E assim nos levará para outra parte,
Restando apenas os orgasmos passageiros
E algum instante de maior sinceridade
Quando a última mentira se comparte
E se confessa, nos marasmos domingueiros
Que se mentiu por carinho e não maldade?
ABSOLVIÇÃO IV
Bem no fundo de ti não há traição
Quando minh’alma constância não espera,
Bem no fundo de mim girando a esfera,
Sem nos causarmos a menor desilusão.
Não há mentira em tal falsa paixão,
Sem compromisso que penhor nos gera;
Não traz ciúme nem fervor de fera,
Quando se sabe como é pálida a emoção.
Assim me sinto por ti absolvido
E bem tranquilo te ouço a confissão,
Sem ser preciso fazermos penitência,
O nosso círio totalmente consumido
No prazer breve que acalenta o coração,
Enquanto a vida escorre sem paciência...
ANESTÉTICO – 01 mar 1980
hoje acordei-me inquieto e sem repouso,
insatisfeito em tudo e em pormenores,
deixando por metade os dissabores
que dominar sequer eu já não ouso...
hoje acordei-me dolente e desvalido,
vazio de sonhos, incapaz de aurora,
gastando a mais preciosa e doce hora
num esbanjar que o bem tem malferido...
hoje acordei-me egoísta e indiferente,
ao ódio e amor que quase não senti
e ao perpassar do tempo fui quiescente...
como querendo esvair o que não vi...
nessa ausência total e tão frequente,
hoje inquietei-me... por me lembrar
de ti.
ANESTÉTICO II – 7 MAIO 2017
muito mais vale um sexor sem compromisso
que num contrato matrimonial haver
assento
de comunhão de bens consentimento,
redigido em português puro e castiço,
para aos bens materiais ser submisso
antes do sexo se obter contentamento,
sem precisar dessa caça de um momento,
nem do conluio de um pagamento fixo.
amor de cônjuge que se espera permanente,
sempre uma forma de brando meretrício,
sob o disfarce de um conubial amor,
que se repita noite a noite ou bem
frequente,
como um pendão de consentido vício
que de algum ninho será o mantenedor.
ANESTÉTICO III
mas esse amor de libertário compromisso
de algum modo será iníquo sacramento,
que se conserva sem cobrar um sentimento
e se descarta sem grandioso reboliço;
e dessa forma, se a memória um dia atiço,
torna a lembrança sem qualquer
impedimento,
qual saudade de um sexor sem juramento,
cujo descarte se manifesta insubmisso;
não que um ato de sexor assim casual
em si contenha um teor de criminal,
pois foi momento de carinho e de prazer;
seu mal se encontra é na separação,
que se julgava permanente e não
um dia gravado para nunca se esquecer!
ANESTÉTICO IV
assim, embora veja tua face enevoada
e o claro corpo com outros confundido,
surge um clarão do tempo interrompido,
unindo o meu presente a meu passado;
de inquietação num laivo emaranhado,
depois de décadas de tempo transcorrido,
depois de outros amores ter nutrido,
sem de ti sequer vez tendo escutado,
eu sinto o cheiro, o toque de tua pele,
o sabor de tua boca e tua saliva,
de tal visão a hora presente a ser
cativa,
enquanto uma ansiedade me congele,
nesse momento frágil em que acordo:
será que vive ainda quem recordo?
CUSTÓDIA
– 01 mar 1980
quero
escrever mil filhos no teu ventre,
na
praia áurea, em concha de alvaiade,
mil
filhos imortais... teu corpo invade
fértil
azeite, tão logo em ti me adentre...
quero
escrever à luz dos cromossomas,
meus
genes em teu útero abrigados,
teus
ovários de amor assossegados
já
se apressando em desusadas somas
a
perfazer da raça deste esperma,
nos
genes que são teus, metade dalma,
metade
em carne, metal da mesma herma;
e
assim, no mesmo ardor apressurados,
nove
meses de amor acalentados
num
parto sideral de etérea calma
CUSTÓDIA
II – 8 MAIO 2017
mas
quantas vezes a carne se possui,
no
desvario de tal condescendência,
quando
amor se ejacula sem paciência
e
para as trompas falópicas reflui!
sem
que resulte qualquer supermaniência;
não
espera um óvulo, o esperma se dilui...
(por
pura sorte eu aceitado fui
ou
potestade decretou a minha consciência?)
quanta
vez foi o coito interrompido,
enquanto
o sangue branco se perdia,
não
mais que mácula lavada dos lençóis!
e quanta
vez nenhum ser foi concebido
no
rubro ventre que a semente me acolhia,
sem
ver a Lua e sem gozar dos sóis!...
CUSTÓDIA
III
nem
me refiro a um ato de onanismo,
um
genocídio egoistamente provocado,
mas
aos períodos de celibato azado,
em
que algum feto sonhava o próprio egoísmo!
quando
pólen foi de mim desperdiçado,
algo
encarado com puro realismo
ou
lamentado em véu de romantismo,
milhões
de mortes em cada orgasmo executado!
como
é possível cumprir: “não matarás”
no
desperdício que ordena a natureza,
na
tentativa de nos multiplicarmos?
quantas
as vidas que ao mundo negarás,
justamente
por mantermos a pureza
perante
os óvulos que nunca fecundarmos?
CUSTÓDIA
IV
ALGUMAS
VEZES ME PONHO A DEVANEAR
SOBRE
O DESTINO DO ÓVULO MENSTRUADO.
SERÁ
QUE APENAS É AOS ESGOTOS DESCARTADO
OU
É DOTADO DE ALGUM MÍSTICO SONHAR?
E
QUE DIZER DESSE ESPERMA MILENAR,
NUM
OUTRO CORPO OU NO ESPAÇO DERRAMADO,
EM
NENHUM VENTRE CHEGANDO A SER GESTADO?
SERÁ
QUE APENAS O ABSORVE AO RESSECAR?
OU
DE ALGUM MODO PARA O FETO CONTRIBUI
LEGIAO
DE MENTES COM MEMÓRIA ARCANA,
ANTEPASSADOS
AOS MILHARES CONSERVAR?
ONDE
ESSA NUVEM QUE EM TORNO A NÓS CONFLUI,
NA
NOOSFERA QUE CHARDIN PROCLAMA
OU
ENTÃO MIL FLORES FAZENDO GERMINAR?
ESCÁRNIO
I – 9 MAI 17
como
Augusto dos Anjos, o corpo emprego
no
elaborar de múltiplas metáforas,
na
sugestão de sionísticas diásporas
sobre a
expansão dos versos que hoje lego.
mas como
Augusto dos Anjos, não alego
necessitar
de maldições fantásticas,
como esse
escarro que causou tantas fanáticas
discussões
sobre o desdém de seu apego.
até o
presente sendo ainda saudável
esse meu
corpo, sem sofrer tuberculose
os meus
pulmões – mais em ópera se exaltam.
mesmo à
saliva me sabendo vulnerável,
nenhum
beijo maculou-me nessa osmose
com que
ao ingresso de meu corpo se recalcam.
ESCÁRNIO
II
caso
algum dia de fama o dono seja,
bem mais
espero por fazer versos de amor,
que fiz
de mim escorrer com pleno ardor
ao
interpretar descaminhos de quem veja.
no sexo o
corpo inteiro assim se enseja,
desde o
límbico sistema condutor,
até a
planta dos pés, sofrendo dor,
não
obstante a carinhar a quem se beija.
todo o
sexor é para mim sacralidade,
mesmo
empenhado com malversação.
nego a
Augusto dos Anjos, mestre e irmão,
essa
asserção de escandalosidade,
lábios e
língua em tão só satisfação
por todo
o beijo em real sensualidade.
ESCÁRNIO
III
nem todo
o beijo que tive fez sucesso
algum me
trouxe até consternação,
mas nem
por isso o rancor no coração,
nem que o
pulmão se tornasse como gesso;
sem
dúvida meus percalços eu não meço:
nem todo
o ato de amor foi só ilusão,
muitos eu
tive de exclusiva carnação,
mas nem
por isso qualquer revanche eu peço,
que todo
beijo é grelha de armadilha,
na qual
de boa-vontade nos lançamos:
algo da
alma sai em cada expiração,
toda
revolta só de incerteza filha,
por não
acharmos nele o que buscamos,
sem o
azul-rosa da ansiada exultação.
ESCÁRNIO
IV
irmão
Augusto, será que mais sofreste
do que eu
próprio ao longo do caminho?
qual foi
o ódio que te fez tão escarninho
em tal
repúdio da saliva que bebeste?
o teu
modelo, não obstante, concedeste,
férvida
chama no gotejar do espinho,
gélida
flama nas negaças do carinho...
quanto
esperavas da vida que perdeste?
todos nós
temos momentos de revolta,
mas não
ao ponto de se cuspir na boca,
como mandaste,
no instante em que se beija!
pois mais
magoa a língua que anda solta,
na qual
muxoxo de descaso espoca,
sem que
algum ósculo sobre a nossa enseja!
DESCONTENTAMENTO
I – 10 MAI 17
sempre
nutri certas dúvidas profundas
sobre se
a morte existe – e me parece
que
independente de rezas ou de prece
nos
aguardem cercanias mais jocundas,
depois
que o corpo cesse e que as imundas
necessidades
que a carne hoje nos tece
despareçam
quando a mente cesse
e a alma
se infle de proporções rotundas.
pode até
ser que exista encarnação,
uma após
outra e que as vidas que hoje amei
eu
reencontre então num outrossim;
ou bem
diverso se demonstre o novo então...
só sei
que nunca na morte acreditei,
se bem
suspeite que a morte creia em mim!
DESCONTENTAMENTO
II
no grande
dia do descontentamento,
eu
lembrarei de ti desde a alvorada,
até que o
horário se reduza a nada
e não
mais possa apalpar qualquer momento.
no grande
dia do desapontamento,
recordarei
de ti na minha estrada,
degrau
após degrau em longa escada
que galgarei
sem maior pressentimento.
o que
mais temo é não mais precisar
de tua
presença o quanto a quero agora,
nesse meu
dia de final deslocação,
pois bem
queria, caso houvesse despertar
ver a tua
sombra na sombra dessa hora,
à minha
ligada sem maior separação!...
DESCONTENTAMENTO
III
porém
suspeito, para meu desdouro,
que nesse
mundo que ao tempo descartou
pouca
lembrança deste mundo me sobrou,
minha
morte a mastigar-me o nascedouro;
que lá
não haja amor imorredouro,
mas que
esse amor que nos acalentou
seja uma
parte do que se abandonou,
após o
corpo encontrar seu matadouro;
que seja
o amor carnal igual que a fome
ou a sede
aguda que se sente no calor
ou esse
frio que à meia-noite nos consome
e as
exigências de deitar emunctório,
lágrima e
sangue, regatos de suor,
para trás
a abandonar nesse envoltório.
DESCONTENTAMENTO
IV
e se
acaso isso me ocorre, realmente,
tendo
deixado para trás toda a memória,
uma
quimera todo o amor, emunctória,
somente
ao corpo pertencendo totalmente,
e que no
Hades ou no Nirvana assente,
a mente
inteira se torne consistória
de outro
ambiente, um vácuo toda a história
que no
meu cérebro se fez um dia premente.
caso em
tal céu tiver de te esquecer,
preferiria
que houvesse morte, no final,
sem
precisar de sofrer o teu olvido,
mas que
só fosse um perpétuo adormecer,
sem me
bater o coração no carnaval
do
esquecimento que em chaga o tem ferido
JOÃO E MARIA - WILLIAM LAGOS, 05-13-1977
Há tantos nomes neste mundo, tão
estranho, tão antigo,
Há tantos nomes neste mundo, tão nefasto
de perigo,
pra chamar o seu amigo, pra
chamar o seu irmão...
Nomes que lembram a grandeza de um valente!...
Ou que recordam um passado surpreendente!...
Nomes estranhos desafiam a memória, são
gravados pela história da beleza que
morreu...
E existem nomes esquecidos pelos povos, que
só usam nomes novos,
que o passado não nos deu...
REFRÃO: Meu amor é só
Maria!... Meu amor se chama João!...
Porém há nomes neste
mundo tão usados, tão
antigos,
que parecem flores
murchas, cerejeiras sem
botão!...
Sempre vêm
acompanhados, sempre trazem um
refrão!...
Nomes que lembram a
mulher de mais pureza,
E que recordam sua
virtude e sua beleza:
Maria Luísa e Maria
Madalena, e Maria Aparecida e
Maria Conceição...
Maria da Graça,
Marilena e Maria Auxiliadora e
Marilu --- Maria Bonita de
Lampião!...
Nomes usados tantas
vezes, repetidos tantos
meses,
que seus pais até
preferem outros nomes sempre
dar!...
É João pra cá, José
pra lá e João José e José
João!...
Do carpinteiro, de
Maria o esposo santo,
do amor o apóstolo fiel
e sacrossanto !...
José Roberto, João
Antonio, João Alberto, José
Pedro,
João Henrique, João
da Silva, João Manuel!...
José Cipriano, João
Honório, João Luís, João
Alexandre,
João Alfredo, João
Calixto, João Miguel!
Há tantos nomes neste
mundo, tão volúvel, tão
mutável,
sempre atrás de
novidade, sempre atrás de
diversão,
Que sempre troca o
amor antigo pelo novo sem
valor...
Eu não esqueço teu
perfume no passado!
Eu te prometo ficar
sempre do teu lado...
Novos amores para mim
são mariposas, são falenas que
esvoaçam
e não passam de
ilusão!... Escuta sempre meus
suspiros
tão sentidos, meus
gemidos tão sinceros, que provêm do
coração!...
TREM DA SAUDADE - WILLIAM LAGOS
5-13-77
Trem da saudade, quanto vale a
liberdade? Trem da saudade, quanto vale a
mocidade?
Não sei ao certo quanto vale
tanto brilho, eu não saio do meu trilho, todo o mundo
já cruzei!...
Pouco me importa que a estrada
seja torta, o passado é permanente e eu jamais descarrilei!...
Maria Fumaça, qual é o preço do
passado? Maria Fumaça,
quanto dói estar ausente?
Já fui bagagem, para noiva fui
carruagem, fui correio, fui viagem de
negócio e diversão!...
Fui batizado, transportei tanto
recado, tanta carta de pecado, de tristeza e
até caixão!...
Trem da Saudade, quanto vale a Liberdade? Trem
da Saudade, quanto vale a Mocidade?
Quando menino, eu tocava forte
o sino, mas agora, co'a fumaça, meu apito
enrouqueceu...
Toda essa gente, que me espera
descontente, não compreende que, esperando, nunca sofre
como eu!...
Locomotiva, há muita dor no meu
futuro? Locomotiva, meu destino vai ser
duro?
Que leviandade, sempre soube
qual cidade, qual aldeia, qual povoado encontrar no meu ramal!...
Se isto te ajuda: teu passado
nunca muda, na incerteza do futuro a esperança é
o teu fanal...
Trem da SAUDADE, quanto vale a
LIBERDADE...? TREM DA
SAUDADE, quanto vale a MOCIDADE...?
Faz teu destino, que é mais
claro que o meu sino, mais bonito que um apito
ressonante de vapor!...
Pois tudo passa:
mocidade, força e graça; só perdura a obra feita, com carinho e
com amor.
neverness
I – mar 01, 2006
strange
indeed is our kind of love:
of
mails exchanged when the web cares,
of
saying things no one else dares,
of
never being heard at the time we strove.
strange
indeed is our courier dove:
fickle
and whimsical, never available
when
we most need'er, never pliable
to
follow the pathways such messages rove.
for
when we send those mails on-line,
they
never come to their aim on time,
but
hours take till the other is tired
of
waiting -- and off ends to sign,
so
that the only way for us is gather rhyme,
which
is timeless, though love has us mired.
but
a shadow I – mar 02, 2006
'twill
lead to nowhere, far as i know:
too
many hurdles, too many impediments
to
hamper this yearning's developments,
all
set and ready for sensible forego.
most
of all the lady's feelings, where
there
is no place for the embasements
of
further plans, for emplacements
of
future joys' standing anywhere.
but
the way it is, I FEEL ALIVE,
like
never felt for many years past
and
'tis so warm to have her as guest
of
my empty heart, her conquest
is
meaningless, no goal for me to strive
than
to have my soul by her blue shade blest.
poem
churning I – 03 mar 2006
a
fact it is: that in your absence
i
write a lot; but when you're near
i
keep scribbling and your sight clear
lights
my way with often permanence.
a
pact it is: that for your presence
i
traded my soul, so as to keep in gear
the
brain engines that, without pain or fear,
regurgitate
poems to the redolence
that
once you left in my dark den,
keeping
my nostrils full, and making
my
eyes see you, day and night, when
they
but spy the places you've been
and
moved through and let, for the taking
a
ghost that can by mind alone be seen.
Acquiescence
– 04 mar 06
a
fact again it is: that with the web
i
can invade you, and straight home
throw
at you my verses, in trying to hone
your
heart to the shape that stab
i'll
be able to, with love for me,
for
me alone, forgetting all the past
ghosts
of sorrow, laying down to rest
the
phantoms of former loves with glee,
to
share a love anew, a love sinful,
a
love askance, a weird love, a dark
way
of expectation, yes, a doubtful
plunging
ahead, to the very abyss
you
fear so much, and embrace this spark
that
shall fulfill your heart with fiery bliss.
SATISFACTION...
5 mar 06
Have nothing to say,
for empty I feel
Like you told me you
felt days ago:
My book is over, a
paper, a farrago
Of mails from people
bring me no thrill
Like that a single line
from you would bring,
Telling me naughty
things, or indifferent,
Stepping back again,
showing no bent
To a deeper
involvement, like anything
Come from you would
make me happier
Than those boring
duties bothersome;
And when mayhap
something nicer had come
Then my old heart would
beat the sappier
With hopeless fun and
ironic achievement,
Better still for
me than daily discontent...
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