DESTINO
DE ABELHA – 17 JAN 2011
Duodecaneto
de William Lagos
DESTINO DE ABELHA I
Gosto de abelhas...
Sempre as vi e achei
bonitas. Asas douradas de operosidade...
Picam ardente os dedos, bem verdade:
morrem por nada, tal
qual eu morrerei...
Mas elas morrem em
defesa de sua grei
e assim protegem a sua comunidade,
sempre fiéis à abelhicidade
e à sua rainha, que
abelhas não tem rei...
E quanto morrem,
ejetam seu ferrão,
em um gesto de supremo sacrifício...
Será que sabem assim
que morrerão?
Ou julgarão que, ao
causarem malefício,
honoráveis medalhas granjearão,
para mostrar depois,
em seu bulício...?
DESTINO DE ABELHA II
Abelhas vivem
cortejando flores
qual em ato de amor a penetrar,
mas não buscam sua semente ali deixar,
bem ao contrário, lhes
roubam esplendores.
O brando néctar
guardado tem odores
e bem de longe, suas corolas vêm cheirar
e logo avançam, ansiosas por roubar
e o pólen levam em
suas patas, sem pudores.
Um pouco o espalham
pelos ares, a voar
ou então deixam tais sementes, sem saber
nas novas flores que
buscam espoliar.
Sem ser diverso,
afinal, da vida humana,
que quando busca a flor, no seu prazer,
não leva pólen, mas
somente chama!...
DESTINO DE ABELHA III
Contudo a abelha, em
penhor de liberdade,
por entre os prados flutua até onde quer,
beija uma rosa e beija um mal-me-quer,
pouco lhe importa a
menor fidelidade!...
Já a vida humana,
quando em sociedade,
de todos nós outro valor requer,
marca deveres para homem e mulher,
por mais que busquem
alhures saciedade.
Mas as abelhas sempre
voltam à colmeia,
sua liberdade sendo apenas aparente,
para as corolas nunca
pagam a pensão...
E quanto finda assim a
sua epopeia,
só compartilham de um destino permanente,
amarfanhadas aos
montes pelo chão!...
DESTINO DE ABELHA IV
Outros falaram
quererem ser abelhas,
para buscar em suas amadas mel,
pousar nos lábios de batom e gel,
para aninhar-se em
suas sobrancelhas...
Não compactuo com tais
histórias velhas:
outras metáforas eu revisto de ouropel;
viver de abelha é sujeitar-se ao fel
de ressecar-se no
fundo das corbelhas...
Na verdade, quem
emprega tal imagem,
sem perceber, revela o coração,
pois seu desejo é
pular de flor em flor
Já eu sempre busquei
outra miragem:
que em mel tornasse uma única ilusão
nos favos hexagonais
de um puro amor!
DESTINO DE ABELHA V
Se abelha eu fosse,
quereria só uma flor
e sabes bem a qual flor eu me refiro;
em torno de teu mel somente eu giro
de outro pistilo não
me interessa o odor... (*)
(*) Órgão sexual
feminino das flores.
Eu vejo em ti o mel do
meu ardor,
mas é rosada a colmeia que assim miro;
só tem um favo... E é desse que mel tiro
em minhas andanças
pela corola poliflor...
E na verdade, nesse
adejar secreto,
eu busco o mel tão só do teu prazer,
sem tão somente
morder-te as açucenas,,
Bem ao contrário, no
auge deste afeto,
é sobre ti que derramo meu dever
de fecundar essa tua
flor apenas!...
DESTINO DE ABELHA VI
Pois se acaso a outras
flores me lançasse,
eu não seria abelha, porém zângão,
destino breve tendo essa condição,
tão logo única
abelha-mestra fecundasse...
Mas ainda sonho zângão
ser nesse trespasse,
por breve tempo durasse a exaltação,
se de uma colmeia inteira a geração
pela minha morte desta
forma resultasse...
Contudo, mesmo tendo
vida breve
esses insetos de sanha masculina,
nada fazendo, senão o
fecundar,
a minha índole a isso
não se atreve:
mais quereria essa missão divina
de até a morte
poder-te confortar.
DESTINO DE ABELHA VII
Mas na ausência de
idêntica porção,
o meu destino, de fato, é mais de abelha,
enquanto busco de mil flores a centelha,
sem esperar sequer tua
gratidão...
E ao invés de mel, eu
te darei meu coração,
nestes sonetos de temática tão velha,
que a alma a raça ainda ali se espelha,
dos sentimentos do
antanho em comunhão.
Assim os versos é que
mando no seu voo,
em vão pensando em numerosas flores,
às quais dariam seu
pólen e a miragem;
enquanto a própria
alma aqui eu escoo,
nesses relatos de alegria e dissabores,
nessa esperança de que
tua alma engajem!
DESTINO DE ABELHA VIII
Mas não penses que
assim busco liberdade,
nesses ares de verão, em revoada,
a beijar flor azul, rosa e encarnada,
flor amarela ou branca
em falsidade...
que lançar versos em
voo, na verdade,
tornou-se compulsão na madrugada;
são minha imagem de cera fabricada
por meu semblante, em
vasta insanidade.
Esse expandir de tais
abelhas quantidade
já se tornou bem mais obrigação,
sou compelido por
minhas vozes interiores;
os cantos zumbem
despidos de vaidade
e até me causa surpresa e exultação
que achem corolas por
interlocutores!...
DESTINO DE ABELHA IX
Também não penses que
ando atrás de fama
ou que elogios vá buscar em qualquer parte;
se fosse assim o objetivo meu, destarte,
teria buscado em
público essa chama,
Que bem sei ser
transitória, pobre lama,
que brilha um pouco entre folhas que se
aparte,
mas só reflete a luz e então se parte:
cacos de barro apenas,
negra escama...
Recobre as poças em
que dorme sua umidade
e toda a fama é assim escusa glória
a se encarar
mansamente e sem vaidade.
Prestígio se desfaz,
torna-se história;
se desconfio, não é por humildade,,
mas por saber como é
vazia essa vanglória.
DESTINO DE ABELHA X
A pradaria se alaga em
solidagas,
ervas-lanceta, como as chama o povo;
um cobertor de ouro esse renovo,
com que duas vezes por
ano tu te afagas.
A xirca é roxa com
iguais adagas,
contraste faz no outono e então me movo
a colher por entre os campos seu renovo,
o ouro e o roxo do
amor com que me alagas.
Na Natureza eu sou
abelha e sabiamente,
esvoaço entre botões e bebo a seiva,
porém o néctar levarei
para a colmeia;
contudo o pólen, de
minhas asas rente
irei lançar na mais distante leiva,
que ali possa dar
início a outra epopeia!...
DESTINO DE ABELHA XI
Talvez quisesse
igualmente outro destino:
recolher essas mil flores em buquês
e distribuí-las sem saber porquês
a toda mulher bela, em
desatino!...
E tocaria, quem sabe,
ebúrneo sino,
com seu badalo, oh musa! que me dês,
mas ao toque desse sino, logo vês
quão minha cera se
derrete sem mais tino.
Toda a feiura, ante a
luz de meu olhar
que sobre cada mulher quer se lançar
transmutada em sua
beleza adormecida.
Buquês de verso,
então, vou distribuir,
esse meu sino de cera a percutir,
gotas de néctar
pingando em cada vida.
DESTINO DE ABELHA XII
Bem sei que o néctar as
atrai a seu lugar,
por mil levado a suas colmeias, bem depressa,
mas suas asas se desgastam – e assim cessa
meu próprio adejo ao
redor de cada olhar.
Talvez meus versos
devera então guardar,
levar a um só destino, sem ter pressa
de que alguém os lesse e então se esqueça,
por mais que o pólen
eu venha a trabalhar...
Pois quando a abelha
completa o seu mister,
no fim esquivo de seu único verão,
cessam-lhe as forças e
tomba sobre o solo.
Meu próprio fado assim
Destino quer:
que o mel inteiro me deixe o coração
e depois morra,
abandonado, sem teu colo.
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