domingo, 24 de setembro de 2017






BARRIGA GRANDE E QUATRO
POEMAS DE AMOR
William Lagos – 13 a 17 de julho de 2017

BARRIGA GRANDE – 13 JUL 17
OLHOS SERENOS – 14 JUL 17
VAPOR DE SONHO – 15 JUL 17
PORTEIRA DO TEMPO – 16 JUL 17
PORTEIRA DO VENTO – 17 JUL 17

BARRIGA GRANDE
(Folklore dos montanheses de Ozarks, recolhido por Richard Young and Judy Dockrey Young, tradução e versão poética de WILLIAM LAGOS.)

BARRIGA GRANDE I – 13 JULHO 2017

Narra uma lenda que existe uma caverna
na cordilheira dos Ozarks escondida,
do Missouri em região pouco conhecida,
bem protegida de visitação externa,
na qual morava um monstro assustador,
provocando ao se acordar grande baderna,
ameaçando até mesmo a humana vida,
seu vasto estômago causando grande horror!...

A maior parte do tempo ele dormia,
mas certas vezes descia da montanha
sua pilhagem a fazer com grande manha:
vacas e ovelhas e até gente ele comia!
Era chamado de Barriga Grande,
pois só com muito se satisfazia,
tanta comida transformando em banha...
Praga rogavam que ao inferno o mande!...

Mas cada vez que enchia a sua barriga,
voltava à toca para ali dormir;
levando um mês às vezes sem sair,
até que a fome o despertar consiga!...
Ele era imenso, com dez metros de altura,
embora as pernas, é preciso que se diga,
só uns dois metros chegassem a medir,
a quinta parte tão só de sua estatura!...

Ou quem sabe, era por causa da barriga
que as suas coxas inteiras escondia;
com cada passo o chão tremer ele fazia,
deixando um rastro por onde quer que siga!
Os seus braços, contudo, eram compridos,
que as mãos no chão arrastar assim consiga
e sob a barba sua bocarra mal se via,
os longos dentes ali até meio escondidos!

BARRIGA GRANDE II

Mas quando algo de comer ele agarrava,
mostrava dentes iguais que aligator,
grossos e longos, um perfeito horror,
quando seu bafo terrível ofegava,
sendo capaz de devorar um milharal
ou os galhos das macieiras arrancava,
comendo tudo, não sentindo qualquer dor,
sem que os gravetos lhe fizessem qualquer mal!

Mas de fato, o que mais lhe apetecia
eram os pobres animais de criação;
as ovelhas devorava de montão
e até cavalos inteiros engolia!...
Se por acaso encontrasse um galinheiro
Com bico e esporas até o galo deglutia!
Só alguns pintinhos escapavam na ocasião
para depois repovoarem o terreiro...

Quando descia, ele fazia um barulhão,
as cercas se soltavam e até tremia
a casa inteira!...  O povo então corria
para no mato encontrar certa proteção!
Com suas patadas as casas derrubava,
madeira e móveis esmagados contra o chão;
a pobre gente assim tudo perdia,
enquanto o monstro para a toca não voltava!

Morava agora nesse vale um rapazinho
chamado Jack... Mas não façam confusão,
não era o mesmo do tal pé de feijão,
que outro gigante encontrara em seu caminho,
em um castelo nos ares construído,
de quem roubara um garrafão de vinho,
que se enchia em permanente profusão
e uma galinha, sem fazer qualquer ruído!

BARRIGA GRANDE III

Botava ovos tal galinha em puro ouro,
mas harpa mágica pegar também tentou,
que deu alarma e o gigante se acordou,
o menino a escapar-se num estouro!...
Desceu depressa pelo tal pé de feijão
e para preservar o seu tesouro,
com um machado seu tronco ele cortou:
morreu o gigante quando caiu no chão!

De outro se fala com parelha fama,
de ter matado até sete gigantes!
Ambas histórias bastante interessantes,
para escutar deitado já na cama...
E como o garoto Jack se chamava,
a vizinhança alegre logo exclama:
“Barriga Grande vai matar em dois instantes!”
Naturalmente, só de engano se tratava!

Jack era um rapazinho, simplesmente,
que ajudava no trabalho seus avós;
crescidos os filhos, os deixaram sós,
que nas cidades, bem naturalmente,
alcançariam mais oportunidades
de estudo e de trabalho condizente;
porém a Jack atraíra a antiga voz
da vida simples nas pequenas propriedades.

Não se tratava, na verdade, de fazenda,
mas no Missouri era uma granja regular,
que um casal conseguia administrar,
só na colheita precisando quem a atenda;
era quando contratavam temporários,
assalariados com o produto de sua renda,
mas que no inverno precisavam dispensar,
por não poderem pagar mais os seus salários.

BARRIGA GRANDE IV

Assim Jack durante as férias ajudava,
a pouco e pouco se demorando mais;
sobre o gigante escutara até demais,
embora há tempos a ninguém incomodava;
só para o vale do outro lado ele descia,
no qual o gado de corte se criava,
muito dano causando aos animais:
porcos inteiros sem mastigar comia!

Mas por ali só se plantavam milharais
e algumas hortas de produção variada,
vaquinha tinham para ser só ordenhada,
mais um imenso pomar de macieirais...
Barriga Grande comer carne preferia
e há vários anos não voltava mais;
Jack nem vira a sua figura atarracada
durante as férias em que ali permanecia...

Mas sucedeu que no meio da estação,,
sendo colhido de maçãs um bom estoque,
a sua avozinha resolveu dar um bom toque
de geleia de maçãs num caldeirão,
colocado a ferver numa fogueira,
especial o seu perfume na ocasião,
que nas narinas do bruto fez remoque,
para seu vale caminhando bem ligeiro!

Quando os avós enxergaram o gigante,
foram depressa se esconder no mato,
Barriga Grande empreendeu breve desacato,
o caldeirão esvaziando num instante!
A água fervendo nem ao menos o engasgou,
só aumentando seu apetite delirante,
muitos galhos quebrando sem recato,
enchendo a pança sem ao menos mastigar!

BARRIGA GRANDE V

E quando Jack no outro ano retornou
os seus avós encontrou preocupados,
e lhe disseram que haviam sido visitados
pelo gigante que até então nunca encontrou!
Ainda achava ser não mais do que uma história,
empulhação que tanta gente lhe falou,
mas os avós se mostraram até zangados
e sua existência afirmaram peremptória!

Porém Jack foi ajudando no trabalho;
o milho e o trigo recolhendo no paiol;
de legumes e hortaliças um vasto rol,
as maçãs já a pender de cada galho...
Quis o avô encher então uma carroça,
para vendê-las a granel ou a retalho
numa feira que se abria ao arrebol;
algum trocado o seu bolso sempre engrossa!...

Jack trepava nas macieiras agilmente,
as maçãs arrancando com cuidado,
em grandes cestos todo o fruto colocado,
com seu perfume capitoso e permanente...
Assim que encheram a carroça inteira,
mais dois cestos lotaram, finalmente,
para a despensa que já havia organizado
a vovozinha eficiente e bem ligeira!...

Aquelas eram as maçãs mais deliciosas,
tenras e doces, todas vermelhinhas,
mais perfumosas que quaisquer uvas das vinhas,
chamando pássaros em revoadas prodigiosas!
Mas a vovó não queria mais fazer geleia,
dizendo a Jack que se tornaram perigosas;
Barriga Grande sentira o cheiro das frutinhas
no outro ano e seu retorno ela receia!...

BARRIGA GRANDE VI

Porém Jack ainda da história duvidava
e começou a brincar com seu avô:
“Se Barriga Grande das maçãs tanto gostou.
uma armadilha a gente preparava!
Era só se escavar um buracão
e do outro lado a gente colocava
algumas cestas e assim que ele chegava,
caía lá dentro e quebrava o pescoção!...”

“Você não sabe do que está falando!
Barriga Grande tem dez metros de altura
e uma pança imensa de espessura;
nós levaríamos mais de ano cavoucando,
até que possa caber em algum buraco!”
Porém Jack ainda estava duvidando
e foi gritar, numa tola travessura:
“Barriga Grande, vem encher o saco!...”

E não é que o gigante apareceu?
Muito mais rápido do que se esperava!
“Vamos fugir!” – depressa o avô gritava!
E para o rancho o par se escafedeu!...
Cinco metros, porém, em cada passo
o gigante calmamente percorreu
e logo aos dois parecia que alcançava!
Jogou o avô seu cesto para o espaço!

Ficou mais leve e assim a Jack ultrapassou;
Barriga Grande parou, para engolir
o cesto inteiro, sem permissão pedir!
Mas para Jack, a seguir, ele avançou!
O rapazinho lhe jogou o cesto também,
que novamente, inteirinho, ele tragou,
sua dentadura amarelada a reluzir,
pois carne humana apreciava muito bem!

BARRIGA GRANDE VII

Não tendo tempo para em casa se abrigar,
juntos os dois emborcaram o caldeirão,
que vazio fora deixado na ocasião
e se esconderam ali os dois, a tiritar!
Mas a avozinha estava na varanda,
pano de toalha tecendo no tear,
não tendo tempo de buscar sua proteção,
já que o mato ficava da outra banda!

Barriga Grande chegou até a avozinha,
bem de perto parecendo ainda maior
e com sua voz, em brado assustador,
indagou, a estremecer toda a casinha:
“Para onde os dois homens me fugiram?”
“Eu que não sei. Eu moro aqui sozinha...”
“Está mentindo!” – disse o monstro, num bafor
e as narinas da vovó quase entupiram!...

“Sei que é mentira, eles correram para cá!
Diga onde estão, senão vou esmagar
essa varanda, mais você e o seu tear!”
Tal coisa a velha não suportará.
pois era esse o lugar que mais gostava
e apontou com um dedo para lá,
além da casa, fingindo só falar...
“Não escutei!” – o monstro já reclama.

“É sua cabeça que está longe demais!
Chegue mais perto!... O gigante se agachou
e seu ouvido imenso aproximou
da varanda, com bafos infernais,
a pobre velha já quase sufocando!...
Mas na barba se agarrou, assim no mais,
e pelo orelha fedorenta se enfiou,
seu tear e sua cadeira carregando!...

BARRIGA GRANDE VIII

E bem lá dentro foi depressa se instalar,
sua cadeira balançando sem parar,
com pés e mãos acionando o seu tear,
um barulhão procurando provocar!...
Maior ainda no interior do ouvido,
desta forma bem depressa a se ampliar,
igual cachoeira de forte trovejar,
pelo troar viu-se o gigante perseguido!...

Ele batia sobre a orelha, com vigor,
e tentou mesmo o indicador ali enfiar,
mas com uma agulha a vovó o foi espetar:
Barriga Grande sentiu no dedo muita dor!
E começou em círculos a correr,
sem conseguir livrar-se do estridor
que a vovozinha provocava no tear,
sem conseguir tal balbúrdia interromper!

Barriga Grande a cabeçorra sacudia,
dava-se tapas, mas a baderna continuava!
Com violência seu pescoço balançava,
mas o barulho lá dentro persistia!
A vovozinha sempre andava de carroça
e nenhuma estrada por ali existia;
assim em cada solavanco ela pulava
e o movimento não fazia qualquer mossa!

Barriga Grande correu até a montanha,
sem conseguir da barulhada se escapar!
Numa cachoeira seu ouvido quis lavar,
mas a cera acumulada era tamanha
que a água inteira escorria para fora
sem impedir essa algazarra estranha,
sem que a vovó fosse ao menos se molhar,
o seu tear pedalando hora após hora!

BARRIGA GRANDE IX

Finalmente, a um penhasco ele chegou
e a  cabeçorra foi batendo sem parar,
até fazer a sua caveira se quebrar:
Barriga Grande igual defunto ali ficou!...
Jack e o avô só então se aproximaram.
“Ele está morto!” – gritou o seu vovô.
“Pode parar de pedalar o seu tear!...”
E só então a vovozinha se acalmou!

Os dois subiram pela barba emaranhada
e ajudaram a avozinha a retirar
sua cadeira de balanço e seu tear.
“Não me abracem!  Estou toda melequeada!
E só depois de tomar um belo banho
ela deixou-se, finalmente, ser beijada
pelo netinho e finalmente se abraçar
pelo marido.  “Não sofri sequer um lanho!”

“Mas se deixasse que antes me abraçassem,
toda a sua roupa eu teria de lavar!...
Com tanta cera fui quase sufocar
antes que os dois dali me retirassem!
Mas pelo menos, me lavaram a cadeira
e meu tear, sem que nada me estragassem!
Agora larguem!  O jantar vou preparar
e estou sentindo grandíssima canseira!”

“Mas que faremos com o corpo do gigante?”
“Não é preciso que se faça nada,
a carne dele ficará logo empedrada,
já está dura mesmo neste instante!
Ele não pode suportar a luz da Lua,
Somente à luz do Sol saía avante;
Não pertencia dos trolos à manada,
que a luz do Sol transforma em rocha nua...”

EPÍLOGO

“Logo o musgo lhe cresce na cabeça
e a seguir ali brotam samambaias,
ervas daninhas das mais diversas laias,
daqui a um ano, talvez árvore até cresça!
E se contarmos, ninguém vai acreditar
que da montanha não seja mais que peça...
Lá na cidade só vai escutar vaias
se a seus amigos esta história for contar!”

E foi assim que morreu Barriga Grande,
mas caso um dia você viaje ao Missouri,
algum penhasco lhe mostrarão ali;
igual caverna sua boca ainda se expande...
Que eram dentes ao ver eu pressenti
descem do teto cem estalactites
sobem do solo cem estalagmites,
longas e agudas quais outras nunca vi!

Olhos Serenos 1 – 14 jul 2017

Não sei se algum dia poderei amar de novo
Ou em sobrancelhas outra vez confiar,
Sombreando o brilho oculto em cada olhar,
Vendo a esperança a me brotar como renovo.

Nem se algum dia poderei contar ao povo
Com quantos cílios amor veio me enjaular
Ou no piscar de uma pupila me domar,
Pois dela me afastar sequer me movo.

Já que em tais vistas profundas me ancorei,
Forte a corrente tecida de cabelos,
Âncora forte só de lágrimas forjada,

Congeladas pela força dos desvelos
Desse rosto em que a alma eu amarrei
Sem que jamais possa tê-la deslocada.

Olhos Serenos 2

Não obstante, duvidar ainda duvido
De que tais olhos mesmerizar eu possa;
A comissura de suas vistas me retoça
E a pertencer-lhe inteiramente sou devido.

Mas a ancoragem tendo promovido
Perante os molhos desse olhar de louça,
Imóvel fico em cristalina poça,
Dali não sei se posso um dia ser movido.

É que os olhos que empreenderam a conquista
Não são movidos pelas tempestades,
Mas permanecem bem firmes no lugar,

Enquanto a mim dominam pela vista,
Sem que me causem danos ou maldades ,
Mas sem nunca me permitirem libertar.

Olhos Serenos 3

Assim me prendem como finos parafusos
E em sua esclerótica me vejo a navegar,
As brandas íris só de lado a me fitar,
Saber não sei se terá planos mais escusos.

Mas nesse olhar estão horários fusos,
Hora por hora a fazer-me ali flutuar,
Dessa doçura tão somente no limiar
Dessas olhos a encarar-me sem abusos...

Que neles vejo tão só melancolia
E uma certa pena por prender-me,
Sem que se achem igualmente presos;

Mas o próprio palor da nostalgia
A retém presa a mim só por reter-me,
Perante a força desse amor não mais ilesos.

VAPOR DE SONHO I – 15 JUL 17

Algumas vezes imagino de onde surgirá,
sem dar um prévio aviso, amor inesperado,
por qual alvo de carinho serei ainda consolado
ou se a Dama Destino outra vez me sorrirá.

Não é que busque a locação em que estará,
que existe em mim certo pendor morigerado;
o mundo encaro com apego descuidado,
pouco curioso do que a mim sucederá...

É inegável que em distritos do passado
no meu colo assentou-se muito amor,
a que nem sempre prestei correspondência.

Mas será que cometi qualquer pecado
na aceitação de temporãs gotas de calor,
como se amor não me trouxesse consequência?

VAPOR DE SONHO II

Ao aceitar-se o amor de quem nos quis,
sem palpitar no coração igual potência,
quiçá só em laivo de condescendência,
teria feito o mal ou bem eu fiz?...

Recusar tal amor em sonho gris,
dar esperanças de constância intensa,
falsidade seria ou permanência?
Como se apaga um amor escrito a giz?

Que todo amor é um sonho de vapor,
tão incompleto qual vapor de sonho
e quando amor se aceita, amor se dá,

nessa armadilha revestida de calor
em que esse amor temporário e tão bisonho
qualquer fatia do coração nos cortará.

VAPOR DE SONHO III

E quando um espontâneo amor se nega
não se causa certa ofensa e malefício?
Amor é raro... Que não haja desperdício
de qualquer ocasião a que se apega.

Amai-vos uns aos outros – é o que prega
a Escritura Sagrada, em seu ofício;
não se professa um exclusivo benefício,
amar-se a todos é assim o que se alega.

E sempre nasce assim algum amor,
desentranhar a se poder do coração,
sem que se queira tão somente o desfrutar

e ao demonstrar-se a alguém certo candor,
viceja aos poucos em nós a brotação
de flor perfeita... enquanto não murchar.

PORTEIRA DO TEMPO I – 16 JUL 17

Não sei se uma outra noite ficarás
ou se as promessas são apenas falaciosas,
que tuas mentiras, por mais que perfumosas,
são nova fome com a qual me magoarás.

Somente sei que em breve partirás,
são tuas palavras de amor bem generosas,
quando no fundo são gotas mentirosas,
doce saliva de consolo que me dás.

Pois esse amor que te ofertei inteiro
só o aceitaste por generosidade,
teu coração sempre algures se achará

e essa oferta de teu peito hospitaleiro
garantir não me dará perpetuidade
do teu abraço que bem sei me faltará.

PORTEIRA DO TEMPO II

Eu sei o que se passa.  Comigo foi assim
e se te amo sem ser agora amado,
quantas vez o aceitei no meu passado,
sem igual conflagração sentir em mim?

O teu amor me traz perfume de jardim,
por um instante totalmente acarinhado,
para esvair-se, por simples zéfiro levado,
que toda flor não mais é que um outrossim.

Amor se colhe, mas depois se o vê murchar,
não é o vigor de certa planta permanente,
que nem sequer no inverno se desfolha;

vou recebê-lo só enquanto perdurar,
na alma a guardar seu efeito consequente
pelo tempo que o perfume assim me acolha.

PORTEIRA DO TEMPO III

Erguida a alça, aberta minha porteira,
a atravessaste, talvez por desfastio;
meu amor cálido cobriu teu peito frio
e te acolheste sobre a pobre esteira,

sabendo bem, que na hora derradeira,
da ligação se romperia o fio,
frágil sua lã tal qual um corrupio,
pois nunca a mim te entregaste toda inteira.

Contudo, em meu ardor dei-te carinho
e só te posso demonstrar a gratidão
por esse amor que o tempo levará,

pois todo o tempo passa de mansinho,
num arrepio de estremecer o coração
quando seu tempo o amor completará.

PORTEIRA DO VENTO I – 17 jul 17

Solidão nunca vem só – é acompanhada
da incompreensão de quem abandonou,
sem dar motivo, que não se retratou,
só se negando outra vez a ser beijada,,,

Algo sumiu dos olhos de minha amada;
mesmo estando presente se afastou,
a solidão também nela rebrotou,
flor daninha pela alma dispersada.

Não morre amor assim tão de repente,
mesmo tendo seu fator desencadeante,
que solidão só se enraíza pouco a pouco,

vai corrompendo o coração da gente,
até a própria tristeza estar distante,
tal qual o mofo vai surgindo no reboco.

PORTEIRA DO VENTO II

Amor não deve ser a todos demonstrado,
que facilmente o vento atrai da inveja,
ressentida desse amor de quem se beija,
só se alegrando após o par ter separado.

É um ciclone de desdém assim soprado,
com o próprio desprazer alguém coteja,
que para si tão só amor deseja,
não para esses que já amor têm declarado.

Destarte, o melhor mesmo é disfarçar,
do vento se esconder que se ama tanto,
que facilmente dos moirões a brisa arranca

essa porteira – do coração a destrancar,
num redemoinho de sibilante canto,
até que o amor resseca e logo estanca.

PORTEIRA DO VENTO III

Desta forma, o teu amor torna discreto,
que demonstrar possas somente ao par,
quando o sigilo se possa conservar,
sem desperdício de um carinho tão dileto

em qualquer outro que não tenha igual afeto,
guardado o amor no recesso de teu lar,
que não venha algum tornado o dispersar,
poeira e moinha como inútil objeto.

Fecha a porteira com firmeza e duplo tento,
que não o possam facilmente deslocar,
conservando o teu amor só para ti,

nos braços de quem amas a contento,
em garantia de um mais longo amar,
longe das vistas de invejoso bem-te-vi!...

William Lagos
Tradutor e Poeta – lhwltg@alternet.com.br
Blog:
www.wltradutorepoeta.blogspot.com
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