BARRIGA GRANDE E QUATRO
POEMAS DE AMOR
William Lagos – 13 a 17 de julho de 2017
BARRIGA
GRANDE – 13 JUL 17
OLHOS
SERENOS – 14 JUL 17
VAPOR
DE SONHO – 15 JUL 17
PORTEIRA
DO TEMPO – 16 JUL 17
PORTEIRA
DO VENTO – 17 JUL 17
BARRIGA GRANDE
(Folklore dos montanheses
de Ozarks, recolhido por Richard Young and Judy Dockrey Young, tradução e
versão poética de WILLIAM LAGOS.)
BARRIGA GRANDE I – 13
JULHO 2017
Narra uma lenda que
existe uma caverna
na cordilheira dos Ozarks
escondida,
do Missouri em região pouco
conhecida,
bem protegida de
visitação externa,
na qual morava um monstro
assustador,
provocando ao se acordar
grande baderna,
ameaçando até mesmo a
humana vida,
seu vasto estômago
causando grande horror!...
A maior parte do tempo
ele dormia,
mas certas vezes descia
da montanha
sua pilhagem a fazer com
grande manha:
vacas e ovelhas e até
gente ele comia!
Era chamado de Barriga
Grande,
pois só com muito se
satisfazia,
tanta comida
transformando em banha...
Praga rogavam que ao
inferno o mande!...
Mas cada vez que enchia a
sua barriga,
voltava à toca para ali
dormir;
levando um mês às vezes
sem sair,
até que a fome o
despertar consiga!...
Ele era imenso, com dez
metros de altura,
embora as pernas, é
preciso que se diga,
só uns dois metros
chegassem a medir,
a quinta parte tão só de
sua estatura!...
Ou quem sabe, era por
causa da barriga
que as suas coxas
inteiras escondia;
com cada passo o chão
tremer ele fazia,
deixando um rastro por
onde quer que siga!
Os seus braços, contudo,
eram compridos,
que as mãos no chão
arrastar assim consiga
e sob a barba sua bocarra
mal se via,
os longos dentes ali até
meio escondidos!
BARRIGA GRANDE II
Mas quando algo de comer
ele agarrava,
mostrava dentes iguais
que aligator,
grossos e longos, um
perfeito horror,
quando seu bafo terrível
ofegava,
sendo capaz de devorar um
milharal
ou os galhos das
macieiras arrancava,
comendo tudo, não
sentindo qualquer dor,
sem que os gravetos lhe
fizessem qualquer mal!
Mas de fato, o que mais
lhe apetecia
eram os pobres animais de
criação;
as ovelhas devorava de
montão
e até cavalos inteiros
engolia!...
Se por acaso encontrasse
um galinheiro
Com bico e esporas até o
galo deglutia!
Só alguns pintinhos
escapavam na ocasião
para depois repovoarem o
terreiro...
Quando descia, ele fazia
um barulhão,
as cercas se soltavam e
até tremia
a casa inteira!...
O povo então corria
para no mato encontrar
certa proteção!
Com suas patadas as casas
derrubava,
madeira e móveis
esmagados contra o chão;
a pobre gente assim tudo
perdia,
enquanto o monstro para a
toca não voltava!
Morava agora nesse vale
um rapazinho
chamado Jack... Mas não
façam confusão,
não era o mesmo do tal pé
de feijão,
que outro gigante
encontrara em seu caminho,
em um castelo nos ares
construído,
de quem roubara um
garrafão de vinho,
que se enchia em
permanente profusão
e uma galinha, sem fazer
qualquer ruído!
BARRIGA GRANDE III
Botava ovos tal galinha
em puro ouro,
mas harpa mágica pegar
também tentou,
que deu alarma e o
gigante se acordou,
o menino a escapar-se num
estouro!...
Desceu depressa pelo tal
pé de feijão
e para preservar o seu
tesouro,
com um machado seu tronco
ele cortou:
morreu o gigante quando
caiu no chão!
De outro se fala com
parelha fama,
de ter matado até sete
gigantes!
Ambas histórias bastante interessantes,
para escutar deitado já
na cama...
E como o garoto Jack se
chamava,
a vizinhança alegre logo
exclama:
“Barriga Grande vai matar
em dois instantes!”
Naturalmente, só de
engano se tratava!
Jack era um rapazinho,
simplesmente,
que ajudava no trabalho
seus avós;
crescidos os filhos, os
deixaram sós,
que nas cidades, bem
naturalmente,
alcançariam mais
oportunidades
de estudo e de trabalho
condizente;
porém a Jack atraíra a
antiga voz
da vida simples nas
pequenas propriedades.
Não se tratava, na
verdade, de fazenda,
mas no Missouri era uma
granja regular,
que um casal conseguia
administrar,
só na colheita precisando
quem a atenda;
era quando contratavam
temporários,
assalariados com o
produto de sua renda,
mas que no inverno
precisavam dispensar,
por não poderem pagar
mais os seus salários.
BARRIGA GRANDE IV
Assim Jack durante as
férias ajudava,
a pouco e pouco se
demorando mais;
sobre o gigante escutara
até demais,
embora há tempos a
ninguém incomodava;
só para o vale do outro
lado ele descia,
no qual o gado de corte
se criava,
muito dano causando aos
animais:
porcos inteiros sem
mastigar comia!
Mas por ali só se
plantavam milharais
e algumas hortas de
produção variada,
vaquinha tinham para ser
só ordenhada,
mais um imenso pomar de macieirais...
Barriga Grande comer
carne preferia
e há vários anos não
voltava mais;
Jack nem vira a sua
figura atarracada
durante as férias em que
ali permanecia...
Mas sucedeu que no meio
da estação,,
sendo colhido de maçãs um
bom estoque,
a sua avozinha resolveu
dar um bom toque
de geleia de maçãs num
caldeirão,
colocado a ferver numa
fogueira,
especial o seu perfume na
ocasião,
que nas narinas do bruto
fez remoque,
para seu vale caminhando
bem ligeiro!
Quando os avós enxergaram
o gigante,
foram depressa se
esconder no mato,
Barriga Grande empreendeu
breve desacato,
o caldeirão esvaziando
num instante!
A água fervendo nem ao
menos o engasgou,
só aumentando seu apetite
delirante,
muitos galhos quebrando
sem recato,
enchendo a pança sem ao
menos mastigar!
BARRIGA GRANDE V
E quando Jack no outro
ano retornou
os seus avós encontrou
preocupados,
e lhe disseram que haviam
sido visitados
pelo gigante que até
então nunca encontrou!
Ainda achava ser não mais
do que uma história,
empulhação que tanta
gente lhe falou,
mas os avós se mostraram
até zangados
e sua existência
afirmaram peremptória!
Porém Jack foi ajudando
no trabalho;
o milho e o trigo
recolhendo no paiol;
de legumes e hortaliças
um vasto rol,
as maçãs já a pender de
cada galho...
Quis o avô encher então
uma carroça,
para vendê-las a granel
ou a retalho
numa feira que se abria
ao arrebol;
algum trocado o seu bolso
sempre engrossa!...
Jack trepava nas
macieiras agilmente,
as maçãs arrancando com
cuidado,
em grandes cestos todo o
fruto colocado,
com seu perfume capitoso
e permanente...
Assim que encheram a
carroça inteira,
mais dois cestos lotaram,
finalmente,
para a despensa que já
havia organizado
a vovozinha eficiente e
bem ligeira!...
Aquelas eram as maçãs
mais deliciosas,
tenras e doces, todas vermelhinhas,
mais perfumosas que
quaisquer uvas das vinhas,
chamando pássaros em
revoadas prodigiosas!
Mas a vovó não queria
mais fazer geleia,
dizendo a Jack que se
tornaram perigosas;
Barriga Grande sentira o
cheiro das frutinhas
no outro ano e seu retorno
ela receia!...
BARRIGA GRANDE VI
Porém Jack ainda da
história duvidava
e começou a brincar com
seu avô:
“Se Barriga Grande das
maçãs tanto gostou.
uma armadilha a gente
preparava!
Era só se escavar um
buracão
e do outro lado a gente
colocava
algumas cestas e assim
que ele chegava,
caía lá dentro e quebrava
o pescoção!...”
“Você não sabe do que
está falando!
Barriga Grande tem dez
metros de altura
e uma pança imensa de
espessura;
nós levaríamos mais de
ano cavoucando,
até que possa caber em
algum buraco!”
Porém Jack ainda estava
duvidando
e foi gritar, numa tola
travessura:
“Barriga Grande, vem
encher o saco!...”
E não é que o gigante
apareceu?
Muito mais rápido do que
se esperava!
“Vamos fugir!” – depressa
o avô gritava!
E para o rancho o par se escafedeu!...
Cinco metros, porém, em
cada passo
o gigante calmamente
percorreu
e logo aos dois parecia
que alcançava!
Jogou o avô seu cesto
para o espaço!
Ficou mais leve e assim a
Jack ultrapassou;
Barriga Grande parou,
para engolir
o cesto inteiro, sem
permissão pedir!
Mas para Jack, a seguir,
ele avançou!
O rapazinho lhe jogou o
cesto também,
que novamente,
inteirinho, ele tragou,
sua dentadura amarelada a
reluzir,
pois carne humana
apreciava muito bem!
BARRIGA GRANDE VII
Não tendo tempo para em
casa se abrigar,
juntos os dois emborcaram
o caldeirão,
que vazio fora deixado na
ocasião
e se esconderam ali os
dois, a tiritar!
Mas a avozinha estava na
varanda,
pano de toalha tecendo no
tear,
não tendo tempo de buscar
sua proteção,
já que o mato ficava da
outra banda!
Barriga Grande chegou até
a avozinha,
bem de perto parecendo
ainda maior
e com sua voz, em brado
assustador,
indagou, a estremecer
toda a casinha:
“Para onde os dois homens
me fugiram?”
“Eu que não sei. Eu moro
aqui sozinha...”
“Está mentindo!” – disse
o monstro, num bafor
e as narinas da vovó
quase entupiram!...
“Sei que é mentira, eles
correram para cá!
Diga onde estão, senão
vou esmagar
essa varanda, mais você e
o seu tear!”
Tal coisa a velha não
suportará.
pois era esse o lugar que
mais gostava
e apontou com um dedo
para lá,
além da casa, fingindo só
falar...
“Não escutei!” – o
monstro já reclama.
“É sua cabeça que está
longe demais!
Chegue mais perto!... O
gigante se agachou
e seu ouvido imenso
aproximou
da varanda, com bafos
infernais,
a pobre velha já quase
sufocando!...
Mas na barba se agarrou,
assim no mais,
e pelo orelha fedorenta
se enfiou,
seu tear e sua cadeira
carregando!...
BARRIGA GRANDE VIII
E bem lá dentro foi
depressa se instalar,
sua cadeira balançando
sem parar,
com pés e mãos acionando
o seu tear,
um barulhão procurando
provocar!...
Maior ainda no interior
do ouvido,
desta forma bem depressa
a se ampliar,
igual cachoeira de forte
trovejar,
pelo troar viu-se o
gigante perseguido!...
Ele batia sobre a orelha,
com vigor,
e tentou mesmo o
indicador ali enfiar,
mas com uma agulha a vovó
o foi espetar:
Barriga Grande sentiu no
dedo muita dor!
E começou em círculos a
correr,
sem conseguir livrar-se
do estridor
que a vovozinha provocava
no tear,
sem conseguir tal
balbúrdia interromper!
Barriga Grande a
cabeçorra sacudia,
dava-se tapas, mas a
baderna continuava!
Com violência seu pescoço
balançava,
mas o barulho lá dentro
persistia!
A vovozinha sempre andava
de carroça
e nenhuma estrada por ali
existia;
assim em cada solavanco ela
pulava
e o movimento não fazia
qualquer mossa!
Barriga Grande correu até
a montanha,
sem conseguir da
barulhada se escapar!
Numa cachoeira seu ouvido
quis lavar,
mas a cera acumulada era
tamanha
que a água inteira
escorria para fora
sem impedir essa algazarra
estranha,
sem que a vovó fosse ao
menos se molhar,
o seu tear pedalando hora
após hora!
BARRIGA GRANDE IX
Finalmente, a um penhasco
ele chegou
e a cabeçorra foi
batendo sem parar,
até fazer a sua caveira
se quebrar:
Barriga Grande igual
defunto ali ficou!...
Jack e o avô só então se
aproximaram.
“Ele está morto!” –
gritou o seu vovô.
“Pode parar de pedalar o
seu tear!...”
E só então a vovozinha se
acalmou!
Os dois subiram pela
barba emaranhada
e ajudaram a avozinha a
retirar
sua cadeira de balanço e
seu tear.
“Não me abracem!
Estou toda melequeada!
E só depois de tomar um
belo banho
ela deixou-se,
finalmente, ser beijada
pelo netinho e finalmente
se abraçar
pelo marido. “Não
sofri sequer um lanho!”
“Mas se deixasse que
antes me abraçassem,
toda a sua roupa eu teria
de lavar!...
Com tanta cera fui quase
sufocar
antes que os dois dali me
retirassem!
Mas pelo menos, me
lavaram a cadeira
e meu tear, sem que nada
me estragassem!
Agora larguem! O
jantar vou preparar
e estou sentindo
grandíssima canseira!”
“Mas que faremos com o
corpo do gigante?”
“Não é preciso que se
faça nada,
a carne dele ficará logo
empedrada,
já está dura mesmo neste
instante!
Ele não pode suportar a
luz da Lua,
Somente à luz do Sol saía
avante;
Não pertencia dos trolos
à manada,
que a luz do Sol
transforma em rocha nua...”
EPÍLOGO
“Logo o musgo lhe cresce
na cabeça
e a seguir ali brotam
samambaias,
ervas daninhas das mais
diversas laias,
daqui a um ano, talvez
árvore até cresça!
E se contarmos, ninguém
vai acreditar
que da montanha não seja
mais que peça...
Lá na cidade só vai
escutar vaias
se a seus amigos esta
história for contar!”
E foi assim que morreu
Barriga Grande,
mas caso um dia você
viaje ao Missouri,
algum penhasco lhe
mostrarão ali;
igual caverna sua boca ainda
se expande...
Que eram dentes ao ver eu
pressenti
descem do teto cem
estalactites
sobem do solo cem
estalagmites,
longas e agudas quais
outras nunca vi!
Olhos Serenos 1 – 14 jul 2017
Não sei se algum dia poderei amar de novo
Ou em sobrancelhas outra vez confiar,
Sombreando o brilho oculto em cada olhar,
Vendo a esperança a me brotar como renovo.
Nem se algum dia poderei contar ao povo
Com quantos cílios amor veio me enjaular
Ou no piscar de uma pupila me domar,
Pois dela me afastar sequer me movo.
Já que em tais vistas profundas me ancorei,
Forte a corrente tecida de cabelos,
Âncora forte só de lágrimas forjada,
Congeladas pela força dos desvelos
Desse rosto em que a alma eu amarrei
Sem que jamais possa tê-la deslocada.
Olhos Serenos 2
Não obstante, duvidar ainda duvido
De que tais olhos mesmerizar eu possa;
A comissura de suas vistas me retoça
E a pertencer-lhe inteiramente sou devido.
Mas a ancoragem tendo promovido
Perante os molhos desse olhar de louça,
Imóvel fico em cristalina poça,
Dali não sei se posso um dia ser movido.
É que os olhos que empreenderam a conquista
Não são movidos pelas tempestades,
Mas permanecem bem firmes no lugar,
Enquanto a mim dominam pela vista,
Sem que me causem danos ou maldades ,
Mas sem nunca me permitirem libertar.
Olhos Serenos 3
Assim me prendem como finos parafusos
E em sua esclerótica me vejo a navegar,
As brandas íris só de lado a me fitar,
Saber não sei se terá planos mais escusos.
Mas nesse olhar estão horários fusos,
Hora por hora a fazer-me ali flutuar,
Dessa doçura tão somente no limiar
Dessas olhos a encarar-me sem abusos...
Que neles vejo tão só melancolia
E uma certa pena por prender-me,
Sem que se achem igualmente presos;
Mas o próprio palor da nostalgia
A retém presa a mim só por reter-me,
Perante a força desse amor não mais ilesos.
VAPOR DE SONHO I – 15 JUL 17
Algumas vezes imagino de onde surgirá,
sem dar um prévio aviso, amor inesperado,
por qual alvo de carinho serei ainda consolado
ou se a Dama Destino outra vez me sorrirá.
Não é que busque a locação em que estará,
que existe em mim certo pendor morigerado;
o mundo encaro com apego descuidado,
pouco curioso do que a mim sucederá...
É inegável que em distritos do passado
no meu colo assentou-se muito amor,
a que nem sempre prestei correspondência.
Mas será que cometi qualquer pecado
na aceitação de temporãs gotas de calor,
como se amor não me trouxesse consequência?
VAPOR DE SONHO II
Ao aceitar-se o amor de quem nos quis,
sem palpitar no coração igual potência,
quiçá só em laivo de condescendência,
teria feito o mal ou bem eu fiz?...
Recusar tal amor em sonho gris,
dar esperanças de constância intensa,
falsidade seria ou permanência?
Como se apaga um amor escrito a giz?
Que todo amor é um sonho de vapor,
tão incompleto qual vapor de sonho
e quando amor se aceita, amor se dá,
nessa armadilha revestida de calor
em que esse amor temporário e tão bisonho
qualquer fatia do coração nos cortará.
VAPOR DE SONHO III
E quando um espontâneo amor se nega
não se causa certa ofensa e malefício?
Amor é raro... Que não haja desperdício
de qualquer ocasião a que se apega.
Amai-vos uns aos outros – é o que prega
a Escritura Sagrada, em seu ofício;
não se professa um exclusivo benefício,
amar-se a todos é assim o que se alega.
E sempre nasce assim algum amor,
desentranhar a se poder do coração,
sem que se queira tão somente o desfrutar
e ao demonstrar-se a alguém certo candor,
viceja aos poucos em nós a brotação
de flor perfeita... enquanto não murchar.
PORTEIRA DO TEMPO I – 16 JUL 17
Não sei se uma outra noite ficarás
ou se as promessas são apenas falaciosas,
que tuas mentiras, por mais que perfumosas,
são nova fome com a qual me magoarás.
Somente sei que em breve partirás,
são tuas palavras de amor bem generosas,
quando no fundo são gotas mentirosas,
doce saliva de consolo que me dás.
Pois esse amor que te ofertei inteiro
só o aceitaste por generosidade,
teu coração sempre algures se achará
e essa oferta de teu peito hospitaleiro
garantir não me dará perpetuidade
do teu abraço que bem sei me faltará.
PORTEIRA DO TEMPO II
Eu sei o que se passa.
Comigo foi assim
e se te amo sem ser agora amado,
quantas vez o aceitei no meu passado,
sem igual conflagração sentir em mim?
O teu amor me traz perfume de jardim,
por um instante totalmente acarinhado,
para esvair-se, por simples zéfiro levado,
que toda flor não mais é que um outrossim.
Amor se colhe, mas depois se o vê murchar,
não é o vigor de certa planta permanente,
que nem sequer no inverno se desfolha;
vou recebê-lo só enquanto perdurar,
na alma a guardar seu efeito consequente
pelo tempo que o perfume assim me acolha.
PORTEIRA DO TEMPO III
Erguida a alça, aberta minha porteira,
a atravessaste, talvez por desfastio;
meu amor cálido cobriu teu peito frio
e te acolheste sobre a pobre esteira,
sabendo bem, que na hora derradeira,
da ligação se romperia o fio,
frágil sua lã tal qual um corrupio,
pois nunca a mim te entregaste toda inteira.
Contudo, em meu ardor dei-te carinho
e só te posso demonstrar a gratidão
por esse amor que o tempo levará,
pois todo o tempo passa de mansinho,
num arrepio de estremecer o coração
quando seu tempo o amor completará.
PORTEIRA DO VENTO I – 17 jul 17
Solidão nunca vem só – é acompanhada
da incompreensão de quem abandonou,
sem dar motivo, que não se retratou,
só se negando outra vez a ser beijada,,,
Algo sumiu dos olhos de minha amada;
mesmo estando presente se afastou,
a solidão também nela rebrotou,
flor daninha pela alma dispersada.
Não morre amor assim tão de repente,
mesmo tendo seu fator desencadeante,
que solidão só se enraíza pouco a pouco,
vai corrompendo o coração da gente,
até a própria tristeza estar distante,
tal qual o mofo vai surgindo no reboco.
PORTEIRA DO VENTO II
Amor não deve ser a todos demonstrado,
que facilmente o vento atrai da inveja,
ressentida desse amor de quem se beija,
só se alegrando após o par ter separado.
É um ciclone de desdém assim soprado,
com o próprio desprazer alguém coteja,
que para si tão só amor deseja,
não para esses que já amor têm declarado.
Destarte, o melhor mesmo é disfarçar,
do vento se esconder que se ama tanto,
que facilmente dos moirões a brisa arranca
essa porteira – do coração a destrancar,
num redemoinho de sibilante canto,
até que o amor resseca e logo estanca.
PORTEIRA DO VENTO III
Desta forma, o teu amor torna discreto,
que demonstrar possas somente ao par,
quando o sigilo se possa conservar,
sem desperdício de um carinho tão dileto
em qualquer outro que não tenha igual afeto,
guardado o amor no recesso de teu lar,
que não venha algum tornado o dispersar,
poeira e moinha como inútil objeto.
Fecha a porteira com firmeza e duplo tento,
que não o possam facilmente deslocar,
conservando o teu amor só para ti,
nos braços de quem amas a contento,
em garantia de um mais longo amar,
longe das vistas de invejoso bem-te-vi!...
Recanto das Letras >
Autores > William Lagos
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