BODAS & MAIS – (1978) – 3
a 12/7/2017
Novas séries de William Lagos
MARGUERITE AU SABBATH, JEAN-ADOLPHE DAGNAN
BODAS -- 1978
Mulher de hidromel, teus olhos
de ambrosia,
Teus dedos de acquavit, o
néctar do aroma,
O rútilo do beijo, a célula
que assoma
Das trompas a vibrar no toque
da poesia,
Donzela de alfazema, teus
lábios de eucalipto,
A cássia de teu ventre, o
sândalo da boca,
A herma de teus seios, essa
esperança louca,
No ovário menstrual por sêmen
meu bendito.
Menina de cristal, delícia de
meus braços,
Campânula gentil, o olor
desses teus traços
A carne me arrebata... E a
mente me extasia,
Na prata singular da meiga
melodia,
Que os olhos meus reflete, ao
som dos olhos baços,
Tangendo os cílios teus que a
lágrima alivia.
WEDDING – April 21, 2006
Woman made of mead, thy ambrosia-like eye,
Thy acquavit fingers, the nectar-like scent,
The glitter of thy kiss, the cell that suddenly bent,
Vibrating from thy tubes, a poem touched by,
Lavender maiden mine, thy eucalypt lips,
The cassia from thy womb, the sandal in thy mouth,
Thy herma-like breasts, the hopes that allows
Thy menstruated ovary that my seed blessed keeps.
Thou crystal-like girl, delight for my arms,
Thou soft bellflower, the smell of thy features
Enraptures my flesh... My mind has entranced
The soft melody thy odd silvery charms,
As mirror for my eyes, your dimmed eyes allures
Tear-assuaged eyelashes my lonely fingers played.
VONTADES -- 1979
Eu queria escutar tanta
minúcia!...
Tanta bobagem dos tempos de
menina!...
Queria ouvir teus lábios de
pelúcia
A revelar-me toda a estranha
sina
Que coube a ti por talho e por
quinhão:
Os teus desejos todos mais
antigos,
Os desapontos do teu coração,
Teus desenganos, tuas falhas,
teus perigos...
Queria ouvir de ti, na
intimidade,
Tanta coisinha tola, em
liberdade
De me contar, sem ter por
importante,
Somente no prazer de
partilhar:
Que desta forma o sonho, a
deslizar,
Se convertesse em carne, em
nosso instante.
WISHES – April 21, 06
Wish I could listen to so many details!...
So much nonsense from your girlish days!...
I wanted to hear your terrycloth lips
Your weird fate telling me in displays
Of everything you had for your share:
Your most ancient thoughts, all the care,
The disappointments came to grips,
Disillusionments, failures, the perils a-bear...
Desired to hear from you, in intimacy,
So many foolish trifles, in liberty
Of telling me, never meant as important,
For the pleasure alone of sharing with me:
So that the dream, sliding in a glee,
Be converted into flesh for us, in that instant.
Cítara sem Cordas 1 — 3 jul 17
Posso morrer agora. Pouco importa
O que tenha ao redor de
material;
Tanto trabalho já me cansa e
mal
Dou vencimento a tudo o que me
corta
O tempo. O quanto me conforta
Já se passou; todo prazer
banal,
Como fruto da esperança natural,
Terá mortalha numa busca
morta.
De fato, nem espero. Todo o esforço
Vem sendo interrompido por
eventos;
Cansaço e sono vêm-me dominar,
Que apenas levo o fardo sobre
o dorso.
(Já me olvidei da causa dos
tormentos,
Sem nem sequer seu nome
soletrar.)
Cítara sem Cordas 2
O que é a morte, afinal? Vago suspiro
Que em estertor despede o
organismo.
Para esses que observam,
casuísmo,
Dos bens da morta como fazer o
giro?
Uma cítara de aedo que hoje
miro
Algum vento, talvez, tanja em
respiro,
De forma igual aos dedos com
que a firo,
Quiçá em bem mais leve e suave
preciosismo.
Mas quando as cordas lhe são
retiradas,
Talvez partidas, talvez só por
capricho,
Nem mesmo o vento pode música
tocar.
Ainda que zombe, em ocasiões
azadas,
Nos chifres a zumbir final
esguicho,
Surdo gemido sem sentido a
cochichar.
Cítara sem Cordas 3
De modo igual, apesar das
fantasias,
Qualquer caveira suas cordas
já perdeu
E nenhum cântico em seus
dentes se tangeu;
Não surgem lumes em suas
órbitas vazias.
Talvez um zéfiro ali cochiche
notas frias
No maxilar que o cantar não
aqueceu,
No osso frontal, que tudo já
esqueceu,
Nos parietais de costuras
corredias.
Certo dia, falou-me meu
dentista
Que para melhor os dentes
estudar
Era preciso um crânio
desmontar;
Tomando o Foramen Magnus como pista (*)
Para punhados de milho
macerado,
Que ao inchar, o deixaria
desmontado.
(*) Orifício para saída dos
nervos da medula.
Cítara sem Cordas 4
Como a cítara do aedo será a
vida,
Sua mente cheia de punhados de
tristeza
Que ao inchar, lhe rasgam a
inteireza,
Fragmentos a descartar em
longa lida.
E quando o vento em seu crânio
achar guarida,
Só irá soprar um gorjeio de
incerteza,
Nunca mais manchados salmos de
beleza,
Só um gemido a escapar dessa
ferida.
Portanto, se falhar o sopro
agudo
Da antiga musa ou o gargalhar
de Dionyso,
A morte e a vida eu tomo tal
por qual;
Que me magoem mais eu não me
iludo,
Que desta vida o zombeteiro
riso,
Como uma cítara sem cordas,
afinal.
MONSTROS ESPERANÇOSOS 1 – 4 JUL 17
Quando eu nasci, a trinta e dois de
Onzembro,
o mundo inteiro ergueu-se para a traça,
combinando de antemão toda o desgraça
do malnascido em solitário membro.
Da rodada dos meses, meu final Dezembro,
vi qual um dia cristalino como louça,
lançado fácil ao lodo de uma poça:
fui zumbi sem falecer, se bem me lembro.
Se acaso tétrico lhe parecer este soneto
que me inspirou, afinal? Macabra é a vida,
breve marchar até o fundo da ampulheta;
que toda carne é vestimenta de esqueleto,
por uma leve coração um dia tingida,
reanimada por encantação secreta...
MONSTROS ESPERANÇOSOS 2
Somos capas de esqueletos
confiando que a carne dure
ou que a esperança perdure
milhões de crescidos fetos.
Outros de nós, aos insetos,
cuja picada perfure;
nada importa que se jure
eternidade de afetos.
Quem jura é a língua somente;
só a mandíbula é constante
e nada pode cumprir,
Nada carnal permanente,
jurando-se no altar perante,
quanto a morte permitir.
MONSTROS ESPERANÇOSOS 3
Nascido em revestimento,
sem fazer qualquer ideia,
da duração da epopeia,
contida num só momento
ou num secular portento,
predestinada a odisseia,
no sonho de qualquer deia,
prazer ou padecimento,
toda esperança nutrida,
fruída só sem razão:
o que move o coração
é a armação constituída;
na carne vive a emoção,
a mente é falsa guarida.
MONSTROS ESPERANÇOSOS 4
Bem sabemos, lá no fundo,
que a carne se degenera
e que a esperança é uma fera
de apetite bem profundo,
que nos ilude, em jocundo
cintilar de breve esfera,
que sempre alheio alvo altera,
em cemitério profundo,
em que enterra o sonho morto,
de bactérias a ermida,
de vírus a incubadeira.
E o monstro se sabe torto.
mas pretende possuir vida,
na artimanha derradeira.
MONSTROS ESPERANÇOSOS 5
Enganar outros buscamos,
sem contar sermos zumbis;
mentimos desde guris,
em quimeras nos mostramos,
falsas esperanças damos,
em tantos desejos vis,
afirmamos ser viris
os ossos que transportamos.
Mas os outros, igualmente
nos mentem vivos estarem,
mortos-vivos a bailarem,
pretendendo serem gente,
nas cidades-necrotérios,
mil múmias em monastérios.
MONSTROS ESPERANÇOSOS 6
Quando nasceste, iludiram-te os demais,
na esperança de fugaz continuidade,
na longa marcha de toda a humanidade,
a pisotear os esqueletos ancestrais.
Sempre se iludem, não querendo ser mortais,
na vã esperança de uma eternidade;
dessa gaiola da esqueleticidade,
fogem as almas para ínclitos locais,
monstruosidade deixando para trás,
quando tal eternidade a gente alcança
ou quando tudo se desfaz em nada;
que um ou outro resultado tanto faz,
que o verdadeiro monstro é a esperança,
em tal desfecho totalmente abandonada!
MULTIVERSIDADE – 12 abril 2006
À honrada Urcamp vendi-me por escravo
Por mais seis meses de esplendor funesto,
Para fazer cem coisas que detesto,
Tão só por demonstrar que não agravo
Com meu próprio existir indiferente
A sociedade aqui estratificada,
Nem desejo partilhar dessa antiquada
Tarefa de instruir a pobre gente
Que acredita infeliz nestes padrões
E se entrega feliz a humilhações.
Pelo prazer de se sentir aceita...
Enquanto eu faço mais por desfastio!..
Aceito esse dever que a alma rejeita,
Sem demonstrar que, no fundo, me angustio...
WAITING TO BE DRUNK I – 5 JUL 2017
Curioso, o gato grimpa sobre a taça
para espiar qual lhe seja o conteúdo;
apenas olha, bichano em miar mudo,
sem saber realmente o que ali faça
essa mulher semidesnuda, que se abraça
cobrindo o sexo em caprichoso ludo,
do seio do cristal um seio agudo
penetra a alma com soberana graça.
Embora o olhar contemple o horizonte,
quem me contempla assim é o seio esquerdo,
em despudor deixado a descoberto,
no vasto orgulho de ser do leite a fonte...
Cobiça o gato ali lambê-lo em gesto lerdo
ou apenas eu seu leite branco herdo?
WAITING TO BE DRUNK II
Sua camisola parece estar esvoaçante
ou pelo menos, as suas dobras que se vê;
mensagem óbvia aqui igual se lê:
notas de banco a cobrem nesse instante,
meio encurvadas contra o cristal brilhante,
formam manto de papel – é como se
somente a troco de um valor ela se dê,
canto de luz sua veste altissonante.
Curioso o gato se mostra mais que eu,
suas patinhas a roçar-lhe nos cabelos:
que criatura esconde aqui sua graça?
Pois só um gesto de desdém ela me deu,
na oculta mostra assim de seus desvelos,
enquanto beijo o seu reflexo na taça.
WAITING TO BE DRUNK III
Nessa ampulheta sem areia é mulher-vida,
pouco importando o preço que nos cobre,
que a algum amor será certo que se dobre,
mulher adulta em biologia contida,
mulher criança em pundonor fingida,
mulher reflexo que só em imagem sobre,
mulher de pixels, em dimensões tão pobre,
só um breve instante de sua carne revivida,
naturalmente, de photoshop o efeito,
três películas ali ao menos sobrepostas,
pelas cédulas disfarçada a sua nudez.
Contempla o gato, um tanto contrafeito,
nessa lâmina de água nas suas costas,
algum ratinho a espadanar, talvez?
WAITING TO BE DRUNK IV
Bem gostaria que se achasse à minha espera
esse drinque feminino de cristal,
no erguido cálice assim descomunal,
ali contendo maternal ventre que gera
e que minha boca, quando dela se abebera,
lhe devolvesse o formato natural,
vestida apenas de calor matrimonial,
qualquer cédula a se esquecer que requerera.
Ou talvez a bebesse inteiramente,
ao tecido de minhalma incorporada,
circunvoluções a percorrer em travessura;
mas o fotógrafo a bebeu, naturalmente,
nessa película à larga taça combinada,
só deixando para mim malícia pura...
INZONEIRO I – 6 JUL 2017
Eu tenho dois bichinhos nos meus olhos,
contratados para a obra de espiar.
Depois que veem, os dois vêm-me informar,
tão insistentes quanto dois piolhos!...
Na comissura dos olhos têm antolhos,
sempre formas diferentes a enxergar,
seus ângulos em gestalt a interpretar,
pobre quiasma combinando tais escolhos!...
Diversas vezes só revelam-me fantasmas,
usando os cílios em tétrico arcabouço,
ou as sombras como vivas interpretam
nesses breves momentos em que pasmas,
um arrepio a te descer desde o pescoço,
por transitórias assombrações que inquietam!
INZONEIRO II
Às vezes brincam esses dois bichinhos
com os dois bichinhos que moram nos ouvidos;
muitos boatos são por eles transmitidos,
misturas loucas de mágoas e carinhos;
quatro inzoneiros a fazer mexeriquinhos,
em suas intrigas perpétuas envolvidos;
nas cocleias mil cochichos incontidos,
no quiasma meus espantos mais mesquinhos.
Não sei se essa palavra foi criada
para rima em “Aquarela do Brasil”;
a língua inteira de há muito já a acolheu;
quatro bichinhos em travessura alada,
fantasmas geram em seriedade pueril,
escuso pacto que no escuro se escondeu.
INZONEIRO III
Existem mais dois bichinhos nas narinas,
mas estes mostram, infelizes, timidez;
são afetados por coriza, se me crês,
sofrem espirros de fúrias assassinas!
Então se prendem do sínus nas cortinas,
ganchos de cílios apanhados em prenhez,
temendo para o mundo, em expelidez,
serem lançados como gotas pequeninas.
São os donos do olfato, os coitadinhos.
muito mais cheiros ruins do que perfumes
no quotidiano se propõem a analisar,
sofrendo assim muito mais esses bichinhos,
irritações de queimadeiros vagalumes,
cujas brasas os forçam a espirrar!...
INZONEIRO IV
Existem quatro bichinhos no palato
que dos bichinhos do nariz são parasitas;
as guloseimas sendo assim benditas
pela constante orientação do olfato.
Também aos olhos apelam, sem recato,
sobre a visão a erguer-se em palafitas;
sons e imagens interpolados como fitas,
à ampla gama do sabor dando aparato...
Os meus bichinhos dançam suas cirandas,
mas não gostam do balanço do acalanto,
que até mesmo em meus sonhos interferem,
meu onírico interpelando com nefandas
imagens induzindo em cada canto
para ao consciente me puxar quando puderem!
DESCONEXÃO I – 12 abril l979
não é de meu
feitio! Abertamente
é como quero agir e ter
presente,
diante dos olhos...
Sempre reluzente,
o meu estranho amor e estranha
sina.
não é do meu querer! Estar
ausente,
por dias sem te ver, neste
frequente
hesitar de tua parte...
Inconsequente
capricho de mulher [não mais
menina].
pois quero é
demonstrar! Abertamente,
sem esconder, sem mágoa, sem
vaidade,
com orgulho quiçá... Com
liberdade
sem dar satisfações a tanta
gente!
mas sentes tanto
medo... E assim revivo
sabor amargo de um querer
furtivo.
DESCONEXÃO II – 7 JUL 2017
satisfação de fato a ninguém
devo,
especialmente nestes dias
atuais,
promiscuidades tornadas
naturais,
sem que a outrem condenar
penso ou me atrevo.
a minha conduta só a mim
conduz e a levo,
sempre evitando causar mágoas
aos demais;
por que esconder meus
caprichos perceptuais,
se do desejo sou senhor e não
o servo?
e se entre nós surgiu a
conexão,
sei muito bem que não precisas
prestar contas
a ninguém mais, quando a
ninguém pertenças;
somente ondulas em tal
inclinação,
tomando os beijos como culpas
tontas,
assim julgadas por renitentes
crenças.
DESCONEXÃO III
pensando bem, é o que tenho
para mim:
que isso não passa de artifício
de mulher;
a segurança bem mais que amor
se quer;
melhor adiar por garantir-se
assim
a permanência de teu ninho
carmesim
quando maior liame te trouxer;
não é capricho e nem pudor,
sequer,
mas investir para um futuro,
alfim.
e como a sedução é conveniente,
por dar início a tal conexão,
a despertar uma alheia
inquietação
numa promessa de desejo
permanente,
mas que será prontamente
descartado,
após ter sido o investimento
completado.
DESCONEXÃO IV
então percebo de teu medo a
inexistência,
sendo artifício plenamente
calculado,
só concedida a ternura do meu
lado
após um preito de completa
consistência,
qual foi assim proclamado com
frequência,
por tanto século, por tanto
antepassado,
até que esteja o negócio
completado,
assinado seu contrato com urgência.
e contudo, ao perceber-me teu
cativo,
tal qual milhares descobriram
no passado,
o preço de tua compra irei
pagar,
sem lamentar o teu intento
mais furtivo,
até que o golpe seja consumado
que de meu peito não mais
possa desviar.
VANITY – 19
April 2006
Often you asked me -- "Am I the muse?
"Do I inspire you, as others had?
"I wished your heart for me bled
"And that your verses could not confuse
"My messy mind -- that believe I could
"You wrote them for me, no for another,
"That it's love indeed, not a bother
"That I mistrust and set aside should..."
How many proofs do you need yet?
How many occasions of ours I set,
To show the source for those poems’ seed...
Forlorn hope of latter days' conquest...
Agreed you're not my first muse indeed,
Though I'm sure that you shall be the last!...
NERUDA I – 8 JUL 2017
“Posso escrever os versos mais
tristes esta noite,”
Escrevo aqui, abertamente, que
Neruda
este verso já compôs e que não
muda
o pendor da homenagem em que me
acoite.
Mas só tomá-lo por mote é meu
afoite,
pois meu respeito por ele assim
me escuda,
na instigação feliz da dor aguda
que em nós ambos provocou igual
açoite.
Na verdade, cumpro agora o
entardecer,
sem me chegar a noite em véu de
cera,
na inquietação casual do sonho e
sono;
mas recordei de ti no meu sofrer,
meu coração perdido em primavera,
que mais parece entardecer de
outono...
NERUDA II
De alguém tomou Neruda o
sobrenome,
sendo seu nome real Neftali
Reyes,
mas caso seus poemas ainda leres,
dessa origem o interesse não consome.
Mas três tchecos se conhece desse
nome;
que deles não recordes, nem
receies,
se não és especialista e nem te
apeies
na fama antiga, sua lembrança
logo some.
O mais antigo foi um compositor
que floresceu nos tempos do
barroco,
antes que o clássico período se
iniciasse;
Jan Nepomuk foi poeta e redator;
de Wilhelmina se conhece pouco,
“Lady Hallé” seu nobre título de
classe...
NERUDA III
De qual dos três o pseudônimo
copiou?
Talvez de um outro, quiçá um
ativista,
Afinal, algum pendor guardou de comunista,
mas sua poesia nesse altar não
imolou,
qual Mayakowski, que a política
deixou
que dominasse os versos em que
insista,
sacrificada a arte em tal
conquista
à ideologia que sua obra dominou.
Pablo Neruda, contudo, não o fez,
que a política só serviu-lhe de
pretexto,
somente parte a lhe marcar da
produção
e lhe dedico estes versos que
hoje lês,
mesmo despidos de ideológico
contexto,
sempre apolítica a minha
inspiração.
NERUDA IV
Pablo encontrei em minha
adolescência.
especialmente a sua “Canção
Desesperada”
que como epígrafe aqui deixo
registrada,
a tal verso original dando
eloquência.
Naturalmente, nessa época a
impotência
de conquistar para minha namorada
essa garota nesse antanho
idolatrada,
puro capricho, sem sequer sexual
ardência.
Porém foi outra apaixonada que me
deu
esse volume dos versos de Neruda:
(caminhos tortos as frechas têm
do amor)
a quem minhalma nunca pertenceu,
somente ao vate que meu cantar
escuda,
sem ter sonhado em ser o meu
mentor.
GÁRGULAS I – 9 JUL 17
O DIA INTEIRO PASSEI EM
QUEFAZERES
BEM DIVERSOS DOS DEVERES QUE
ESPERAVA,
DAQUELES QUE QUERIA OU SÓ
LEMBRAVA:
CANSADO ESTOU NESSA ORLA DOS
MISTERES...
ABESPINHADO POR TANTOS AFAZERES
UIVANDO UMA EMERGÊNCIA QUE
MARCAVA,
NEM SEQUER OS PRAZERES QUE
BUSCAVA,
NEM TAMPOUCO O CUMPRIMENTO DOS
DEVERES...
PORQUI FUI A TODA HORA
INTERROMPIDO,
CADA QUAL A ME PUXAR PARA O SEU
LADO,
NESSA BRASA PROVERBIAL DE SUA
SARDINHA...
E FOI ASSIM QUE DEPAREI-ME
CONCLUÍDO
MAIS ESTE DIA, INTENSAMENTE
ADIADO
POR TAL RETRIBUIÇÃO TÃO COMEZINHA...
GÁRGULAS II
QUE “O HOMEM PÕE E A GALINHA
CHOCA”
FOI DO BROCARDO MINHA
CONTRAFAÇÃO;
NÃO VOU TOMAR O SANTO NOME EM
VÃO,
NEM SEGUIREI ESSA PARTE QUE ME
TOCA
NESSES DITADOS QUE A MULTIDÃO
CONVOCA,
SÓ CONSAGRADOS POR SUA REPETIÇÃO,
JÁ EMBUTIDOS NA MENTE E CORAÇÃO,
QUE ALGUMA TROÇA MEU PEITO SEMPRE
INVOCA.
A GENTE PENSA, NO ESPOCAR DO DIA
”HOJE EU FAREI ESTA COISA E MAIS
AQUILO”,
MAS NADA SERVE TER TAL
DISPOSIÇÃO;
NOVA EXIGÊNCIA CADA HORA ME
PEDIA,
QUE MEUS PLANOS INICIAIS RÓI COMO
ESQUILO,
UM NOVO NINHO FORRANDO NA
OCASIÃO.
GÁRGULAS III
ERAM OS GÁRGULAS CANOS
GLORIFICADOS,
ESCOAMENTO DA CHUVA DOS TELHADOS
SOBRE PALÁCIOS E SOBRE AS
CATEDRAIS,
EM FORMATO DE DEMÔNIOS
CIMENTADOS,
ASSIM DISPOSTOS AO LONGO DOS
BEIRAIS,
SEUS LONGOS JORROS CUSPINDO TRIUNFAIS,
CONTRA AS RUAS A LANÇAR ÁGUA E
PECADOS
DAS CONFISSÕES DE MIL FALHAS
CAPITAIS.
PORÉM DE MIM SÃO SÓ GÁRGULAS DO
TEMPO
A ME JORRAR POR OUVIDOS E POR
DEDOS,
SÓ DE MEUS OLHOS A VERTER CERTA
TRISTEZA,
CADA UM A PROJETAR-ME EM
CONTRATEMPO,
A FIM DE EXPOR PELAS ESTRADAS
MEUS SEGREDOS,
EM CANSAÇOS TRESLOUCADOS DE
BELEZA.
GÁRGULAS IV
MAS RECONHEÇO QUE A TAREFA
COMPLETADA,
MAIS DO QUE UM OVO, SATISFAÇÃO
NOS PÕE;
TUDO ESTÁ FEITO E O DESCANSO NOS
REPÕE,
MONOTONIA A SE JULGAR MELHOR QUE
NADA.
TALVEZ ALGUMA DEIXE MESMO ATÉ
CHOCADA
ESSA GALINHA QUE A DAR VIDA SE
PROPÕE,
NESSA NINHADA DE TAREFAS QUE
COMPÕE
MIL PINTAINHOS A ME PIAR NA
MADRUGADA.
POIS SEMPRE FOI DE ALGUMA
UTILIDADE
ESSE CONJUNTO DE TRABALHOS
CONCLUÍDOS,
MESMO QUE OUTROS SIDO TENHAM
ESQUECIDOS
E SE PUDER SER PIOR, É BEM
VERDADE
QUE EM TUDO ENCONTRAREI
CONFORMIDADE:
MIL QUATROCENTOS MOMENTOS JÁ
PERDIDOS.
DRIPPING – 20
Apr 2006
High time it is for you at last set aside
Your doubts and wavering, your disguises,
Your avoidances, back-stepping, the rises
Of self-doubt, your ghosts, all that slide
From the inner reaches of a helpless mind
And take you over and fill with sadness.
Stay with me, for life is but an hourglass
And all too soon some mayhem you will find,
Everywhere to be seen after all. The flow of time
Is more a whirligig than mellow sift of sand
You just turn over to mark one hour blessed.
Youth seeps away much earlier than you'd guessed:
The years pass you by and soon they but mime
The sparkle and lust that life seemed once blend.
PRAGMATISMO I – 10 JUL 2017
Igual que a barba, minhalma ostento
hirsuta
no dionisíaco furor de meus anseios;
são tantos versos que aparo sem
receios,
cujos fios crescem em minha diária
luta.
Fazer a barba é para mim triste
labuta:
pelos cortados depressa envidam
meios
de já crescer; e também sem terem
freios,
crescem os versos em idêntica
conduta...
Eu nunca aparo a barba diariamente,
pois seu único efeito é dar ensejo
para raspá-la de novo no outro
dia...
porém os versos de rascunho tão frequente,
cortam da alma um cristalino beijo
que ao ser raspado nunca mais
retornaria.
PRAGMATISMO II
Não é desgosto perder-me nos abraços
dessa musa igualmente cristalina,
que me sorri com seus olhos de
menina
e com seus beijos doces de
mormaços...
em cada estrofe debulham-se seus
traços,
pingando em lágrimas da face
peregrina;
meu coração diuturnamente mais se
inclina
a obedecer ao comando de seus
braços...
cortados versos não compõem-me
desperdícios
quando lançados ao sabor dos ventos;
os fios da barba para o esgoto
apenas vão,
nessa exigência social tornada em
vícios,
enquanto tantos versos, vãos
portentos,
fibras renovam de um alheio coração.
PRAGMATISMO III
A alma cresce tal qual acusa a musa,
a despontar-me diariamente em
brotação,
cada poema um renovo de canção,
lançada algures tal qual a musa
acusa.
Dentro da alma cultivada foi a
drusa,
igual que a pérola que brotou da
judiação
na pobre ostra requerendo a
proteção,
dentro do peito para um verso nova
escusa.
Destarte, a barba esqueço com frequência,
mas para os versos concedo
empreendimento,
a cada dia, quer por gozo ou por
dever.
Originais acumulados sem leniência,
mais açoitando meu entendimento,
que não descuro por desgosto ou por
prazer.
BURNT OFFERINGS – April 20, 2006
Dear sky-blue fairy, flying against a blue sky,
Therefore to us invisible. That must be the reason
I fail as often to see you. Yes, that has to be why
You oscillate so much between caress and treason.
My dear potent muse, yet unsure of herself,
Afraid to inspire me, afraid to be inspired,
Wary of bringing the seed to sow within myself,
To impregnate me with words of imagery befired.
For backfiring is abroad and the moment shall come
When she, the fairy, shall feel herself impregnated
Not with my human seed, but with the seed of glory,
To write her own poems and thus get dedicated
To selfsame ideal, and helpless become
In her wedding to poetry, a bride without a dowry.
AMOR DE VITRINE
I – 11 julho 2017
Que “Toda Nudez
Será Castigada”
Nelson
Rodrigues afirmou em arguta peça;
Mas é preciso
que jamais se esqueça
Que não refere
só a pele assim mostrada
Pois no real,
sinceridade é apresentada
Para o castigo
que se espera dessa
Hipocrisia de
corrupta promessa
Que a sociedade
tem-nos sempre revelada.
Nudez de sonho é
o mais que se queria,
A ser coberta
por tonta zombaria
De quem sonhou
igual, mas ocultou;
Nudez de amor
que se revelaria
De forma errada
do que se deveria
A certo amor
que o próprio amor negou.
AMOR DE VITRINE
II
Existe amor de
bem diversa exposição,
Esse que aos
quatro ventos canta a gente,
Amor de frio,
um pobre amor fluorescente,
Amor que espera
material retribuição;
Esse amor de
vitrine, na ocasião,
Não passa enfim
de uma ilusão candente;
É mais efeito
da ambição ardente,
Mais pelo lucro
ou por fama que emoção;
E mesmo quando
mostra-se em biquíni
A carne inteira
a quem a quiser ver,
De forma alguma
esse será desnudo amor,
Sem o calor
sequer de lamparina,
Amor vaidade
que só se quer vender,
Em falso brilho
que não traz calor.
AMOR DE VITRINE
III
Amor fingido a
que o povo não castiga,
Amor
balangandã, bem mais vestido
Que outro amor
por vestes comedido,
Amor que inveja
e submete à intriga;
Mas a nudez da
alma nos obriga
A deambular por
aí, de olhar sofrido,
Bem raramente
sendo compreendido
Por dançarinos
dessa estouvada giga.
Meu próprio
amor, só vestido de nudez
Foi tantas
vezes destarte castigado,
Pela grande
maioria interpretado
Como se fora de
queimada tês,
Esse amor que a
hipocrisia não alcança,
Que esquecido
se lhes foi desde criança.
GIRALUA I – 12 JUL 17
Igual seu filho, faz-se Vênus meio cega,
sem pretender ter correta acepção
entre aqueles que conduz à sua paixão,
tal qual dois animais sobre a macega.
Sempre o desejo em cada olhar esfrega,
resfolegando em total sofreguidão;
mal tem tempo de bater o coração:
Vênus insiste em imediata entrega.
É amor, porém, a que a gente não se apega,
por mais que seja forte o seu desejo,
à solidão bem veloz o peito lega,
após seu curto e apressurado beijo,
quando se afasta, satisfeito da refrega
e logo sai em busca de outro ensejo.
GIRALUA II
O mais estranho é que esse amor vazio
que tão somente na carne se consome,
sabe de novo despertar sua vasta fome,
passada uma quinzena ou mês de frio
e então se volta ao mesmo desvario
pelos seis ou sete dias que nos dome;
só importa o corpo, nem sequer o nome
de quem se abraça nesse fulgor de cio;
mas novamente se esgota, impertinente,
por mais que “amor de cama” seja forte
e cem orgasmos violentos nos aporte,
já que é amor de biologia, certamente,
que à gravidez conduziria antigamente,
no compatível feromônio de seu porte.
GIRALUA III
Não é o tipo de amor que mira o Sol
e o acompanha quotidianamente,
amor de ouro, de constância divergente,
suas sementes a expandir em aerossol,
o verdadeiro amor, que vem da mente
e que se pode renovar, qual um farol,
amor para acordar-se no arrebol,
mesmo sendo mais brando sexualmente.
Mas esse amor de Afrodite é o amor da Lua,
“amor de lua”, não mais do que um capricho,
mas como é forte em sua intensidade!
Amor de prata no esplendor da carne nua,
intenso apenas no percutir do nicho,
até que exploda, sem nos deixar saudade!...
GIRALUA IV
Esse é o amor da camponesa e do soldado
que bem se sabe rever-se nunca mais;
esse é o amor que clamam ser pecado,
a distribuir pela Terra os “de-ene-ais”!...
Esse é o amor do adultério revelado,
apedrejamentos causando por demais;
esse é o amor em breve instante consumado
no apressurado de tantos carnavais;
Deusa Afrodite, teu altar é o leito
ou qualquer prancha a nos servir de apoio;
deusa Afrodite, será tua escolha cega?
Ou antes buscas algum rebento sem defeito,
um trigo puro nesse cristal de joio
que a sociedade tão ferozmente sega...?
Nenhum comentário:
Postar um comentário