sábado, 7 de setembro de 2019




AS CORES DO CIÚME
NOVAS SÉRIES DE WILLIAM LAGOS -- 4-14/3/2019

MULHER PARA ÉDIPO, PIERRE-AUGUSTE RENOIR

AS CORES DO CIÚME (XII) ... ... ... 4 mar 2019
AS JACOBINAS (III) ... ... ... 5 mar 2019
TROPOS (III) ... ... ... 6 mar 2019
AYOCOSMOS (III) ... ... ... 7 mar 2019
IGUAL QUE RIO (IV) ... ... ... 8 mar 2019
ARRULHOS NA ALGEROSA (III) ... ... ... 9 mar 2019
YOGA (III) ... ... ... 10 mar 2019
ORIENTALISMOS (IV) ... ... ... 11 mar 2019
AS PANMANCIAS (III) ... ... ... 12 mar 2019
MICROCOSMOS (III) ... ... ... 13 mar 2019
SAIBRO BRANCO (IV) ... ... ... 14 mar 2019

                                                 AS CORES DO CIÚME I – 4 mar 2019           

Isso que chamam de ciúme é um belo exemplo
da forja de um acervo de emoções,
bem mais complexas do que isso que dispões
sob esse rótulo de abobadado templo.

A possessão e o domínio ali contemplo,
os cem retalhos de nossas solidões,
os atos falhos das mil desilusões,
essas feridas que só em amor retemplo,

mas sem amor se fazem reabertas
e se ao amor se mesclar a desconfiança,
muito mais ferem supurações incertas,
agudas dores sobre a autoconfiança,
mais que facadas em tua carne abertas,
enquanto sangra até o final a tua esperança.

AS CORES DO CIÚME II

O ciúme é alimentado pela inveja
de alguém ter o que supúnhamos ser nosso,
essa vertigem que ocultar não posso
quando a certeza de mim não mais se enseja.

Ciúme é o rancor que não mais beija,
ante o objeto do amor tecido grosso,
um empecilho de singular colosso,
vago desdém que em torno a nós adeja.

Ciúme é um ódio que deixou de ser amor,
certa injustiça mesclada de malícia,
a dor vazia que nem sequer chega a ser dor,
mas surda pulsação já sem calor,
nessa suspeita de fera impudicícia,
melancolia a sangrar nosso vigor.

AS CORES DO CIÚME III

Ciúme é muito mais que insegurança,
um vasto esgar de interno vandalismo,
um talho fundo no tecido do humanismo,
irracional ânsia pelos pais de uma criança

que o pai inveja porque goza da bonança
da juventude da mãe em feminismo
ou do usufruto que a mãe tem do masculismo:
ciúme são setenta fios da mesma trança!

E ainda insistem por breve nome apelidar
a multidão de corrupios contraditórios,
manipulados de uma forma singular
por cada um de nós, consoante o conteúdo
que a alma comungou em seus cibórios,
para a garganta recortar em talho agudo!

AS CORES DO CIÚME IV

Ciúme, em tom geral, é mais egoísmo,
sem desejar um só momento repartir
o que se tem, assim a se iludir
que será nosso, sem qualquer mutacionismo.

Todo ciúme é de avareza abismo,
teu amor sem querer deixar dormir,
pois mesmo em sonho te poderá trair,
nesse murmúrio quase num mutismo,

em que algum nome podes decifrar,
que certamente não será o teu,
já que esse sonho não te pertenceu,
mas que o querias igualmente açambarcar,
teu par guardado de qualquer olhar
que alguma imagem pudesse te furtar!

AS CORES DO CIÚME V

Porque ciúme é a seara da incerteza,
da qual não queres perder sequer espiga,
que alguém nem um só suspiro te consiga
furtar de teu escrínio de beleza.

Todo ciúme sendo um ato de crueza,
que te pode transformar numa inimiga
aquela que já foi máxima amiga,
um desperdício de tua maior riqueza!

Porque ciúme é um ato de mendigo
que se revolta ao ver felicidade
nesses que passam por si sem mendigar,
porque ciúme traz a solidão consigo,
sem usufruto permitir, em realidade,
daquele amor que deveria te alegrar...

AS CORES DO CIÚME VI

Todo ciúme possui nó de mau-humor;
ciúme traz um certo tom de desespero,
se reveste de selvagem laivo fero,
um dom de angústia misturado com rancor.

Mostra em seu íntimo um agônico palor,
gesto famélico de um ritual severo,
a desconfiança dos filhos que então gero,
a impudência de um jovem toreador.

Ciúme é beijo azedo em boca amargo,
um acre olor pungente nas narinas,
cegueira breve sobre nosso olhar,
amplexo assassino em gesto largo,
o esfacelar de nossas mútuas sinas,
a sensação de em areia se afundar.

AS CORES DO CIÚME VII

Pois não se sente ciúme só de um par:
sempre há cobiça da posição social,
há o ciúme da produção intelectual,
de qualquer coisa que nos possam retirar.

Porque o ciúme é orgulho a se encrespar.
esse orgulho malferido, estranho mal,
que até numa criança é natural,
mãe e brinquedos sem querer compartilhar.

Destarte ciúme é a natureza humana,
essa certeza de que tudo há de acabar,
que a vida inteira se deverá deixar
e nessa pena o ciúme mais se irmana,
não resultado de qualquer insegurança,
mas da certeza de perder mesmo a esperança!

AS CORES DO CIÚME VIII

Porque ciúme, de fato, é mais que amor,
pura ânsia que abrange o que se deu
e quanto do objeto nem foi teu,
uma expansão do mais estranho ardor.

Ciúme é jóia de singular valor,
que nao se sabe de onde procedeu,
qual a entidade que nô-lo concedeu,
perdão-castigo de caridosa dor.

Outras facetas mil no poliedro,
nessa nuvem de algodão que se percorre,
enquanto o amor se foi e nem mais dói,
que a mente encerra num caixão de cedro
essa parte da alma que nos morre,
miséria seca que nosso peito rói!

AS CORES DO CIÚME IX

Ciúme é sangue que ferve e não se aquece;
Ciúme é pulmão que gela e não respira;
Ciúme é desejo que a ereção nos tira;
Ciúme é súplica que não chega a prece.

Ciúme é um nó na garganta que não desce;
Ciúme é estômago vazio que se revira;
Ciúme é câimbra que jamais se estira;
Ciúme é sede que nunca se arrefece.

Ciúme é um cão de caça sem ter faro;
Ciúme é linha que já perdeu o anzol,
essa fobia que nem ao menos enlouquece.
esse corisco que o fulgor não deixa claro,
esse áspero recife sem farol,
alma de geada que nem sequer padece!

AS CORES DO CIÚME X

Que ciúme é essa traição do próprio ego,
a pira ardente de um automartírio,
a expansão abrangente de um delírio,
contido apenas por desespero cego!

Busca de um par que flui diverso rego,
argentino castiçal, perdido o círio,
velho broquel desnudo de seu lírio,
constante inquietação sem mais sossego...

Quando ciúme se lança para alguém
ou quiçá para algo que se amou,
a gente esquece de se amar também,
só um coquetel de cinzas que restou,
após tragado o último porém
que nem no ventre se depositou...

AS CORES DO CIÚME XI

Ciúme é sobre o sonho pá de cal,
última pedra arrancada do alicerce,
último lanho que nos corta cerce,
do suicídio a inspiração final.

Da morte em vida o patíbulo imoral,
luxúria morta em solitária prece,
defunta mágoa que ao coração nos desce,
qual derradeira imprecação fatal.

Morto o ciúme, porém razão de vida,
na amarga busca de pueril vingança,
por infeliz que seja e ineficaz,
mas que alimenta a alma combalida
do mesmo ardor de um choro de criança
que sua vontade exige e não se faz!

AS CORES DO CIÚME XII

E contudo, quê de nós sem o ciúme!
É o ciúme que impulsiona o artista,
é o ciúme a desbravar qualquer conquista,
é o ciúme que a própria alma traz a lume!

É o ciúme que à alternativa rume,
é o ciúme a incitar cada cientista,
é o ciúme que ao poeta mostra a pista,
é o ciúme que o monge leva ao cume.

Esse ciúme monstruoso e habitual,
que ao filho alheio vai prejudicar,
para o nosso próprio filho entronizar;
esse ciúme muito além do amor carnal,
esse ciúme a propelir competição,
a mola mestra da civilização!...

AS JACOBINAS I – 5 MAR 19 (Terça de Carnaval)

Quatro ramas me acenam da janela,
meio convite que lhes suba nas lianas;
só o faria caso tivesse longas canas
como pernas de pau e estranha sela;
folhas opostas e inteiras mostra a bela
acanteácea em suas gulosas ramas,
a expandir-se com tamanhas ganas,
como um colar devotado à minha donzela!

Ela as contempla através de sua ogival
vidraça, entre os merlões do parapeito (*)
e a um colar polinésio tem direito,
como enfeite para este carnaval,
igual que usam na distante Louisiana,
mais outra herdeira da tradição romana!
(*) Pedras no alto das muralhas, separadas por ameias.

AS JACOBINAS II

Mostra pequenas cornucópias delicadas,
que alguns confundem e chamam de trombetas,
vindas da China em expedições secretas,
mas aqui da América de fato originadas
suas cornucópias de floração amareladas,
mas há mais de trinta variações concretas,
de nossos trópicos, suas flores prediletas
sendo vermelhas ou mesmo alaranjadas.

Algumas delas só em estufas protegidas,
em nosso clima do Sul mais rigoroso:
grandes calores nos auges do verão,
outras no inverno por geadas envolvidas,
sem que percam as folhas ou o ardiloso
projetar-se sobre o telhado em floração.

AS JACOBINAS III

Pois hoje à tarde as longas guias me acenaram,
dança singela ao perpassar do vento,
talvez pensando até formar um liamento
com meus cabelos que dos vidros contemplaram!
Essas lianas assim me convocaram,
para crescer em seu verde filamento,
formando atilho transitório no momento,
em que as postilhonas me asilaram...

Mas o convite não aceitei, porque
não poderia igual que elas balançar-me,
sou preso à terra no grilhão da gravidade
e esse ar em que elas bailam, já se vê,
é rarefeito para sustentar-me,
em minha pesada solidez de humanidade!

TROPOS I – 6 MAR 2019

Definir por palavra uma emoção
é empreendimento bastante delicado,
seu sentido facilmente contrariado,
conforme o viés que porta uma razão;
cada emoção complexíssima noção,
manifestada em teor descontrolado,
conforme o cérebro a tenha imaginado,
dentre os caprichos de cada coração!

Se eu disser, por exemplo, “Amor é Sorte”,
alguém há de entender que é positivo
esse conceito que em breve frase ativo;
mas outrem pensará, em oposto corte,
que seja amor bastante negativo,
um desgosto a nos causar de certo porte.

TROPOS II

O problema é que, ao contrário do ditado,
vale a palavra por mais de mil imagens,
por exemplo essa, de iniciar miragens,
exposta anteriormente em contrastado;
que amor é acerto tão diferenciado,
a recordar multíferas paisagens,
a transmitir complexas mensagens,
como um filtro pela mente compassado.

Ao se falar “Amor”, corre esse fluxo,
que nos percorre a alma, velozmente,
qualquer figura a se rever frequente,
enquanto outro aspecto mais esdrúxulo,
uma só vez na mente nos cintila,
logo trocado ao longo dessa fila.

TROPOS III

Outra palavra de igual poder é “Guerra”.
Suas imagens coriscantes se sucedem.
de uma conservar, outras impedem:
destruição a espalhar por toda a Terra!
Dentro da mente essa visão se encerra
e incontáveis lembranças nos concedem
e outras mil já ser lembradas pedem,
nessa explosão que, silenciosa, berra!

E que dizer dessa palavra, “Morte”,
que nos assombra ou, ao contrário, causa
um certo alívio, se colheu nosso inimigo!
E novamente entra a noção da “Sorte”,
mil volantes de loteria sem ter pausa,
nas quatro folhas de um trifólio amigo!

AYOCOSMOS I – 7 MARÇO 19

Creio não sei o que mais tenha a dizer
Que já não tenha dito em meu antanho,
Na variedade de versos, sem tamanho,
Que diariamente me ponho a recolher
De qualquer dédalo do espírito, sem poder
Afirmar com clareza de onde o ganho
Firme enriquece meu espírito tacanho.
Incerto xempre, se o fui eu a conceber.

“Andar sin ayo” se diz em espanhol,
Para indicar quem goveerna suas ações,
Sem depender do arrimo de ninguém,
Nem de opressão provinda de algum rol
De sociais regras ou quaiquer ordenações :
Primeiro pensa e só depois é que agir vem.

AYOCOSMOS II

Nas sete décadas que tenho em meu viver
Das injunções eu fui-me libertando,
Das injustiças eu fui-me apaziguando,
Buscando em mim toda razão de meu sofrer.
Buscando em mim toda razão de meu poder,
Responsável por meus atos me tornando,
A própria culpa de meus erros aceitando,
Sem que essa culpa me viesse a enlouquecer.

Aceito apenas, de algum remorso isento,
Muito mais fundo encravado o meu lamento
Pelo que podia ter feito e que não fiz.
Pelo que sou já não devo a mais ninguém,
Contudo vivo a cortejar o meu porém,
Que me desdenha pelo que não quis.

AYOCOSMOS III

Meu próprio cosmos construí “sin ayo”;
Olho ao redor e penso que são poucos
Os que puderam ouvidos fazer moucos
Às exigências de um mundo tao lacraio,
Que me morderam, nas quais não mais eu caio,
Por mais que me emudeça em gritos roucos,
Ou me conduza com ademanes loucos,
Que ao verão me conclamam ao fim de maio.

Criei meu propriocosmos solipsista,
Do ayocosmos solerte minha conquista;
Se algo aceito, é que escolhi primeiro.
Só deeidindo por ser própria a decisão
E de algum modo surpreendi-me por inteiro
Quando encontrei o que dizer nesta ocasião!

IGUAL QUE RIO I – 8 MAR 19

És minha torrente, cristalina e passageira,
na superfície sempre permanente,
passa tua água por igual local frequente
e ante o mesmo calhau se encrespa inteira
e até parece coagular-se, derradeira,
tal qual se fosse numa foto complacente,
mas só congela o movimento em aparente
impressão de se poder captar a marcha ligeira;
tens redemoinho a girar em intensa roda,
parece o mesmo em suas volutas nuas,
dança veloz que nunca sai de moda,
e ali comprendo qual se fosse a coda,
que por inteiro a mim mesmo possuas,
enquanto a ti jamais possuirei toda.

IGUAL QUE RIO II

Uma vez disse Heráclito, o Obscuro,
que duas vezes jamais se cruza um rio;
de modo igual, se para ti sorrio,
diverso é o rosto que com o olhar perfuro;
o rosto antigo já desfez-se com apuro,
esse de hoje a seguir seu corrupio;
parece o mesmo apenas em seu lio,
mas outra alma já me fita do olhar puro.
A água segue o mesmo emaranhado,
desce em ondículas, sempre semelhante:
por onde passa, passa inteira novamente,
assim o espírito, em teu rosto espelhado,
logo reflete, vivaz, novo semblante,
sempre igual, porém sempre diferente.

IGUAL QUE RIO III

E qual a prova que tenho de que o rio
que agora desce, possui um movimento?
Contra o tato de meus dedos toma alento,
mas isto é prova de meu próprio brio;
mas folha seca desce num sombrio
deslizar, sem qualquer congelamento,
pois segue a gravidade, sem que um vento
sobre minhas costas provoque um arrepio.
Então eu sei que aquela breve dissensão,
que se diria ser plena e permanente,
igual desce pelas águas de tua vida
e sei que há motilidade em mutação,
pois me pareces ser a mesma diariamente,
mas lá no fundo sei que há desconhecida.

IGUAL QUE RIO IV

O que se ama, então, é o movimento,
esse fluxo das águas transitórias,
carregando consigo vãs histórias,
transmitidas em breve passamento;
e assim, de amar teu corpo me contento,
as girândolas de teu rosto são arbórias,
em suas transiências mais peremptórias,
adivinhadas tão só por um momento.
E nelas nado, mergulhado nesse amuo,
que mais me atrai ao fingir me repelir,
nessa saliva com que os lábios meus aguo
e em cada cílio teu acho prisão,
sem saber quem és hoje a me iludir,
com mil fatias de teu vasto coração.

ARRULHOS NA ALGEROSA I – 9 MAR 19

Logo acima da vidraça do jardim
há metade de cilindro de zinco, proteção
para onde as chuvas do telhado vão,
depois às calhas se lançar feito arlequim.
É a algerosa, no dizer do muezim,
ao rededor da almenara, sua oração
a convocar, em segurança sua dicção,
em proteção de sua permanência, enfim.
Tantas palavras em nosso português,
igual que tantos termos em espanhol,
refletem a multissecular dominação
que o califado em nosso antanho fez,
sobre ancestrais a trabalhar de sol a sol,
escravizados dos mouros na opressão.

ARRULHOS NA ALGEROSA II

Em geral, as pessoas dizem “calha”,
ao referir-se a esse zinco ou alumínio,
que interrompe das águas o domínio,
que uma cabeça atingiriam sem falha
dos transeuntes; ou que, então, se espalha,
as tijoletas a fragmentar em assassínio;
mas é só o cano que desce, como escrínio,
a verdadeira calha – e a densa malha
que percorre dos telhados os beirais
são as algerosas, uma palavra doce,
que executa essa tarefa em gentileza;
e a água escoa, então, nos terminais,
tal qual se fonte de água pura fosse,
a projetar-se na calçada com presteza.

ARRULHOS NA ALGEROSA III

Sob o cilindro desse zinco protetor
vem as pombas construir seus ninhos;
entra ano e sai ano os passarinhos
ali estão com seu arrulho sedutor,
que tantos dizem ser juras de amor,
dos namorados a prova de carinhos,
mas são pios de advertência esses gritinhos,
a demarcar de cada berço o andor...
Nem mesmo os gatos, que andam sorrateiros,
sob as algerosas conseguem se enfiar
cinza-azuladas vêm as pombas arrulhar
para nova geração, em dias certeiros,
quando os seus pios reiniciar, brejeiros,
mais uma vez meu sono a acalentar.

Yoga 1 – 10 mar 2019

Confesso agora que não adotei este modismo,
A que até hoje não consegui me adaptar,
Por mais que digam que me possa dar
Melhoria para meu fisioculturismo;
De fato, tampouco pratiquei este fisismo,
Meus músculos desenvolvi a trabalhar,
Com pá e machado, sempre útil meu malhar,
Abri valetas, cortei lenha, sem “fingismo”...
Muito peso carreguei, sem levantar,
Sempre que fosse necessário transportar,
Longos trajetos igualmente a palmilhar
Quando a certo lugar devia chegar
E desse modo, nenhum tempo me sobrou
Para uma Asana que a Yoga me mostrou.

Yoga 2

Em certas coisas, não sou mais que reacionário,
Até hoje a desconfiar da acupuntura,
Não há tatuagens em minha pele dura:
Raspar meus pelos seria necessário...
E gosto deles,sendo um valetudinário
Primata, de ascendência branca pura,
Bem mais macaco que o apodo que à negrura
É atribuído, por preconceito vário,
Porque os pelos dos afrodescendentes
São quase no seu corpo inexistentes
E se rasparmos de um macaco o pelo,
Sua pele é branca e rosada, seu desvelo
Bem mais parelho ao dos eurodescendentes
Que o dessa gents que tem em África ascendentes.

Yoga 3

E desse modo, se quiser meditação,
Aproveito quando estou em devaneio
Ou de manhã, se de me erguer tenho receio
E denomino “planejar” essa inação,
Pois só levanto após tal preparação,
Sem precisar de posições de longo veio
E nem ginástica sueca de permeio:
Guardo meu corpo sem tal combinação.
E se disser que jamais em “academia”
Sequer entrei, talvez nem me acredites,,,
Mas de modismos nunca sigo a voga,
Sempre a mente a ter em mim a primazia
E se a qualquer exercício então me incites,
Até posso aquiescer, mas não de Yoga!

Orientalismos 1 – 11 mar 19

Só não me entendas mal. Não é por preconceito
Contra as tendências de origens orientais,
Que o Brahmanismo estudei até demais,
Já no Jainismo encontrei vasto defeito.

Reencarnação, pessoalmente, até aceito,
Mas não a metempsicose, que em animais,
Caso retorne, não quero estar jamais,
Qual ser humano  reencarnar tenho direito!

E se minha barba já tem cinquenta anos,
Não a ostento a imitar qualquer Saddhu,
Tampouco aceito algum budismo cru,
Que rejeitado foi por tantos brâmanes
Portanto espero assim que não me danes
Por preconceitos tidos por insanos!...

Orientalismos 2

De fato, muito aprecio o Brahmanismo,
Suas stupas coroando templos belos,
Nos afrescos de Ajanta mil desvelos,
De Sigiriya no Ceilão o feiticismo.

De Borobudur o estatuário sem cinismo,
De Angkor Vât os gigantescos selos,
Inescrutáveis tais rostos singelos,
Redescobertos pelo Arqueologismo...

Abandonados pelo povo do lugar,
Especialmente onde domina o Islamismo,
Sem mais respeito por um passado histórico,
Algumas vezes até a iconoclastizar,
Em resultado de místimo histerismo
Qualquer detalhe de beleza no marmórico.

Oientalismos 3

Muito me agrada toda a arte revelada
Pelos povos da Índia e do Japão,
Que meus próprios patrimônios mesmo são,
Antes que a Unesco sua proteção sagrada

Ungisse sobre tal arte reencontrada...
Tudo isso habita no meu coração,
De algum pagode de orgulhosa construção
A um jardim Zen de perfeição bem calculada.

Tudo isso eu amo, mas nao artes marciais
E muito menos o violento ninjaísmo,
Embora benevolência demonstre ao xintoísmo
E a tantas coisas que no Oriente existem mais,
Porém jamais em total subserviência,
Que no Ocidente ainda percebo mais potência.

Orientalismos 4

Afinal, Índia e China estagnaram,
Do mesmo modo que muito do arabismo,
Foi entre nós a surgir o industrialismo
E as civilizações aqui mais prosperaram.

Nessa corrente nove mil anos deslizaram,
Desde os Sumérios, os Sírios e o arcaísmo
Dos templos hieráticos desse egipcionismo
Que tantos, subservientes, já louvaram.

Mas vem dos Gregos nosso racionalismo,
Vem dos Romanos nossa prática cultura,
Vem dos Judeus o inicial monoteísmo,
Que nos trouxeram, través de muita agrura
A nossa tecnologia e o atual cientificismo,
Vencendo as guerras de fortaleza impura.

AS PANMANCIAS I – 12 MAR 19

pensei um dia consultar uma adivinha,
que me rachasse o espelho do futuro,
na expectativa de um porvir mais puro,
talvez num deles desposando uma rainha...

em outro deles toda a glória se avizinha,
assim rasgada a mortalha do obscuro,
que não mostrasse para mim caminho duro,
só minha vitória, inda que fosse pequeninha...

mas a sibila mostrou-se caprichosa,
sem revelar-me seu délfico esplendor,
embriagada em seu vapor, mas silenciosa...

também no pêndulo vigoroso busquei sorte,
se a teria em qualquer jogo de amor
ou na vitória da vida sobre a morte...

AS PANMANCIAS II

o pêndulo, misticamente, se moveu,
impulsionado, talvez, pelo inconsciente,
mas não decerto pelo pulso meu fremente,
só que o segredo do futuro me escondeu...

qualquer sacrário ou escrínio se perdeu
e fui as cartas consultar, incontinenti,
mas novamente até o Tarot foi inclemente,
um malefício qualquer não prometeu,

sem predizer tampouco um benefício
e igualmente os búzios me falharam...
talvez tivera manto divinatório,

este cumprisse condizente seu ofício,
mas tais bordados não se apresentaram
e nem das folhas de chá seu repertório...

AS PANMANCIAS III

sem crença ter na luz da astrologia,
nem um horóscopo dispor-me a financiar,
em alternativa final, fui apelar
a praticante de quiromancia...

e vejam só!  essa cigana então dizia,
as linhas de minha mão a desvendar,
que longa vida deveria me tocar,
pela extensão dos riscos que entao via...

que seis filhos eu teria me afirmou,
como fruto de só dois casamentos,
acho até que mencionou outros portentos...

mas estes dois meu passado confirmou,
até possíveis, com alguns ajustamentos,
os longos anos que me profetizou!...

MICROCOSMOS I – 13 MAR 2019

Lembrança corroída como poeira,
que se assenta vagamente no passado,
como sol posto em crepúsculo velado,
quando se apaga a flama derradeira...

Só por instante, a memória foi certeira,
de flecha luz no escuro sopesado,
tempo em areia escusamente revelado,
por leve passo na fímbria passageira...

mas o instante se esvaiu, igual que o pó
se assenta aos poucos, nos fundos do ataúde
e mais um laço de trauma atribulado
se perde nesse olvido de estar só

e nesse instante, sem saudade que me escude,
só resta a ausência de um sonho desmanchado...

MICROCOSMOS II

Cada lembrança é um vasto microcosmos,
bem contingente no universo da amplidão,
só uma forma temporária em profusão,
um semovente em seu pseudocosmos...

Cada lembrança um cintilar de cosmos,
um flashback igual que em gravação
de qualquer filme, derradeira comunhão
com o que seria, talvez, um magnocosmos...

esse instante suspeitoso do passado,
qualquer semblante ex-tempore revelado,
cada sentido novamente em erupção,
nessa abrangência irreal da sensação,

que a seguir se desvanece em ar cansado
pela premência de material percepção.

MICROCOSMOS III

Mas por que um microcosmos tão disperso
pelos dédalos e meandros do passado
nos chega de tocaia, em consagrado
milagre fraco, em esplendor converso?

De onde surge esse aberrante terço
que se reza sem querer e sem pecado?
Qual labirinto do coma desvendado,
após dormir em hipnagógico reverso?

Contudo explode, sem contemplação
e no momento em que o queremos apanhar,
corre dos dedos qual líquido fogo,
num poeiracosmos sem maior revelação.

Fica a surpresa, de nós ainda a zombar,
quebrada assim toda a regra de seu jogo!

SAIBRO BRANCO I – 14 março 2019

AMOR É ABRUPTO QUANDO NOS ASSALTA,
POR ISSO FALAM NAS FLECHAS DE CUPIDO,
QUANDO O DEUSINHO CEGO, MALFERIDO
MORDE NOSSO CORAÇÃO COM ESSA MALTA
DE ILUSÕES QUE SUA SETA NOS RESSALTA,
NO PEITO E MENTE ESSE ENSANDECIDO
TROPEL CONTRADITÓRIO E DOLORIDO,
CUJO CONTROLE PARA NÓS SEMPRE NOS FALTA.

É UM CALCULADO E ESPONTÂNEO SOFRIMENTO,
QUE SE QUER COMBATER E NÃO SE QUER,
NO MASOQUÍSTICO DESEJO DA MULHER
QUE NÃO NOS VÊ COM O MESMO JULGAMENTO,
ANTES NOS OLHA COM DESPREZO E NOS CONDENA,
PELO TEMOR DE ACENAR COM A MENOR PENA!

SAIBRO BRANCO II

PORQUE A MENTE DA MULHER É COMO ARGILA,
SE BEM QUE SEJA DESBOTADA NA SUA COR,
DE “SAIBRO BRANCO” A CHAMO EM MEU VISOR,
MOLDADA DE EMOÇÕES EM LARGA FILA;
DO RACIONAL NÃO SE MOSTRA FIEL ANCILA
E FACILMENTE DESCAMBA PARA O AMOR,
CONVERTIDA EM ILUSÕES NESSE TEOR,
EM UM PROCESSO NO QUAL SEQUER SE ATILA.

E A PENA ABRE CAMINHO COM VIGOR
PARA ESSE VASTO CONJUNTO DE EMOÇÕES,
MISTO DE FRIO, DE SAL E DE CALOR,
QUE LHES FAZEM PALPITAR OS CORAÇÕES
E NELES BORDAM UM ESPECIAL FAVOR,
SEM INTENÇÃO DE EXPLICAR-LHE SUAS RAZÕES.

SAIBRO BRANCO III

SUA ALMA ASSIM POR DEMAIS É SUSCETÍVEL
A QUALQUER TIPO DE MANIPULAÇÃO,
SOB INSISTÊNCIA SOFRENDO PERSUASÃO
DE FORMA LENTA E ATÉ IMPERCEPTÍVEL,
SEM QUE HAJA INDIFERENÇA INEXAURIVEL...
MAS SE ENFRAQUECE, POR INSTANTE, A REJEIÇÃO,
MOLDA-SE O SAIBRO PERANTE A SUGESTÃO,
SURGINDO A CRENÇA DE UM AMOR PURO E SENSÍVEL.

RARA A MULHER QUE RESISTE A GALANTEIO,
DESDE QUE SEJA FINO E DELICADO,
SINCERAMENTE CONSTANTE E PERPETUADO,
POIS TODO AMOR, LÁ NO FUNDO, É MATERNAL,
TODO INSTINTIVO, EMPÓS PRESERVAÇÃO
DE NOSSA ESPÉCIE EM SEU VENTRE INDIVIDUAL.

SAIBRO BRANCO IV

EIS PORQUE O TEMOR DE SENTIR PENA,
SE O PRÓPRIO ÓDIO PODE TORNAR-SE INVERSO,
QUANDO O DESPREZO SE TORNA CONTROVERSO
E A BRANDURA, POUCO A POUCO, COBRE A CENA
E NESSA PRÓPRIA INJÚRIA QUE CONDENA
ACHA RAZÃO SEM RAZÃO E ASSIM CONVERSO
É O CORAÇÃO AO ESCANDIR DO VERSO,
ENQUANTO A ALMA AMOR CAPTA QUAL ANTENA.

SE NÃO FOSSE ESSA ARGILA MATERNAL,
ESSE INSTINTO BROTADO LÁ DO ANTANHO,
NEM SEQUER SE DISPORIA A ENGRAVIDAR;
E NO ENTRETANTO, ESSE BRADO ESPIRITUAL
FAZ O IDEAL CRESCER A UM GRAU TAMANHO
QUE ENFIM TE AMA, SEM QUERER TE AMAR!


William Lagos
Tradutor e Poeta – lhwltg@alternet.com.br
Blog:
www.wltradutorepoeta.blogspot.com
Recanto das Letras > Autores > William Lagos
Brasilemversos > brasilemversos-rs > William Lagos
No Facebook, procurar também por William Lagos


Nenhum comentário:

Postar um comentário