EM SONO REM
&+
Novas Séries
de William Lagos 21/3-1º/4/2019
EM SONO REM (III) ... ... ... 21 MAR 19
PREDILEÇÃO (IV) ... ... ... 22 MAR 19
ESTILETES (III) ... ... ... 23 MAR 19
GOTAS DE ILUSÃO (III) ... ... ... 24 MAR 19
MACROCOSMOS (III) ... ... ... 25 MAR 19
ENDOCOSMOS (III) ... ... ... 26 MAR 19
TRITIOCOSMOS (III) ... ... ... 27 MAR 19
DEUTEROCOSMOS (III) ... ... ... 28 MAR 19
SEGUNDAVERA (III) ... ... ... 29 MAR 19
TERÇAVERA (IV) ... ... ... 30 MAR 19
ÉGLOGAS (VI) ... ... ... 31 MAR 19
DIA DAS TRETAS (III) ... ... ... 1º ABR 19
EM
SONO REM I – 21 MAR 2019
Giravam
os seus olhos enquanto os pensamentos
aleias
do cérebro percorriam, incessantes,
suas
redes neurais superlotadas e vibrantes
nesse
elétrico fulgor o fluir dos sentimentos;
conquanto
digam que nossos julgamentos
surjam
da mente, por mais eletrizantes,
nos
corações mil emoções gigantes
à
tona vêm para assolar comportamentos.
Tal
como se batalha consigo então travasse,
que
um lado debatia – e o outro respondia,
as
pupilas girando no compasso da disputa
e
uma parte de si mesma assim se digladiasse
e
outra enfrentasse que igual força possuía,
na
escaramuça o empate da mais intensa luta.
EM SONO REM II
Deitado do seu lado, eu só a
contemplava,
as pálpebras movendo a grade das
pestanas,
o respirar bem leve, depois súbitas
ganas,
enquanto o prélio interno sem pausa
se travava;
enquanto a olhava eu, seu peito
alevantava,
de um leve frescor o bafo em que as
humanas
sempre nos mesmerizaram e os
corações irmanas
na vida semimorta em que o sono
palpitava.
Decerto o coração lhe impunha o
julgamento,
ou quiçá seus pulmões se
enfrentassem mutuamente,
sem que no cérebro se avistasse
movimento
e mesmo o fígado, a que chineses
atribuem
controlar dos sentimentos de forma
equivalente
tampouco influenciava estes versos
que me atuem.
EM
SONO REM III
Pois
nesse batalhar não havia adrenalina,
mas
as ideias a mover o sono dessa mente
adivinhar
eu poderia em ilusão somente...
Mas
o mórbido conflito ainda se inclina...
Seria
um outro amor a perturbar essa menina,
a
contrastar com o meu, condescendente?
Talvez
por isso essa batalha surpreendente
as
pálpebras acionando em luta peregrina...
Como
saber? Se me movesse um cruel ciúme
e
a acordasse para indagar do sonho,
decerto
apagaria a razão desse amertume...
E
assim, olhei somente, em sonho de carinho,
breve
acicate para o verso que componho,
no
refletir do amor presente e tão sozinho.
PREDILEÇÃO
I – 22 MAR 19
Cavalo,
revólver e mulher não se emprestam,
nessa
ordem, é claro. O importante
é
a montaria conservar constante,
sem
ser sujeita a baldas que não prestam!
Para
muitos, nessa lista ainda restam
Cueca
de festa e o cachorro acompanhante,
pois
dos olhos do gaúcho é o fiel guante
contra
inimigos que seu viver contestam.
Fica
a china assim em quarto ou quinto
lugar
na mesma ordem consistente
da
posse individual e até o pelego,
às
vezes, fica avante e smo o cinto,
essa
guaiaca de dinheiro continente,
por
quem a gente têm o maior apego!
PREDILEÇÃO
II
Mas
nesta época de tanto feminismo,
já
qualquer coisa a se chamar de assédio,
fica
o jogo sexual imerso em tédio,
muito
exótico o resultar deste modismo,
quando
condenam todo tipo de machismo
e
ao mesmo tempo, protestam sem remédio
que
a aposentadoria igual um tempo médio
tenha
ao homem e à mulher, num saudosismo
desse
tempo em que era grande a proteção,
de
modo tal que a mulher se aposentava
cinco
anos antes de seu companheiro,
embora
vivesse geralmente na ocasião
cinco
anos a mais, vantagem que lhe dava
de
luz dez anos à frente do parceiro!...
PREDILEÇÃO
III
Na
marcha em que as coisas vão tomando,
se
uma mulher for à praia toda nua
e
se deitar “de pernaberta” em plena rua,
será
um crime para o homem estar olhando.
Contudo
indago se for outra mulher tentando
observar
sua intimidade à lua da lua,
se
é um assédio sexual de forma crua
ou
se da lésbica o olhar se vá acatando...
E
só queria saber se a mulher morta
por
uma outra foi sofrer feminicídio
ou
só um homem possa feminicidar...
Mas
a justiça essa ação talvez entorta
e
entao de novo chamaremos de homicídio
esse
efeito homossexual do assassinar?
PREDILEÇÃO
IV
Por
isso, até ao gaúcho eu dou razão,
enquanto
o IBAMA não oficializar
como
crime hediondo a montaria cavalgar
ou
o FGTS do animal cobrar então.
Se
haverá equinicídio ou assédio redomão
a
declarar-se quando um homem for montar
alguma
égua de mais fácil manejar
do
que um forte e violento garanhão?
Muito
melhor o peão se contentar
com
seu revólver, sua cueca e seu cachorro
e
se esquecer de olhar para mulher
ou
então por ela deixar-se dominar
no
seu ranchinho em riba lá do morro,
até
que ela o denuncie, se quiser!
ESTILETES
I – 23 MARÇO 2019
Com
facas de cristal recorto este poema,
suas
raízes a brotar da hipodermia,
mil
capilares nessa rede de energia,
que
num rascunho minha própria vida drena,
quer
seja a carne da poesia bem pequena,
bem
no fundo de minha derme se alicia,
em
calafrios de profunda hipotermia,
quando
de longe a solidão me acena,
tão
solitária a esfinge da poesia
que
a própria solidão afastaria,
pois
nem saudade para mim então acena;
resta
somente o vazio que me envenena
e
o cristal que nem sequer cintilaria,
enquanto
a mágoa se esvai de toda a cena.
ESTILETES
II
A
solidão do alfange é meu estilo,
meu
estilo a gravar placas de cera,
mas
a cera de minha dama não se abeira,
só
abeira a alma, em cricrilar de grilo
e
fica o grilo a me roer inteiro o silo,
meu
silo de cereal que a vida gera
e
gera em mim tão só rosnar de fera
a
fera muda no esforço do sigilo,
tal
sigilo a denunciar o meu segredo,
o
segredo a revelar-se meu escudo,
esse
escudo a que o amor funesto cedo,
cedo
que seja o ceder de meu desejo,
meu
desejo azulado em fio rombudo,
rombudo
estilo a me ferir qual beijo.
ESTILETES
III
Corta
minha carne a faca de cristal,
nitidamente
atravessada a derme,
cortando
a mágoa jacente na epiderme,
a
hipoderme cortando em golpe astral,
sob
o hipocôndrio inserindo seu fatal
desdém
que liquefaz todo o meu cerne,
cada
tendão e ligamento inerme,
num
coriscar de interno vendaval
e
contudo as palavras emudecem
no
instante mesmo de serem inseridas
neste
rascunho sepultado num cartão,
enquanto
a mágoa e a solidão mais crescem
nessas
palavras das ilusões perdidas,
que
longe acenam, já perdido o seu condão.
GOTAS
DE ILUSÃO I – 24 MAR 19
A
mão eu te estendi, mas não dei meu coração,
nessa
certeza de que tu me amavas
e
a cada vez que diariamente me abraçavas,
era
gentil e bem sincera a minha paixão.
Porém
jamais nutri real uma ilusão
de
que meu coração seguisse a mão;
teu
coração a beijar nessa emoção
de
tanto amor que por mim manifestavas,
que
o coração já, de fato, fora dado,
não
ao primeiro, mas ao segundo amor,
terceiro
amor, foste só consolação,
que
a ti jurasse amor foi meu pecado,
por
mais ardente atiçasse essa ilusão,
que
por mais cálida esfriava meu calor.
GOTAS
DE ILUSÃO II
Não
fui somente eu, tenho certeza!
Quantas
as mãos que por aí se estreitam,
enquanto
dúvidas nos corações espreitam,
no
palpitar desgracioso da incerteza.
Isso
faz parte da própria natureza,
que
em gotas de ilusão o nosso amor aleitam,
gotas
de assombro a fantasia ajeitam,
até
surgir a crença de um amor pela beleza.
Que
seja o amor manifestado na poesia,
amor
alvéolo do mal do romantismo,
tão
anelado quão negado em realismo,
que
na verdade tanta gente me dizia
ser
necessário se pingar gotas de mel
no
falso amor aureolado de ouropel.
GOTAS
DE ILUSÃO III
Outros
diziam que o amor nos vem depois
e
os casamentos sem amor, inicialmente,
um
sentimento gerarão bem certamente
na
companhia assim gerada pelos dois.
Um
certo amor se formou entre nós, pois
não
se pode conviver gratuitamente,
carne
com carne a forjar internamente
esse
liame siderúrgico de anzóis...
E
quando enfim se mostra o nó mais proveitoso,
mútua
confiança assim florando no casal,
qual
a importância desse lamento sideral
que
nalma geme nesse tom pecaminoso,
esparsas
gotas de ácido a pingar
pelo
remorso de não poder de fato amar?
MACROCOSMOS 1 – 25
MARÇO 2019
Quer seja amor um
sentimento sideral,
Um teracosmos que
engole o personal
Ou minúsculo
estilhaço individual,
Em sensação
perpétua ou passageira;
Quer seja amor retalho
da alma inteira,
Quer emoção
transitória e corriqueira,
Quer mutação
aberrante e passageira,
Algo cinéreo
disfarçado de imortal,
Certo é que a todos
e a cada um inquieta
E quando surge, nos
envolve inteiramente,
A mente e o
coração, dor insistente
Ou servidão que a
nós se impõe completa,
Quando a razão em
delíquio nos afeta,
Quão mais profunda
sua ferida entumescente.
MACROCOSMOS 2
Eros foi símile
herdada dos helenos
Para explicar essa
intensa agitação
Que nos domina sem
real causa ou razão,
Nas grandes almas,
nos corações pequenos,
Um macrocosmos nos
espíritos serenos,
Um microcosmos no
apoio da emoção,
Mais controlado que
seja em contenção,
E um certo senso de
ridículo inclui ao menos,
Mas é tão grande em
nós sua irrupção,
Que de lado se põem
as divergências,
Fortalecidas as
pequenas impotências.
Pois qual de fato
possui dominação,
A decisão do peito
voluntário
Ou o sentimento à
decisão contrário?
MACROCOSMOS 3
Como é gigante a
escravidão perfeita!
Como é pequena a
imensidão da escolha!
Da vida antiga a se
virar a folha,
Quando esse algoz
em um sorrir se aceita!
É tão imensa a
pequenez que deita
Por terra o
raciocínio e crava rolha
Nos argumentos
quando amor se acolha,
O corpo e a alma
subornando em peita!
Pois não existe um
macrocosmos mais anão,
Nem microcosmos que
seja tão gigante
Que os fragmentos a
bailar no coração,
Nessa pureza sem
nada de inocente,
Nesse pecado sem
qualquer condenação,
Rede de ouro que
envolve toda a gente!
ENDOCOSMOS 1 –
26/3/19
Em vão sentimos qeu
a emoção envolve
O nosso corpo e a
alma num suspiro;
Isso é ilusão que a
mente lança em giro,
Isso é mistério que
bem fácil se resolve,
Isso é emoção que o
labirinto solve,
Pois está dentro de
nós. É a mim que miro
Quando penso que um
rosto alheio eu firo
Com meu olhar que a
meu redor se volve,
Neste dédalo que
como rede se experimenta,
Que em nós tolher o
raciocínio se contenta
E não se encontra
em absoluto no exterior,
Tanta emoção
endócrina em seu mal,
Hemorraria muito
mais do sinovial (*)
Que os joelhas
enfraquec em seu tremor.
(*) Líquido que
lubrifica as articulações.
ENDOCOSMOS 2
Por isso amor é um
endocosmos expandido
Que a nossos olhos
cega de repente,
Cada problema a
descartar contente,
Mesmo se em nada o
sentimento é respondido,
O corpo inteiro já
está comprometido,
Na adrenalina dessa
esperança ardente,
Absorção do raciocínio
inteligente,
Que a se justificar
vê-se impelido!
Não é o objeto
desse amor que nos domina,
Mas essa falha
interior, a intensa fome
De algo maior que a
própria alma dome,
De alguma coisa tão
bela que fascina,
Essa sede que nos
vem da antiguidade,
Nessa emboscada
sutil que nos invade.
ENDOCOSMOS 3
Porque se ama é a
nossa insuficiência,
Que se anseia por
fim ver satisfeita,
Triste quimera no
temporal perfeita,
Psota de lado a
razão com impaciência
E se não há razão
em tal leniência,
Qualquer alvo aceitável,
dessa feita,
Quase impossível
compreender como se aceita,
O coração em total
subserviência,
Quando é alvo do
amor um tipo estranho
Ao conceito
anterior de perfeição,
Que nem desejo
desperta ou atenção,
Porém que atende a
um prazer tamanho
Desse estilhaço que
chamamos de paixão,
Não mais que
ausência a crepitar no coração.
TRITIOCOSMOS I – 27 MARÇO 2019
Algumas vezes eu me sinto vegetal,
não uma flor, só um caule mais rugoso,
talvez mais leve, seu verde mais sedoso,
sempre capaz de resistir ao vendaval.
Algumas vezes, sinto a seiva natural
me percorrer, em rugido perfumoso,
até meus ramos de tom mais prestimoso,
chegando às sépalas do broquel inaugural.
Não passo disso. Das sépalas só
brota
algum poema, não a flor mais peculiar,
mais raramente, algum fruto singular.
Colhido o sonho, novamente se denota
no mesmo ramo, uma leve brotação,
um brando aroma, de outro fruto irmão.
TRITIOCOSMOS II
Então me sinto como planta em primavera,
que sob o novo sol, mais dadivoso,
após a geada do inverno penumbroso,
dá a uma semente seu retorno a nova era.
Eu sou a folha com que conquista a hera
novas guias a brotar no caloroso
gotejar desse sol no pedregoso
apoio da parede em que se abeira.
Lanço as lianas ao redor de mim,
sem nem saber quando serão podadas,
ou se irão ser por outrem destroçadas
ou recebidas como um manto de alevim,
por nove meses, tal como a gestação
de um novo fruto a pipilar no coração.
TRITIOCOSMOS III
Quando bem sei que embora sendo passageira
em novo tempo o quanto foi retornará,
a folha murcha e todo o fruto cairá,
mas a semente dormitará inteira,
quer hibernando sob a serapilheira, (*)
quer devorada por animal será
que em seu adubo além a depositará,
longe o bastante de sua queda primeira...
(*) Cobertura de folhas secas sobre o solo.
Talvez assim o meu poema falho
alguém devore e o oculto sentimento
floresça no seu peito como um galho
desse mesmo vegetal em que brotei
e então rebrote em seu próprio julgamento,
enfim pensando quase o mesmo que pensei.
DEUTEROCOSMOS I –28 MAR 19
meu microcosmos me abrange em universo,
mas lentamente se expandirá em brotação
caso a semente se apegar no coração,
deuterocosmos em novo andor converso;
sinto que a vida em cada dia disperso
traz energia à minha própria floração,
razão inversa de qualquer desilusão,
quando o desejo de si só vê em reverso.
a graça ingente em meu viver me engana,
o seu perfume só trazendo a dor insana
de se esperar contrário à esperança,
mas o real de cada dia não me dana
com o mal fictício de temporária gana,
para ao final negar qualquer bonança.
DEUTEROCOSMOS II
pois cada planta que nasce a
morte alcança,
talvez roída por uma geada
temporã,
talvez servindo de poleiro a
alguma rã,
solerte à espreita de
qualquer mosca que dança
e então sua língua projeta
como lança
e a recolhe, em alegria
malsã,
o inseto vivo em breve luta
vã
e na tocaia permanece e não
se cansa.
ou essa planta atinge o
pleno crescimento
até ser subitamente
herbivorada,
dentro de um rúmen a
reduzir-se a nada,
salvo uma massa de vácuo
sentimento,
segundo cosmos de completo
esquecimento,
caso não seja qual semente
rejeitada.
DEUTEROCOSMOS III
cada semente a um novo cosmos nutre,
com seus bilhões de células mortais,
cada uma delas com seus próprios carnavais,
cada uma delas jantar de algum abutre;
lança a semente um universo que renutre,
em mil constelações dos alquimiais,
supernovas a luzir em cem fanais,
um novo tempo a consumi-la, em contrabutre,
gera milhares de vidas transitórias
a nossos olhos, mas para si eternas,
a deglutir-se nas emoções mais ternas;
e quem nos diz que não moramos em semente,
com todas nossas aspirações de glórias,
festim de abutre a devorar nosso presente?
SEGUNDAVERA I – 29 MAR 2019
Fica a plantinha sorrindo
verdescente,
Na inocência de sua palidescência,
Da leve brisa a gozar benemerência,
Da luz solar o riso permanente.
Não tem noção de ser palidescente,
Mas sente a força de sua
verdescência:
Abre-se à luz com ampla permanência,
Cada raio a se mostrar benemerente.
Há uma delícia nessa alegria singela,
Na insensatez da santa ignorância,
Tivera alma nessa redundância,
Talvez repúdio mostrasse a ser tão
bela,
Consciência amarga de tal futilidade,
Quando a sombra de uma ovelha o céu
invade.
SEGUNDAVERA II
Mas tudo o que sorri e nalma canta
Também me assoma aos olhos e à
garganta,
Enquanto a inspiração meu sonho
imanta
E me trai no murmurar da falsidade.
Percorre o caule (e a canela) na
verdade,
E ali sussurra sua futilidade,
Tendo consciência de que a
vegetalidade
Não possui, mas sua inteireza é tanta
Que não desiste, sabendo ser sutil
Essa inteireza igual mancha de anil
A se expandir em água de lagoa
Ou que se expande no farrapo de
cartão,
Na sutileza de sua própria situação,
Que enquanto vive julga ser sua vida
boa.
SEGUNDAVERA III
De qualquer modo, o sol da primavera
Estende os braços para o versoplanta
E embora seja outono que hoje a
encanta
Não raciocina ser tão só segunda
vera.
Durante o seu verão sequer espera
Toda a agonia do granizo que descanta
Em bateria de cintilante manta,
Quebrando as hastes tal qual faz
besta-fera.
Última flor do breve veranico,
Março se alonga para o seu final
E chega Abril em um sopro
mais brutal
E como a planta sob o céu eu fico,
Até o zéfiro mostrar-se mais feroz
E sob o teto vá zombar do novo algoz!
terçavera I – 30 mar 19
dizem as línguas que nossa primavera
não chega aos trinta anos e, contudo,
ao recordar minha vida ainda me iludo
que aos cinquenta pude ter
segundavera
e tenha embora sido o inverno rudo,
em minha vida presente ainda me
escudo:
gozo aos setenta de minha terçavera,
caminho como antes, sem bengala,
não me assento na poltrona de minha
sala
para apenas cuidar quem é que passa
e até o presente meus ossos conservei
e se as articulações gastar forcei,
ainda posso me mover com certa
graça...
terçavera II
dizem velhice ser de espírito um
estado:
quem a mente ainda conserva limpa e
pura,
em cada ângulo a portar-se com
lisura,
não se percebe sobremaneira
avelhantado,
apenas muda o sabor de seu pecado,
certa inveja a espreitar com
amargura,
certa revolta porque pouco a vida
dura
e ao mesmo tempo um senso do
aliviado,
porque a sentença que a nós foi
proferida,
que certamente não recebe progressões
de pena! – já está mais perto do
final;
e quem a mente sempre teve preferida,
não se importa em avistar a conclusão
desta mistura de tédio, bem e mal.
terçavera III
só interessa conservar objetivos,
qualquer coisa a fazer, caso a saúde
não tropece em algum percalço rude
e não impeça, com alheios crivos
realizar esses projetos ainda vivos,
embora seu progresso um tanto mude,
sem longo prazo, que apenas nos ilude
sobremaneira em seus desvãos
subjetivos,
mas se planeja somente para o hoje,
qual livro ler, qual texto compor,
quais as compras a fazer na
mercearia,
quais os remédios que a farmácia
aloje,
a que banco ingressar sem grande
ardor
ou qual o prato que cozinhar se iria.
terçavera IV
quanta vez a minha escada subo e
desço,
que mais não seja para tomar café,
ou a companheira para acordar até:
é meio-dia e um novo abraço eu peço;
raras vezes algum item eu esqueço,
subconsciente a portar-se com má fé,
faz-me voltar à padaria, “de a pé”,
para comprar qualquer coisa os passos
meço;
mas hoje apenas quero olhar meus
selos,
quaisquer dezenas nos álbuns colocar,
por meus catálogos Yvert classificar,
informações dactilografadas com
desvelo
em cada página, mas após aposto o
cunho
em meu labor diuturno de rascunho!
ÉCLOGAS
I – 31 MAR 2019
O ecoglass,
vidro líquido, em verdade
é uma nova e vital tecnologia,
que para múltiplos fins nos serviria,
revestimentos de invisibilidade,
mas que ali estão com real
compacidade,
dióxido de sílica em sua nanometria,
algo de fato cuja força permitia
uma capa de espantosa virgindade,
quinhentas vezes mais fina que um
cabelo,
a se espalhar sobre cada superfície,
em robusta e perene proteção,
facilitando sua limpeza e o desvelo,
fisiológica sem ter qualquer sevície,
capaz de ampla flexibilização!
ÉCLOGAS II
Em realidade, o que hoje fui buscar,
nesse Google de tanta informação
foi a métrica da exata formação
de um poema que pretendia ambientar
na natureza, como às plantas comparar
minha própria vida, na recente criação
de alguns poemas nos dias que se vão
nesta semana que acaba de passar,
mas a meus olhos se impôs a
propaganda
de várias fábricas desse mágico ecoglass,
como forma de o tal Google financiar,
sendo gratuito para individual
demanda,
de outro modo seu lucro assim perfaz,
ao nos impor seus anúncios sem parar!
ÉCLOGAS III
Mas eram éclogas que na rede fui
buscar,
como as obras de Vergílio, esse
romano
que nos deixou um vasto acervo arcano
bem antes de nossa era se iniciar,
basicamente em diálogos a tratar
dos conhecimentos ou do amor profano
entre pastores; suas obras, em grande
afano,
múltiplas vezes foram no palco se
encenar;
seu nome Publius Vergilius Maro,
nascido em Piétole, chamada Andes,
então,
para morrer em Brindisi, nome atual
que não mudou em séculos sob o faro
do tempo decorrido em progressão,
cinquenta anos em sua vida
individual...
ÉCLOGAS IV
É mais famoso, de fato, pela Eneida,
esse poema de caráter semi-histórico,
do que por esse canto mais bucólico,
em que seduz Elissa e uma Nereida
o bravo Enéias dessa antiga Tróia,
para ir a Etrúria na Itália então
fundar,
de que Roma após iria resultar;
e quem nos diz que essa grande jóia,
vasto poema épico, algum cunho
de verdade não tivesse além da lenda,
mesmo absorta a intervenção divina?
Também as Geórgicas brotam do seu
punho,
mas foi de fato a sua maior prebenda
este poema de que tanto amor nos
mina...
ÉCLOGAS V
Realmente não achei o que buscava,
qual a métrica na écloga empregada,
tão somente a descrição aproximada
e a divisão pelos pósteros afirmada;
seria a Écloga Pastoral que
procurava,
havendo a Écloga Pisctórica
encontrada
e a Écloga Venetória da caçada,
mas não o ritmo do verso que anelava;
de qualquer modo, essa poesia é
lírica,
tal como a maior parte do que faço,
embora tenda um pouco mais a idílica
e de outros tipos de amor eu mostro o
traço,
desde o sexual até a corte bíblica,
que concebi pelo meu próprio abraço.
ÉCLOGAS
VI
A
breve métrica que achei traz a cesura
inserida
no interior de cada verso;
lembra
duas quadras, em texto bem diverso,
sempre
reunidas por oratória pura;
já
o que escrevo, em meu fadário de amargura,
é
normalmente um soneto em pluriverso,
pois
meu talento eu tenho assim converso
para
esse plano inefável de doçura;
nem
a Teócrito me comparo no bucólico,
que
descrevia a criação do gado,
nem
a Vergílio na criação do histórico;
faço
o que faço apenas constrangido
por
essa inspiração quase pecado,
em
meus poemas de amor desinibido.
DIA
DAS TRETAS I – 1º de Abril de 2019
mais
uma vez chegou-me o mês de abril,
que
deveria ser o meu aniversário,
pois
tanta vez encontrei adversário
que
igual a um bobo me tratou, em gesto vil!
por
algumas décadas, fora o ano civil
só
iniciado em março e em seu fadário
havia
festejos de caráter multifário,
que
culminavam num desfecho pueril.
no
dia primeiro, ou dia da mentira,
se
propalavam todos os boatos,
para
troça fazer de quem ouvia.
e
de algum modo, tal comportamento vira,
em
consequência desses falsos fatos,
na
brincadeira sem maldade que se via.
DIA DAS TRETAS
II
mas fake-news é o que hoje se propaga,
nelas perdida
está toda a inocência,
alguma criada na
mais plena imprudência,
para ver se
algum incauto a nova traga.
na Internet tal notícia não se apaga,
por maior o
desmentido dessa avença;
sempre em alguém
a despertar-se a crença,
especialmente
das eleições na saga.
se bem que se
exagere essa importância,
já que aqueles
que apóiam candidato
descartarão como
irreal esse boato
e aqueles que o
desprezam já em instância,
aceitarão
alegremente o novo fato,
que mais não
seja por amor da manigância.
DIA
DAS TRETAS III
antigamente,
era só uma brincadeira,
que
em geral não incluía má intenção,
só
uma risada ocasional, então,
se
alguém a treta acreditara inteira.
mas
a potoca é, de fato, a cordilheira
de
toda a rede das petas que aí estão,
história
longa de alegre aceitação,
reconhecida
desde o início como leira.
há
até concursos para potoqueiros,
seu
desempenho neles só premiado
quando
mais claro e desavergonhado.
são
esses contos pesados ou ligeiros,
e
em geral só despertam gargalhadas,
quando
as histórias foram bem imaginadas...
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