terça-feira, 27 de junho de 2023


 

ÔNFALE  I – 25 AGO 79 (2ª Versão)

 

Na vaga sedução, meus desenganos,

quais lantejoulas mortas, sem centelhas,

quebradas, negras, esperanças velhas,

rituais que o tempo remarcou profanos,

na vaga sedução, ideais arcanos,

mil ouropéis de jaça e mel de abelhas,

cristais partidos, corações sem telhas,

as chagas ostentando seus mil danos,

 

humanos sonhos, temendo ser divinos,

odor da noite em cantos matutinos,

de faunos degradados, babuínos,

na expressão morta da ilusão perdida,

abóbora em caleça travestida,

num desafio,  tornaram-se destinos.

 

ÔNFALE  II – 24 MAIO 2023

 

Nos vagos desenganos, sedução,

quer seja o espanto a causa da razão,

que se experimente dissonante dita,

em que as teclas de marfim cantem paixão;

nos vagos desenganos, branca fita

trançada de minhalma, assim se agita

cada hora fugidia uma canção,

igual ráfaga de vento que me incita,

 

feita de mim em fitas de desejo

que reconduzem a vagos desenganos,

ideais desfeitos, mas não desilusões,

cada laço de fita um novo beijo,

os meus suspiros bordados em mil planos,

toscos retalhos tecidos de emoções.

 

ÔNFALE  III

 

Nas vagas lantejoulas, mil centelhas

de encarnado fulgor que logo foge,

que se escape das achas e se aloge

nos escaninhos de minhas sobrancelhas,

nessa ardência de esperas que me enoje,

queimando os supercílios, luzes velhas,

na brancura dos fios, tintas parelhas,

a disputar o caminho em que me arroje.

 

Ditas ditosas ao sopro dos azares,

veludo de cristal de minhas desditas,

tarde mendiga do sol que se enfraquece,

fado enfadado à luz de meus penares,

tedioso tédio do abraço a que me incitas

a protestar mil perdas numa prece.

 

ÔNFALE  IV

 

Centelhas vagas, claras lantejoulas,

que não são mais que lascas de latão;

farpas cortadas de meu coração

deixo tombar, sem ter aonde pô-las,

doces centelhas, vagas pombas-rolas,

em purpurino fulgor, breve explosão,

guardadas nas pupilas em canção,

suas vidas breves quanto paixões tolas.

 

Que vida breve têm essas fagulhas!

Como é brilhante sua vida enquanto vivem,

sua longa noite bem mais permanente,

na poeira lenta de queimadas hulhas,

enquanto essas centelhas logo crivem

de rápidas ardências sonho e mente.

 

ÔNFALE  V

 

Vagos ideais em sombras transparentes,

ondas de areia que em meu peito nascem,

em luzes baças que a alma me trespassem,

cristais de espírito na aridez dos crentes,

chapas areando dos fogões que enlacem,

fogos antigos há muito escurescentes,

rubores tinham de sonhos transparentes

essas quimeras que aos poucos se calassem.

 

Nas bocas dos fogões achas de lenha,

empurradas à força pela vida,

para queimar sua fibra inteiramente,

nas bocas da alma outras lascas que se tenha,

empurradas pela angústia malferida,

iguais saudades negras do presente.

 

ÔNFALE  VI – 25 maio 2033

 

Vazia a boca, as lascas se juntavam,

musgo talvez, biruta, maravalha,

toda a moinha a que meu vento espalha,

em que os gravetos da tarde se empilhavam,

as fibras mesmas da solidão queimavam,

brilhantemente, qual mentira falha,

calor jorrando em momentânea malha,

de quem as flamas não se comunicavam.

 

Restrito o fogo sobre tais galhinhos,

a lenha a se empurrar, involuntária,

sem se agradar de cumprir esse papel,

as folhas mesmas ainda mais mesquinhas,

flébeis rascunhos de carta solitária,

de que as mentiras escorriam feito mel.

 

ÔNFALE  VII

 

A nossa vida é também boca de forno,

que se aquece pouco a pouco, desde a infância

e que refulge durante a vida adulta,

por sob os golpes de um atiçador,

cada pancada provocando mil centelhas

(diziam as antigas cozinheiras

serem meninas correndo para a escola),

em riscos de laranja avermelhado...

 

Quanto mais nossos fogos são brilhantes,

bem mais depressa somos consumidos,

negros espectros do que um dia fomos,

enquanto os mais medíocres perduram,

a seiva brota e ferve e se consume,

enfraquecendo a nervura do calor.

 

ÔNFALE  VIII

 

Mas por que “ônfale”, alguém talvez indague,

que tem “umbigo” a ver com tal fogão?

Que tem umbigo a ver com coração,

que tenha umbigo a ver que amor apague,

que tenha umbigo a ver que o sonho vague,

raiz da ônfale a escorrer concentração,

mescla furtiva de concreto e de ilusão,

que dele se irradie e mais se alague

 

a vida humana inteira, mãe e plexo,

esse canal cortado com o passado,

esse verme permanente e enrodilhado,

essa corrente e tocaia para o sexo,

placenta e ventre vivo e ressecado,

que à raça inteira nutre e empresta nexo.

 

ÔNFALE  IX – 26 maio 2033          

 

O que é a ônfale, senão da vida o centro,

o núcleo, encarnação, dor e sabor,

corte e separação, sabor e dor,

tempero antigo, almíscar e coentro

essa ônfale encolhida que está dentro,

anunciando o expandido que está fora,

o fruto murcho, a ligação do outrora,

esse signo do corpo que desventro.

 

A ônfale expandida, rósea taça,

centro do ser, o úmido caroço,

jarro da vida, chafariz materno,

a ônfale de ti, jóia sem jaça

que sei que produzir jamais eu posso,

por mais me esforce em meu afã paterno.

 

ÔNFALE  X

 

Aqui se mostra, mais que na vagina,

falsa do homem e da mulher a diferença:

podem variar a religião e a crença,

mas junge a todos esta mesma sina,

sinal de humanidade, santa crina,

umbilical corrente, bruma densa,

que dê arrepios quando a gente pensa

nessa cadeia tão resistente e fina,

 

que prende o filho à mãe e a mãe a avó

e que o filho ainda mantém e contribui

nos elos brancos do sangue seminal,

colar de visgo, de sangue e de cipó,

tal ônfale que a raça constitui,

marca da madre, mais que selo vaginal.

 

ÔNFALE  XI

 

Sou ônfale também, sou teu umbigo,

quando me acolho em ti, em ti me encolho,

quando penetro em ti, em ti me acolho,

retorno a ti, como ao primal abrigo;

por esse poço circular persigo

o que de mãe há em ti e me recolho

ao ânimo imortal, santo refolho,

em que a raça se renova em ventre amigo.

 

Marca dos homens, poucos animais

possuem esse estigma e se o tem

traz diferente aspecto e outra posição

nos apresenta e dos pelos aos finais

traz recoberta a marca do porém,

em seu vário nascimento e sua feição.

 

ÔNFALE  XII

 

Assim eu vim ao mundo, aqui nasci,

aqui nasceste tu, no mesentério,

parasitando o ventre em beijo sério,

sugando o sangue e a vida para ti;

e com certeza, se hoje estás aqui,

lá te formaste, no mesmo eremitério,

nele tiveste calor e refrigério,

pequeno ser com ânsias preso ali.

 

Deixado em ti o estigma e o sinal

de um ser humano, um transitório anel

dessa corrente que nos vem desde o passado,

o rio da vida, o fluxo imortal

em que os elos se escamam, gema e gel,

nessa conquista de um futuro irrevelado...

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