segunda-feira, 11 de dezembro de 2023


 

 

LESMAS DO MEDO I (3 ago 11)

(Mitzi Gaynor, apogeu hollywoodiano0

 

Eu vi um soneto correndo sob a pele,

para escapar de seu ponto final.

Que concluir não queira é bem normal,

passado a limpo, irei esquecer-me dele.

 

E desse modo, bem antes que revele

qual será a sua chave natural,

que completar irá seu cabedal,

é compreensível que à fuga assim apele.

 

E que se escape desta ponta de caneta

que o recorta em cartão, intensamente

e se enterre sob a palma de minha mão.

 

Pobre soneto de intenção secreta!

Um torniquete no braço, firmemente,

aplicarei, antes que chegue ao coração!

 

LESMAS DO MEDO II

 

Alguns sonetos demonstram esperteza:

não se querem relegar ao esquecimento.

E sob unhas se enfiam, num momento

e se recolhem aos ossos, na ocasião!...

 

Eu os sinto qual artrite aonde estão

e os desloco com medula em movimento.

e nas falanges engancham seu lamento:

abrem-se em bolhas e a linfa, estranha reza,

 

os expulsa para fora e então meus dedos

da mão esquerda sinistramente os pegam

e os cravam novamente no papel!

 

Com estilhas de unhas e segredos,

até que à conclusão não mais se negam

e rebrilham, revestidos de ouropel...

 

LESMAS DO MEDO III

 

Alguns são mais rebeldes e não querem

que lhes aplique o meu grilhão de ouro.

A chave se enferruja, em seu desdouro;

as palavras ressecam-se e me ferem.

 

Nas mortas rimas inúteis em que esperem

que os ponha de lado, ao nascedouro;

que fiquem sobre a mesa, sem estouro.

umedecendo a pólvora a que aderem,

 

sobre minha mesa ainda que incompletos,

na esperança de ser lidos muitas vezes,

que não se apaguem em meu olvidamento

 

mas nessa poeira se fazem locupletos,

buscando meu olhar por muitos meses,

até o instante de seu arrebatamento.

 

LESMAS DO MEDO IV – 1º DEZEMBRO 2023

 

Mas as palavras são gelatinosas

e fogem ao contato dos sonetos.

Exigem se tornarem mais que fetos,

querem suas trilhas percorrer, lustrosas;

 

e me procuram as lesmas glamorosas,

para que a elas atribua os meus afetos,

que me descrevam os vícios mais secretos,

que meus desgostos sejam brancas rosas.

 

E assim, me surge logo esse final,

que o soneto inteiro me negava

e a chave logo puxa outro poema,

 

e outro mais, em estranho festival,

gotas de luz que o vento transportava,

coalescidas na mais preciosa gema. 

 

LESMAS DO MEDO V

 

Porque semelhante me sinto a algum penedo,

a que se agrega, no sabor dos ventos,

toda a areia suspirada em mil lamentos

e o estático chorar de algum segredo,

 

porque as areias a que o espaço cedo,

ao invés de me erodirem em anos lentos,

vão se agregando  nos longos sentimentos

de incrustrações votadas ao degredo,

 

que tu mesma largaste de tua alma,

ao suspirar longe de mim ou perto,

ao expirares poemas incompletos

 

e só espero, envolto em vasta calma,

mantendo para ti o peito aberto,

dando a teus medos a acolhida de meus tetos.

 

LESMAS DO MEDO VI

 

São os medos que escorrem pelos ares

que captaram de ti tais flatulências,

que roubaram tuas tristezas mais sedentas,

que te despiram de todos os pesares,

 

soltos ao vento, no acaso dos azares,

os gritos mudos de tuas  impaciências,

os desesperos que não mais alentas,

as tuas cinzas flutuando sobre os mares,

 

pois tudo a mim apenas traz o vento

e eu não me furto, igual como um rochedo,

às ráfagas de cor, às meigas mortes

 

e vão crescendo, inatural portento,

nesse espaço que no imo peito cedo,

nessa partilha das mais variadas sortes.

 

LESMAS DO MEDO VII – 2 dezembro 2023

 

E dir-se-ia que motivo era de medo

dos assaltos dessas lesmas vespertinas,

que me recobrem em ânsias assassinas

mas que absorvo num abraço ledo...

 

Quando me lês, não recordas teu segredo?

Essas coisas que redijo em laudas finas,

poderiam ser as linhas a que assinas,

mas que puseste de lado com teu dedo.

 

São as ideias que querias expressar,

ou alguns segredos para nunca revelar,

essas migalhas com que, humilde, me contento

 

e que aos poucos consigo amealhar,

tornar mais ricas neste meu penar,

amor fazendo com o medo e com o vento.

 

 

LESMAS DO MEDO VIII

 

De que maneira a meu espírito chegaste

é coisa tua, muito mais que minha,

pois foste tu que balbuciaste a ladainha,

que como lesmas do vento me lançaste,

 

teus desesperos e penas me alcançaste,

que amor fizeram com as tristezas que eu já tinha,

até o nascer da flor, bem pequeninha,

deste soneto que dentro em mim geraste,

 

pois sujeitei-me a ser um servo teu,

mulher desconhecida, a quem jamais verei

e acolhi a tua semente em brotação,

 

no sentimento que em mim nunca cresceu,

mas que em momento altruísta te entreguei,

em meu eclipse total do coração.

 

LESMAS DO MEDO IX

 

Eu pretendia, te juro, porém hoje

já escrevi demais desde minha aurora

da inspiração que me domina desde o outrora,

que a eructação de poemas não me foge.

 

Hoje seria o dia em que tradução se aloje,

tempo após tempo, gerando nessa hora

as palavras alheias em que me oculto, embora,

seja ao trabalho que meu sustento arroje.

 

Eu pretendia, te juro, mas ouvi,

durante o sono, ao trinar de um bem-te-vi,

simultâneo ao pipilar de mil pardais,

 

o teu sonho  em minhas cocleias e o redigi,

sem perceber, no momento em que o descrevi,

que era apenas a tua voz, provinda do jamais...

 

LESMAS DO MEDO X – 3 DEZ 23

 

Pois esses versos que tanto se encolhiam,

sem querer, afinal, ser acabados,

se apresentaram para serem completados,

no puro amor que só por ti sentiam,

 

pois meus próprios sentimentos não o queriam,

que de tanto redigir já estão enjoados,

de pensamentos de fúria ou delicados,

já por tempos demasiados se inseriam.

 

Mas agora, quando o hálito da boca,

que perpassou gentil pelos teus dentes,

que navegou em tua língua adocicada,

 

que dos lábios irrompeu em sanha louca,

gerou em mim sonhares mil, iridescentes,

tontos de amor por tua alma iluminada!

 

LESMAS DO MEDO XI

 

E que posso fazer, quando a vertigem

me assalta os dedos, trêmulos de cio

e que fazer, quando fervilha o rio

e me acolhe rodopiante em sua voragem?

 

E que posso fazer, odalisca de miragem,

que no fundo de meus olhos ainda espio,

o que me resta nos momentos em que o frio

vem revestir-me ao vento da paisagem?

 

Ao invés de resfriar, ele me aquece,

nessa ternura que só provém de ti,

nesse calor que me enviaste sem saber

 

e assim me vejo manietado nessa prece

das mil palavras que só nas mãos ouvi,

sem que os ouvidos as pudessem perceber.

 

 

LESMAS DO MEDO XII

 

Amo-te assim, no medo a chama concebida

dessa minhalma que tu mesma desconheces;

amo teus medos e as lesmas de tuas preces,

amo teus sonhos que mantêm tua vida.

 

São lesmas, sim, mil caracóis de lida,

que se formaram no insensível que padeces,

como suores lentos em que cresces,

todo o segredo da lembrança percebida.

 

Amo-te assim, nas nuvens de ternura,

com que tua língua de manhã me orvalha,

nesses milésimos de sonho em grãos de areia,

 

nessa ampulheta cristalina mas impura,

que o amor do tempo em mil medos se espalha

e todo o medo nessa glória me incendeia!...

 


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