LESMAS DO MEDO I (3 ago 11)
(Mitzi Gaynor, apogeu hollywoodiano0
Eu vi um soneto correndo sob a pele,
para escapar de seu ponto final.
Que concluir não queira é bem normal,
passado a limpo, irei esquecer-me dele.
E desse modo, bem antes que revele
qual será a sua chave natural,
que completar irá seu cabedal,
é compreensível que à fuga assim apele.
E que se escape desta ponta de caneta
que o recorta em cartão, intensamente
e se enterre sob a palma de minha mão.
Pobre soneto de intenção secreta!
Um torniquete no braço, firmemente,
aplicarei, antes que chegue ao coração!
LESMAS DO MEDO II
Alguns sonetos demonstram esperteza:
não se querem relegar ao
esquecimento.
E sob unhas se enfiam,
num momento
e se recolhem aos ossos, na
ocasião!...
Eu os sinto qual artrite aonde estão
e os desloco com medula em movimento.
e nas falanges engancham seu lamento:
abrem-se em bolhas e a linfa,
estranha reza,
os expulsa para fora e então
meus dedos
da mão esquerda sinistramente os
pegam
e os cravam novamente no papel!
Com estilhas de unhas e segredos,
até que à conclusão não mais se negam
e rebrilham, revestidos de ouropel...
LESMAS DO MEDO III
Alguns são mais rebeldes e não querem
que lhes aplique o meu grilhão de ouro.
A chave se enferruja, em seu desdouro;
as palavras ressecam-se e me ferem.
Nas mortas rimas inúteis em que
esperem
que os ponha de lado, ao nascedouro;
que fiquem sobre a mesa, sem estouro.
umedecendo a pólvora a que aderem,
sobre minha mesa ainda que incompletos,
na esperança de ser lidos muitas vezes,
que não se apaguem em meu olvidamento
mas nessa poeira se fazem
locupletos,
buscando meu olhar por muitos meses,
até o instante de seu arrebatamento.
LESMAS DO MEDO IV – 1º DEZEMBRO 2023
Mas as palavras são gelatinosas
e fogem ao contato dos sonetos.
Exigem se tornarem mais que fetos,
querem suas trilhas percorrer, lustrosas;
e me procuram as lesmas glamorosas,
para que a elas atribua os meus afetos,
que me descrevam os vícios mais secretos,
que meus desgostos sejam brancas rosas.
E assim, me surge logo esse final,
que o soneto inteiro me negava
e a chave logo puxa outro poema,
e outro mais, em estranho festival,
gotas de luz que o vento transportava,
coalescidas na mais preciosa gema.
LESMAS DO MEDO V
Porque semelhante me sinto a algum
penedo,
a que se agrega, no sabor dos ventos,
toda a areia suspirada em mil
lamentos
e o estático chorar de algum segredo,
porque as areias a que o espaço cedo,
ao invés de me erodirem em anos
lentos,
vão se agregando nos longos sentimentos
de incrustrações votadas ao degredo,
que tu mesma largaste de tua alma,
ao suspirar longe de mim ou perto,
ao expirares poemas incompletos
e só espero, envolto em vasta calma,
mantendo para ti o peito aberto,
dando a teus medos a acolhida de meus
tetos.
LESMAS DO MEDO VI
São os medos que escorrem pelos ares
que captaram de ti tais flatulências,
que roubaram tuas tristezas mais
sedentas,
que te despiram de todos os pesares,
soltos ao vento, no acaso dos azares,
os gritos mudos de tuas impaciências,
os desesperos que não mais alentas,
as tuas cinzas flutuando sobre os mares,
pois tudo a mim apenas traz o vento
e eu não me furto, igual como um rochedo,
às ráfagas de cor, às meigas mortes
e vão crescendo, inatural portento,
nesse espaço que no imo peito cedo,
nessa partilha das mais variadas sortes.
LESMAS DO MEDO VII – 2 dezembro 2023
E dir-se-ia que motivo era de medo
dos assaltos dessas lesmas vespertinas,
que me recobrem em ânsias assassinas
mas que absorvo num abraço ledo...
Quando me lês, não recordas teu segredo?
Essas coisas que redijo em laudas finas,
poderiam ser as linhas a que assinas,
mas que puseste de lado com teu dedo.
São as ideias que querias expressar,
ou alguns segredos para nunca revelar,
essas migalhas com que, humilde, me contento
e que aos poucos consigo amealhar,
tornar mais ricas neste meu penar,
amor fazendo com o medo e com o vento.
LESMAS DO MEDO VIII
De que maneira a meu espírito
chegaste
é coisa tua, muito mais que minha,
pois foste tu que balbuciaste a
ladainha,
que como lesmas do vento me lançaste,
teus desesperos e penas me
alcançaste,
que amor fizeram com as tristezas que
eu já tinha,
até o nascer da flor, bem pequeninha,
deste soneto que dentro em mim
geraste,
pois sujeitei-me a ser um servo teu,
mulher desconhecida, a quem jamais
verei
e acolhi a tua semente em brotação,
no sentimento que em mim nunca
cresceu,
mas que em momento altruísta te
entreguei,
em meu eclipse total do coração.
LESMAS DO MEDO IX
Eu pretendia, te juro, porém hoje
já escrevi demais desde minha aurora
da inspiração que me domina desde o
outrora,
que a eructação de poemas não me foge.
Hoje seria o dia em que tradução se
aloje,
tempo após tempo, gerando nessa hora
as palavras alheias em que me oculto,
embora,
seja ao trabalho que meu sustento arroje.
Eu pretendia, te juro, mas ouvi,
durante o sono, ao trinar de um
bem-te-vi,
simultâneo ao pipilar de mil pardais,
o teu sonho em minhas cocleias e o redigi,
sem perceber, no momento em que o
descrevi,
que era apenas a tua voz, provinda do
jamais...
LESMAS DO MEDO X – 3 DEZ 23
Pois esses versos que tanto se encolhiam,
sem querer, afinal, ser acabados,
se apresentaram para serem completados,
no puro amor que só por ti sentiam,
pois meus próprios sentimentos não o queriam,
que de tanto redigir já estão enjoados,
de pensamentos de fúria ou delicados,
já por tempos demasiados se inseriam.
Mas agora, quando o hálito da boca,
que perpassou gentil pelos teus dentes,
que navegou em tua língua adocicada,
que dos lábios irrompeu em sanha louca,
gerou em mim sonhares mil, iridescentes,
tontos de amor por tua alma iluminada!
LESMAS DO MEDO XI
E que posso fazer, quando a vertigem
me assalta os dedos, trêmulos de cio
e que fazer, quando fervilha o rio
e me acolhe rodopiante em sua
voragem?
E que posso fazer, odalisca de
miragem,
que no fundo de meus olhos ainda
espio,
o que me resta nos momentos em que o
frio
vem revestir-me ao vento da paisagem?
Ao invés de resfriar, ele me aquece,
nessa ternura que só provém de ti,
nesse calor que me enviaste sem saber
e assim me vejo manietado nessa prece
das mil palavras que só nas mãos
ouvi,
sem que os ouvidos as pudessem
perceber.
LESMAS DO MEDO XII
Amo-te assim, no medo a chama concebida
dessa minhalma que tu mesma desconheces;
amo teus medos e as lesmas de tuas
preces,
amo teus sonhos que mantêm tua vida.
São lesmas, sim, mil caracóis de lida,
que se formaram no insensível que
padeces,
como suores lentos em que cresces,
todo o segredo da lembrança percebida.
Amo-te assim, nas nuvens de ternura,
com que tua língua de manhã me orvalha,
nesses milésimos de sonho em grãos de
areia,
nessa ampulheta cristalina mas impura,
que o amor do tempo em mil medos se
espalha
e todo o medo nessa glória me
incendeia!...
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