A MÁRTIR & MAIS
William Lagos
FACETAS
XVII – A MÁRTIR I (14 JUL 06)
Bondosa
é essa mulher que sacrifica
a
vida pelos filhos; e do marido
o
seu próprio belo aspecto esquecido
deixa
sempre...? E ainda justifica
que
lhe sejam ingratos: são crianças,
umas
pequenas, outro já crescido,
mas
imaturo ainda, esse bandido
que
põe no futebol suas esperanças...
E
assim, se torna feia e desleixada
e
nem surpresa fica ao ser traída.
Pois
já acredita que não é a dedicação
que
impressão causa, mas que pisoteada,
por
mais que guarde amor no coração,
pode
ser diariamente pela vida...
A
MÁRTIR II (6 AGO 13)
Até
que ponto, talvez, tal sacrifício
se
deva à culpa ou quiçá à indolência?
Ante
o combate diário em impotência,
ante
a exigência que lhe requer o ofício
de
mãe e de mulher, perante o vício
de
esquecer de si mesma, em tal leniência,
dos
filhos a aceitar toda exigência,
seu
próprio aspecto levando ao precipício,
por
crer que nem adianta se cuidar,
que
é feia, mesmo – e pior se vai tornando,
em
elogios ou galanteios descrendo,
que
nada mesmo lhe irá adiantar
a
tentativa de atraente se mostrando,
mas
somente como mãe seguir vivendo.
A
MÁRTIR III
O
que leva uma mulher a se largar,
sob
o pretexto de cuidar dos filhos?
Por
que abandona da vaidade os trilhos,
de
sua aparência inteira a descuidar.
Pois
não é só questão de trabalhar...
Há
quem precise no pilão moer os milhos
ou
buscar água por caminhos andarilhos,
tal
atitude bem fácil de explicar...
Porém
há outras que dispõem de bens
e
até mesmo com empregadas contam,
babá
e chofer para levar filhos à escola...
E
mesmo assim, se perdem em vaivens
e
das crianças o cuidado apontam
como
razão de sua atitude tola...
A
MÁRTIR IV
Sempre
é possível que haja depressão
e
não somente a da bipolaridade,
ou
depressão após parto, em realidade,
servindo
em parte como explicação.
Mas
por real que seja a necessidade,
não
existirá aqui outra razão?
Não
terá outros motivos, que serão
os
causadores de tal malversidade?
Existe
o impulso da reprodução
em
maior ou menor grau. Cada mulher
pode
querer uma dúzia de crianças
ou
três ou quatro, com menos impulsão,
ou
quem sabe uma só é o que requer
e
que lhe baste para amplas esperanças...
A
MÁRTIR V
Quem
sabe assim não quer mais ser atraente,
por
já achar ter cumprido a sua função;
sem
ter desejo para nova gestação,
sendo
o perigo de outra bem presente,
caso
consinta em relação frequente;
ao
se enfeiar, se despe da atração;
nossas
leis põem o marido na sua mão,
quer
o atenda ou lhe seja indiferente.
Pois
se ele desejava fazer sexo,
ela
buscava tão somente engravidar;
alcançado
o objetivo, qual razão
para
fazer de novo amor sem nexo.
E
a própria igreja a busca suportar,
ao
proibir da gravidez a prevenção!...
A
MÁRTIR VI
Assim
nos filhos concentra o interesse
e
destitui o marido de carinho;
quando
ele chega, é o repetir mesquinho
dos
trabalhos e mágoas que sofresse,
a
se queixar da vida, em ímpia prece,
qual
se fosse dele a culpa; e em desalinho
o
repele, a impeli-lo a outro caminho,
para
melhor se lamentar do que acontece.
A
eterna mártir pede o divórcio então,
para
viver dos proventos da pensão,
além
dos bens que do coitado retirou;
e
para os filhos projeta a sua desgraça,
seu
pai a condenar, enquanto traça
vasto
retrato de quanto a maltratou...
MEIOBREZA
I – 7 ago 2013-09-11
Existem
nobres e pobres e meiobres:
em
cada círculo há um tipo de poesia;
para
alguns quase real a fantasia,
nessa
ânsia de possuir só mais uns cobres.
Para
todos os sinos tocam dobres,
por
real lástima ou tão só por elegia,
que
algum se queixa mais do que sofria,
outro
é contido por sentimentos nobres.
O
pobre passa fome em sua miséria,
o
nobre sofre com seus compromissos,
o
meiobre de ser pobre tem pavor...
Mas
alcançar a nobreza é coisa séria
e
se desgasta o meiobre nos seus viços,
na
busca ardente por parecer maior...
MEIOBREZA
II
Havia
nobreza de sangue e outra de espada,
uns
sendo nobres tão só por ascendência,
outros
assim se tornando por potência,
nas
fúrias dos combates demonstrada.
Havia
nobres de fortuna fracassada,
a
ostentar sua nobreza em impotência
ou
de um rei a depender, em subserviência,
salvo
a mesa real, sem ter mais nada.
Restava
o orgulho de seus antepassados,
sem
serem dignos de deles descender,
dessas
cortes tão somente os parasitas,
esses
que foram então guilhotinados,
sangue
vermelho dos pescoços a escorrer,
sem
qualquer tom de azul em suas desditas.
MEIOBREZA
III
Era
a pobreza de então mais difundida,
(como
até hoje permeio a nós ocorre).
Pobre
fica qualquer um, assim que morre,
depois
que cesse seu orgulho e toda a lida.
Mas
enriquece aquele que na vida,
pela
indústria e comércio muito corre,
guardando
em cofre, sem que o lucro torre,
até
alcançar substância bem nutrida.
Pelo
dinheiro, então, se faz meiobre
e
casa os filhos e filhas, com vantagem,
entre
os nobres que perderam seu dinheiro.
Não
sendo raro o aristocrata pobre
que
vivia de seu nome na vadiagem,
devendo
a muitos, sem de nada ser herdeiro.
MEIOBREZA
IV
Na
verdade, o trabalho te enobrece,
mas
bem difícil é amealhar fortuna,
sem
que os impostos façam com que suma,
bem
mais depressa que os cochichos de uma prece.
Neste
país, na verdade, só quem cresce
é
quem se ajunta à pública coluna;
cresce
o estipêndio deles como espuma,
enquanto
ao povo pouca coisa desce.
Mas
a nobreza está mais no sentimento
e
na cultura que reúne, aos poucos,
quem
continua externamente pobre.
E
de tal modo, meu sangue não lamento,
nem
procuro ostentar igual que os loucos,
enquanto
aqui permaneço só meiobre...
O
BEM DO BEM I – 8 AGO 13
É
tão frequente se perder na vida,
na
busca vã de ter melhor destino,
o
bem que já se tinha, pequenino,
sem
que outro bem melhor nos dê guarida.
Já
muitas vezes foi a frase proferida
de
que a gente era feliz no velho tino
e
só o veio a saber, tangido o sino,
ao
ver a morta bênção já perdida.
Mas
não é bem assim que a gente diga
que
se era feliz e não sabia:
perde-se
um bem por conseguir um novo,
por
deixar de se apreciar a joia antiga...
Ao
invés de lamentar, melhor seria
ir
buscar em novas plagas um renovo.
O
BEM DO BEM II
Que
todo bem tem o preço de outro bem
e
nada se consegue sem ter preço;
todo
o bem de outro bem nos traz o preço
e
apreço o bem pelo preço que é refém.
Refém
do bem é o bem a que também
eu
quero bem porque ser bem eu meço,
que
existe um preço por cada bem que peço
e
sou refém do preço em seu porém.
Porém
se quero o bem, preciso esforço
para
esse bem de alguém mais conquistar,
que
até um beijo que se toma é bem roubado
e
o bem conquisto com a carga de meu dorso:
mesmo
de graça aparente, hei de pagar
por
cada bem que julgue me foi dado...
O
BEM DO BEM III
O
que é o bem, senão a débil luz,
no
fim do túnel cinza da ambição?
É
bem somente o que abrange nossa mão,
que
é falso o bem que do escuro nos reluz.
Bem
é a colheita de dois braços em cruz,
que
se conserva ao alcance da visão.
Há
bem que é certo e há bem que é só ilusão;
há
bem que ao mal futuro nos conduz.
Segundo
dizem, vêm males para o bem,
igual
que bens nos trarão somente o mal:
paga-se
um bem, quando outro bem se pega,
enquanto
raro é o bem que sempre vem
e
nos cai sobre o colo, em tal sinal
de
que a busca do bem ao mal nos cega...
DIGITAIS I – 9
AGO 13
Trazes nos
dedos as marcas do passado,
do útero a
amniótica profecia,
essa lembrança
de quem em nada cria,
sem previsão de
um futuro atribulado.
São tuas
papilas isentas de pecado,
que assim
recordam, qual estrela-guia,
qualquer lugar
em que tua mão descia,
nesta réstia de
ti que tens deixado.
Há centenas de
marcas nas falanges,
leves fantasmas
da concreta atividade,
que não
passaste pelo mundo em vão,
mas as deixaste
sobre a lâmina de alfanjes
ou na capa de
um livro, sem maldade,
nessas carícias
imprudentes de tua mão.
DIGITAIS II
Segundo
afirmam, nunca houve duas iguais,
por mais que
houvesse alguma semelhança;
atrás de ti
deixaste, sem tardança,
marcas de crime
ou de carinhos mais sensuais.
São de teus
poros vestígios fantasmais,
pegadas
incolores de expectância,
restos de ti
que a memória nem alcança,
que te separam
de todos os demais.
Que estranho
código contêm essas papilas,
bem mais
funesto que o da palma de tua mão?
Por que excitam
tão pouco às quiromantes?
Esse astral
corpo com que no mundo oscilas,
manchas
borradas por hesitação,
perpetuamente
demarcando teus instantes.
DIGITAIS III
E que dizer das
costas de tuas mãos?
Não trazem mapa
de rugas, em treliça,
entremeadas de
alguns pelos, a que eriça
o vento; ou
medo, ou sentimentos vãos?
Largos campos
de cultivo entre armações
das
cordilheiras que teu sangue atiça,
por manomotos
constantes nessa liça
com que teus
dedos compõem tuas criações...
Erguem-se montes,
em redondos everestes
e então se
escondem em pequenas depressões,
sem que a água
da chuva ali se ajunte...
Algumas vezes,
pelos cortes que vos destes,
por descuidados
momentos, em cordões
de sangue rubro
escorrendo qual rejunte...
DIGITAIS IV
Aos quiromantes,
o que importa são as palmas,
todas iguais e
todas diferentes,
para a cabeça e
o coração sinais frequentes,
embora na linha
da vida, outras embalmas
influenciam, em
dependência de tuas calmas
ou nos furores
de teus sonhos mais ingentes,
da alimentação
também ainda dependentes,
linhas do útero
a definir mil almas...
Em um ponto te
revelam casamentos,
em outro os
filhos que na vida hás de gerar,
linhas que
negam os pendores que supunhas...
É mais sensato
acreditar tais mandamentos
que os das estrelas,
para todos a brilhar
ou do fulgor
lunar sobre tuas unhas!...
ENDEIXAS I – 10 AGO 13
ESCONDIDOS SOB O PESO DAS MADEIXAS,
POR MAIS ROBUSTAS QUE SEJAM OU A RAREAR,
OS TEUS ANSEIOS ESTÃO A PALPITAR,
SÓ VINDO À LUZ QUANDO EMERGIR OS DEIXAS;
SOB AS RAÍZES SE ENCONTRAM DESSAS MECHAS,
AGUARDANDO EM SEMI-INERTE COCHILAR
OS TEUS TALENTOS, QUE SÓ IRÃO DESABROCHAR
AO RECEBEREM DIRETAMENTE ENDEIXAS.
SE NADA FAZES, O COCHILO É MAIS PESADO
E SE ESCONDE DE TI, SERENAMENTE.
DEIXAS QUE A VIDA DIÁRIA TE APOQUENTE,
SEM QUE TEU SONHO SEJA REVELADO.
COMO É FÁCIL DEIXAR NA SONOLÊNCIA
ESSES PEQUENOS BROTOS DA INDOLÊNCIA!
ENDEIXAS II
SEM DUVIDAR, ALGUM ESTÍMULO É PRECISO,
COMO É PRECIOSO SEU PURO DESPERTAR;
MAS CADA UM OS PODE CONCILIAR
NESSE VAGO MOMENTO DO INDECISO,
QUANDO O BOTÃO SE ABRE E A FLOR ALISO,
MEIO SURPRESO POR SEU DESABROCHAR
E CHUVO SOBRE MIM, A FERTILIZAR,
SEM QUE DE FORA ME VENHA ALGUM AVISO.
MAS DE OUTRAS VEZES, SÃO REAIS ENDEIXAS
QUE ME INDICAM O MOMENTO DE INICIAR.
IGUAL PAPEL DECORADO A RECITAR,
NA EXPLOSÃO MOMENTÂNEA DE MINHAS QUEIXAS.
ALHEIO ESTÍMULO QUE ME VENHA A DESPERTAR
E A INÉRCIA A SACUDIR EM NOVAS DEIXAS.
ENDEIXAS III
QUE SEJAM PARA MIM PURAS AS QUEIXAS,
PORÉM LAMÚRIAS SEM REAL VALOR,
NEM VELHA LÁSTIMA DE PERDIDO AMOR,
NEM BRANQUECER PAULATINO DAS MADEIXAS.
QUE SEJAM PARA MIM FRACAS
AS PECHAS,
QUE TODA A INJÚRIA PERCA O SEU VIGOR,
QUE ACUSAÇÕES SE EXTINGAM SEM ARDOR
E SÓ PERDUREM AS MAIS GENTIS DAS DEIXAS.
PARA QUE ESPARZA AO REDOR MEU RELUZIR
E NÃO SEJA UM OUTRO ASTRO ADORMECIDO.
A CENTELHA AÍ ESTÁ, POR TODA A VIDA,
SIRVA DE ENDEIXA APENAS O REABRIR
DESTES MEUS OLHOS PARA O DIA CONSEGUIDO
EM MORNA CHAMA, MAS AINDA PERSEGUIDA.
PASSOS TORTOS I – 11 AGO 13
Meus passos tortos pela praia escorrem,
derramando sobre a areia depressões,
na maioria, construídas ilusões:
só comprimi as ravinas que assim morrem.
Mas há mil grãos que minhas solas também forrem.
Levo comigo as reais depreciações;
ao se fecharem as rasas contrações
nunca esses grãos para seu fundo correm.
Deixo na areia o meu peso transitório;
bem passageiras são as marcas desses grãos:
melhor espelho não há da sociedade.
Cada caráter que se tem por peremptório
um dia se afasta e seus impulsos vãos
logo se enchem com argueiros sem saudade.
PASSOS TORTOS II
Teus passos tortos pela vida passam,
deixando marcas em corações e mentes,
em cada rasgo impulsos diferentes,
em cada talho as impressões se abraçam.
Nos mais íntimos teus até perpassam
por longo tempo, teus passos decorrentes,
alguns deles os ampliam, tais quais lentes,
outros os afastam, teus sentidos mal os caçam.
Mas estas marcas, sem ter nada de uniformes,
bem rasas são, iguais passos na areia;
pela paixão um corpo se incendeia,
pelo ódio ficam mentes desconformes,
mas chega o vento e sobe outra maré
e até te esqueces do amor ou da ma fé.
PASSOS TORTOS III
São nossos passos tortos juntamente
e por mais sérios os tomemos, ilusórios,
são depressões no viver, pontos inglórios,
que se deixa de lembrar, rapidamente.
A vida inteira em repetição frequente,
de passos mil de pressão circuncisórios,
de passos vagos escusados e irrisórios,
pegadas rasas sem força mais potente.
Passos na areia, no vento, em plena chuva,
até passos solidários no arvoredo,
passos nos rios, nas pedras, nos lençóis,
meias rombudas, sem nitidez de luva,
calor disperso apenas no lajedo,
já evaporado nos primeiros arrebóis...
DANÇA DE ESMERALDAS I – 12 AGO 13
SEMPRE O VERDE ME ATINGE, AO CINTILAR
DO METÁLICO ORVALHO SOBRE AS FOLHAS
DO IRIDIADO EXPLODIR DE GORDAS BOLHAS,
DAS PENAS PAPAGAIAS A BROTAR...
EU INSPIRO A CALIDEZ DO VERDE-LAR,
QUANDO AS VIDRAÇAS EM RANCOR ME MOLHAS,
EU AMO O VERDE RÚSTICO DAS TROLHAS,
CADA PAREDE LENTAMENTE A REPINTAR.
EU TEMO O VERDE-PANTANAL MAIS SUFOCANTE,
CROCODILIANO RESSURGIR DE MIL LAGARTOS
QUAIS DINOSSAUROS PIPOCANDO EM FESTAS.
E NESSAS FOLHAS SEM GANGA DOMINANTE,
AINDA ME ESPELHO, COMO EM VERDES PARTOS,
NO DURO VERDE-ESCURO DAS FLORESTAS.
DANÇA DE ESMERALDAS II
PENSO NO ARCO-ÍRIS DE GAMA INCANDESCENTE,
ENTRE O MOSTARDA OCREADO E O AZUL-BERILO,
PERCEBO O VERDE EM GAFANHOTO E GRILO
E EM CADA TOM DE TURQUESA EFERVESCENTE.
ENXERGO O VERDE EM CADA ADOLESCENTE
QUE DA CASA DE SEUS PAIS FOGE AO ASILO:
QUER ASCENDER A MONTANHA E SOBE AO SILO,
VERDES AS FALDAS DO ALPINAR INGENTE.
E VEJO O VERDE EM CADA MAREMOTO,
NESSA INVERSÃO ALIENÍGENA DOS DISCOS
E NO FULGOR DA ESTRELA SURPREENDENTE;
E ESCUTO O VERDE NO CREPÚSCULO IGNOTO,
EM QUE A LUZ SE REPRODUZ EM TANTOS CISCOS,
SOB A VERDE IMITAÇÃO DO SOL POENTE...
DANÇA DE ESMERALDAS Iii
E EXISTE VERDE NO SANGUE DERRAMADO
QUE EM MIL FLORES SE ESCORRE A REBROTAR,
VERDE O LARANJA NA GEADA A CINTILAR
E É VERDE O TRIGO DO INSTANTE JÁ PASSADO.
VERDE É O SORRISO DE QUALQUER ENTE AMADO,
ANTE QUE O AMOR CONSIGA MADURAR,
NUMA AMEAÇA DE QUE VÁ SE DISSIPAR,
VERDE FRESCOR TEM O AMOR DESCOMPASSADO.
VERDE É O LUAR SOBRE O LAGO DOS ENCANTOS,
VERDE O SUOR NO LENÇOL APÓS O ORGASMO,
A VIDA É VERDE ENQUANTO AMOR GERMINA,
NA TURMALINA SINFÔNICA DOS PRANTOS,
NO VERDE-CINZA QUE ANTECEDE O PASMO
DO VERDE-ARCHOTE NO FULGIR DA MINA.
VOZES PRESENTES I – 13 AGO 13
Dizem que o dia de hoje traz azar.
Por sorte, é terça-feira. Fosse sexta,
a desgraça campearia como besta,
mugindo males no seu galopar.
Mas hoje é terça e existe um atenuar...
Toda a tristeza assume tons de festa,
há elegia, porém, em cada giesta
se o desencanto se busca dissipar...
Em vão se buscam as vozes do presente,
transitórias em quanto é concebível,
no fim da frase seu início desgastado.
Só a memória se aferra ao inclemente
deslizar da palavra, em voo incrível,
articulando a voz audível do passado.
VOZES PRESENTES II
A inteligência se lança ao incognoscível,
nessa breve percepção do que é futuro,
por minutos talvez – e esbarra em muro
da coletânea multifária do possível.
Nessa voz de um porvir inexaurível
mil formas nos contemplam lá do escuro;
dita a palavra inicial de um esconjuro
ela pode se esbater no intransponível.
As vozes do presente nos assaltam,
igual que fossem, de fato, bem tangíveis,
mas se perdem na transiente atualidade,
enquanto vozes do futuro nos esmaltam,
em cento e uma nuances transmissíveis
rearticulando a voz audível do passado.
VOZES PRESENTES III
Que resta então desse futuro plurinoto,
porém de fato tão só imprevisível?
Qual o fio da meada do possível
será escolhido, qual número de loto?
Que resta então do presente veloz moto,
que nem podemos tocar, mas é visível,
e nem podemos prender por mais audível
em vozes brandas ou roucas do ignoto?
Sem dúvida, só nos resta o vão antanho,
em conexão inexaurível com o porvir:
some o suspiro em breve instante alado
e não se escuta mais o som do ganho,
nem se percebe do futuro o dirigir
a vida inteira ao inaudível do passado.
PREFÁCIO ALHEIO I
(2007)
Antigo amigo veio
pedir-me à esposa
que escrevesse um
prefácio a seus poemas;
sentiu-se honrada e,
sem quaisquer dilemas,
escreveu-lhe uma
página formosa...
Eu mesmo a digitei, na
estranha prosa
que ela costuma usar,
os velhos lemas
retornando, em
metáforas extremas,
embora ela me
afirmasse, melindrosa,
que nem sequer eram
maus aqueles versos,
mas só prosa mal feita;
sentira-se obrigada
a aceitar o convite,
ainda sabendo
que são os meus mais
numerosos e diversos.
É claro que o negou,
porém honrada
Sentiu-se, ao tal
pedido recebendo...
PREFÁCIO ALHEIO II (14
ago 13)
Já ouvi dizer que não
há qualquer poeta
que dê o devido valor
ao verso alheio,
mal comparado com os
que vem do próprio seio,
produz desprezo e ao
juízo sempre afeta.
Mas sempre existe a
percepção discreta
dessas linhas
alinhadas de permeio;
eu sei reconhecer,
segundo o creio,
os versos puros que têm
missão secreta.
Embora mais valor
sempre dê à forma
do que aos versos
livres, folhas secas,
presas por tinta à
página inocente,
com largo esforço que
a visão logo conforma
pela própria formação,
as frases pecas
a voltejar num vazio
incoerente...
PREFÁCIO ALHEIO III
Posso dizer que o
prefácio que ela fez
bem mais poético foi
que o conteúdo
desse impetuoso
medíocre e posudo
no desespero que
aceitas quando o lês.
Sei que até hoje os
termos dessa grês
não foram
publicados... Verso rudo
precisa de ser pago,
não me iludo,
por si mesmo ou por
ti, se nele crês.
Foi assim que ela
criou a “Catedral
de Palavras” para o
título da obra,
no que deixou
extasiado o nosso amigo.
Mesmo sabendo ser em
nada meu rival,
em “Choupana de
Palavras” se recobra
o meu orgulho por meu
próprio umbigo!...
AUTOCÁRCERE I (15 AGO
13)
Na placenta da noite
eu me debato,
da vida amniótica na
espuma,
um feto em escuridão
que me consuma,
na umbilical visão do
simples fato.
Essa caverna onfálica
é meu contato
com o mundo exterior
que assim se esfuma.
Digitalmente o dia se
me apruma:
ultravermelho é o sol
do meu recato.
Estou preso em mim
mesmo e neste ventre
sou filho e mãe,
cativo e carcereiro,
fraco demais para
quebrar grilhões,
por mais que as grades
da prisão adentre,
fui eu mesmo que me
fiz seu prisioneiro,
forjando os elos de
minhas solidões!...
AUTOCÁRCERE II
Enquanto ao ventre,
existe segurança;
há calidez no sono do
alimento;
não mais que a própria
solidão frequento,
meu toque apenas tal
placenta alcança.
Até que ponto é consciente
a pré-criança,
sem o estímulo do
perigo e do tormento?
O eu resgata-se em seu
autoatendimento
ou depende de uma
outorga em abundância?
Em meu sonhar retorno
à obumbração,
laranja e rubra,
exposta à luz do sol,
no amniótico esplendor
do pensamento,
nesse embalo de um
alheio coração
e iluminado em
cerração por tal farol,
o ventre inexistente
então frequento.
AUTOCÁRCERE III
Anos passados e
décadas da expulsão,
por meu cordão apenas
sustentado,
transformado em umbigo
ressecado,
vivi pujante no afirmar
desta noção.
Mas desvendei a vida o
sem-razão,
esse vazio que se
encontra a cada lado,
esse remorso em
coração atribulado,
reconhecendo do bem
toda a ilusão.
E assim me
retraí. Não mais espero
que acetileno as
grades me recorte
ou fio de lêiser contra
os tetos que escolhi;
que a solidão busquei
e nela eu gero
os aportes multicores
de minha sorte,
encarcerado pelo muito
que vivi.
CALOR INVERSO
I – 16 AGO 13
A primavera
se aproxima e chega o vento
a me trazer
mil lembranças do verão,
que para mim
é um desusado caldeirão,
em canibal
feitiçaria do momento.
Este inverno
que para outrem é tormento
a mim
estende, qual em manto, proteção;
somente o
frio é que me traz exultação
eu sou eu
mesmo e do frior não me lamento.
Mas cada ano
que passa, me parece
que o frio
encolhe e que o calor me abraça,
quando meu
próprio calor é suficiente;
a chuva
fresca sobre minha nuca desce,
enquanto
cruzo o coreto desta praça,
mas se
evapora e me sinto inda mais quente.
CALOR INVERSO
II
Dizem que os
velhos sentem mais o frio
do que o
calor gozado quando moços;
aos setenta,
o Rei David, que mil pescoços
cortou
durante as guerras, no seu brio,
já não mais
se aquecia e o calafrio,
sob as
cobertas, igual que em fundos poços,
nem o
lembrava sequer de seus retoços,
quando era
adulto em seu vigor de rio.
Até lhe deram
nova esposa para as noites,
para ver se o
aquecia e diz a história
que nunca o
rei sequer a conheceu...
Nesse
eufemismo contrariando mais afoites
que frase
busquem redigir peremptória:
sentia frio e
de seu ventre se esqueceu...
CALOR INVERSO
III
Mas comigo
não é assim e a cada ano
me parece
menos gélido este inverno
e mais
terrível do verão o úmido inferno:
só de o
lembrar eu suo e a testa espano...
Ainda tenho
uma semanas, sem que o insano
calor de
estio me conduza para o Averno;
por sorte
julgo que o verão não seja eterno:
mesmo na
tumba, não será meu soberano?
Por isso,
sempre almejei a cremação!...
Será um calor
inverso ao dessa chama,
mas esse eu
sei ser apenas temporário...
Que minhas
cinzas se espalhem à viração!
Mas e se cada
grãozinho então se inflama,
todo frio a
desafiar, bem ao contrário?
A MÁRTIR & MAIS
William Lagos
FACETAS
XVII – A MÁRTIR I (14 JUL 06)
Bondosa
é essa mulher que sacrifica
a
vida pelos filhos; e do marido
o
seu próprio belo aspecto esquecido
deixa
sempre...? E ainda justifica
que
lhe sejam ingratos: são crianças,
umas
pequenas, outro já crescido,
mas
imaturo ainda, esse bandido
que
põe no futebol suas esperanças...
E
assim, se torna feia e desleixada
e
nem surpresa fica ao ser traída.
Pois
já acredita que não é a dedicação
que
impressão causa, mas que pisoteada,
por
mais que guarde amor no coração,
pode
ser diariamente pela vida...
A
MÁRTIR II (6 AGO 13)
Até
que ponto, talvez, tal sacrifício
se
deva à culpa ou quiçá à indolência?
Ante
o combate diário em impotência,
ante
a exigência que lhe requer o ofício
de
mãe e de mulher, perante o vício
de
esquecer de si mesma, em tal leniência,
dos
filhos a aceitar toda exigência,
seu
próprio aspecto levando ao precipício,
por
crer que nem adianta se cuidar,
que
é feia, mesmo – e pior se vai tornando,
em
elogios ou galanteios descrendo,
que
nada mesmo lhe irá adiantar
a
tentativa de atraente se mostrando,
mas
somente como mãe seguir vivendo.
A
MÁRTIR III
O
que leva uma mulher a se largar,
sob
o pretexto de cuidar dos filhos?
Por
que abandona da vaidade os trilhos,
de
sua aparência inteira a descuidar.
Pois
não é só questão de trabalhar...
Há
quem precise no pilão moer os milhos
ou
buscar água por caminhos andarilhos,
tal
atitude bem fácil de explicar...
Porém
há outras que dispõem de bens
e
até mesmo com empregadas contam,
babá
e chofer para levar filhos à escola...
E
mesmo assim, se perdem em vaivens
e
das crianças o cuidado apontam
como
razão de sua atitude tola...
A
MÁRTIR IV
Sempre
é possível que haja depressão
e
não somente a da bipolaridade,
ou
depressão após parto, em realidade,
servindo
em parte como explicação.
Mas
por real que seja a necessidade,
não
existirá aqui outra razão?
Não
terá outros motivos, que serão
os
causadores de tal malversidade?
Existe
o impulso da reprodução
em
maior ou menor grau. Cada mulher
pode
querer uma dúzia de crianças
ou
três ou quatro, com menos impulsão,
ou
quem sabe uma só é o que requer
e
que lhe baste para amplas esperanças...
A
MÁRTIR V
Quem
sabe assim não quer mais ser atraente,
por
já achar ter cumprido a sua função;
sem
ter desejo para nova gestação,
sendo
o perigo de outra bem presente,
caso
consinta em relação frequente;
ao
se enfeiar, se despe da atração;
nossas
leis põem o marido na sua mão,
quer
o atenda ou lhe seja indiferente.
Pois
se ele desejava fazer sexo,
ela
buscava tão somente engravidar;
alcançado
o objetivo, qual razão
para
fazer de novo amor sem nexo.
E
a própria igreja a busca suportar,
ao
proibir da gravidez a prevenção!...
A
MÁRTIR VI
Assim
nos filhos concentra o interesse
e
destitui o marido de carinho;
quando
ele chega, é o repetir mesquinho
dos
trabalhos e mágoas que sofresse,
a
se queixar da vida, em ímpia prece,
qual
se fosse dele a culpa; e em desalinho
o
repele, a impeli-lo a outro caminho,
para
melhor se lamentar do que acontece.
A
eterna mártir pede o divórcio então,
para
viver dos proventos da pensão,
além
dos bens que do coitado retirou;
e
para os filhos projeta a sua desgraça,
seu
pai a condenar, enquanto traça
vasto
retrato de quanto a maltratou...
MEIOBREZA
I – 7 ago 2013-09-11
Existem
nobres e pobres e meiobres:
em
cada círculo há um tipo de poesia;
para
alguns quase real a fantasia,
nessa
ânsia de possuir só mais uns cobres.
Para
todos os sinos tocam dobres,
por
real lástima ou tão só por elegia,
que
algum se queixa mais do que sofria,
outro
é contido por sentimentos nobres.
O
pobre passa fome em sua miséria,
o
nobre sofre com seus compromissos,
o
meiobre de ser pobre tem pavor...
Mas
alcançar a nobreza é coisa séria
e
se desgasta o meiobre nos seus viços,
na
busca ardente por parecer maior...
MEIOBREZA
II
Havia
nobreza de sangue e outra de espada,
uns
sendo nobres tão só por ascendência,
outros
assim se tornando por potência,
nas
fúrias dos combates demonstrada.
Havia
nobres de fortuna fracassada,
a
ostentar sua nobreza em impotência
ou
de um rei a depender, em subserviência,
salvo
a mesa real, sem ter mais nada.
Restava
o orgulho de seus antepassados,
sem
serem dignos de deles descender,
dessas
cortes tão somente os parasitas,
esses
que foram então guilhotinados,
sangue
vermelho dos pescoços a escorrer,
sem
qualquer tom de azul em suas desditas.
MEIOBREZA
III
Era
a pobreza de então mais difundida,
(como
até hoje permeio a nós ocorre).
Pobre
fica qualquer um, assim que morre,
depois
que cesse seu orgulho e toda a lida.
Mas
enriquece aquele que na vida,
pela
indústria e comércio muito corre,
guardando
em cofre, sem que o lucro torre,
até
alcançar substância bem nutrida.
Pelo
dinheiro, então, se faz meiobre
e
casa os filhos e filhas, com vantagem,
entre
os nobres que perderam seu dinheiro.
Não
sendo raro o aristocrata pobre
que
vivia de seu nome na vadiagem,
devendo
a muitos, sem de nada ser herdeiro.
MEIOBREZA
IV
Na
verdade, o trabalho te enobrece,
mas
bem difícil é amealhar fortuna,
sem
que os impostos façam com que suma,
bem
mais depressa que os cochichos de uma prece.
Neste
país, na verdade, só quem cresce
é
quem se ajunta à pública coluna;
cresce
o estipêndio deles como espuma,
enquanto
ao povo pouca coisa desce.
Mas
a nobreza está mais no sentimento
e
na cultura que reúne, aos poucos,
quem
continua externamente pobre.
E
de tal modo, meu sangue não lamento,
nem
procuro ostentar igual que os loucos,
enquanto
aqui permaneço só meiobre...
O
BEM DO BEM I – 8 AGO 13
É
tão frequente se perder na vida,
na
busca vã de ter melhor destino,
o
bem que já se tinha, pequenino,
sem
que outro bem melhor nos dê guarida.
Já
muitas vezes foi a frase proferida
de
que a gente era feliz no velho tino
e
só o veio a saber, tangido o sino,
ao
ver a morta bênção já perdida.
Mas
não é bem assim que a gente diga
que
se era feliz e não sabia:
perde-se
um bem por conseguir um novo,
por
deixar de se apreciar a joia antiga...
Ao
invés de lamentar, melhor seria
ir
buscar em novas plagas um renovo.
O
BEM DO BEM II
Que
todo bem tem o preço de outro bem
e
nada se consegue sem ter preço;
todo
o bem de outro bem nos traz o preço
e
apreço o bem pelo preço que é refém.
Refém
do bem é o bem a que também
eu
quero bem porque ser bem eu meço,
que
existe um preço por cada bem que peço
e
sou refém do preço em seu porém.
Porém
se quero o bem, preciso esforço
para
esse bem de alguém mais conquistar,
que
até um beijo que se toma é bem roubado
e
o bem conquisto com a carga de meu dorso:
mesmo
de graça aparente, hei de pagar
por
cada bem que julgue me foi dado...
O
BEM DO BEM III
O
que é o bem, senão a débil luz,
no
fim do túnel cinza da ambição?
É
bem somente o que abrange nossa mão,
que
é falso o bem que do escuro nos reluz.
Bem
é a colheita de dois braços em cruz,
que
se conserva ao alcance da visão.
Há
bem que é certo e há bem que é só ilusão;
há
bem que ao mal futuro nos conduz.
Segundo
dizem, vêm males para o bem,
igual
que bens nos trarão somente o mal:
paga-se
um bem, quando outro bem se pega,
enquanto
raro é o bem que sempre vem
e
nos cai sobre o colo, em tal sinal
de
que a busca do bem ao mal nos cega...
DIGITAIS I – 9
AGO 13
Trazes nos
dedos as marcas do passado,
do útero a
amniótica profecia,
essa lembrança
de quem em nada cria,
sem previsão de
um futuro atribulado.
São tuas
papilas isentas de pecado,
que assim
recordam, qual estrela-guia,
qualquer lugar
em que tua mão descia,
nesta réstia de
ti que tens deixado.
Há centenas de
marcas nas falanges,
leves fantasmas
da concreta atividade,
que não
passaste pelo mundo em vão,
mas as deixaste
sobre a lâmina de alfanjes
ou na capa de
um livro, sem maldade,
nessas carícias
imprudentes de tua mão.
DIGITAIS II
Segundo
afirmam, nunca houve duas iguais,
por mais que
houvesse alguma semelhança;
atrás de ti
deixaste, sem tardança,
marcas de crime
ou de carinhos mais sensuais.
São de teus
poros vestígios fantasmais,
pegadas
incolores de expectância,
restos de ti
que a memória nem alcança,
que te separam
de todos os demais.
Que estranho
código contêm essas papilas,
bem mais
funesto que o da palma de tua mão?
Por que excitam
tão pouco às quiromantes?
Esse astral
corpo com que no mundo oscilas,
manchas
borradas por hesitação,
perpetuamente
demarcando teus instantes.
DIGITAIS III
E que dizer das
costas de tuas mãos?
Não trazem mapa
de rugas, em treliça,
entremeadas de
alguns pelos, a que eriça
o vento; ou
medo, ou sentimentos vãos?
Largos campos
de cultivo entre armações
das
cordilheiras que teu sangue atiça,
por manomotos
constantes nessa liça
com que teus
dedos compõem tuas criações...
Erguem-se montes,
em redondos everestes
e então se
escondem em pequenas depressões,
sem que a água
da chuva ali se ajunte...
Algumas vezes,
pelos cortes que vos destes,
por descuidados
momentos, em cordões
de sangue rubro
escorrendo qual rejunte...
DIGITAIS IV
Aos quiromantes,
o que importa são as palmas,
todas iguais e
todas diferentes,
para a cabeça e
o coração sinais frequentes,
embora na linha
da vida, outras embalmas
influenciam, em
dependência de tuas calmas
ou nos furores
de teus sonhos mais ingentes,
da alimentação
também ainda dependentes,
linhas do útero
a definir mil almas...
Em um ponto te
revelam casamentos,
em outro os
filhos que na vida hás de gerar,
linhas que
negam os pendores que supunhas...
É mais sensato
acreditar tais mandamentos
que os das estrelas,
para todos a brilhar
ou do fulgor
lunar sobre tuas unhas!...
ENDEIXAS I – 10 AGO 13
ESCONDIDOS SOB O PESO DAS MADEIXAS,
POR MAIS ROBUSTAS QUE SEJAM OU A RAREAR,
OS TEUS ANSEIOS ESTÃO A PALPITAR,
SÓ VINDO À LUZ QUANDO EMERGIR OS DEIXAS;
SOB AS RAÍZES SE ENCONTRAM DESSAS MECHAS,
AGUARDANDO EM SEMI-INERTE COCHILAR
OS TEUS TALENTOS, QUE SÓ IRÃO DESABROCHAR
AO RECEBEREM DIRETAMENTE ENDEIXAS.
SE NADA FAZES, O COCHILO É MAIS PESADO
E SE ESCONDE DE TI, SERENAMENTE.
DEIXAS QUE A VIDA DIÁRIA TE APOQUENTE,
SEM QUE TEU SONHO SEJA REVELADO.
COMO É FÁCIL DEIXAR NA SONOLÊNCIA
ESSES PEQUENOS BROTOS DA INDOLÊNCIA!
ENDEIXAS II
SEM DUVIDAR, ALGUM ESTÍMULO É PRECISO,
COMO É PRECIOSO SEU PURO DESPERTAR;
MAS CADA UM OS PODE CONCILIAR
NESSE VAGO MOMENTO DO INDECISO,
QUANDO O BOTÃO SE ABRE E A FLOR ALISO,
MEIO SURPRESO POR SEU DESABROCHAR
E CHUVO SOBRE MIM, A FERTILIZAR,
SEM QUE DE FORA ME VENHA ALGUM AVISO.
MAS DE OUTRAS VEZES, SÃO REAIS ENDEIXAS
QUE ME INDICAM O MOMENTO DE INICIAR.
IGUAL PAPEL DECORADO A RECITAR,
NA EXPLOSÃO MOMENTÂNEA DE MINHAS QUEIXAS.
ALHEIO ESTÍMULO QUE ME VENHA A DESPERTAR
E A INÉRCIA A SACUDIR EM NOVAS DEIXAS.
ENDEIXAS III
QUE SEJAM PARA MIM PURAS AS QUEIXAS,
PORÉM LAMÚRIAS SEM REAL VALOR,
NEM VELHA LÁSTIMA DE PERDIDO AMOR,
NEM BRANQUECER PAULATINO DAS MADEIXAS.
QUE SEJAM PARA MIM FRACAS
AS PECHAS,
QUE TODA A INJÚRIA PERCA O SEU VIGOR,
QUE ACUSAÇÕES SE EXTINGAM SEM ARDOR
E SÓ PERDUREM AS MAIS GENTIS DAS DEIXAS.
PARA QUE ESPARZA AO REDOR MEU RELUZIR
E NÃO SEJA UM OUTRO ASTRO ADORMECIDO.
A CENTELHA AÍ ESTÁ, POR TODA A VIDA,
SIRVA DE ENDEIXA APENAS O REABRIR
DESTES MEUS OLHOS PARA O DIA CONSEGUIDO
EM MORNA CHAMA, MAS AINDA PERSEGUIDA.
PASSOS TORTOS I – 11 AGO 13
Meus passos tortos pela praia escorrem,
derramando sobre a areia depressões,
na maioria, construídas ilusões:
só comprimi as ravinas que assim morrem.
Mas há mil grãos que minhas solas também forrem.
Levo comigo as reais depreciações;
ao se fecharem as rasas contrações
nunca esses grãos para seu fundo correm.
Deixo na areia o meu peso transitório;
bem passageiras são as marcas desses grãos:
melhor espelho não há da sociedade.
Cada caráter que se tem por peremptório
um dia se afasta e seus impulsos vãos
logo se enchem com argueiros sem saudade.
PASSOS TORTOS II
Teus passos tortos pela vida passam,
deixando marcas em corações e mentes,
em cada rasgo impulsos diferentes,
em cada talho as impressões se abraçam.
Nos mais íntimos teus até perpassam
por longo tempo, teus passos decorrentes,
alguns deles os ampliam, tais quais lentes,
outros os afastam, teus sentidos mal os caçam.
Mas estas marcas, sem ter nada de uniformes,
bem rasas são, iguais passos na areia;
pela paixão um corpo se incendeia,
pelo ódio ficam mentes desconformes,
mas chega o vento e sobe outra maré
e até te esqueces do amor ou da ma fé.
PASSOS TORTOS III
São nossos passos tortos juntamente
e por mais sérios os tomemos, ilusórios,
são depressões no viver, pontos inglórios,
que se deixa de lembrar, rapidamente.
A vida inteira em repetição frequente,
de passos mil de pressão circuncisórios,
de passos vagos escusados e irrisórios,
pegadas rasas sem força mais potente.
Passos na areia, no vento, em plena chuva,
até passos solidários no arvoredo,
passos nos rios, nas pedras, nos lençóis,
meias rombudas, sem nitidez de luva,
calor disperso apenas no lajedo,
já evaporado nos primeiros arrebóis...
DANÇA DE ESMERALDAS I – 12 AGO 13
SEMPRE O VERDE ME ATINGE, AO CINTILAR
DO METÁLICO ORVALHO SOBRE AS FOLHAS
DO IRIDIADO EXPLODIR DE GORDAS BOLHAS,
DAS PENAS PAPAGAIAS A BROTAR...
EU INSPIRO A CALIDEZ DO VERDE-LAR,
QUANDO AS VIDRAÇAS EM RANCOR ME MOLHAS,
EU AMO O VERDE RÚSTICO DAS TROLHAS,
CADA PAREDE LENTAMENTE A REPINTAR.
EU TEMO O VERDE-PANTANAL MAIS SUFOCANTE,
CROCODILIANO RESSURGIR DE MIL LAGARTOS
QUAIS DINOSSAUROS PIPOCANDO EM FESTAS.
E NESSAS FOLHAS SEM GANGA DOMINANTE,
AINDA ME ESPELHO, COMO EM VERDES PARTOS,
NO DURO VERDE-ESCURO DAS FLORESTAS.
DANÇA DE ESMERALDAS II
PENSO NO ARCO-ÍRIS DE GAMA INCANDESCENTE,
ENTRE O MOSTARDA OCREADO E O AZUL-BERILO,
PERCEBO O VERDE EM GAFANHOTO E GRILO
E EM CADA TOM DE TURQUESA EFERVESCENTE.
ENXERGO O VERDE EM CADA ADOLESCENTE
QUE DA CASA DE SEUS PAIS FOGE AO ASILO:
QUER ASCENDER A MONTANHA E SOBE AO SILO,
VERDES AS FALDAS DO ALPINAR INGENTE.
E VEJO O VERDE EM CADA MAREMOTO,
NESSA INVERSÃO ALIENÍGENA DOS DISCOS
E NO FULGOR DA ESTRELA SURPREENDENTE;
E ESCUTO O VERDE NO CREPÚSCULO IGNOTO,
EM QUE A LUZ SE REPRODUZ EM TANTOS CISCOS,
SOB A VERDE IMITAÇÃO DO SOL POENTE...
DANÇA DE ESMERALDAS Iii
E EXISTE VERDE NO SANGUE DERRAMADO
QUE EM MIL FLORES SE ESCORRE A REBROTAR,
VERDE O LARANJA NA GEADA A CINTILAR
E É VERDE O TRIGO DO INSTANTE JÁ PASSADO.
VERDE É O SORRISO DE QUALQUER ENTE AMADO,
ANTE QUE O AMOR CONSIGA MADURAR,
NUMA AMEAÇA DE QUE VÁ SE DISSIPAR,
VERDE FRESCOR TEM O AMOR DESCOMPASSADO.
VERDE É O LUAR SOBRE O LAGO DOS ENCANTOS,
VERDE O SUOR NO LENÇOL APÓS O ORGASMO,
A VIDA É VERDE ENQUANTO AMOR GERMINA,
NA TURMALINA SINFÔNICA DOS PRANTOS,
NO VERDE-CINZA QUE ANTECEDE O PASMO
DO VERDE-ARCHOTE NO FULGIR DA MINA.
VOZES PRESENTES I – 13 AGO 13
Dizem que o dia de hoje traz azar.
Por sorte, é terça-feira. Fosse sexta,
a desgraça campearia como besta,
mugindo males no seu galopar.
Mas hoje é terça e existe um atenuar...
Toda a tristeza assume tons de festa,
há elegia, porém, em cada giesta
se o desencanto se busca dissipar...
Em vão se buscam as vozes do presente,
transitórias em quanto é concebível,
no fim da frase seu início desgastado.
Só a memória se aferra ao inclemente
deslizar da palavra, em voo incrível,
articulando a voz audível do passado.
VOZES PRESENTES II
A inteligência se lança ao incognoscível,
nessa breve percepção do que é futuro,
por minutos talvez – e esbarra em muro
da coletânea multifária do possível.
Nessa voz de um porvir inexaurível
mil formas nos contemplam lá do escuro;
dita a palavra inicial de um esconjuro
ela pode se esbater no intransponível.
As vozes do presente nos assaltam,
igual que fossem, de fato, bem tangíveis,
mas se perdem na transiente atualidade,
enquanto vozes do futuro nos esmaltam,
em cento e uma nuances transmissíveis
rearticulando a voz audível do passado.
VOZES PRESENTES III
Que resta então desse futuro plurinoto,
porém de fato tão só imprevisível?
Qual o fio da meada do possível
será escolhido, qual número de loto?
Que resta então do presente veloz moto,
que nem podemos tocar, mas é visível,
e nem podemos prender por mais audível
em vozes brandas ou roucas do ignoto?
Sem dúvida, só nos resta o vão antanho,
em conexão inexaurível com o porvir:
some o suspiro em breve instante alado
e não se escuta mais o som do ganho,
nem se percebe do futuro o dirigir
a vida inteira ao inaudível do passado.
PREFÁCIO ALHEIO I
(2007)
Antigo amigo veio
pedir-me à esposa
que escrevesse um
prefácio a seus poemas;
sentiu-se honrada e,
sem quaisquer dilemas,
escreveu-lhe uma
página formosa...
Eu mesmo a digitei, na
estranha prosa
que ela costuma usar,
os velhos lemas
retornando, em
metáforas extremas,
embora ela me
afirmasse, melindrosa,
que nem sequer eram
maus aqueles versos,
mas só prosa mal feita;
sentira-se obrigada
a aceitar o convite,
ainda sabendo
que são os meus mais
numerosos e diversos.
É claro que o negou,
porém honrada
Sentiu-se, ao tal
pedido recebendo...
PREFÁCIO ALHEIO II (14
ago 13)
Já ouvi dizer que não
há qualquer poeta
que dê o devido valor
ao verso alheio,
mal comparado com os
que vem do próprio seio,
produz desprezo e ao
juízo sempre afeta.
Mas sempre existe a
percepção discreta
dessas linhas
alinhadas de permeio;
eu sei reconhecer,
segundo o creio,
os versos puros que têm
missão secreta.
Embora mais valor
sempre dê à forma
do que aos versos
livres, folhas secas,
presas por tinta à
página inocente,
com largo esforço que
a visão logo conforma
pela própria formação,
as frases pecas
a voltejar num vazio
incoerente...
PREFÁCIO ALHEIO III
Posso dizer que o
prefácio que ela fez
bem mais poético foi
que o conteúdo
desse impetuoso
medíocre e posudo
no desespero que
aceitas quando o lês.
Sei que até hoje os
termos dessa grês
não foram
publicados... Verso rudo
precisa de ser pago,
não me iludo,
por si mesmo ou por
ti, se nele crês.
Foi assim que ela
criou a “Catedral
de Palavras” para o
título da obra,
no que deixou
extasiado o nosso amigo.
Mesmo sabendo ser em
nada meu rival,
em “Choupana de
Palavras” se recobra
o meu orgulho por meu
próprio umbigo!...
AUTOCÁRCERE I (15 AGO
13)
Na placenta da noite
eu me debato,
da vida amniótica na
espuma,
um feto em escuridão
que me consuma,
na umbilical visão do
simples fato.
Essa caverna onfálica
é meu contato
com o mundo exterior
que assim se esfuma.
Digitalmente o dia se
me apruma:
ultravermelho é o sol
do meu recato.
Estou preso em mim
mesmo e neste ventre
sou filho e mãe,
cativo e carcereiro,
fraco demais para
quebrar grilhões,
por mais que as grades
da prisão adentre,
fui eu mesmo que me
fiz seu prisioneiro,
forjando os elos de
minhas solidões!...
AUTOCÁRCERE II
Enquanto ao ventre,
existe segurança;
há calidez no sono do
alimento;
não mais que a própria
solidão frequento,
meu toque apenas tal
placenta alcança.
Até que ponto é consciente
a pré-criança,
sem o estímulo do
perigo e do tormento?
O eu resgata-se em seu
autoatendimento
ou depende de uma
outorga em abundância?
Em meu sonhar retorno
à obumbração,
laranja e rubra,
exposta à luz do sol,
no amniótico esplendor
do pensamento,
nesse embalo de um
alheio coração
e iluminado em
cerração por tal farol,
o ventre inexistente
então frequento.
AUTOCÁRCERE III
Anos passados e
décadas da expulsão,
por meu cordão apenas
sustentado,
transformado em umbigo
ressecado,
vivi pujante no afirmar
desta noção.
Mas desvendei a vida o
sem-razão,
esse vazio que se
encontra a cada lado,
esse remorso em
coração atribulado,
reconhecendo do bem
toda a ilusão.
E assim me
retraí. Não mais espero
que acetileno as
grades me recorte
ou fio de lêiser contra
os tetos que escolhi;
que a solidão busquei
e nela eu gero
os aportes multicores
de minha sorte,
encarcerado pelo muito
que vivi.
CALOR INVERSO
I – 16 AGO 13
A primavera
se aproxima e chega o vento
a me trazer
mil lembranças do verão,
que para mim
é um desusado caldeirão,
em canibal
feitiçaria do momento.
Este inverno
que para outrem é tormento
a mim
estende, qual em manto, proteção;
somente o
frio é que me traz exultação
eu sou eu
mesmo e do frior não me lamento.
Mas cada ano
que passa, me parece
que o frio
encolhe e que o calor me abraça,
quando meu
próprio calor é suficiente;
a chuva
fresca sobre minha nuca desce,
enquanto
cruzo o coreto desta praça,
mas se
evapora e me sinto inda mais quente.
CALOR INVERSO
II
Dizem que os
velhos sentem mais o frio
do que o
calor gozado quando moços;
aos setenta,
o Rei David, que mil pescoços
cortou
durante as guerras, no seu brio,
já não mais
se aquecia e o calafrio,
sob as
cobertas, igual que em fundos poços,
nem o
lembrava sequer de seus retoços,
quando era
adulto em seu vigor de rio.
Até lhe deram
nova esposa para as noites,
para ver se o
aquecia e diz a história
que nunca o
rei sequer a conheceu...
Nesse
eufemismo contrariando mais afoites
que frase
busquem redigir peremptória:
sentia frio e
de seu ventre se esqueceu...
CALOR INVERSO
III
Mas comigo
não é assim e a cada ano
me parece
menos gélido este inverno
e mais
terrível do verão o úmido inferno:
só de o
lembrar eu suo e a testa espano...
Ainda tenho
uma semanas, sem que o insano
calor de
estio me conduza para o Averno;
por sorte
julgo que o verão não seja eterno:
mesmo na
tumba, não será meu soberano?
Por isso,
sempre almejei a cremação!...
Será um calor
inverso ao dessa chama,
mas esse eu
sei ser apenas temporário...
Que minhas
cinzas se espalhem à viração!
Mas e se cada
grãozinho então se inflama,
todo frio a
desafiar, bem ao contrário?
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