O BOM
DIABO – Folklore paraibano,
coleta
de Sílvio Romero, recontado por Monteiro Lobato,
versão
poética de William Lagos, 17 AGO 2013
O BOM
DIABO I
Houve
um rei que teve um filho apenas...
Quando
o rapaz completou dezoito anos,
sua
mãe se aprestou a ler-lhe a sina:
conhecia
certas artes de ciganas
e na
palma de sua mão foi ler os planos
que o
destino reservara para o filho...
E
descobriu, para seus desenganos,
que
sua dita seria “mui malina”:
terrível
fim o aguardava no seu trilho!...
Viu
que a linha de sua vida era cortada
por
traço duplo que lhe indicava a morte:
sobre
um patíbulo ele seria enforcado!...
Não
era pena para príncipe indicada,
morte
em combate lhe seria melhor sorte
ou
então ser decapitado, morte honrosa!
Porém
sua palma apresentava o estranho corte:
por
castigo de plebeu seria aviltado...
Horrível
sina, de fato, pavorosa!...
Pobre
rainha! Ficou tão abalada
que
nada ao filho queria revelar,
mas se
afundou em grave abatimento.
Quando
o filho lhe indagou, ficou calada
e foi
preciso seu marido lhe ordenar:
“Não
acredito nessas bruxarias!
Mas
ande logo!... Trate de contar
qual a
razão de um tão grande sofrimento!
Temos
direito de saber o quanto vias!...”
Finalmente
a rainha, imersa em pranto,
revelou
toda a verdade ao seu rapaz,
deixando
o rei, de surpresa, boquiaberto...
Mas
logo recobrou-se desse espanto.
“Não
acredito!...” “Mas a sorte é bem veraz,
nosso
destino se revela pela mão,
que a
nossa palma desde o berço traz...
Mas só
aos dezoito o resultado é certo
e
infelizmente, essa é a exata predição!...”
O BOM
DIABO II
O
príncipe se esforçou por consolar
seu
pai e mãe, ela triste de dar pena,
o rei
permanecendo desconfiado;
mas
com medo de sua casa desonrar,
quis o
príncipe apartar deles tal cena:
“Eu
peço que vocês me deem licença;
todos
morrem, mas se o destino me condena,
quero
morrer em lugar bem afastado,
em
qualquer terra que ao reino não pertença.”
O rei
seu pai depressa concordou,
mas
foi difícil convencer a rainha:
“Meu
filho, assim nunca mais irei te ver!”
Mas o
rapaz depressa argumentou:
“Se
vou morrer com a espada na bainha
e meu
pescoço sufocado por baraço,
que
sofra apenas eu sorte mesquinha!
Não
quero que me vejam padecer,
meu
cadáver não desejo em seu regaço!”
Assim,
por tal desgosto diminuir,
rei e
rainha concederam sua licença;
deu-lhe
o pai grande soma de dinheiro
e
ambos tristes, assistiram seu partir;
o rei
ainda firme em sua descrença,
mas a
rainha mais firme em sua desdita.
No seu
futuro já o príncipe não pensa:
monta
a cavalo e parte bem ligeiro,
apenas
poeira deixando em longa fita...
Para
evitar chamar grande atenção
pelos
países que conheceria agora,
trocou
suas roupas pelas de mercador,
guardando
as vestes finas sob o arção
da
sela do cavalo, até chegar a hora
e saiu
por aí, destino incerto,
ansiando
percorrer o mundo a fora,
gastando
pouco, sem ostentar a cor
de seu
dinheiro, por ser perigo certo.
O BOM
DIABO III
Mas um
dia, deparou com uma capela
Abandonada
e a foi examinar.
Viu no
altar o Arcanjo São Miguel,
espada
erguida, fisionomia bela,
qual
um guerreiro o inimigo a enfrentar;
e
diante dele, como seu adversário,
estava
um diabo, seu tridente a levantar,
naquela
guerra longa e sem quartel,
em
escaramuças de resultado vário...
Ora, o
príncipe se chamava Dom Miguel
e
assim o Arcanjo era meio seu padrinho...
E como
seu dinheiro ainda sobrava,
pois
não o gastara em luxo ou ouropel,
ao se
ajoelhar, pensava com carinho:
Não foi o acaso que me trouxe aqui.
Se vou morrer, não devo ser mesquinho.
E
decidiu que se a capelinha precisava
de ser
reconstruída, então seria por si.
Havia
uma aldeia perto da capela
e foi
um quarto alugar na hospedaria,
logo a
seguir operários contratando,
a fim
de reerguerem torre e estela.
Ser um
devoto de São Miguel dizia
sem
querer ver a capela em tal estado.
Porém
o preço do trabalho discutia,
senão
o povo acabaria desconfiando
que
era de fato muito bem endinheirado.
Porém
tão logo esteve o preço combinado,
foi a
capela reerguida bem depressa
e
rebocada por dentro e então por fora,
faltando
apenas tudo ser pintado;
mandou-lhe
dar três mãos de tinta espessa,
para
que bem longo tempo então durasse...
E como
um orçamento logo peça
para
as estátuas repintar agora,
fez
que um pintor de fora se chamasse.
O BOM
DIABO IV
É que
os pintores haviam pintado tudo igual:
verde
São Miguel e verde igual o diabo...
O
pintor veio de fora e combinou
o
melhor preço para pintar ao natural,
mas
quando seu trabalho chegou ao cabo,
ele
pintara o Arcanjo, o fundo e o chão
e até
o cavalo inteiro, crina ao rabo,
mas ao
diabo todo verde ele deixou:
“Pintar
o tal não foi a combinação!...”
“Mas
como assim? “Não me deu seu orçamento?”
“É que
eu pensei que só o santo iria pintar...
Para o
diabo eu preciso de encarnado
e não
possuo o suficiente pigmento,
vai
ser preciso na cidade se ir buscar...
Sairá
mais caro que a atual combinação...”
O
príncipe se cansou de argumentar:
“Pois
vá buscar, mesmo que fora do orçado...”
Viu
que lidava com um espertalhão!...
De
fato, o pintor, cujo nome era Rodrigo,
já
tinha a tinta bem guardada e escondida,
mas
dinheiro lhe pediu para a viagem
e na
própria hospedaria tomou abrigo;
nos
intervalos da prolongada lida,
comia
e dormia às custas do rapaz,
mas
quando viu que sua paciência era perdida,
a obra
completou sem molecagem,
na
ambição de receber pelo que faz...
Ficou
o príncipe com o trabalho satisfeito
e
assim tirou do bolso do gibão
as
três moedas de ouro combinadas.
Porém
Rodrigo, querendo tirar proveito,
apresentou-lhe
nova conta na ocasião:
“É que
o senhor me deve outra moeda,
pois o
trabalho eu fiz com perfeição
e fiz
várias viagens arriscadas...”
Viu
Dom Miguel a sua artimanha e enredo...
O BOM
DIABO V
“Acho
que não nos entendemos, meu amigo.
Eu
combinei com você só duas coroas:
por
mais tinta e por viagens outra lhe dou,
metade
a mais do que combinei consigo;
e em
recompensa pelas pinturas boas
vou
pagar, além disso, a tua estadia,
dormiste
bem e comeste muitas broas;
o
taverneiro já tua conta apresentou:
bebeste
vinho a valer na hospedaria!...”
Teve o
pintor de conformar-se, assim,
porém
com raiva, prometeu vingar-se,
pois
deveria o dobro ter cobrado!...
Mas
Dom Miguel fechou a capela, enfim,
e com
o sacristão foi acertar-se,
que
até sua volta dela bem cuidasse,
pois
pretendia ver nela realizar-se
missa
solene; pagaria “do bom e do contado”
ao
vigário que então a celebrasse!...
Ora, o
sacristão era primo do pintor
e eram
ambos também muito ambiciosos
e
nessa noite combinaram assaltá-lo,
porém
achando o rapaz bom lutador,
decidiram
por outros meios ardilosos...
Foram
depressa combinar com a tia-avó
alguns
aleives dos mais astuciosos,
sobre
a forma melhor para enganá-lo,
que
era estrangeiro e andava sempre só...
O
sacristão voltou depressa à aldeia
e
quando o príncipe já montava seu cavalo,
falsa
amizade a lhe dar demonstração,
foi-lhe
lançando a malha de sua teia...
“Seu
Mercador”, disse ele, num abalo,
“quando
o senhor chegar lá na cidade
há o
perigo de quererem assaltá-lo...
Ora, a
minha tia dá pouso e refeição,
a casa
é limpa, é de grande honestidade...”
O BOM
DIABO VI
Dom
Miguel aceitou-lhe a sugestão
e
depois de uma longa cavalgada,
foi-se
hospedar em casa da intrujona...
Tomou
um bom banho, fez lauta refeição
e no
seu quarto, com a porta bem trancada,
foi
contar quanta moeda lhe sobrara,
sob
suas roupas finas bem guardada...
Por
uma fresta, ela viu ser grande soma
e bela
intriga deste modo arquitetara...
Em
companhia do pintor e do sacristão,
Foram
dar queixa ao local Corregedor:
“Esse
mau hóspede roubou o meu dinheiro,
que eu
guardava escondido num caixão!
O meu
sobrinho foi falar com esse senhor,
mas
ele o ameaçou com sua espada!...”
E o
sacristão confirmou, sem destemor:
“Ele
já matou a um infeliz, primeiro,
que
encontrou cavalgando pela estrada!...”
“Era
um homem bom, de grande coração,
que
até mandou restaurar nossa capela!...”
Disse
Rodrigo: “Fui eu mesmo que a pintei...”
“As
roupas lhe roubou”, jurava o sacristão...
“A
vítima enterrei, com pena só de vê-la! –
lá na
floresta, bem à beira do caminho...”
E tão
bem os três deram à trela,
que o
Senhor Corregedor, segundo a lei,
mandou
prender o rapaz, em seu quartinho...
O
dinheiro, contudo, confiscou,
sem
entregar moeda aos trapalhões,
tudo
contado ainda em sua presença...
“O dinheiro
é meu!” – a velha protestou.
“Também
é nosso!” – disseram os dois ladrões.
“As
nossas rendas deixamos com a vovó,
que
empresta a juros e assim crescem os dobrões!”
O
policial pretendeu ser uma ofensa:
“Sem
julgamento, não verão moeda só!...”
O BOM
DIABO VII
Os
três ladrões ficaram desbicados
e
então a velha propôs que repartissem,
para
suspeita do Corregedor,
que
fez os três serem então encarcerados,
até
que os fatos bem claro se revissem,
pois o
rapaz não tinha jeito de ladrão...
Sua
identidade não querendo descobrissem,
ele
insistia ser tão só um mercador,
ganhando
o ouro pela própria profissão.
Mas
por ninguém era ele conhecido
e
ameaçado por sofrer penas da lei,
disse
ser príncipe do país vizinho
e que
não era por crime perseguido.
Disse o
Corregedor: “Pelo que sei,
você
está é inventando nova história!
Pois
vou mandá-lo ao tribunal do rei,
que
ele decida seu destino, rapazinho!
Se vai
ser solto ou sofrer a pena inglória!...”
Dom
Miguel foi amarrado a seu cavalo,
numa
carroça seus três acusadores,
até
chegarem do reino à capital,
os
intrujões insistindo em acusá-lo,
a essa
altura sob os amedrontadores
medos
do cárcere e de suas torturas!...
Só
tinham chance de escapar de seus temores
se
continuassem afirmando ser real
sua
acusação e não só mentiras puras!
Foi o
príncipe levado ao tribunal,
onde
encontrou o rei de mau-humor,
acreditando
ser mesmo ele o culpado.
Seu
nome então não disse, é natural,
por
não trazer sobre o pai o desonrar:
era
sua sina que agora se cumpria!
Determinou
o rei, sem mais favor,
que
fosse ao cabo de três dias enforcado,
enquanto
o ouro a seu erário recolhia!...
O BOM
DIABO VIII
Mas o
Corregedor não quis soltar
o
bando de intrujões de sua prisão,
que
achava a história ainda mal contada.
A
ordem do rei não pretendia contrariar,
mas
ainda continuar a investigação.
Nenhuma
cova na floresta foi achada
e
desconfiara ainda mais do sacristão;
“fora
a carcaça por lobos devorada”,
ele
afirmara, ainda aumentando a trapalhada...
Enquanto
isso, na capelinha restaurada,
com o
diabo Dom Miguel encetou prosa.
Há
tanto tempo os dois eram vizinhos
que
sua amizade tinha sido reforçada,
já
esquecida a rivalidade poderosa.
“Pois
então, estás bonito, pobre diabo...?”
“Ah,
me cobriram de pintura bem formosa,
os
dois estamos até bem bonitinhos,”
disse-lhe
a estátua, a sacudir o rabo...
“E não
sabes quem foi que nos pintou?”
“Só me
acordei quando os olhos me pintaram...”
“Pois
foi um príncipe, condenado à morte...”
“Ora,
por quê? Qual o mal que ele causou?”
“Nenhum
que eu saiba, porém o caluniaram...
Disseram
ter cometido assassinato,
porque
o dinheiro dele cobiçaram...
Mas o
rapaz está conforme com sua sorte
e nem
pediu a Deus por ser perdoado...”
“Sem
oração, eu não posso fazer nada...”
E
então contou ao diabo a história inteira.
“Ah,
mas eu posso! Me empresta seu cavalo?”
“Acho
que dá... A capela está trancada...
Mas
veja bem! Não me vá fazer besteira!”
“Não
se preocupe... Os maus todos me pertencem!”
E já o
diabo saiu numa carreira,
saltando
velozmente riacho e valo,
que o
mal é mais veloz que muitos pensem!
O BOM
DIABO IX
Ele
pensava: Sou mesmo um pobre diabo
e mal não fiz até hoje para alguém...
Passei a vida em pé, lá na capela...
Tampouco de ajudar os outros eu me gabo,
mas é tão mais fácil se fazer o bem!...
Que me perdoe o malvado Pai do Inferno!
Ninguém por mim se interessou também...
Para o Miguel acendiam cada vela!...
Tinha
o diabo seu coração já meio terno...
Ao
mesmo tempo, o bom Corregedor,
por
não ter provas, todos os três soltara,
mas
sem levarem uma coroa do dinheiro!
“Estou
de olho!... – falou-lhes o inspetor
e cada
qual para casa já voltara,
sem
terem pena do pobre rapaz,
que
por três noites sofrera e suspirara,
sem
suspeitar que o seu fado matreiro
o
próprio Deus impedir fosse capaz!...
“Por
linhas tortas Deus escreve certo...”
Assim
o diabo logo achou o sacristão,
que
reduziu e num bolso colocou!
E
então da casa da tia-avó chegou bem perto
e a
agarrou pelos cabelos, num puxão!
Foi a
seguir até a casa do pintor...
Depois
que os três amarrados bem estão,
até o
Corregedor se apresentou,
que o
atendeu, sem lhe negar favor...
“Eu
desconfiei destes três desde o começo!”
E
foram todos até o tribunal,
solicitando
uma audiência para o rei,
cujo
humor mostrava então melhor apreço,
pois
expulsara um cálculo renal...
E
depois de escutar a história inteira,
para o
diabo com fidalguia se mostrou,
determinando,
qual mandava a lei,
que se
cumprisse a justiça costumeira.
O BOM
DIABO X
Os
três bandidos já haviam confessado,
que ao
olhar do diabo obedeciam:
gente
má obedece a seu senhor!...
E do
patíbulo retiraram o condenado,
bem no
momento em que a sentença já cumpriam!
Para o
carrasco não ficar desapontado,
três
pescoços por um lhe concediam,
esperneando
e gritando: “Por favor!”
Mas o
suplício foi logo completado...
O rei
mandou devolver todo o dinheiro
e o
rapaz saiu dali, muito aliviado,
sem
saber que destino tinha à espera...
Já no
caminho, encontrou um companheiro,
a quem
contou por quanto havia passado.
“E não
sabes quem foi que te salvou?”
Mas o
príncipe tudo havia ignorado:
“Quando
pensei que minha última hora dera,
lá da
forca o Corregedor me retirou...”
“Mas
não pediste a Deus que te perdoasse...?”
“Não,”
respondeu Dom Miguel. “Eu já sabia
que
meu destino será morrer enforcado...
Por
que pedir a Deus que me poupasse?
A
salvação agradeci a Deus todo este dia,
mas
uma forca me espera em outro lugar
e já
estar morto até eu preferia...
Pior a
incerteza desse resultado,
que
nem sei em que tempo hei de encontrar...”
“Então,
sossega, teu destino foi cumprido,
foram
esses três esganados em teu lugar;
podes
voltar para casa, calmamente,
porque
tu foste pelo diabo protegido
da
capelinha que mandaste reformar!...
O
Arcanjo me emprestou até o cavalo;
montei
nele e bem depressa fui buscar
quem
te acusou tão indevidamente...
E foi
assim que El-Rei mandou soltá-lo...”
O BOM
DIABO XI
“Mas a
que devo então sua caridade?
Não
fiz pacto com você e nem vou fazer!...”
O Bom
Diabo soltou uma gargalhada:
“Bem
ao contrário, fiz até uma maldade
pelas
três mortes que fiz acontecer...
Mandei
três almas a meu Pai lá de Baixo...
Portanto,
nada tens a me dever,
que a
sua alma para o Céu seria levada...
Não
penses que entre os bons hoje me encaixo!...”
“Mesmo
assim, foste tu que me salvaste!”
“Ah,
meu amigo, agradeça àquela tinta
que
mandaste aplicar na minha figura!...
Mas da
má sina agora te livraste:
sobre
esses três recaiu a inteira finta...
Volta
ao reino de teu pai, sem ter mais medo.
Vai
sossegado – nenhuma forca pinta,
macabramente,
na existência tua futura...
Mas
como vais morrer? Ainda é segredo...”
“Que
os humanos saibam não é bom
o dia
e a forma de seu passamento,
que
ficariam em assombro eternamente.
Vive
tua vida em pleno e normal tom,
esquecendo
da morte o pensamento...
Agora,
adeus! Não vou dizer: ‘ao diabo’!...
Tua
nova sina encontrarás no vento,
porém
visita a capela na tua frente!”
Disse
a figura, a sacudir seu rabo!...
E
então sumiu, de repente, o companheiro.
Dom
Miguel entendeu que era verdade
e
assim voltou para o reino de seu pai,
seu
cavalo esporeando bem ligeiro,
seu
coração cheio de felicidade,
até
chegar de novo à sua capela...
Rezou
o vigário a missa, com bondade...
Depois
disso, para casa o jovem vai,
acendendo
a São Miguel mais uma vela!...
O BOM
DIABO XII
Pensou
até em acender vela ao diabo,
mas o
vigário o contemplou, de cara feia
e a
estátua deu-lhe então uma piscadela...
Por um
instante, pareceu mexer o rabo,
enquanto
a espada do Arcanjo se incendeia...
Dom
Miguel pagou o padre e foi-se embora...
Doravante,
ficou a capela sempre cheia,
não
mais faltando quem tomasse conta dela,
linda
e pintada sempre, igual que outrora...
Mas
depois que a capela se esvaziou,
Miguel
Arcanjo retomou a sua conversa:
“Então,
diabo, ainda vou te converter!”
“Não
pense assim”, o diabo replicou,
“não
fiz o bem, porém coisa bem diversa!
Para o
inferno, mandei três malfeitores,
sem
entreterem remorso na alma tersa!
Só
assim teu Deus o perdão não concedeu...
É
muito injusta a conversão dos pecadores!”
“Se
dependesse, então, de Jesus Cristo,
nenhuma
alma caía mais no inferno,
por
piores malvadezas cometesse!
E
realmente, não precisamos disto,
mas
sim de almas em sofrimento eterno,
pois é
da dor que nos alimentamos...”
“Mentira
tua! Teu coração é terno,
até
parece que não te conhecesse,
depois
de conversarmos tantos anos...”
O Bom
diabo sorriu, melifluamente:
“Foi
então por isso que me contaste a história
e até
me emprestaste o teu cavalo!...
Porém
a minha razão foi diferente
do que
fazer qualquer obra meritória!...”
São
Miguel também sorriu: “Temos conversa
para
anos e anos... Que vitória!
És meu
amigo, diabo! Irei salvá-lo!...
“Amigo,
nada!” – o Bom Diabo desconversa...
EPÍLOGO
E
permanecem os dois na capelinha,
que
aos domingos é apenas visitada,
em
dias e noites de conversação...
Miguel
Arcanjo ameaça com sua espada,
o Bom
Diabo com o tridente na sua mão!
Porém
sua luta é tão só de brincadeira,
talvez
batalha nunca mais seja travada
ou seu
combate seja apenas diversão
de
dois amigos até a hora derradeira!...
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