sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016





A RAPOSA BOBINHA – 19 JAN 16
(Conto popular atribuído ao Cáucaso por Monteiro Lobato em Histórias de Tia Nastácia,
intitulada A RAPOSA FAMINTA, versão poética, WILLIAM LAGOS)

A RAPOSA BOBINHA I

Conta uma fábula que havia uma Raposa
que percorria os planaltos da montanha,
certo dia a sentir fome tamanha
que já temia sofrer morte pavorosa...

Segundo foi narrado em boa prosa
de que Monteiro Lobato não se acanha,
provém do Cáucaso a história que ele amanha,
tratando o bicho de maneira melindrosa...

Porém por esse autor foi inserida
de Tia Nastácia nas belas Histórias,
esta narrada, ao invés, por Dona Benta.

Destarte, neste local dou-lhe acolhida,
mesmo que sejam situações meio simplórias:
nosso folclore mais interesse me apresenta...

A RAPOSA BOBINHA II

Pois então, vamos lá: era uma vez,
morta de fome quase, uma Raposa,
numa zona de cultivo, até formosa,
em que animais silvestres pouco vês.

Contra galinhas da Raposa sempre lês,
mas esta era pouco aventurosa,
dos cachorros bastante temerosa,
com muito boas razões, acho que crês...

Assim, na ausência da caça normal,
Lisitza, a Raposa, de longe só rondava,
sem poder se alimentar da plantação,

até que viu fuçando um animal,
longe dos cães de que se acovardava
e bem veloz, apoderou-se de um Leitão!...

A RAPOSA BOBINHA III

Fugir o pobre bicho não podia
e procurou então parlamentar:
“Dona Lisitza, por que veio me agarrar?”
“Porque pretendo te comer, que mais seria?”

Mas o Leitão, ao se ver nessa agonia,
procurou uma artimanha apresentar:
“Minha carne crua não se pode devorar,
tem gosto ruim, a senhora não sabia?...”

“Vai precisar de me assar primeiro:
tem de arranjar uma bela caçarola
e um bom forno para tal operação...”

“Aqui espero, pois já sou seu prisioneiro...”
“Mas se a alguém pedir um forno, não dão bola!”
“Juntamos lenha e então se faz fogo de chão!”

A RAPOSA BOBINHA IV

Em geral, passa a Raposa por esperta
mas esta, certamente, era bobinha:
“Você me espera aqui?” “Não dou nem fugidinha:
dou minha Palavra de Porco, de alma aberta!”

E lá se foi a Raposa à descoberta
de alguma caçarola: encontrou uma velhinha;
mas quando retornou a pobrezinha,
que lhe fugira o Leitão é coisa certa!...

Ficou espantada e se pôs a procurar:
Mas onde se achará meu prisioneiro?
Quando o encontrou, já estava no chiqueiro...

“Porosonok, você jurou que ia esperar!...” (*)
“Mas em Palavra de Porco você foi acreditar?
E não me disse que devorar-me iria inteiro?”
(*) Leitão, em russo.

A RAPOSA BOBINHA V

Eu vim depressa me esconder, primeiro!
Olhe os cachorros, que já mandei chamar!...”
Pobre Lisitza, só pôde se escapar,
sem poder recuperar o prisioneiro!...

Já escutava dois cachorros no terreiro:
caso insistisse, por certo a iram matar!
Por mais que a fome a estivesse a torturar,
esse seria o seu dia derradeiro!...

Precisava se esconder em algum lugar,
seu estômago um buraco já sem fundo,
mas impelida por mais profundo medo,

perseguida por dois cachorros a ladrar,
até esconder-se num buraco imundo,
de cuja entrada ela só sabia o segredo!...

A RAPOSA BOBINHA VI

Jogou fora a caçarola e foi atrás
de uma outra coisa para forrar a barriga,
até topar com uma Cabrita distraída:
dando um salto, agarrou-a assim no mais!

Viu-se a Cabrita já a caminho do jamais
e procurou conversar com sua inimiga:
“Dona Lisitza, por que quer tirar-me a vida?”
“É que estou sentindo fome por demais!...”

“Terá agora de me servir de refeição!...”
“Mas assim?  Com casco, pelo e tudo?
Tem a senhora decerto pouco estudo...”

“Primeiro o pelo precisa me tosar!
Uma tesoura vai ter de procurar.
senão se engasga e perde sua ração!...”

A RAPOSA BOBINHA VII

“Porém a fome me atormenta agora!...”
“Não tenha medo, aqui fico a lhe esperar...”
“Você não está querendo me enganar?”
“Palavra de Kazá!   Não vou-me embora!...” (*)
(*) Cabrita, em russo.

Pobre Raposa!  Afastou-se, sem demora,
uma tesoura sem saber como arranjar,
deixando a presa, naturalmente, se escapar,
sem qualquer dúvida, tal qual levasse espora!...

Quando Lisitza conseguiu voltar, enfim,
com uma tesoura pelas presas agarrada,
viu que a Cabrita já fugira em disparada!

E dentro em breve foi encontrá-la, assim,
já protegida no redil de seu pastor:
“Dona Lisitza, agradeço o seu favor...”

A RAPOSA BOBINHA VIII

“Mas você prometeu que ia esperar!”
“E acreditou em minha Palavra de Kazá?
Não se dá conta que garantia não há?
Como Raposa numa Cabrita irá confiar...?”

“Pois eu sabia que pretendia me matar
e assim que pude, me escapei de lá!
Vá logo embora, que o pastor voltará já
E num pelego é você que irá virar!...”

Foi-se a Raposa, mais que desapontada,
com boa razão tendo medo do pastor,
que com certeza a quereria exterminar!

Mais uma vez, quase morta de esfaimada,
já o estômago a lhe arder de tanta dor,
sem achar jeito de se alimentar!...

A RAPOSA BOBINHA IX

Pouco depois, um Lobo ela encontrou,
maior que ela, facilitando, a comeria!
Mas cordialmente, ele indagou o que fazia.
“Ah, Sr. Volk, um porco me enganou (*)
(*) Lobo, em russo.

e depois, uma cabra me escapou...”
Contou a história ao Lobo, que sorria.
“Você é bobinha, Lisitza... Todavia,
fiquei com pena e ajudá-la eu vou.”

“Embora presentemente eu não esteja,
sei muito bem como é triste passar fome,
pois estômago nunca fica satisfeito,”

“dentro de um dia ou dois a fome nos aleija
e só com nova refeição o impulso some...
Venha comigo, que entre os dois damos um jeito!...”

A RAPOSA BOBINHA X

Chegaram juntos diante de um Cavalo
já velho e fraco, decerto abandonado,
ao ver o Lobo, tentou ficar bem empinado,
porém sem forças, seu relincho só um estalo...

Correu-o o Lobo até chegar a um valo:
pobre Loshad!... Ficou encurralado, (*)
mostrando o Lobo seu pelo arrepiado,
do mesmo modo que se arrepia um galo.
(*) Cavalo, em russo.

E perguntou à Raposa:  “Como está meu pelo?
Todo arrepiado?”  “Está, sim,” ela afirmou.
“E o fogo de meus olhos, podes vê-lo?,,,”

“Claro que sim,” a Raposa concordou.
“Loshad, quem te mata é animal belo!...”
Lançou-se-lhe ao pescoço e o sufocou!...

A RAPOSA BOBINHA XI

Então os dois comeram à vontade,
até deixarem apenas a carcaça;
Comendo à farta, a fome logo passa,
foi-se a Raposa dormir em saciedade.

Porém se alguma coisa é bem verdade
é que a fome logo volta, por desgraça
e Lisitza, a Raposa, pôs-se à caça,
agora forte e cheia de vaidade...

Logo encontrou macho de lebre no caminho:
“Não fuja, que não pretendo devorá-lo,
Senhor Zayatz, eu quero que me ajude.” (*)
(*) Lebre, em russo.

“Como assim?” – indagou o animalzinho.
“Tenho fome é de cavalo!  E vou caçá-lo.
Nessa empreitada é preciso que me escude.”

A RAPOSA BOBINHA XII

Contou ao Lebrão a sua caçada do outro dia.
“Fará comigo igual que fiz com o Lobo.”
“Você quer é me pegar!  Eu não sou bobo!”
“Se eu quisesse pegá-lo, já pego o teria!...”

“Morto o cavalo, com você o dividiria...”
“Mas eu não como carne!  Será um roubo
da minha parte!” – disse Zayatz, num arroubo.
“Mas sem sua ajuda, é a você que eu comeria!...”

O animal então rendeu-se ao argumento
e logo acharam mais um Cavalo velho:
contra um rochedo foi logo encurralado.

A Raposa arrepiou seu pelo, sem portento,
da imitação do Lobo um pobre espelho
e indagou: “Meu pelo está arrepiado...?”

A RAPOSA BOBINHA XIII

Falou o Lebrão: “Arrepiado? Acho que está...”
“E de meus olhos o fogo vês brotar?”
“Não vejo nada...” – foi a Lebrão lhe contestar.
“Mas que estúpido!  Diz o contrário e já!...”

“Sim, senhora, já estou vendo o fogo lá!...”
Quando a Raposa se atirou para pegar
e o pescoço do Cavalo agatunhar,
tal qual fizera o Lobo, em hora má,

mesmo velho, desviou dela o Cavalo
e relinchou, ainda forte e bem valente.
“Mas o que queres comigo?” – ele indagou.

“Que pode ser?  Eu pretendo devorá-lo!”
“Não vale a pena,” disse o animal, indiferente,
“Os meus cascos são de ouro,” ele ajuntou.

A RAPOSA BOBINHA XIV

“Pegue com os dentes uma ferradura
e poderá comprar um monte de comida...”
“Eu vou matá-lo!  Sou valente e desabrida!”
“Mas veja bem: minha carne é velha e dura...”

“Bastante trevo e salsa ainda assegura
para o Lebrão, seu amigo, é boa pedida!...”
Ficou Zayatz, o Lebrão, feliz da vida:
“Dona Raposa, isso será riqueza pura!...”

“A mais fácil de arrancar é uma traseira,
e a melhor pata é a do lado direito,
que é a mais grossa e mais fácil de vender...”

E a Raposa deu a volta, bem ligeira
e no focinho levou um coice perfeito,
jogada longe, pensou até que ia morrer!...

A RAPOSA BOBINHA XV

Com um relincho, o Cavalo foi-se embora...
Disse o Lebrão: “Acabe logo de matar!...”
“Para quê?  Nunca mais vai me atacar;
se quiser, mate você...  Vou dar o fora!...!

Hesitou a Lebre macho e após demora,
em algum prado tratou de se enfiar...
E se a Raposa inventa de acordar...?
Prefiro mesmo não enfrentar essa senhora...

Ficou Lisitza ali, mais que estropiada,
tonta e sangrando... Contudo, não morreu;
devagarinho, levantou-se, capengueando,

até encontrar uma cova abandonada,
em que depressa, pelo meio, se escondeu,
bem lentamente se recuperando...

A RAPOSA BOBINHA XVI

E enquanto se lambia, foi pensando:
Tenho encontrado cada bicho mais traiçoeiro!
Peguei um Leitão, que me enganou ligeiro:
devia comê-lo, mas caçarola fui buscando...

Uma Cabra eu encontrei longe do bando;
devia comê-la, mas fui buscar primeiro
uma tesoura e me fugiu para o terreiro,
com o pastor, lá de dentro, ameaçando!...

Como eu sou infeliz!...  Ao Lobo eu ajudei
e ele até foi comigo generoso
e me deixou a metade da carcaça...

Mas encontrei esse Lebrão e o perdoei!
Não me ajudou: ao contrário, foi maldoso,
disse ao Cavalo para me dar golpe de graça!

A RAPOSA BOBINHA XVII

Tenho certeza de que o bicho percebeu
que a ferradura de ouro era mentira!
Mas contra mim o Lebrão logo se vira:
tentei pegar e esse Cavalo me bateu!...

Faminta e dolorida, Lisitza se encolheu,
metade ainda de fora, quando estira,
sem perceber que o Pastor na cova a vira,
enviado pela Cabra que de boba ela perdeu...

E lá de cima, uma pedra ele agarrou,
jogando o enorme peso na Raposa,
acabando de matá-la com o bordão!...

E seu pelame num pelego transformou
para deixar a sua choupana mais formosa,
levando a carne para sustentar seu cão!

EPÍLOGO

Foi esta a história da Raposa tola:
tão diferente da vasta maioria,
de forma alguma sobreviveria,
que a natureza ao ignorante esfola,
quando procura aos outros explorar,
e assim irá como explorado terminar!...



Um comentário:

  1. Legal sua versão da história. Eu li no livro Histórias de Tia Nastácia.

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