("DOIS ESQUELETOS DISPUTANDO UM ARENQUE PODRE" do impressionista belga James Ensor, como alusão a SEIS ESQUELETOS E UM QUEIJO mais abaixo.)
ESPERANÇA EM BOTÃO & MAIS
Séries de WILLIAM LAGOS – 20/29 jan 2016
ESPERANÇA
EM BOTÃO I – 20 JAN 2016
Eu vou
pesar meio quilo de esperança
e o
enrolar no invólucro do dia;
quarto
de hora em metal me bastaria,
fólio
de estanho ou de alumínio que se alcança.
Minha
esperança não é verde, mas garança,
de um
vermelho-alaranjado que fulgia;
tal
meio-quilo de aguardança eu guardaria
para
dar de presente a uma criança...
Na
minha idade, esperança para a ceia
já não
me serve mais. Diz o ditado
que
serve muito mais de desjejum... (*)
No
alvorecer, a esperança nos esteia:
no
por-do-sol vira fardo bem pesado
e essa
que enrolo a darei a qualquer um...
(*) La esperanza es
un buen desayuno, pero una mala cena (Ditado Espanhol.)
ESPERANÇA
EM BOTÃO II
De esperança
chamam um gafanhotinho
menor
que os outros: anunciaria a primavera;
para
uma boa colheita trará a espera,
passado
o inverno bem devagarinho...
Minha
esperança vou juntando de mansinho
para
plantar em vaso, quem me dera!
Trinta
botões de esperancinhas gera,
que
espalharei ao longo do caminho...
Já
muitas vezes assisti a brotação
dos
talos de esperança, bem macios,
que a
meu redor enrolo como fios
em que
elétrica energia gerarão
e a luz
de meu olhar renovarão,
as
novas horas contemplando como rios.
ESPERANÇA
EM BOTÃO III
Porém
pesado meio-quilo de esperança,
(mesmo
que fosse meia tonelada),
o meu
farnel resultaria em nada:
ela é
pesada, sem trazer-me grande usança.
Eu não
sabia o que isso era ao ser criança:
só
aceitava a expressão que me era dada;
cada
lição dentre o cérebro ordenada,
fosse
ela vera ou sem grande pujança.
Só
conheci a esperança quando adulto,
vendo
os desejos que não se realizaram,
impulsionados
desde então para o futuro.
Desta
forma, á esperança eu dou indulto,
redistribuída
aos que nela ainda confiaram,
sem
guardar mágoa no coração impuro...
POEMA EM VERSOS CINZAS I – 21 JAN 2016
hoje me atrevo a um ato desusado:
escrever um poema em versos
brancos,
(naturalmente, apenas versos sem
ter rima,
sem a menor conotação de algum
racismo).
se assim fôra, mencionaria versos
negros,
já que os rimados têm melhor
estima
e os sonetos nos vieram desde a
Europa:
em “versos brancos” é racismo sem
razão. (*)
(*) Tradução sonora do inglês Blank Verse (Verso Vazio ou Livre de Rima).
mas por mais este seja um
subgênero,
em muitos círculos bastante
popular,
para mim sempre causa um arrepio:
dormem em mim as rimas que
protestam
contra essas frases que lhes
pareceriam
muito mais crônicas que
verdadeiros versos!
POEMA EM VERSOS CINZAS II
contudo, se eu quisesse ser racista,
chamaria a estes versos de mulatos
ou melhor dito, de miscigenados
ou ainda o resultar do sincretismo.
ou poderia referir versos marrons,
versos castanhos, versos de canela
ou versos acobreados sob o sol:
versos bronzeados pela radiação...
mas me parecem realmente versos cinzas,
qual velha escala de daguerreotipos,
fotografias tão somente em branco e preto,
para de novo ser acusado de racismo,
deixar de fora os povos ameríndios,
sem ter sequer pensado nos chineses!
POEMA EM VERSOS CINZAS III
mas na verdade, o que importa é a gradação,
sem que em nada me refira à cor da pele,
ao tom dos olhos ou nuance dos cabelos,
em seus relacionamentos tão variados,
que se entreveram dentre a sociedade,
sempre que um ser não esteja apenas só,
cada qual querendo impor os seus desejos
ou pelo menos, demonstrar sua
importância,
quando de fato são coisas tão vazias,
cada um sendo só importante para si;
se outros respeitam, é por condescendência,
mesmo com medo a discernir certa ironia
na violência com que é destratado
por alguém que apenas pensa ser melhor!
POEMA EM VERSOS CINZAS IV (Revisitado) – 28 ago 2007
e quanto a isso, não
existe sequer dúvida!
somos apenas acessórios
para os outros:
cada um o centro de seu
próprio mundo,
que nos enxerga quais
satélites orbitados
em torno ao próprio sol:
imagem úmida
de seus próprios desejos
e desdouros,
alguém para atingirem
seus propósitos
ou simplesmente um
membro da plateia.
Pois essa é a dor de se
sentir paixão:
essa que amamos, se
sente no direito
de ser o foco de tal
gravitação,
em seu próprio sistema
mulhercêntrico,
enquanto o homem, por
mais que desejado,
é só mais um
planeta a controlar...
ACREÇãO
I – 28 ago 2007 (Revisitado)
Talvez
que amor eu tenha pressentido
no
fundo de teus olhos e ademanes,
nessa
graça de andar, nesses ufanes
esparzires
de perfume consentido...
Mas
não pretendo seguir empós a pista:
a
redolência basta, o leve adejo
dos
feromones, em adágio de desejo,
sem
que me apreste em busca de conquista.
Eu
nem quero tocar... Quero sentir,
dentro
de mim quanto podia ter sido,
sem
que algo jamais se concretize...
Serei
tolo, talvez, nesse deslize,
mas o
que busco mesmo, é conseguir
um
novo amor que não possa ser vivido...
ACREÇÃO
II – 22 JAN 16
Já
muitas vezes tal tendência mencionei:
quando
se ama, se cria uma ilusão;
quando
o objeto se possui, contradição,
nenhum
amor foi igual ao que sonhei.
É
“sombra e substância”, um dia achei,
“num
encontro fugidio”, em redação
de
James Branch Cabell, a emoção
que
sempre em vão em mim eu controlei.
Quando
alcançamos toda a substância
perde-se
o sonho pela força do real,
mesmo
que seja até melhor o resultado;
e se
guardamos o sonho nessa instância,
conservamos
o imaginário natural,
nesse
engenhoso paraíso do encantado!
ACREÇÃO
III
Sem
qualquer dúvida, se amor a posse traz
em
orgasmos, candelárias fantasiosas,
são
os carinhos iguarias deliciosas
e a
presença desse amor nos satisfaz.
Porém
Eros, que para o amor nos faz,
com
seus hormônios e energias poderosas,
tantos
sabores das carnes prestimosas,
com
mil desdéns e mágoas se compraz...
Todo
o amor físico sendo dote material,
acompanhado
por suas mil imperfeições:
ofensas
súbitas de corporais odores,
enquanto
o amor tão somente espiritual
não
nos traz zangas os sequer malcriações,
mas
sim purezas inefáveis dos amores...
ACREÇãO
IV
Destarte,
se fugimos ao momento
em
que trocamos o degustado beijo
como
prelúdio para melhor ensejo
a que
haveria, a seguir, consentimento,
fica
enjaulado o sonhar no pensamento,
tal
beijo apenas colibri em adejo,
mil
delícias imaginadas em cortejo,
sem
nunca acharem na realidade assento.
É bem
verdade que o que quer a maioria,
quando
possui a sensatez e os pés na terra,
é a
posse física da cumplicidade,
mas
para quem ainda mais ama a poesia,
no
lusco-fusco dos versos a alma encerra:
possuir
um corpo é desistir de uma saudade!
AS COISAS SÃO BEM ASSIM I (Revisitado)– 29 ago 2007
É inútil se esforçar para
entender
porque as coisas nos vêm e nos
atingem.
Há pessoas que até compreender
fingem
e interpretam o que veem
acontecer...
Mas, de fato, o perceber
determinista
do Pluriverso é só desejo de
iludir...
Só em nós mesmos podemos
investir
o quântico e o cismar de um
casuísta
causalismo. Mesmo
até que a borboleta,
ao adejar das asas,
inconsciente,
provoque finalmente um
terremoto,
não cabe a nós a solução
secreta
desse todo randômico e ignoto,
que dentro em nós tanta paixão
acende!...
AS COISAS SÃO BEM ASSIM II –
23 JAN 16
Por mais que insistires em
escolher
e deste modo determinar o teu
futuro,
estamos todos inseridos num
monturo,
emaranhado pelo alheio
conceber;
suas decisões entrelaçam-se
sem ver,
como fantasmas a perlustrar o
escuro
e não se encontra um só
momento puro,
no qual saibamos o que vai
acontecer;
não é possível garantir que o
que se fez
jamais nos traga o resultado
pretendido:
não é o mundo um tabuleiro de
xadrez;
não há certeza do alheio
movimento,
nas variáveis demasiadas do
escolhido
por jogadores de alheio
sentimento.
AS COISAS SÃO BEM ASSIM III
Consoante exista o fator da
proação, (*)
quando se enfia as mãos no
emaranhado,
cada fio de muitas cores
apalpado
e mesmo em parte se faz
separação;
(*) Provocação de um resultado.
mas esses fios têm constante
mutação
e se movem, redemoinho
desfocado,
sem querer qualquer um ser
apanhado,
tal qual tivessem vida e
reação;
de certo modo a tem, pois são
atuados
por tantos outros que buscam
proagir,
mentalizando suas próprias
intenções,
como se fossem de gelatina
acobertados,
a escorrer de nossos dedos, a
fugir,
sem um controle qualquer das
flutuações.
AS COISAS SÃO BEM ASSIM IV
E se não tens real controle do
que fazes,
como podes o mundo externo controlar?
O Pluriverso é como o ar, a
deslizar:
quantos punhados de vento nas
mãos trazes?
Há decisões, porém, que são
capazes
de permitir-te sobre as ondas
caminhar,
os teus pés sobre o vácuo até
apoiar,
teus pensamentos a constituir
tuas bases.
Pois o mundo não controlas,
mas em ti
se encontra um outro mundo,
interiormente
e a esse é até possível
ordenar,
desde que impeças que penetre
ali
o emaranhado ignoto e
intermitente
que permanente te procura
devorar!...
REGRAS DA VIDA XXXV (35)
De onde surge a real
felicidade?
Das coisas materiais, dos teus
amores,
que com tanta frequência
causam dores
e se demonstram apenas
falsidade...?
De onde brota essa "real
fragilidade"?
Cada um sente a sua e apenas
sabe
de onde é que não brota, pois
lhe cabe,
no fim das contas, apenas
leviandade...
Mas em que parte das coisas
materiais
ou em que ponto dos amores
naturais
se localiza a razão desse
portento...?
Não está em parte
alguma. E então se vê:
felicidade não é externo
sentimento,
somente
a encontras bem no fundo de você...
REGRAS DA VIDA
XXXVI (36)
Aprenda a
desistir, quando é impossível.
Por maior seu
esforço num projeto,
nem todo o
seu trabalho incorruptível
irá alcançar o
intenso bem dileto,
que tanto se
esfalfara em alcançar.
Nem toda mina
tem o seu filão...
E, com todos os
labores, conquistar
nem sempre se
consegue um coração...
Por isso, ao
ver que seu trabalho é fútil
[pois não se
cria um nenê após o aborto]
desista, enfim,
de seu constante impulso.
Pois, afinal,
que coisa mais inútil!...
Desenterrar o
amor, depois de morto,
só para ver se
ainda existe um pulso!...
SEIS ESQUELETOS E UM QUEIJO I – 24
JAN 16
(Não mais do que um Capriccio em
Versos Brancos.)
SEIS ESQUELETOS E UM QUEIJO I
Seis esqueletos perdidos na
paisagem,
Pensando normalmente mastigar,
Porém sem nada conseguir achar...
Há entre eles dois esqueletinhos
Que marcham lentamente, pequeninhos:
Ossos dos ossos lhes deu o
esqueleto-mãe...
Todos seis marcham da noite nos
caminhos,
As estrelas em seus dentes
espelhadas,
Os crânios calvos refletindo a luz
da Lua...
Não tendo estômagos, só buscam
energia:
Por onde passam, qualquer relva
resseca
E até funcionam como inseticidas...
São revestidos por um certo
invólucro,
Invisível aos olhos de outra raça,
O pó recolhem para se materializar...
SEIS ESQUELETOS E UM QUEIJO II
Após penosa marcha pelas plagas,
Finalmente deparam com povoado,
Em que sabem habitar seus
semelhantes.
Então percorrem essas casas
tumulares,
Por hospedar-se no maior jazigo,
Em que remanescentes bebem linfa.
Mas quase todos já se recolheram,
Na opalescente invasão da aurora,
Estendidos no conforto dos
sepulcros.
O esqueleto-pai assopra morte
Dessas quimeras que em andanças
recolheu,
Qual pagamento para o famélico
hospedeiro.
Que lhes indica a pedra tumular,
Em que podem dormir o dia inteiro,
Por sobre as cinzas dos seus
ancestrais.
SEIS ESQUELETOS E UM QUEIJO III
Por cobertor utilizam a própria pele
Que um dia as ossamentas revestira,
Assim mantidos em confortável frio.
Aos esqueletinhos, a mãe cede as
placentas,
Mais como travesseiros que coberta:
Cinco esqueletos num abraço unido.
Penetra o vento nas cânulas dos
ossos,
Para assobiar-lhes sua velha
melodia,
Seus orifícios funcionando como
flautas.
Eles ressonam então nesse acalanto,
Acompanhados por estrídulos de
grilos,
Pelo lento martelar de mil besouros.
No sono manso dessa estranha vida,
Na qual todos se alimentam dos
carunchos
Que ainda encontram corroendo os
ataúdes.
SEIS ESQUELETOS E UM QUEIJO IV
Só de atalaia fica o cão
esqueletado,
Que apenas uiva de fora para dentro,
Numa espécie de chocalho
articulado...
E nem se encolhe, pois se pode
emaranhar,
Pobre cãozinho, que nem sacode o
rabo,
Que várias vezes já teve de
encaixar...
Por sorte achou uma lápide quebrada
E ali se esconde da malvada luz do
Sol,
Que poderia seus ossinhos
ressecar...
Nem sequer alma perturba esse
Sol-cheio;
Zumbis remexem o lixo hospitalar,
Alguns abraçam os ossos
sepultados...
E lhes transmitem um pouco de seu
frio,
Catando larvas com seus dedos
repelentes,
Muito embora não as possam
mastigar...
SEIS ESQUELETOS E UM QUEIJO V
Chega a manhã, que em cemitério é o
crepúsculo:
Seis esqueletos se começam a agitar,
Na sua demanda por derradeiro pouso.
Vão cinco eretos, com o cão a
acompanhar,
Novamente a sugar poeira das
estradas,
Como sapatos para os pés não
estropiar.
A Lua cega os acompanha vagamente,
Sem nem sequer lhes projetar a
sombra:
São cristalinas bolhas
transparentes.
Ao meio-dia, (que é sua hora mais
escura),
A Lua a pino cortejada por estrelas,
A procissão novamente faz a pausa.
À beira de um lugar com menos água,
Somente pedras e alguns ossos de
elefantes,
Com os quais eles se irão
dessedentar.
SEIS ESQUELETOS E UM QUEIJO VI
Pergunta, finalmente, a
esqueletinha,
O seu maninho sugando uma costela:
“Mamãe, existe morte após a
vida...?”
O esqueleto-mãe então suspira:
“Não sei, filhinha, só sei que
existe sorte,
Dependendo do que os Outros vão
fazer.”
“Alguns de nós eles transformam em
botões,
Certos outros viram dados de jogar,
A melhor sorte é em adubo se
tornar...”
“Completamente moídos nossos ossos,
Pulverizados pelas plantações,
Para depois penetrar pelas
raízes...”
“Sobem nas hastes, alimentam os
trigais:
Eventualmente a se tornar em pão,
Para na carne dos Outros se
integrar...”
SEIS ESQUELETOS E UM QUEIJO VII
“Mamãe, um dia nos tornaremos
Outros?”
“Filhinha, nunca fomos, sem ter
carne,
Somente tínhamos nosso sangue cor de
amora.”
“Eu tive linfa, mas teu irmão agora
chupa
Só essa costela em que o seio se
encontrava:
A morte é assim e nem sei se um dia
termina.”
“Mas sempre os Outros evitar nós
procuramos,
Que facilmente se dispõem a nos
caçar
E então nos usam quais cabides para
as carnes.”
“Já tens idade e assim te vou contar
segredo:
Cada um dos Outros contém dentro de
si
Algum de nós que ali foi
aprisionado...”
“Eles não podem sem nossa ajuda
caminhar,
Não são mais que protoplasma
latejante,
Escorrendo lentamente sob o sol...”
SEIS ESQUELETOS E UM QUEIJO VIII
“Há muitos séculos que nos
enganaram,
Quando mentiram aos ancestrais antigos,
Que essas carnes nos protegeriam...”
“E desde então surgiu a simbiose,
Os esqueletos recobertos pela carne,
A carne mole apoiada em
esqueletos...”
“Éramos fortes e julgamos dominar,
Sem perceber que a massa dos
neurônios
Formava um cérebro para os ossos
controlar...”
“De algum modo ainda mostramos o
rancor,
Mas nada mais que reação de
escravos:
Causamos dores ao conjunto do
organismo...”
“Alguns de nós, mais ferozes, até
quebram,
Seus ossos longos para assim se
libertar,
Mas bem depressa ressoldar eles
conseguem...”
SEIS ESQUELETOS E UM QUEIJO IX
“Mas quando sentem os ossos
quebradiços
Ou os veem consumidos por doenças,
Sem piedade eles nos vão abandonar!”
“Espalhados deixam uns pelas
planícies,
Outros perdidos no fundo de seus
mares,
Outros levados à madeira de suas
piras!”
“Mas em boa parte nos prendem em
ataúdes,
Com parafusos que não nos deixam
escapar,
Pesadas pedras tumulares sobre nós!”
“Ou então nos engavetam nas paredes,
Perdido todo o contato com a
Mãe-terra,
Até trazerem mais algum para
encerrar!”
“Quando então simplesmente nos
ensacam:
Bolsas de lona ou meramente
plástico,
Atiradas em um canto das
gavetas!...”
SEIS ESQUELETOS E UM QUEIJO X
“E foi por isso que o esqueleto-pai,
O mais forte que sobrou de nossa
raça,
Nos escondeu da sanha desses
Outros!...”
“Porém, Mamãe, e aquele cemitério,
Em que dormimos durante o dia
passado,
Lá não existe mais gente igual a
nós?...”
“Minha querida, eles estão
contaminados,
Em protoplasma todos foram
enrolados,
Escravizados até o âmago da
medula...”
“Só nos recebem com uma certa
rispidez,
Pois os recordam de seus livres
ancestrais,
Da morte heroica que nunca
tiveram...”
“Seu pai comprou nossa estadia com
sua morte,
Esses que moram lá já não tem vida,
Porém não podem ser livres e morrer!...”
SEIS ESQUELETOS E UM QUEIJO XI
Ficou a esqueletinha a meditar,
Chispas elétricas a percorrer crânio
vazio,
A Lua contemplando tais centelhas...
E lançou prece à deusa vespertina:
“Senhora Lua, por favor, venha
ajudar,
É muito dura a nossa eterna morte!”
E a Lua, num repente, sentiu pena
E transformou-se em queijo
magnífico,
Que perto dela veio descansar!...
Na gravidade, porém, então rolou,
Descendo aos pulos pela ribanceira,
Fora do alcance dos Seis Esqueletos!
Que se puseram então a persegui-la,
Seus ossos estalando na corrida,
Algumas juntas descartando para
trás!
SEIS ESQUELETOS E UM QUEIJO XII
Até que enfim, lá no fundo da
ladeira,
O esqueleto-pai pegou o queijo,
Que ainda reluzia em esplendor...
E acionados por mística magia,
Os seis comeram até a última
migalha,
Transformando-se em puros
selenitas...
Corpos prateados revestindo os
ossos,
Mas bem capazes de tal carne dominar
E assim foram pelos ares
transportados.
Voltou a Lua a seu lugar antigo,
Agora habitada pela velha e nova
raça,
Sem que de fato precisassem
respirar.
E quando os astronautas ali
pousaram,
Os receberam os majestosos
habitantes,
Que com eles se comunicaram em
inglês!...
EPILOGO
Desde então, assinaram um tratado,
Deixando a Lua aos esqueletos
revestidos
E só por isso vão a Marte agora.
Os esqueletos se reproduziram
E em cada noite, no fulgor da Terra,
Reúnem-se em jogral, cantando em
coro:
Yo-ho-hô! E um bom barril de queijo!...
COMENTANDO “ESQUELETOS” 1 – 25 JAN 16
De James Ensor eu trago na memória
um quadro que causou certo arrepio:
dois esqueletos e um arenque frio
a disputá-lo de forma peremptório!...
Pois transformou monstruosidade em glória:
quando seus quadros com respeito espio,
dentro da mente correspondências crio,
são como flores a crescer na imunda escória.
Bem soube ele enxergar as profundezas
meio escondidas da maldade humana,
em seus óleos a descrever com zombaria,
vendo o inverso, realmente, das tristezas,
trazendo à luz o crime que se esconde
nessas disputas de ambivalente fantasia.
COMENTANDO “ESQUELETOS” 2
Robert Stevenson, em “A Ilha do Tesouro”,
provavelmente inventou breve canção,
tal qual provinda de antiga geração
e que piratas a cantavam, sem desdouro.
“Quinze homens sobre o baú do morto”, em
coro:
“Yo-ho-hô! E uma garrafa...” – a produção
do antilhano Rum, cana já em fermentação,
num destilado cintilante como o ouro...
De um certo Allerdyce, o esqueleto
fôra disposto a marcar o seu caminho
e na cova dos dobrões outros havia,
mortos piratas, para conservar secreto
o local só demarcado em pergaminho,
pelo ambicioso capitão que os conduzia...
COMENTANDO “ESQUELETOS” 3
Meus esqueletos a disputar um queijo,
sem que garrafa esvaziassem de seu rum...
será que um tema parecido teve algum
qual nesta obra de tercetos em sobejo?
Caso de fato já o possuísse esse cortejo,
há muito o teriam devorado e assim nenhum
em esqueleto se tornara, o que é comum,
quando da fome mais feroz se encontra
ensejo.
Vou confessar que não sei de onde essa ideia
achou lugar entre os títulos que anoto,
porém pincei-a, sem negar-lhe seu direito...
E será mais por teimosia que a odisseia
dessa família em qualquer lugar remoto
aqui incluí, nesse improvável preito...
COMENTANDO “ESQUELETOS” 4
Só prossegui neste exercício de teimoso,
para a mim mesmo não dizer que desisti,
em covardia perante o esforço que sofri,
em cada verso de perfil tão lastimoso...
Mesmo que o tema pouco tenha de formoso,
alguma parte de mim mostrou-se aqui:
nada medíocre essa história que escolhi:
talvez encontre comentário prestimoso...
E aqui estou eu. Nestes versos sou desnudo,
há um certo orgulho em vencer limitações,
dentro da estética melhor deste formato
e nessas regras afinal sempre me escudo,
ao pôr de parte a vaidade de ilusões,
reconhecendo esta pobreza com recato...
COMENTANDO “ESQUELETOS” 5
De meu próprio valor jamais me iludo,
mas apresento a qualquer tema enfrentamento;
inicialmente inadequado me apresento,
produzindo tão somente um verso crudo.
Como criança retraída, então me escudo
na ingenuidade a buscar conhecimento;
as linhas correm em ritmo mais lento,
qual tabuleiro a percorrer do Ludo...
Mas pouco a pouco, o ritmo se afirma,
até que surja, em plena madrugada
a narrativa por demais inesperada.
Dos esqueletos a história se confirma,
mesmo que escrita a trancos e barrancos,
no inusitado escorrer dos versos brancos...
COMENTANDO “ESQUELETOS” 6
Sinceramente, até pensei que rasgaria
esses meus quatro sonetos iniciais,
dois esqueletos não desejando mais
o pobre arenque que Ensor pintaria...
E nem os quinze piratas guardaria,
com que Stevenson marcou-me por demais
nos “Yo-ho-hôs!” embriagados e fatais
e tais garrafas de rum eu quebraria!
Mas concluí.
Quem sabe a mente ordena
ou são os ossos a firmar-me a mão,
neste capricho de fantasmagoria...
Mas e quem sabe se a Lua teve pena?
Já de há muito os astronautas lá não vão...
E se essa raça existiu mesmo algum dia...?
A GUARDA DO PORTÃO I – 26 JAN 16
Ao final do minguante foge a Lua
da prisão de seu quente companheiro;
o olhar de prata perde o seu luzeiro
e se volta para o além da noite nua...
Ela contempla as estrelas e flutua
e até parece ter deixado o céu, ligeiro...
Mas seu olhar fita o Cosmos sobranceiro,
sua cabeleira em fios agudos como pua...
Talvez se esconda a sua nuca para a Terra,
mas ali está ela, como sempre esteve,
do Sol, contudo, liberta por semana...
Com quem partilha todo o amor que encerra
e que a bronzeia nessa prata leve,
com as moedas de ouro que lhe escama...
A GUARDA DO PORTÃO II
Alguma vez você parou para pensar
porque Selene é coberta de crateras? (*)
São meteoros, verdadeiras feras,
que ali explodiram em tempo milenar.
(*) A Deusa Lua dos gregos.
Há quem decida algum vulcão a mencionar,
mas já extintos desde priscas eras;
há éons seriam suas influências meras
cicatrizes dispersadas no lunar...
E em que lugar os tais corpos errantes
teriam caído, se não houvesse a Lua?
Onde mais que aqui, neste planeta
que ainda esconde feridas bem gigantes,
tal qual o Golfo do México, vasta pua,
que violenta ao subsolo se projeta!...
A GUARDA DO PORTÃO III
Dessa mesma cratera a formação
coincide com a extinção dos gigantescos
dinossauros... no que chamam de dantescos
cenários de um vapor em profusão,
que a Terra inteira recobrira, então,
durante décadas... das geleiras os refrescos,
sem luz do Sol... Mas desde então os barbarescos
são afastados pela Guarda do Portão...
A pobre Lua nos escuda, generosa:
outros planetas igualmente perfurados,
somente a Terra a escapar desse dilema;
houve a erosão e vegetação formosa
nesses buracos outrora desolados,
cuja presença ainda aviso nos acena...
A GUARDA DO PORTÃO IV
Quantos combates deverão ter desgastado
a branda Lua em seu pálido esplendor!
Não é que o Sol não nos mostre igual ardor,
em sua atração bem mais feroz soldado!...
Mas está longe e foi frequente ultrapassado
por meteoros de barbárico estridor,
em Marte, Vênus e Mercúrio seu pavor,
nos têm centenas de crateras demonstrado.
E aqui crescemos nós.
Temos o ar
e o vasto oceano que para nós foi preservado,
sem ser lançado para o vasto abismo;
foi sempre a Lua discreta a nos guardar,
sentinela do portão, escudo alado,
platina virgem contra o cataclismo!...
ROMARIA I – 27 JAN 16
Há milênios que prossegue a procissão,
nessa demanda da vida no sacrário,
na direção mal conhecida do santuário,
sêmen e ventres em sua vasta projeção.
Firme essa marcha em fálica missão
de combater esse Universo perdulário,
deixando para trás seu vasto ossuário,
a ampliar-se ou a minguar-se a multidão,
marchetada do alimento que a perpassa,
nesse extremo ritualismo que é mister,
chama de abismo a alma da criança,
quando o espírito do homem se entrelaça,
dentro do útero, àquele da mulher
e então resulta vida nova dessa trança...
ROMARIA II
Porque, de fato, tal qual como a semente
que espalham toda a acácia e laranjeira
e a seu redor demonstra-se certeira,
ou como pólen ou caroço mais saliente,
a natureza projeta, indiferente,
as vidas aos milhões, sua derradeira
sobrevida esmagada em cremalheira,
na qual tão raro se faz sobrevivente...
Assim, quando o sêmen nalgum ventre
se projeta, por amor ou por prazer,
há um longo abismo rubro a percorrer,
antes que em óvulo de solidez adentre,
apenas um dos milhões conquistadores,
ressecados das trompas nos clangores!...
ROMARIA III
Mas cada qual sua hélice carrega
que lhes há de transmitir as suas feições,
enquanto o óvulo arredondado expões,
com igual hélice, em sua fugaz entrega;
o cone de atração só a um deles pega:
qual a consciência, quais as condições
dessa escolha entre incontáveis multidões,
abeberando-se um só odre dessa adega?
Qual vinho branco, a percorrer valente,
esses caminhos de magenta palpitar.
quase metade a bifurcação a errar,
para extinguir-se na trompa imprevidente,
até que possam duas hélices se trançar,
na conclusão da romaria milenar!...
LÁGRIMAS DE ESPELHO I – 28 JAN 16
Nas almofadas do céu mil alfinetes,
pespontados contra um manto de veludo,
debruados em molduras
sobre tudo,
nuvens de asperges a marchetar confetes, (*)
(*) Alusão ao manto eclesiástico usado na Eucaristia.
poeira de asbestos contra os canivetes
das flâmulas solares, breve escudo,
a impedir do dia o claro estudo,
nesses mil raios de sombra que projetes,
oh, Nix, noite, terciopelo temerosa, (*)
que devoras o Sol diariamente,
em cem cores nuançadas do estertor,
(*) Veludo.
só permitindo que a luz, esperançosa,
fraca em velório, fugidia e mansamente,
fulja na teia de orifícios furtacor!...
LÁGRIMAS DE ESPELHO II
Teu ciclópico olhar espelha o Sol,
contudo apenas o faz palidamente,
em mil diamantes de fulgor indiferente,
nada mais que goteiras do arrebol,
pois de fato, pouco espelhas tal farol,
já que primeiro o devoras totalmente;
dentro do manto o acalentas gentilmente,
com mil traças de sonho em cada anzol
das tuas unhas, que no tempo perfuraram
e raramente aceitam cerzimento,
por uma capa de nuvem em movimento;
logo a seguir, as costuras se esgarçaram,
a linha nova provocando alargamento
no pano velho, dos luzeiros que brotaram!
LÁGRIMAS DE ESPELHO III
Assim essas gotículas nos tombam,
como feixes de orvalho, em simples luz;
cada espícula a alma inteira nos seduz,
nas emoções que no peito assaz ribombam;
no coração da noite elas retombam,
gotas de sangue do Sol, em negra cruz,
nessa mortalha magra que o induz
a ficar longe dos que maldosos zombam.
Mas de manhã, o sudário faz-se em cueiros (*)
e o Sol renasce como um quente infante,
da aurora a espreguiçar nos travesseiros
(*) Fraldas.
e novamente reflete a luz o orvalho,
das mil estrelas que, em gesto delirante,
haviam surgido dos céus em cada talho!
FRASES DE VIDRO I – 29 JAN 16
Atrasada em relação ao pensamento,
a frase se enovela, tartamuda, (*)
o texto a tropeçar não mais escuda,
mais se atazana em negro julgamento.
(*) Gaga.
Atrasada em relação ao sentimento,
a frase se emaranha e se desnuda,
acetinada em pranto se aveluda,
na mesma mancha gris do esquecimento.
Ela pensa demais, sente em excesso
e cem frases digladiam por acesso
à glote fonadora dos fantasmas...
ela se engasga, arranha-se entre asmas
e não consegue expressar o quanto quer,
que a boca é bela e a frase é só mulher...
FRASES DE VIDRO
ii
Por quanto
tempo ela estaria à procura
de um girassol
para aquecer-lhe o peito?
Por quanto
tempo buscaria algum defeito
que pudesse
ostentar, qual jóia pura?
Por quanto tempo,
na busca da tortura
que pudesse
moldar bem a seu jeito?
Por quanto
tempo buscaria o preito
de uma desgraça
que toda a vida dura?
Por quanto
tempo apenas um brasão,
um símbolo,
um sinal, uma ilusão
lhe serviria
para usar na fronte?
Por quanto tempo
a água dessa fonte
a manteria
jovem e formosa,
bebendo o
espinho e mastigando a rosa?
FRASES DE VIDRO
III
Pois toda frase
é fêmea e sedutora,
por mais que
busquem descrever a guerra
essas miríades
que recobrem toda a Terra,
não é o bardo,
mas a emoção a autora.
E a emoção é
fêmea e ajudadora,
durante o parto
do vate pela serra,
quando expele a
criança que se encerra
no ventre do
homem, como exploradora.
E cada dado
assegura o nascimento
dos versos
novos, nascidos ao relento,
tendo por berço
uma folha de papel,
na alheia raça
das frases femininas
o androginismo
das forças masculinas,
tal qual o
esperma líquido do mel.
FRASES DE VIDRO
IV
Todo poema
assemelha lantejoula,
são contas de
cristal, balangandãs,
quinquilharias
de palavras vãs,
tão ilusórias
quanto o vinho da papoula.
Frases de vidro
a explodir em bolha,
bijuterias
ofertadas às irmãs,
bentinhos sem
benzer em fios de lãs,
cada poema
arrancado como rolha
do coração
bissexual de algum poeta,
mulher no parto
com que o mundo inunda,
porem homem na
onda branca que fecunda
o óvulo
vermelho que se afeta,
qualquer que
seja a pele que resulta
na frase vítrea
que seu passado indulta!
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