VAGALUMES DE
ANIL
William Lagos,
2002
VAGALUMES DE
ANIL I
quando a
paineira abriu suas flores rosas
bem antes de
largar painas viçosas
em que sementes
havia temerosas
espalhou
durante a noite lastimosas
flores de
estrelas
difícil vê-las
em frente delas
pequenos
lunares hesitantes
incapazes de
sombras como dantes
que pouco a
pouco se espalharam no capim
alguns caindo
em carvões e caulim
outros criando
vida própria assim
cada um deles a
projetar luz de cetim
luzeiro vil
élitros mil
meias de anil
VAGALUMES DE
ANIL II
durante o dia
continuaram escondidas
essas pequenas
luzes doloridas
do solo a
mastigar floras sofridas
raízes
despojando de suas vidas
a poucos loucos
rasgando tocos
seus olhos
moucos
não os ouvidos
que nem sequer tinham
mas por antenas
a vibrar os sons lhes vinham
cada semente
abandonando o estrelismo
da antiga
paineira em saudosismo
as murchas flores
consumindo em cataclismo
crescendo num
humilde narcisismo
agora insetos
da noite
adeptos
de dia ineptos
VAGALUMES DE
ANIL III
na terra a se
aquecer, banho-maria
que relação com
a Virgem haveria
somente em
lenda que se difundiria
que Maria
Egipcíaca o inventaria
foi já
esquecida
não tem guarida
fugiu da vida
aquela
alquimista de valor
que dos colegas
recebeu louvor
mas que a
igreja depressa condenou
e da memória
dos crentes se apagou
sendo mulher,
ninguém mais dela lembrou
mas a
alquimista o Egito nos legou
sempre foi ela
quem inventou
banho-maria
VAGALUMES DE
ANIL IV
e a cada uma
das luzes que se cria
acalentou no
invólucro do dia
que a caneca da
noite protegia
a se aquecer ao
grilar da nostalgia
sua luz de azul
em tom exul
fez-se amarela
de alguns já
esverdinhada
um código a
criar em digitada
até que enfim
numa noite de verão
a primeira a
palpitar de uma paixão
bateu as asas
de quitinosa formação
sedosos élitros
que por baixo estão
e assim subiu
após a nuvem
tornada em luz
VAGALUMES DE
ANIL V
a degustar meus
licores mais secretos
de meus vácuos
inferiores e abjetos
a marchetar
meus sonhos esqueletos
com cascas
duras de estralejar concretos
fetos diletos
netos projetos
frágeis objetos
cada um deles
feito vagalume
singular
centelha de seu lume
para uma orgia
no sombrear da laranjeira
turfa e linfa
na língua minha brejeira
as fêmeas sobre
o chão em mansa espera
os machos a
voejar por sobre a terra
em pisca-pisca
perpétua
insista
a luz arisca
VAGALUMES DE
ANIL VI
em sendo noite,
muitos pássaros já dormem
mas se as
corujas e mochos lá retornem
atraídos pelas
luzes que conformem
serão tragados
pelos tais que a noite adornem
bicos ferozes
luzes fugazes
finais atrozes
buscando
reprodução
amantes da
morte são
e nessas luzes
que agitam o crepúsculo
aos predadores
cada qual serve corpúsculo
mesmo
escrevendo no ar o seu opúsculo
no mapa alvéolo
de seu lusco-fusculo
a luz se apaga
o bico traga
sexo é adaga
VAGALUMES DE
ANIL VII
quanto a mim só
capturo a dança antiga
lanço meus
olhos qual atento auriga
e me protejo
com solitária figa
a luz fugaz
insere-me e se abriga
fotografia
úmido o dia
triste dulia
de chumbo o
olhar
as luzes a
roubar
só quero para
mim talo de aspargo
o meu olhar a
transfixar espinho amargo
de conservá-lo
na memória tenho o cargo
as minhas redes
neurais assim alargo
faço-me mera
magra quimera
magia gera
VAGALUMES DE
ANIL VIII
dos pirilampos
sacerdote em ministério
no coração
luzeiro e eremitério
por mais que te
pareça um despautério
mortos de luz
salmodiando em monastério
e lá no campo
sobreviventes
ainda fecundam
nessa futura
geração
ovos de estrela
em profusão
mas eu só julgo
que no próximo verão
do abafamento
em plena excretação
essas traças de
luz persistirão
quando minha
boca eu abrir em brotação
chispas de mim
forjando enfim
versos carmim
VAGALUMES DE
ANIL IX
mas nem todas
essas painas se definem
como pequenas
luciérnagas que atinem
no pirilâmpico
cintilar se assinem
mas remanescem
aquelas que pertinem
convulsamente
no chão
fremente
sua força
assente
para ali lançar
verdes lianas
no subsolo a
fazerem camas
para
erguerem-se em cotilédones anil
tornar-se talos
qual bandeira do Brasil
depois em
grosso arbusto varonil
fazem-se
árvores sem cedilha ou til
ardil de escol
fitam o sol
brilho de anzol
VAGALUMES DE
ANIL X
erguem-se enfim
porém não só como palmeiras
mas como
árvores de frondes condoreiras
jequitibás,
jacarandás e cerejeiras
carvalhos
fortes, louros, caneleiras
madeira
trigueira
alvissareira
a despertar
cobiça
serra e machado
atiça
celebram
matrimônio em serrarias
a maravalha
espalhada em longas guias
casca e
serragem lançadas a outras vias
desde que o
Ibama permita essas sangrias
senão se perde
nada se herde
da morte verde
VAGALUMES DE
ANIL XI
talvez protejam
as roupas de vaidosa
ou sapateira
empoeirada da orgulhosa
recém-casados
na cama mais formosa
ou assoalho
para pés com cera airosa
tantos destinos
para os pinus
tocam sinos
outras acabam
sendo caixa
oblonga e baixa
que carregavam
a braços os antigos
em seu lento
progresso até os jazigos
depois os
féretros ou eças seus abrigos
hoje carrinhos
rangendo entre os amigos
destino rude
se luz não pude
fiz-me ataúde
VAGALUMES DE
ANIL XII
porém não vou
cremar os girassóis
somente sacos
de poemas em arrebóis
ai, mil
rascunhos, em meus dedos dóis
ai, vagalumes,
como a alma me róis
verso desnudo
pouco me iludo
no espanto mudo
apenas ato meus
rascunhos
de tão diversos
cunhos
com
borrachinhas de prender dinheiro
valendo mais
que meu sonho derradeiro
mais ganharia
caso fosse verdureiro
meu cansaço a
receber um travesseiro
sem conservar
luz do sonhar
vejo brilhar
Nenhum comentário:
Postar um comentário