segunda-feira, 24 de outubro de 2016







CINCO CONTOS ÁRABES
(Contos de Malba Tahan, versificados por William Lagos.

OS CALÇÕES DE SALIM … … … 9 OUT 16
O ELEFANTE DO SULTÃO ... ... ... 10 OUT 16
O VENDEDOR DE CONSELHOS ...11 OUT 16
A LENDA DOS BAKHTIARIS ... ... 12 OUT16
A PÉROLA MAIS PRECIOSA ... ... 13 OUT 16

OS CALÇÕES DE SALIM I – 9 OUT 2016

Às margens do Rio Tigre, ergue-se ainda
uma cidade de existência secular,
chamada Djarbekir, sem o nome conservar
de Amida, que os Romanos, em sua vinda,

lhe haviam aplicado. Tem mesquita muito linda;
na Antiguidade, foi fortaleza regular,
que forçaram aos Bizantinos abandonar
as tropas Turcas, sua conversão bem-vinda

às leis do Islam... Mas tais conquistadores
dela tiraram toda a importância militar,
mesmo que os muros não chegassem a derrubar;

nela habitam hoje só trabalhadores
e comerciantes, alguns caravaneiros
e de passagem, também seus cameleiros.

No pátio de Ulon Djami, a sua mesquita,
vedada a entrada a judeus e a cristãos
e sob pena de morte, aos pagãos,
existe fonte graciosa e bem bonita,

de mármore rosa, que conserva a dita
de ser chamada, por motivos vãos,
de Fonte de Salim, que ali lavava as mãos
um jovem rico, que a vaidade incita,

Salim Habesh, que herdara de seu pai
grande fortuna, por comércio havida,
mas preferindo ficar na ociosidade,

que nomear a um bom amigo, Dadjalid, vai
como intendente da riqueza recebida,
morando alegre em seu palácio, El-Ghadi.

Era Salim dominado por vaidade
e boa parte dos panos mais preciosos
das lojas de seu pai, em caprichosos
trajos transformara, em veleidade;

e as praças e a mesquita, que maldade! –
palmilhava com seus passos orgulhosos,
diariamente a trocar trajos formosos,
a fim de embasbacar toda a cidade!...

Um certo dia, finalmente resolveu-
se a contrair um rico casamento, (*)
com uma jovem, a trazer-lhe, no momento,
um vasto dote que seu pai lhe concedeu.
(*) Aqui existe Sinafia, passagem da palavra para o verso seguinte.

Quatrocentos camelos então ele forneceu,
carregados de tâmaras e alimento;
aos festejos deu Dadjalid o andamento:
Salim somente novas roupas concebeu!

Celebrado na mesquita o matrimônio,
trouxe ao palácio quatrocentos convidados
e por mais ostentar seu patrimônio,

mandou erguer no pátio um grande estrado,
com sua noiva a desfilar, de braços dados,
magnificamente o casal sempre adornado!

OS CALÇÕES DE SALIM II

E realmente, em belíssimas roupagens,
desfilaram os dois no tal estrado,
por sete vezes, da vaidade no pecado,
ostentando as mais belas equipagens!...

Ora, os convivas gozavam das vantagens
de um delicioso cardápio bem cuidado,
limonada e café, chá de rosas preparado,
bebida alcoólica proibida em tais paragens...

Mas na sétima volta, ai, que desgraça! –
os calções de Salim se desprenderam
sobre os sapatos, suas nádegas mostrando!

Uma enorme gargalhada ali perpassa
e então Salim, por um vexame tal passando,
e a pobre noiva, nos aposentos se esconderam...

E não podendo enfrentar essa vergonha,
naquela noite Salim fez equipar,
com ouro e joias, caravana singular,
da cidade a fugir, qual de peçonha!...

Deixando à noiva a posição medonha
de repudiada, sem sua boda completar,
partindo logo para bem longe do lugar,
ao paradeiro que de Alá a mão o ponha!...

Abandonada assim ficou Samida,
mas continuando a morar em sua mansão,
sem notícias receber de seu marido...

Mas finalmente, o Vice-Rei de Amida,
após sete anos, tomou a decisão
de declarar Salim por falecido!...

Porém Salim em Isfahan já se instalara,
completamente curado da vaidade,
e passando a negociar de boa vontade,
nova fortuna facilmente acumulara.

Embora tendo escravas, não casara,
de Samina ainda a sentir certa saudade
e mais ainda, de sua natal cidade,
mas o embaraço sempre o acompanhara...

Passados trinta anos, calculou
que do episódio ninguém mais lembrava
e quis voltar, com rica caravana...

Mas quando na cidade enfim chegou,
viu ali um menino que brincava,
sendo assaltado por uma ideia insana...

Dele achegou-se, com delicadeza:
“Como é seu nome, meu belo rapazinho?”
“Sou Samir, filho de Tekrit,” falou devagarinho,
“Meu avô é Dadjalid, da mais alta nobreza...”

“Dadjalid!... Seu intendente, com certeza!
Sua suspeita aumentando de mansinho...
“Sabe o nome de sua avó, meu amiguinho?”
“Vovó Samida...” – respondeu com gentileza...

“E onde mora o seu avô?” – ele insistiu.
“Na Praça El-Ghadi, perto da mesquita...”
A sua suspeita confirmou-se, assim...

“Quando mudou-se para ali?” – ainda inquiriu.
“Acho que sempre por ali ele morou...
Quando os Calções caíram de Salim!...”

EPILOGO

Nada, portanto, jamais fora esquecido!
Com inocência esse menino respondera:
era um ditado que dos outros aprendera!
Seu intendente casara com sua esposa...
E não podia culpá-lo...  Tinha sido
com ela injusto, uma ação mais vergonhosa
que o triste fato infeliz desse acidente...
E lhe dando algumas moedas de presente,
com a caravana decidiu logo voltar:
de Amina a porta se lhe acabara de trancar!...

O ELEFANTE DO SULTÃO I – 10 OUT 16

Dentre todos os poderosos soberanos
que as terras islamitas governaram,
as façanhas certamente se enquadraram
de Ali Hassan entre os feitos desumanos.

Durante mais de vinte e cinco anos
os Marroquinos sob seu jugo suspiraram,
especialmente aqueles que habitaram
em Fez, a capital dos muçulmanos...

Ali Hassan El-Mustalid era cruel
e de assistir a torturas tinha o vício,
prazer sentindo na dor dos condenados!

É bem verdade que procurava ser fiel
às leis da Shariya, ao decretar suplício,
mas sem perdoar a ninguém por seus pecados!

Sempre mandava cortar a mão direita
de qualquer um capturado por ladrão;
comer com a esquerda proibidos são,
porque é essa que o papel sujeita

para limpar os dejetos que se deita
e ali é costume se comer com a mão,
no mesmo prato em que os demais irão,
só lhe sobrando o quanto se rejeita...

Ele mandava matar a chicoteadas
quem do Corão ousasse blasfemar;
outras pessoas sendo apedrejadas

até a morte, por pecado mais mesquinho,
quando um vizinho os viesse denunciar
de em segredo, terem bebido vinho!...

E pelo crime de lesa-majestade,
os pés quebravam com quarenta bastonadas,
as vítimas tornando-se aleijadas,
quando julgava ofender-lhe a autoridade.

Por tudo isso, lamentou toda a cidade,
quando correram as notícias apressadas
de um elefante, das selvas afastadas,
que para Fez ele trouxera por vaidade!...

Assustador é bem mais o africano
que esse outro dócil animal
domesticado pelo povo Indiano.

Bukira, que era o nome do elefante,
causando a todos um frequente mal,
pelas ruas a levar tudo por diante!...

Ele comia as frutas do mercado,
quebrava muros e ia devastar
horta do pobre, dos ricos o pomar
tendo jumentos e camelos esmagado!

Mas por ser do Sultão muito estimado
e também por terem medo de o enfrentar
mais o temor de ao soberano desgostar,
por ninguém esse animal era espantado!...

Mas os prejuízos se foram acumulando,
pois diariamente o animal ficava à solta,
pondo em grave perigo até crianças!...

O povo inteiro já se desgostando,
achando a situação não ter mais volta,
logo perdidas derradeiras esperanças!...

O ELEFANTE DO SULTÃO II

Assim um dia se reuniram descontentes,
causar a morte do animal foi decidido,
mas o Sultão a cada qual teria punido
e um sorteio assim se fez entre essas gentes.

Caiu a sorte sobre um homem de excelentes
condições de erudição, já envelhecido.
“Talvez com lança possa à fera ter ferido.”
“Mas podem ver que não sou dos mais valentes.”

“Certamente esse animal me matará
e ficará enfurecido pela dor...
Vocês precisam escolher um caçador!...”

Caiu a sorte, pelo poder de Alá,
sobre um padeiro sem grande valor:
“Com arco e flecha você atirará!...”

Lançada a sorte uma terceira vez,
recaiu sobre um rico negociante,
que argumentou, da forma mais confiante:
“Má decisão foi esta que se fez...”

“Pior escolhidos fomos nós os três.
Não poderemos matar esse elefante!...
Mas somos muitos.  O mais elegante
é que ao Sultão acompanhem-nos vocês.”

“Ao receber duzentos e vinte muçulmanos
de El-Mutalid a ira se diluirá
e nós os três lhe faremos petição,

“para a todos evitar futuros danos...
Esse Bukira então daqui retirará,
sem que em nós todos recaia punição...”

Marcada a audiência para o dia seguinte,
metade deles nem sequer se apresentou
e no trajeto tal séquito minguou,
por temer do Sultão o feroz acinte!...

A reduzir-se, bem depressa, a vinte,
depois a dez e meia dúzia só ficou...
E ante o palácio o vasto grupo se tornou
naqueles três, em quem temor se pinte...

Eram o erudito, o padeiro e o negociante,
que murmuraram entre si: “Ai, Inch’Allah!
Seja o que Deus quiser!  Pois vamos lá...”

O Sultão os encarou com mau semblante:
“Que história é esta de uma vasta multidão
que pretendia apresentar-me petição...?”

Lançaram-se os três de rosto em terra
e só então se animou o erudito:
“Majestade, o nosso povo está aflito,
pois má saúde Bukira já descerra...”

“Sugerimos que lhe traga, desde a serra,
boa companheira, que ao animal bendito
traga de volta seu bom ânimo interdito,
prova de amor que o coração encerra...”

O potentado soltou uma gargalhada.
“Mas a cuidar desse animal quer-me ensinar?
Eu já notei que este clima do lugar

“mal lhe tem feito e foi por mim determinada
sua transferência a uma paisagem adequada!”
E então mandou aos embaixadores expulsar!

O VENDEDOR DE CONSELHOS I – 11 OUT 16

O Sheik El-Muddah do café muçulmano (*)
olhou ao redor para seus frequentadores:
“Quem sabe creiam, que do sol muitos ardores
afetaram minha mente em vasto dano!...”
(*) O Principal Contador de Histórias.

“Ou quiçá que vou mentir ou algum engano
pretendo lhes causar, meus bons senhores,
pois são os fatos a seguir espantadores
e me causaram certo dia muito afano!...”

“Chegava perto de Damasco, certo dia,
quando homem magro percebi junto ao caminho,
encostado em um muro derruído...”

“Como a aparência de um mendigo ele teria,
para cumprir esse preceito comezinho (*)
do Alcorão, aproximei-me sem ruído...”
(*) Comum, obrigatório.

De minha bolsa retirei algum dinheiro
e com minha bênção a ele o ofereci,
mas o homem que em tal ponto erguido vi
declarou: “Não sou mendigo, caminheiro!”

“Muito ao contrário, eu sou um conselheiro
e a cada um dos viandantes já vendi
os melhores conselhos que escolhi:
cinco dinares de você requeiro!...”

“Porém conselhos todos dão de graça,
só por prazer de serem escutados...
Por que conselho então lhe compraria?”

“Conselhos se recolhe em qualquer praça...
Por que não vai aos beduínos exaltados
vender areia?  Um bom negócio assim faria...”

“Agradeço a sugestão, caro vizinho,
porém bem outras são minhas pretensões
Evita inúteis fazer provocações
e agora, Segue em paz o teu caminho!”

Que o sol já lhe causara mal daninho
acreditei, ao escutar-lhe tais razões;
porém seguindo do Islam as instruções,
por ser louco e precisar de mais carinho,

ofereci-me a lhe comprar algum conselho,
os cinco dinares que pedira prometendo...
“Às minhas palavras presta boa atenção:

“Ao veres um, desconfia de três, meu velho;
E ao veres três, desconfiar de um vai tendo
desse um que está ao alcance de tua mão...”

“Mas pelo manto do Profeta!  É bem profundo
isso que chamas de conselho e ensinamento!
Penso que seja de difícil julgamento,
mais erradio que um sonho vagabundo!...”

“Só a inteligência nos conduz no mundo
e ao coração nos traz entendimento;
Mais vale seguir um bom conselho no momento,
do que entender e não seguir, tolo jocundo!” (*)
(*) Alegre, piadista, zombador.

“Paga-me agora os meus trinta dinares
que já me deves e depois me deixa em paz!”
“Trinta dinares?  Meu caro rapaz,

“nós combinamos cinco, caso bem lembrares;
essa tua conta não faz qualquer sentido,
nem te darei qualquer dinheiro mal havido!...”

O VENDEDOR DE CONSELHOS II

“Cinco dinares foi, de fato, o combinado
por um conselho, mas já te vendi seis
e negócio é negócio, bem o sabeis!
Cada um dos seis bem útil e apropriado...”

“Pois vou lembrar-te, se não tens recordado:
Segue em paz o teu caminho! – percebeis?
Provocações inúteis sempre evitareis...
São dois conselhos – já estás lembrado?”

“Às minhas palavras presta boa atenção;
“Ao veres um, desconfia então de três;
E ao veres três, desconfia do primeiro.”

“Percebes bem como estou com a razão?
Quatro conselhos aqui tendes por tua vez,
mas nenhum deles é de fato o derradeiro.”

Mais vale seguir um bom conselho no momento,
do que entender, porem nada seguir!”
Eis seis conselhos, portanto, sem mentir:
trinta dinares desta forma o pagamento!...”

“Nem tua loucura vai justificar tal julgamento!
Por caridade é que resolvi te ouvir!...
Queria uma esmola dar-te conseguir,
mas é inaceitável um tal atrevimento!...”

“E desta forma nada te darei!
A um outro tolo podes enganar,
mas pela Barba do Profeta, não a mim!”

“Para teu bem foi que te aconselhei;
Pois por cima deste muro vem olhar,
se quiseres conservar tua vida assim!...”

Espiei, então, por cima do tal muro;
numa pedra subi e fiz o que indicara;
e do outro lado, logo minha vista observara
três homens a dormir, de aspecto bem duro...

“Esses homens são meus filhos e te juro
que cada um ao menos quinze já matara
a meu comando e ninguém deles se escapara;
caso eu os chame, matar-te-ão, eu te asseguro!...”

“Se recusares o meu justo pagamento,
basta agora que lhes dê um assobio
e para ti não demonstrarão piedade!...”

Portanto, dou-te só mais um momento
para saíres daqui sem um arrepio
ou morrerás com requintada crueldade!...”

“O meu conselho agora compreendeste?
Se vires um, desconfia desses três que ali estão!
Se vires três, desconfia de mim, tua proteção!
Paga depressa o que me prometeste!...”

Tirei os trinta dinares de minha bolsa, porém este
intrujão me falou: “São quarenta, meu irmão,
por dois conselhos mais, que úteis são:
Disse: Espia sobre o muro!... – e obedeceste!”

E vendo três, desconfia de um! – o qual sou eu!”
Paguei depressa, apesar de revoltado,
pois poderia ter-me às claras assaltado!...

E antes que outro conselho fosse meu,
corri o mais depressa que podia,
que atrás de mim o cão danado ria!...

A LENDA DOS BAKHTIARIS I – 12 OUT 16

No Shat El-Arab, durante uma viagem,  (*)
partiu vapor da cidade de Bassora,
ou Basra, como é melhor chamada agora,
mais semelhante com a árabe linguagem.
(*) O Golfo Árabe ou Pérsico, onde ficam os Emirados Árabes.

Fica Basra na ponta da paisagem
governada pelo Iraque, nesta hora;
sete viagens ali Sindbad fez outrora,
partindo para o sul desta ancoragem.

Aquele era um barco de inspeção
de instalações de companhia petroleira
e de permeio a uma conversação,

à tona vem que três gerentes seus,
embora ingleses, casaram com estrangeira
da tribo Bakhtiar e que bem felizes são...

“Não há problema algum de religião?
Não são os ingleses católico-anglicanos?”
“Os Bakhtiaris não são maometanos,”
falou um árabe que viajava na ocasião.

“Porem tampouco são pagãos, porém Romanos,
(isto é, Ortodoxos) – e de persa origem são,
muito orgulhosos de sua tradição:
mulheres belas, puras, sem enganos...”

“E são os homens muito fortes, na verdade,
muitos serviram no exército britânico,
em Abadan mil e quatrocentos operários...”

“Gente confiável e de operosidade,
capazes do esforço mais titânico,
bastante gratos por receber bom numerário...”

Em Farsi, as palavras bakht e iar
significam “encontrar felicidade”,
sendo o nome que adotaram, na verdade,
após de um mau destino se livrar...

Para a Turquia precisaram se mudar,
em que o Sultão lhes deu certa liberdade
de a religião praticarem à vontade,
se a conversão de ninguém fossem tentar.

Na Primeira Guerra, foram bons soldados,
combatendo a serviço do Sultão,
contra os Britânicos, mas desde essa ocasião

foram por estes muito bem assimilados,
ao constatarem ser também povo cristão,
Gente do Livro... – e não pagãos amaldiçoados!

Têm em geral cabelos claros ou castanhos,
com olhos verdes ou então acinzentados,
a indo-europeus, por certo, aparentados,
entre Iranianos são traços pouco estranhos.

Porém no Iran sofreram grandes lanhos:
houve um sultão cruel, tempos passados,
Kevir chamado, de humores perturbados,
de uma enxaqueca a sofrer males tamanhos

que não o deixavam nem de noite nem de dia
e um certo mago, dito ser clarividente,
declarou ter na cabeça uma serpente!...

Como remédio, diariamente beberia
o sangue de um homem forte; e à refeição,
de mulher bela comeria o coração!...

A LENDA DOS BAKHTIARIS II

E como por demais Kevir sofresse,
mesmo contra os ditames do Alcorão,
ao tratamento deu em breve aceitação,
que algum alívio da moléstia recebesse...

E no outro dia, como a dor reaparecesse,
a outro casal sacrificavam, sem perdão!
Bebia o sangue e devorava o coração,
sem que de fato a doença desfizesse!...

Logo acabou dos escravos o suprimento
que tal força e tal beleza assim tivesse
e o mau sultão mandou que se escrevesse

um rol dos súditos que tivessem a contento
as qualidades que Kevir lhes requeresse
para manter o seu perverso tratamento!...

Mas seus ministros, ao temer enfraquecimento,
de seu exército e por sentir piedade
das belas moças da mais alta qualidade,
outra estratégia conceberam no momento.

Só dos súditos cristãos fizeram o assento
nas longas listas de tal malignidade...
Só os mais fortes e mais formosas, na verdade,
sendo buscados para tal padecimento!...

Seriam assim preservados maometanos,
para somente infiéis serem trazidos
para os terríveis sacrifícios quotidianos!

Assim de si a desviar golpes insanos,
por religião os demais sendo perseguidos,
contrariedade aos bons ensinos muçulmanos!

É mais que claro que se víbora existia
era o malvado mago pervertido,
em que o Sultão, contudo, havia crido,
que em sua terrível receita ainda insistia!

Mas percebendo que o tal rol só incluía
os homens fortes que não haviam querido
trocar de religião, ou ele tendo perseguido
as mulheres que seguiam a Ortodoxia,

tal lista sendo por muito ouro conseguida,
já que os guardas os prendiam sem aviso,
toda essa gente, já de si bem aguerrida,

organizou-se certa noite... e derrubaram
os portões da cidade e ao solo liso
do deserto de imediato se escaparam!...

E desta forma, a liberdade conquistaram
e com ela o precioso dom da vida;
sendo de fato uma elite bem reunida,
seus descendentes mais se aprimoraram...

Seu Cristianismo Ortodoxo conservaram,
numa região inóspita e perdida,
aos assaltantes levando de vencida
e foi assim que a felicidade acharam!

Porém na Pérsia, contra este mau sultão,
em breve tempo ocorreu sublevação,
sendo deposto e a seguir, decapitado!

Dizem que um pai mastigou seu coração,
seu corpo e sangue aos cachorros atirado
e só assim de sua enxaqueca foi curado!...

A PÉROLA MAIS VALIOSA I – 13 OUT 16

No Oceano Índico há pérolas abundantes,
mas a sua pesca acarreta um mau perigo:
quem mergulhava para as trazer consigo
frequentemente sofria danos incessantes...

Alguns morriam, após longos instantes,
tendo descido em demasia a seu jazigo,
o próprio sangue a ferver como inimigo,
cheio de bolhas de gás anquilosantes!...

Porém mesmo os que tinham mais cuidados
e só desciam a bem menor profundidade
sentiam os ouvidos se afetar com brevidade,

pela pressão tendo seus tímpanos furados,
enquanto outros por mais um mal são pegos,
seus olhos pelo mar deixados cegos!...

“Desembarquei, certa vez, em Al-Khazan,
pequena aldeia, com só cem habitantes
e oitenta cegos e surdos mendicantes:
terrível mal o destas Ilhas Andaman!...”

“As boas pérolas adquire o seu Iman,
por preço ínfimo para os operantes;
segundo dizem, os sustenta como dantes,
após serem ‘flagelados por Sheitan!...’” (*)
(*) Satanás, o diabo.

“Dar esmolas é do Islã um dos pilares,
segundo afirma, com vasta hipocrisia:
por certo sabe a razão dessa doença...” –

disse um inglês. “Caridades singulares,
que enorme lucro à custa deles conseguia,
afirmando ampará-los por sua crença...”

Alguns dos árabes pareceram ofendidos...
“Por tal miséria de Alá sendo a vontade,
Hamdulillah!” – mostrou o inglês cordialidade, (*)
“Os seus desígnios sempre serão cumpridos!”
(*) É a Vontade de Alá, Assim Será.

Dos muçulmanos viu os rancores já contidos.
“Alá e God o mesmo deus são, na verdade,
somente Um a dominar a eternidade!...”
“Allahur akbar!” – exclamaram, convencidos. (*)
(*) Deus é grande!

Então falou um outro passageiro:
Mister Turner, não existe certa história,
envolvendo esse Iman e um pescador?”

“Mas certamente!” – anuiu ele, ligeiro;
“Segundo creio, tem verdade peremptória,
mesmo enfeitada já talvez com algum lavor...”

“Lendas e histórias apreciam os muçulmanos.
tal e qual os europeus de antigamente;
em qualquer feira logo se faz presente
um contador de muitos mitos soberanos...”

“Alguns contados desde o tempo dos Romanos,
quaisquer mudanças sendo feitas, realmente:
de boca em boca cada relato se alimente,
gênios e huris para agradar os maometanos...”

“Mas como a história há pouco tempo se passou,
provavelmente ainda não foi muito enfeitada,
na maior parte é fielmente decorada...”

“Posso contar tal é que me relatou
um Sheik el-Maddah, num dia qualquer...”
Olhou em volta: “Isto é, se Alá quiser!...”

A PÉROLA MAIS VALIOSA II

“A filha mais velha de Sidi Hussein, governador
de Andaman, desde Qatar e Mascate,
um dia viajava e no mar então se abate,
ondas chegando com inesperado ardor...”

“Mas, por sorte, estava a bordo um pescador,
convocado pelo Iman a algum combate,
por nome Elian Mukair al-Kalafate,
que então no mar se lançou, com estridor!...”

“Bem habilmente a tal jovem socorreu,
sendo escaler logo lançado ao mar,
remando firme, contra a correnteza...”

“Ao pescador a jovem bela agradeceu,
sem recompensa qualquer então lhe dar.
Mas sem ele, se afogaria com certeza...”

“Pois Sidi Hussein o mandou logo chamar,
reconhecendo ser da filha o salvador:
‘Cem testemunhas atestaram teu valor
e deste modo, quero te recompensar...’”

“Bom Sidi Hussein, não é preciso algo me dar:
de pérolas sou um humilde pescador
e meu ofício foi cumprido, sem favor:
a “pérola mais valiosa” eu fui buscar!...”

Todos notaram a finura da resposta,
acolhida com sorrisos e louvor,
pois era a jovem um tesouro de valor!

Sorriu o Iman e lhe fez esta proposta:
“Pois vou pagar pela pérola que salvaste:
por cem dinares a sua vida resgataste!”

“Senhor Iman, muito infeliz surdez
costuma afetar aos pescadores...
Já comecei a escutar certos tremores
e não ouvi essa proposta que me fez...”

Riu-se o Iman.  Era esperto esse freguês!
“Duzentos dinares dou-te então por tais valores;
ouviste bem, entre os zumbidos e estertores
que te causa a profissão, segundo crês?”

“Lamento muito, senhor Iman e Emir,
porém não o pude entender perfeitamente...”
“Pois não faz nada, muito bem podias ouvir...”

“Quatrocentos eu te darei, bem certamente,
minha gratidão um pouco mais a te assistir...
Com tal quantia, afinal, estás contente...?”

“Meu senhor Iman, recobrei minha audição,
porém sei bem que foi pérola vendida
por trezentos dinares, em seguida,
sem que possuísse tão valiosa condição...”

“Quatrocentos dinares bem a mim compensarão
tantos esforços de minha triste vida,
sempre no fundo do mar comprometida:
talvez dos olhos irei perder a minha visão!...”

“Pois na minha guarda eu quero tê-lo, pescador:
bem me pareces ser um homem de valor
e ainda teres da esperteza um certo tino!...”

“Bem, certamente não se casou com a princesa:
só há nos contos de fadas tal proeza...
Mas teve assim muito melhor destino!...”



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