CINCO CONTOS ÁRABES
(Contos de Malba Tahan, versificados por William Lagos.
OS CALÇÕES DE
SALIM … … … 9 OUT 16
O ELEFANTE DO
SULTÃO ... ... ... 10 OUT 16
O VENDEDOR DE
CONSELHOS ...11 OUT 16
A LENDA DOS
BAKHTIARIS ... ... 12 OUT16
A PÉROLA MAIS PRECIOSA
... ... 13 OUT 16
OS CALÇÕES DE SALIM I – 9 OUT
2016
Às margens do Rio Tigre, ergue-se
ainda
uma cidade de existência secular,
chamada Djarbekir, sem o nome
conservar
de Amida, que os Romanos, em sua
vinda,
lhe haviam aplicado. Tem mesquita
muito linda;
na Antiguidade, foi fortaleza
regular,
que forçaram aos Bizantinos
abandonar
as tropas Turcas, sua conversão
bem-vinda
às leis do Islam... Mas tais
conquistadores
dela tiraram toda a importância
militar,
mesmo que os muros não chegassem
a derrubar;
nela habitam hoje só
trabalhadores
e comerciantes, alguns
caravaneiros
e de passagem, também seus
cameleiros.
No pátio de Ulon Djami, a sua
mesquita,
vedada a entrada a judeus e a
cristãos
e sob pena de morte, aos pagãos,
existe fonte graciosa e bem bonita,
de mármore rosa, que conserva a
dita
de ser chamada, por motivos vãos,
de Fonte de Salim, que ali lavava
as mãos
um jovem rico, que a vaidade
incita,
Salim Habesh, que herdara de seu
pai
grande fortuna, por comércio
havida,
mas preferindo ficar na
ociosidade,
que nomear a um bom amigo,
Dadjalid, vai
como intendente da riqueza
recebida,
morando alegre em seu palácio,
El-Ghadi.
Era Salim dominado por vaidade
e boa parte dos panos mais
preciosos
das lojas de seu pai, em
caprichosos
trajos transformara, em
veleidade;
e as praças e a mesquita, que
maldade! –
palmilhava com seus passos
orgulhosos,
diariamente a trocar trajos
formosos,
a fim de embasbacar toda a
cidade!...
Um certo dia, finalmente
resolveu-
se a contrair um rico casamento,
(*)
com uma jovem, a trazer-lhe, no
momento,
um vasto dote que seu pai lhe
concedeu.
(*) Aqui existe Sinafia, passagem
da palavra para o verso seguinte.
Quatrocentos camelos então ele
forneceu,
carregados de tâmaras e alimento;
aos festejos deu Dadjalid o
andamento:
Salim somente novas roupas
concebeu!
Celebrado na mesquita o
matrimônio,
trouxe ao palácio quatrocentos
convidados
e por mais ostentar seu
patrimônio,
mandou erguer no pátio um grande
estrado,
com sua noiva a desfilar, de
braços dados,
magnificamente o casal sempre
adornado!
OS CALÇÕES DE SALIM II
E realmente, em belíssimas
roupagens,
desfilaram os dois no tal
estrado,
por sete vezes, da vaidade no
pecado,
ostentando as mais belas
equipagens!...
Ora, os convivas gozavam das
vantagens
de um delicioso cardápio bem
cuidado,
limonada e café, chá de rosas
preparado,
bebida alcoólica proibida em tais
paragens...
Mas na sétima volta, ai, que
desgraça! –
os calções de Salim se
desprenderam
sobre os sapatos, suas nádegas
mostrando!
Uma enorme gargalhada ali
perpassa
e então Salim, por um vexame tal
passando,
e a pobre noiva, nos aposentos se
esconderam...
E não podendo enfrentar essa
vergonha,
naquela noite Salim fez equipar,
com ouro e joias, caravana
singular,
da cidade a fugir, qual de
peçonha!...
Deixando à noiva a posição
medonha
de repudiada, sem sua boda
completar,
partindo logo para bem longe do
lugar,
ao paradeiro que de Alá a mão o
ponha!...
Abandonada assim ficou Samida,
mas continuando a morar em sua
mansão,
sem notícias receber de seu
marido...
Mas finalmente, o Vice-Rei de
Amida,
após sete anos, tomou a decisão
de declarar Salim por
falecido!...
Porém Salim em Isfahan já se
instalara,
completamente curado da vaidade,
e passando a negociar de boa
vontade,
nova fortuna facilmente acumulara.
Embora tendo escravas, não
casara,
de Samina ainda a sentir certa
saudade
e mais ainda, de sua natal
cidade,
mas o embaraço sempre o
acompanhara...
Passados trinta anos, calculou
que do episódio ninguém mais
lembrava
e quis voltar, com rica caravana...
Mas quando na cidade enfim
chegou,
viu ali um menino que brincava,
sendo assaltado por uma ideia
insana...
Dele achegou-se, com delicadeza:
“Como é seu nome, meu belo
rapazinho?”
“Sou Samir, filho de Tekrit,”
falou devagarinho,
“Meu avô é Dadjalid, da mais alta
nobreza...”
“Dadjalid!... Seu intendente, com
certeza!
Sua suspeita aumentando de
mansinho...
“Sabe o nome de sua avó, meu
amiguinho?”
“Vovó Samida...” – respondeu com
gentileza...
“E onde mora o seu avô?” – ele
insistiu.
“Na Praça El-Ghadi, perto da
mesquita...”
A sua suspeita confirmou-se,
assim...
“Quando mudou-se para ali?” –
ainda inquiriu.
“Acho que sempre por ali ele
morou...
Quando os Calções caíram de
Salim!...”
EPILOGO
Nada, portanto, jamais fora esquecido!
Com inocência esse menino
respondera:
era um ditado que dos outros
aprendera!
Seu intendente casara com sua
esposa...
E não podia culpá-lo...
Tinha sido
com ela injusto, uma ação mais vergonhosa
que o triste fato infeliz desse acidente...
E lhe dando algumas moedas de
presente,
com a caravana decidiu logo
voltar:
de Amina a porta se lhe acabara
de trancar!...
O ELEFANTE DO SULTÃO I – 10 OUT
16
Dentre todos os poderosos
soberanos
que as terras islamitas
governaram,
as façanhas certamente se
enquadraram
de Ali Hassan entre os feitos
desumanos.
Durante mais de vinte e cinco
anos
os Marroquinos sob seu jugo
suspiraram,
especialmente aqueles que
habitaram
em Fez, a capital dos
muçulmanos...
Ali Hassan
El-Mustalid era cruel
e de assistir a torturas tinha o
vício,
prazer sentindo na dor dos
condenados!
É bem verdade que procurava ser
fiel
às leis da Shariya, ao decretar suplício,
mas sem perdoar a ninguém por
seus pecados!
Sempre mandava cortar a mão
direita
de qualquer um capturado por
ladrão;
comer com a esquerda proibidos
são,
porque é essa que o papel sujeita
para limpar os dejetos que se
deita
e ali é costume se comer com a
mão,
no mesmo prato em que os demais
irão,
só lhe sobrando o quanto se
rejeita...
Ele mandava matar a chicoteadas
quem do Corão ousasse blasfemar;
outras pessoas sendo apedrejadas
até a morte, por pecado mais
mesquinho,
quando um vizinho os viesse
denunciar
de em segredo, terem bebido
vinho!...
E pelo crime de lesa-majestade,
os pés quebravam com quarenta
bastonadas,
as vítimas tornando-se aleijadas,
quando julgava ofender-lhe a
autoridade.
Por tudo isso, lamentou toda a
cidade,
quando correram as notícias
apressadas
de um elefante, das selvas
afastadas,
que para Fez ele trouxera por
vaidade!...
Assustador é bem mais o africano
que esse outro dócil animal
domesticado pelo povo Indiano.
Bukira, que era o nome do
elefante,
causando a todos um frequente
mal,
pelas ruas a levar tudo por
diante!...
Ele comia as frutas do mercado,
quebrava muros e ia devastar
horta do pobre, dos ricos o pomar
tendo jumentos e camelos
esmagado!
Mas por ser do Sultão muito
estimado
e também por terem medo de o
enfrentar
mais o temor de ao soberano
desgostar,
por ninguém esse animal era
espantado!...
Mas os prejuízos se foram
acumulando,
pois diariamente o animal ficava
à solta,
pondo em grave perigo até
crianças!...
O povo inteiro já se desgostando,
achando a situação não ter mais
volta,
logo perdidas derradeiras
esperanças!...
O ELEFANTE DO SULTÃO II
Assim um dia se reuniram
descontentes,
causar a morte do animal foi
decidido,
mas o Sultão a cada qual teria
punido
e um sorteio assim se fez entre
essas gentes.
Caiu a sorte sobre um homem de
excelentes
condições de erudição, já
envelhecido.
“Talvez com lança possa à fera
ter ferido.”
“Mas podem ver que não sou dos
mais valentes.”
“Certamente esse animal me matará
e ficará enfurecido pela dor...
Vocês precisam escolher um
caçador!...”
Caiu a sorte, pelo poder de Alá,
sobre um padeiro sem grande
valor:
“Com arco e flecha você
atirará!...”
Lançada a sorte uma terceira vez,
recaiu sobre um rico negociante,
que argumentou, da forma mais
confiante:
“Má decisão foi esta que se
fez...”
“Pior escolhidos fomos nós os
três.
Não poderemos matar esse
elefante!...
Mas somos muitos. O mais elegante
é que ao Sultão acompanhem-nos
vocês.”
“Ao receber duzentos e vinte
muçulmanos
de El-Mutalid a ira se diluirá
e nós os três lhe faremos
petição,
“para a todos evitar futuros
danos...
Esse Bukira então daqui retirará,
sem que em nós todos recaia
punição...”
Marcada a audiência para o dia
seguinte,
metade deles nem sequer se
apresentou
e no trajeto tal séquito minguou,
por temer do Sultão o feroz
acinte!...
A reduzir-se, bem depressa, a
vinte,
depois a dez e meia dúzia só
ficou...
E ante o palácio o vasto grupo se
tornou
naqueles três, em quem temor se
pinte...
Eram o erudito, o padeiro e o
negociante,
que murmuraram entre si: “Ai, Inch’Allah!
Seja o que Deus quiser! Pois vamos lá...”
O Sultão os encarou com mau
semblante:
“Que história é esta de uma vasta
multidão
que pretendia apresentar-me
petição...?”
Lançaram-se os três de rosto em
terra
e só então se animou o erudito:
“Majestade, o nosso povo está
aflito,
pois má saúde Bukira já
descerra...”
“Sugerimos que lhe traga, desde a
serra,
boa companheira, que ao animal bendito
traga de volta seu bom ânimo
interdito,
prova de amor que o coração
encerra...”
O potentado soltou uma
gargalhada.
“Mas a cuidar desse animal
quer-me ensinar?
Eu já notei que este clima do
lugar
“mal lhe tem feito e foi por mim
determinada
sua transferência a uma paisagem
adequada!”
E então mandou aos embaixadores
expulsar!
O VENDEDOR DE CONSELHOS I – 11
OUT 16
O Sheik El-Muddah do café muçulmano (*)
olhou ao redor para seus
frequentadores:
“Quem sabe creiam, que do sol
muitos ardores
afetaram minha mente em vasto
dano!...”
(*) O Principal Contador de
Histórias.
“Ou quiçá que vou mentir ou algum
engano
pretendo lhes causar, meus bons
senhores,
pois são os fatos a seguir
espantadores
e me causaram certo dia muito
afano!...”
“Chegava perto de Damasco, certo
dia,
quando homem magro percebi junto
ao caminho,
encostado em um muro derruído...”
“Como a aparência de um mendigo
ele teria,
para cumprir esse preceito
comezinho (*)
do Alcorão, aproximei-me sem
ruído...”
(*) Comum, obrigatório.
De minha bolsa retirei algum
dinheiro
e com minha bênção a ele o
ofereci,
mas o homem que em tal ponto
erguido vi
declarou: “Não sou mendigo,
caminheiro!”
“Muito ao contrário, eu sou um
conselheiro
e a cada um dos viandantes já
vendi
os melhores conselhos que escolhi:
cinco dinares de você
requeiro!...”
“Porém conselhos todos dão de
graça,
só por prazer de serem
escutados...
Por que conselho então lhe
compraria?”
“Conselhos se recolhe em qualquer
praça...
Por que não vai aos beduínos
exaltados
vender areia? Um bom negócio assim faria...”
“Agradeço a sugestão, caro
vizinho,
porém bem outras são minhas
pretensões
Evita inúteis fazer provocações
e agora, Segue em paz o teu caminho!”
Que o sol já lhe causara mal
daninho
acreditei, ao escutar-lhe tais
razões;
porém seguindo do Islam as
instruções,
por ser louco e precisar de mais
carinho,
ofereci-me a lhe comprar algum
conselho,
os cinco dinares que pedira
prometendo...
“Às minhas palavras presta boa atenção:
“Ao veres um, desconfia de três, meu velho;
E ao veres três, desconfiar de um vai tendo
desse um que está ao alcance de tua mão...”
“Mas pelo manto do Profeta! É bem profundo
isso que chamas de conselho e
ensinamento!
Penso que seja de difícil
julgamento,
mais erradio que um sonho
vagabundo!...”
“Só a inteligência nos conduz no
mundo
e ao coração nos traz
entendimento;
Mais vale seguir um bom conselho no momento,
do que entender e não seguir, tolo jocundo!” (*)
(*) Alegre, piadista, zombador.
“Paga-me agora os meus trinta
dinares
que já me deves e depois me deixa
em paz!”
“Trinta dinares? Meu caro rapaz,
“nós combinamos cinco, caso bem
lembrares;
essa tua conta não faz qualquer
sentido,
nem te darei qualquer dinheiro
mal havido!...”
O VENDEDOR DE CONSELHOS II
“Cinco dinares foi, de fato, o combinado
por um conselho, mas já te vendi
seis
e negócio é negócio, bem o
sabeis!
Cada um dos seis bem útil e
apropriado...”
“Pois vou lembrar-te, se não tens
recordado:
Segue em paz o teu caminho! – percebeis?
Provocações inúteis sempre evitareis...
São dois conselhos – já estás
lembrado?”
“Às minhas palavras presta boa atenção;
“Ao veres um, desconfia então de três;
E ao veres três, desconfia do primeiro.”
“Percebes bem como estou com a
razão?
Quatro conselhos aqui tendes por
tua vez,
mas nenhum deles é de fato o
derradeiro.”
Mais vale seguir um bom conselho no momento,
do que entender, porem nada seguir!”
Eis seis conselhos, portanto, sem
mentir:
trinta dinares desta forma o
pagamento!...”
“Nem tua loucura vai justificar
tal julgamento!
Por caridade é que resolvi te
ouvir!...
Queria uma esmola dar-te
conseguir,
mas é inaceitável um tal
atrevimento!...”
“E desta forma nada te darei!
A um outro tolo podes enganar,
mas pela Barba do Profeta, não a
mim!”
“Para teu bem foi que te
aconselhei;
Pois por cima deste muro vem olhar,
se quiseres conservar tua vida
assim!...”
Espiei, então, por cima do tal
muro;
numa pedra subi e fiz o que
indicara;
e do outro lado, logo minha vista
observara
três homens a dormir, de aspecto
bem duro...
“Esses homens são meus filhos e
te juro
que cada um ao menos quinze já
matara
a meu comando e ninguém deles se
escapara;
caso eu os chame, matar-te-ão, eu
te asseguro!...”
“Se recusares o meu justo
pagamento,
basta agora que lhes dê um
assobio
e para ti não demonstrarão
piedade!...”
Portanto, dou-te só mais um
momento
para saíres daqui sem um arrepio
ou morrerás com requintada
crueldade!...”
“O meu conselho agora
compreendeste?
Se vires um, desconfia desses três que ali estão!
Se vires três, desconfia de mim, tua proteção!
Paga depressa o que me
prometeste!...”
Tirei os trinta dinares de minha
bolsa, porém este
intrujão me falou: “São quarenta,
meu irmão,
por dois conselhos mais, que
úteis são:
Disse: Espia sobre o muro!... – e obedeceste!”
“E vendo três, desconfia de um! – o qual sou eu!”
Paguei depressa, apesar de
revoltado,
pois poderia ter-me às claras
assaltado!...
E antes que outro conselho fosse
meu,
corri o mais depressa que podia,
que atrás de mim o cão danado
ria!...
A LENDA DOS BAKHTIARIS I – 12 OUT
16
No Shat El-Arab, durante uma viagem,
(*)
partiu vapor da cidade de
Bassora,
ou Basra, como é melhor chamada
agora,
mais semelhante com a árabe
linguagem.
(*) O Golfo Árabe ou Pérsico,
onde ficam os Emirados Árabes.
Fica Basra na ponta da paisagem
governada pelo Iraque, nesta
hora;
sete viagens ali Sindbad fez
outrora,
partindo para o sul desta
ancoragem.
Aquele era um barco de inspeção
de instalações de companhia
petroleira
e de permeio a uma conversação,
à tona vem que três gerentes
seus,
embora ingleses, casaram com
estrangeira
da tribo Bakhtiar e que bem
felizes são...
“Não há problema algum de
religião?
Não são os ingleses
católico-anglicanos?”
“Os Bakhtiaris não são
maometanos,”
falou um árabe que viajava na
ocasião.
“Porem tampouco são pagãos, porém
Romanos,
(isto é, Ortodoxos) – e de persa
origem são,
muito orgulhosos de sua tradição:
mulheres belas, puras, sem
enganos...”
“E são os homens muito fortes, na
verdade,
muitos serviram no exército
britânico,
em Abadan mil e quatrocentos
operários...”
“Gente confiável e de
operosidade,
capazes do esforço mais titânico,
bastante gratos por receber bom
numerário...”
Em Farsi, as palavras bakht e iar
significam “encontrar
felicidade”,
sendo o nome que adotaram, na
verdade,
após de um mau destino se
livrar...
Para a Turquia precisaram se
mudar,
em que o Sultão lhes deu certa
liberdade
de a religião praticarem à
vontade,
se a conversão de ninguém fossem
tentar.
Na Primeira Guerra, foram bons
soldados,
combatendo a serviço do Sultão,
contra os Britânicos, mas desde
essa ocasião
foram por estes muito bem
assimilados,
ao constatarem ser também povo
cristão,
Gente do Livro... – e não pagãos amaldiçoados!
Têm em geral cabelos claros ou
castanhos,
com olhos verdes ou então
acinzentados,
a indo-europeus, por certo,
aparentados,
entre Iranianos são traços pouco
estranhos.
Porém no Iran sofreram grandes
lanhos:
houve um sultão cruel, tempos
passados,
Kevir chamado, de humores
perturbados,
de uma enxaqueca a sofrer males
tamanhos
que não o deixavam nem de noite
nem de dia
e um certo mago, dito ser
clarividente,
declarou ter na cabeça uma
serpente!...
Como remédio, diariamente beberia
o sangue de um homem forte; e à
refeição,
de mulher bela comeria o
coração!...
A LENDA DOS BAKHTIARIS II
E como por demais Kevir sofresse,
mesmo contra os ditames do
Alcorão,
ao tratamento deu em breve
aceitação,
que algum alívio da moléstia
recebesse...
E no outro dia, como a dor
reaparecesse,
a outro casal sacrificavam, sem
perdão!
Bebia o sangue e devorava o
coração,
sem que de fato a doença
desfizesse!...
Logo acabou dos escravos o
suprimento
que tal força e tal beleza assim
tivesse
e o mau sultão mandou que se
escrevesse
um rol dos súditos que tivessem a
contento
as qualidades que Kevir lhes
requeresse
para manter o seu perverso
tratamento!...
Mas seus ministros, ao temer
enfraquecimento,
de seu exército e por sentir
piedade
das belas moças da mais alta
qualidade,
outra estratégia conceberam no
momento.
Só dos súditos cristãos fizeram o
assento
nas longas listas de tal
malignidade...
Só os mais fortes e mais
formosas, na verdade,
sendo buscados para tal
padecimento!...
Seriam assim preservados
maometanos,
para somente infiéis serem
trazidos
para os terríveis sacrifícios
quotidianos!
Assim de si a desviar golpes
insanos,
por religião os demais sendo
perseguidos,
contrariedade aos bons ensinos
muçulmanos!
É mais que claro que se víbora
existia
era o malvado mago pervertido,
em que o Sultão, contudo, havia
crido,
que em sua terrível receita ainda
insistia!
Mas percebendo que o tal rol só
incluía
os homens fortes que não haviam
querido
trocar de religião, ou ele tendo
perseguido
as mulheres que seguiam a
Ortodoxia,
tal lista sendo por muito ouro
conseguida,
já que os guardas os prendiam sem
aviso,
toda essa gente, já de si bem
aguerrida,
organizou-se certa noite... e
derrubaram
os portões da cidade e ao solo
liso
do deserto de imediato se
escaparam!...
E desta forma, a liberdade
conquistaram
e com ela o precioso dom da vida;
sendo de fato uma elite bem
reunida,
seus descendentes mais se
aprimoraram...
Seu Cristianismo Ortodoxo
conservaram,
numa região inóspita e perdida,
aos assaltantes levando de
vencida
e foi assim que a felicidade
acharam!
Porém na Pérsia, contra este mau
sultão,
em breve tempo ocorreu
sublevação,
sendo deposto e a seguir,
decapitado!
Dizem que um pai mastigou seu
coração,
seu corpo e sangue aos cachorros
atirado
e só assim de sua enxaqueca foi
curado!...
A PÉROLA MAIS VALIOSA I – 13 OUT
16
No Oceano Índico há pérolas
abundantes,
mas a sua pesca acarreta um mau
perigo:
quem mergulhava para as trazer
consigo
frequentemente sofria danos
incessantes...
Alguns morriam, após longos
instantes,
tendo descido em demasia a seu
jazigo,
o próprio sangue a ferver como
inimigo,
cheio de bolhas de gás
anquilosantes!...
Porém mesmo os que tinham mais
cuidados
e só desciam a bem menor
profundidade
sentiam os ouvidos se afetar com
brevidade,
pela pressão tendo seus tímpanos
furados,
enquanto outros por mais um mal
são pegos,
seus olhos pelo mar deixados
cegos!...
“Desembarquei, certa vez, em
Al-Khazan,
pequena aldeia, com só cem
habitantes
e oitenta cegos e surdos
mendicantes:
terrível mal o destas Ilhas
Andaman!...”
“As boas pérolas adquire o seu
Iman,
por preço ínfimo para os
operantes;
segundo dizem, os sustenta como
dantes,
após serem ‘flagelados por
Sheitan!...’” (*)
(*) Satanás, o diabo.
“Dar esmolas é do Islã um dos
pilares,
segundo afirma, com vasta
hipocrisia:
por certo sabe a razão dessa
doença...” –
disse um inglês. “Caridades
singulares,
que enorme lucro à custa deles
conseguia,
afirmando ampará-los por sua
crença...”
Alguns dos árabes pareceram
ofendidos...
“Por tal miséria de Alá sendo a
vontade,
Hamdulillah!” – mostrou o inglês cordialidade,
(*)
“Os seus desígnios sempre serão
cumpridos!”
(*) É a Vontade de Alá, Assim
Será.
Dos muçulmanos viu os rancores já
contidos.
“Alá e God o mesmo deus são, na verdade,
somente Um a dominar a
eternidade!...”
“Allahur akbar!” – exclamaram, convencidos. (*)
(*) Deus é grande!
Então falou um outro passageiro:
“Mister Turner, não existe
certa história,
envolvendo esse Iman e um
pescador?”
“Mas certamente!” – anuiu ele,
ligeiro;
“Segundo creio, tem verdade
peremptória,
mesmo enfeitada já talvez com
algum lavor...”
“Lendas e histórias apreciam os
muçulmanos.
tal e qual os europeus de
antigamente;
em qualquer feira logo se faz
presente
um contador de muitos mitos
soberanos...”
“Alguns contados desde o tempo
dos Romanos,
quaisquer mudanças sendo feitas,
realmente:
de boca em boca cada relato se
alimente,
gênios e huris para agradar os
maometanos...”
“Mas como a história há pouco
tempo se passou,
provavelmente ainda não foi muito
enfeitada,
na maior parte é fielmente
decorada...”
“Posso contar tal é que me
relatou
um Sheik el-Maddah, num dia qualquer...”
Olhou em volta: “Isto é, se Alá
quiser!...”
A PÉROLA MAIS VALIOSA II
“A filha mais velha de Sidi
Hussein, governador
de Andaman, desde Qatar e
Mascate,
um dia viajava e no mar então se
abate,
ondas chegando com inesperado
ardor...”
“Mas, por sorte, estava a bordo
um pescador,
convocado pelo Iman a algum
combate,
por nome Elian Mukair
al-Kalafate,
que então no mar se lançou, com
estridor!...”
“Bem habilmente a tal jovem
socorreu,
sendo escaler logo lançado ao
mar,
remando firme, contra a
correnteza...”
“Ao pescador a jovem bela
agradeceu,
sem recompensa qualquer então lhe
dar.
Mas sem ele, se afogaria com
certeza...”
“Pois Sidi Hussein o mandou logo
chamar,
reconhecendo ser da filha o
salvador:
‘Cem testemunhas atestaram teu
valor
e deste modo, quero te
recompensar...’”
“Bom Sidi Hussein, não é preciso
algo me dar:
de pérolas sou um humilde
pescador
e meu ofício foi cumprido, sem
favor:
a “pérola mais valiosa” eu fui
buscar!...”
Todos notaram a finura da
resposta,
acolhida com sorrisos e louvor,
pois era a jovem um tesouro de
valor!
Sorriu o Iman e lhe fez esta
proposta:
“Pois vou pagar pela pérola que
salvaste:
por cem dinares a sua vida
resgataste!”
“Senhor Iman, muito infeliz
surdez
costuma afetar aos pescadores...
Já comecei a escutar certos
tremores
e não ouvi essa proposta que me
fez...”
Riu-se o Iman. Era
esperto esse freguês!
“Duzentos dinares dou-te então
por tais valores;
ouviste bem, entre os zumbidos e
estertores
que te causa a profissão, segundo
crês?”
“Lamento muito, senhor Iman e
Emir,
porém não o pude entender
perfeitamente...”
“Pois não faz nada, muito bem
podias ouvir...”
“Quatrocentos eu te darei, bem
certamente,
minha gratidão um pouco mais a te
assistir...
Com tal quantia, afinal, estás
contente...?”
“Meu senhor Iman, recobrei minha
audição,
porém sei bem que foi pérola
vendida
por trezentos dinares, em
seguida,
sem que possuísse tão valiosa
condição...”
“Quatrocentos dinares bem a mim
compensarão
tantos esforços de minha triste
vida,
sempre no fundo do mar
comprometida:
talvez dos olhos irei perder a
minha visão!...”
“Pois na minha guarda eu quero
tê-lo, pescador:
bem me pareces ser um homem de
valor
e ainda teres da esperteza um
certo tino!...”
“Bem, certamente não se casou com
a princesa:
só há nos contos de fadas tal
proeza...
Mas teve assim muito melhor
destino!...”
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