CINCO HISTÓRIAS DA ÍNDIA
Baseadas em Folk Tales and Fairy Stories from India – Sudhin N.
Ghose
Octetos de William Lagos – 24-28 set 2016
(o nascimentyo de jahangir, , pintura medieval)
OS
QUATRO ERUDITOS ... ... ... 24 SET 16
A
PRINCESA MAYA ... ... ... 25 SET 16
O
CASAMENTO DE MAYA ... ... ... 26 SET 16
A
FORTUNA DE MAYA ... ... ... 27 SET 16
O
PANELÃO DE ARROZ ... ... ... 28 SET 16
OS QUATRO ERUDITOS I – 24 SET
2016
Em Vishnupur, quatro austeros
eruditos,
a gramática estudaram por doze
anos
e as Escrituras por mais doze,
sem enganos;
já nos Quarenta por miséria
sendo aflitos...
Pelo saber encontravam-se
benditos,
mas do lado material sofriam
danos,
as suas heranças gastas nos
afanos,
pela pobreza e pela fome já
malditos...
Em vão pediram ajuda aos
comerciantes
e já se achavam num triste
mendigar,
incapazes de comprar sequer
comida!
Mas viam nobres a montar seus
elefantes
e nem os monges dos templos do
lugar
se dispunham a aliviar-lhes
mais a vida...
E comentavam, estudando as
Escrituras,
em documentos muitas vezes
milenares,
que deveriam ir buscar outros
lugares;
em Vishnupur somente achando
agruras!
Querem os ricos adquirir as
formosuras
de dançarinas, por centenas de
dinares,
ou lutadores contratar para os
azares
de suas vastas apostas em
loucuras!...
Enquanto os pobres só as
rinhas assistiam, (*)
ou aprestavam jumentos em
corridas,
a classe média aparelhando os
elefantes,
(*) Brigas de galos.
ou javalis caçavam e comiam,
nessas tolices a dispender
suas vidas,
sem se importar com sábios tão
brilhantes!
Disse o mais velho: “Deixemos
a cidade,
noutro lugar melhor fortuna
encontraremos.”
Falou o mais moço: ”Primeiro
consultemos
Baraka, a curandeira, que tem
sagacidade.”
Os demais concordaram, com
facilidade.
“A consultar a bruxa então
iremos,
mas acredito que nosso tempo
perderemos;
é um mulher ignorante, na
verdade!...”
Mas no momento em que entraram
na cabana,
ela os saudou: “Cavalheiros, a
ciência
de nada vale onde não há a
inteligência.”
Nisso Bissakha, o mais velho,
já se inflama:
“Ela nos quer submeter a
zombaria:
nada de novo para nós cá se
acharia!...”
Porém Baraka lhes disse que a
fortuna
se encontra muita vez no
logradouro
em que tivemos o nosso
nascedouro,
mas só o esforço a riqueza
coaduna...
“Bela a sentença, mas em nada
é oportuna
para quem sente da fome o mau
agouro...”
Baraka riu-se, bateu palmas
com estouro:
Com vinho e alimento da
cozinha serva ruma...
“Eu agradeço,” disse Bissakha,
satisfeito,
“mas alimento é só alívio
temporário...
Pode, de fato, nos indicar
orientação?...”
Baraka percebeu o seu
despeito...
“Pois muito bem, indicarei o
itinerário...”
Mandou trazer-lhes quatro
plumas de pavão.
OS QUATRO ERUDITOS II
“Segurareis estas plumas
firmemente;
e no lugar em que no chão
tombarem,
fortuna existe, caso o
acreditarem,
porém no gelo há dor e fogo,
finalmente...”
Bissakha a obedeceu, meio
impaciente;
um a um, os três outros
aceitaram
e em direção ao norte então
marcharam,
esperançosos... Mas Bissakha
descontente.
E quando ao longe avistaram o
Himalaya,
caiu a pluma de um dos
eruditos
e em picareta a seguir se transformou.
“É a minha fortuna!” – clamou
o austero Gaya,
picando o chão e logo os
outros deram gritos:
“É um veio de cobre que você
achou!...”
“Caros irmãos, aqui há cobre
suficiente
para o sustento de nós quatro
toda a vida!”
Disse o mais velho: “Prosseguirei
na lida.”
Seguiram dois com ele para a
frente...
No outro dia, a pluma de
Yarlida
no chão tombou, com retinir
plangente.
O erudito achou um veio,
facilmente,
de pura prata, sob a relva
escondida.
“Meus irmãos, essa prata aqui
é bastante
para nós três!... Fiquemos por
aqui...”
Porem Bissakha disse: “Não me
basta!”
E com um só companheiro segue
avante,
embora a fome já os
perseguisse ali...
O par de amigos da vereda não
se afasta...
Então tombou no solo uma
terceira,
transformada de imediato em alvião.
Karama, o dono, bem veloz
cavou o chão,
achando mina de ouro bem
certeira!...
“Por que seguir a escalar essa
ladeira?
Fique comigo, aqui há riqueza
em profusão!”
Porém Bissakha recusou dar-lhe
atenção.
Será de jóias a mina derradeira!...
E para a frente seguiu com a
própria pluma,
ainda bem firme na palma de
sua mão,
sem que sequer por um momento
ela oscilasse.
À sua frente um planalto então
se apruma,
pedras de gelo recobrindo todo
o chão,
calor de dia, embora à noite,
congelasse!
De sua fortuna já se
desesperava:
Fiz muito mal em confiar na feiticeira;
a pluma jogo fora e retorno à derradeira
parada, em que Karama me esperava...
Mas no instante em que no chão
lançava,
transformou-se em corrente a
pluma inteira
a sua cabeça a enrolar, cobra
ligeira;
com esse peso, já no chão
tombava!...
Então um homem muito magro
apareceu.
“Eu lhe agradeço pelo seu
desdém:
a minha pluma lancei no chão
também...”
“A sua prisão minha liberdade
concedeu.
Por outro tolo deverá esperar
agora
que a própria pluma da fortuna
jogue fora!...”
A PRINCESA MAYA I – 25 SET
2016
O Rei Mandhara de Sravasta
estava velho,
muito orgulhoso de duas filhas
que tinha:
Madry, a mais velha, realmente
bem quietinha,
a maquiar-se o dia inteiro
frente ao espelho.
Maya, a mais moça, agitada,
sob o relho
da inquietação que a cada dia
lhe vinha;
já falecera a sua mãe, a boa
rainha,
não tinha mais a quem pedir
conselho...
Cada manhã, as filhas iriam
saudar
o rei seu pai... Madry logo
proclamava:
“Vida longa para meu pai e
monarca!”
Porém Maya limitava-se a
falar:
“Bom dia, meu pai. A sua vida muito abarca:
pois lhe conceda tudo que
merece!” – desejava.
O Rei Mandhara começou a se
irritar:
“Por que deseja que eu tenha o
que mereço?
Igual que praga tal saudação
eu meço!
Talvez de fato eu a deva
castigar!...”
Porém Maya fora em Benares
estudar,
com o irmão de sua mãe,
Aparavesso
e com ele aprendera o dom
travesso
de as falas de animais
interpretar...
O que de fato ela queria, era
partir
de qualquer modo. Sentia-se oprimida
e o vasto mundo desejava
conhecer,
coisa que o pai não iria nunca
permitir,
salvo se fosse como noiva
oferecida
a quem por certo saberia dar
prazer.
Certo dia, o rei Mandhara
despertou,
ao escutar de sua filha
gargalhada;
sua longa sesta havia sido profanada!...
Fizera troça porque seu pai roncou!
Mandou chamá-la e a seguir
Maya chegou.
“Não, senhor pai. Eu sei que dei risada,
mas da conversa de formigas
escutada;
foi divertido o que uma então
falou...”
“Ah, sim, sim... Teu tio dizes
te ensinou...
E que tipo de conversa então
interpretou?”
“Uma formiga reclamava de seu
rei...”
“Ele tinha duas filhas e não
as casava,
mas que um banquete finalmente
dava,
dois belos genros a escolher,
conforme a lei...”
Com tal história o rei mais se
ofendeu:
Essa atrevida quer-me dar uma lição!
Para casá-las não chegou ainda ocasião:
Minha boa vontade inteira ela perdeu!...
Seu Grão-Vizir mandou chamar
então,
que bem depressa ante o rei
compareceu.
“Meu conselheiro, veja o que
me aconteceu!”
O acontecido lhe narrou com
emoção...
“Qual o conselho que me dá
agora?
Que tipo de castigo ela
merece?”
“Majestade, este assunto é
delicado...”
“Não é melhor que a case, sem
demora?
Ao mesmo tempo que lhe atende
a prece,
Terá ocasião de dormir mais
descansado...”
A PRINCESA MAYA II
Porem Mandhara, embora rico,
era avarento.
“Se a casar, um belo dote
esperarão:
meu tesouro esgotará nessa
ocasião!
Será um prêmio pelo seu
atrevimento!...!
“Bem, Majestade, talvez seja o
momento...
Ela é de fato bela; quem sabe
a aceitarão,
sem vasto dote a lhe exigir
então,
se a algum plebeu a der em
casamento!”
“É a sua filha Madry a real
herdeira;
precisa um noivo de mui alta
condição:
qualquer rajá dar-lhe-á então
assentimento...”
Porém a cólera do rei era
certeira...
E nessa noite, com total
satisfação,
teve um sonho, que interpretou
como portento.
Em seu sonho, ele a vira
mendigando,
pelas estradas caminhando a
pé,
desde a planície até o alto
sopé
das montanhas, sua beleza
desgastando...
Pela janela do palácio
contemplando,
notou um mendigo, muito magro
até...
Será esse o seu noivo, por minha fé!...
Ao pobre homem foi depressa
convocando.
Chamou então de volta o
Grão-Vizir.
“Vês o mendigo sentado na
cozinha,
com apetite realmente
extraordinário?”
“Faça que em trajo nupcial o
vão vestir.
Será o noivo de minha
princesinha,
sem precisar dar-lhe um dote
perdulário!”
“Providencie você mesmo o
casamento.
Não irei dar-lhe banquete nem
um dote,
nenhum festejo, sequer um
convescote:
esse é o castigo pelo seu
atrevimento!...
Para o Vizir foi grão
constrangimento.
“Majestade, não será um
infausto lote,
que a uma vida de pobreza hoje
a devote?”
“Diga-lhe apenas ser meu
mandamento.”
“Que o “Rei das Formigas”
decidiu,
sem ser preciso algum banquete
preparar
e que seu noivo já foi
alimentado...”
“Só isso, Majestade?...” – o
outro inquiriu.
“Essa atrevida entenderá
quando o falar,
será o castigo por seu pai ter
maltratado!”
A pobre Maya ficou muito
surpreendida,
mas aceitou com humildade o
seu castigo.
Tinha até boa aparência o tal
mendigo,
Limpo, vestido e cheio de
comida...
A cerimônia foi às pressas
conduzida.
Um velho brâmane a resmungar
consigo,
só obedecendo por temer algum
perigo,
Madry assistindo, bastante
compungida...
Logo a seguir, Maya deixou o
castelo,
levando apenas as suas jóias e
vestidos,
seu noivo um saco sopesando de
alimento...
Mostrou Mandhara ter coração
de gelo
em seu desdém e rancores
incontidos,
sem ir, ao menos, assistir ao
casamento!
O CASAMENTO DE MAYA I – 26 SET
2016
Mas dias depois, sentiu
arrependimento;
mandou de novo convocar o
Grão-Vizir.
“As minhas ordens totalmente
fez cumprir?”
“Sim, Majestade, foi realizado
casamento.”
“O noivo demonstrou
contentamento
por uma esposa tão bela
conseguir;
somente um saco de comida foi
pedir
e os dois partiram, sem
ressentimento.”
“Porém Maya... Ela não reclamou nada?”
“Falou que o quanto
recebera... mereceu;
e o senhor meu pai receberá o que merece...”
“Mas novamente essa frase
amaldiçoada!
Foi uma praga a me rogar,
feito má prece?”
“Não, meu senhor, ela até lhe
agradeceu...”
“E realmente, não falou mais
nada...?”
“Disse, senhor: ‘Melhor
casar-me com mendigo
que sofrer minha solidão em
rico abrigo
e por meu pai sentir-me
desprezada...”
Ficou o rajá com a mente
perturbada.
“Acho melhor ir procurá-la,
meu amigo...”
“Senhor, já encontrá-la não
consigo,
que os dois partiram pela
longa estrada...”
“Melhor assim... Maya estudou demais.
Dar não devemos às mulheres
instrução;
cuidar da casa e ter filhos
sua função...”
“Talvez conselhos lhe deem os
animais...
Porém Madry, que jamais
estudou nada,
sempre mostrou ser uma filha
dedicada...”
O esmoler Govinda mostrou-se
carinhoso,
mas vendeu logo o rico trajo
nupcial;
com seus andrajos se sentia
natural,
ainda que fosse sempre limpo e
caprichoso...
O casamento completou, muito
amoroso,
por sobre a grama, junto a
estrada vicinal.
Para Maya um evento quase
triunfal,
a libertá-la de um passado
desastroso...
Só havia entre os dois algo de
estranho:
comia Govinda de uma forma
desmedida
e parecia emagrecer cada vez
mais...
Mas demonstrava por ela amor
tamanho
que lhe cedia a sua melhor
comida,
mesmo o apetite sem se aplacar
jamais...
Assim de um templo para outro
andava,
por pobres monges a ser
alimentado,
que julgavam-no faminto e
esfomeado...
Mas no terceiro dia, se
afastava...
Seu apetite nunca se
abrandava,
porém sabia estar comendo
demasiado;
talvez algum tivesse até
jejuado,
enquanto ele a si
locupletava!... (*)
(*) Comia até quase estourar.
Logo o dinheiro do trajo
nupcial
foi gasto inteiramente em
alimento,
sem que ele engordasse uma só
grama.
Maya sentia algo de
sobrenatural
em seu marido, por certo
encantamento
a dominar aquele jovem que já
ama...
O CASAMENTO DE MAYA II
Govinda, às vezes, a olhava
envergonhado,
no momento em que uma joia ela
vendia,
que em poucos dias ele mesmo
consumia,
sem que sua fome tivesse se
amainado... (*)
(*) Na Índia não é estranho
que uma rica jovem acompanhe um asceta.
Então lhe confessou, muito
acanhado,
ser o Príncipe-Herdeiro de
Avantiya
a quem tal terrível fome
acometia,
após ter vinte e um anos
completado...
Durante uma caçada adormecera,
tranquilamente, junto a um
formigueiro,
para acordar com essa ânsia
que o consome...
E desde então, insólito
comera, (*)
emagrecendo ao mesmo tempo bem
ligeiro,
em consequência da insopitável
fome...
(*) Muito além do normal.
Aos melhores doutores
consultaram,
sem conseguirem desvendar a
causa;
ainda comia, quase ser dar
pausa
e diagnósticos tão só se
embaralhavam...
A então famoso brâmane
convidaram,
que procurou provocar-lhe
muita náusea,
com emético e purgante que lhe
abrasa,
porém nenhum resultado
demonstraram...
E sentindo-se o tal brâmane
despeitado,
ao ver falhada a sua famosa
medicina,
declarou que no berço o haviam
trocado.
Não era um homem o príncipe
esfomeado,
mas de ser filho de Asura
tinha a sina (*)
e deveria assim ser
exilado!...
(*) Os Asuras eram gênios
opostos aos Devas, os gênios do bem.
“Coitadinho! Então seus pais o expulsaram!...!
“Bem ao contrário. Expulsaram o charlatão,
sem a tal hipótese absurda dar
razão;
meus pais nem por momento
desconfiaram!”
“Porém senti que os cortesãos
me olharam
com certa desconfiança, desde
então,
mal conseguiam esconder a
superstição
e tantos rumores à nação
prejudicaram...”
“Então fugi, numa noite bem
escura.
Levei comigo dinheiro suficiente,
porém gastando muito mais do
que pensara.”
“Meus ricos trajos vendi
então, sem compostura,
a indumentária a adotar da
pobre gente,
até o dia que em Sravasta me
encontrara...”
“Assim cumpri o meu castigo,
sem pecado,
até seu pai ordenar seu casamento,
quando senti genial
pressentimento
de que minha cura em você
havia encontrado.”
“Mas já me encontro há três
meses do seu lado,
sem que a moléstia sofra
impedimento;
de amor eu sinto por você o
sentimento...”
“Tenho certeza de que não foi
trocado...”
“Se fosse assim, a sua
voracidade
desde seu berço se acharia
manifesta
e não no ano de sua
maioridade...”
“Mas a sua esperança é
verdadeira
e contra ela nada mais
contesta,
que encontrarei a sua cura na
verdade!...”
A FORTUNA DE MAYA I – 27 SET
2016
Um dia chegaram junto a um
formigueiro.
Disse Govinda: “Perto estamos
de Avantiya;
vamos dar volta, pois nunca
pretendia
retornar a meu antigo
paradeiro...”
“Está certo,” disse Maya. “Mas primeiro
precisas descansar.” A vasta
fome persistia...
“Vou à cidade, a vender joia
que trazia;
deite-se ali, pois retorno bem
ligeiro...”
Maya vendeu seu bracelete de
ouro
por muitas rúpias e comprou
comida;
quando voltou, encontrou-o
adormecido...
Parou um pouco longe. Bom
agouro
que ao sono permissão desse acolhida...
Sentou-se a vinte passos, sem
ruído...
Mas de repente, para seu total
espanto,
abriu-se a boca do Govinda
adormecido;
ela julgou ter um ressonar
ouvido,
mas língua negra apareceu num
canto...
Logo viu mamba, com seu negro
manto, (*)
se projetar, lançando olhar
comprido
a seu redor, mas sem tê-la
percebido,
com a língua o ar provando, no
entretanto...
(*) Cobra negra semelhante à
jiboia, que mata por compressão.
Logo a seguir, o réptil se
esticou,
saindo inteiramente para fora,
quando engordou
desmesuradamente...
Do formigueiro outra mamba se
lançou,
porém sem engordar na mesma
hora,
fitando a outra com seu olhar
dolente...
E como a língua das cobras
compreendia,
seus silvos todos ela
interpretou:
“Seu patife! Até que enfim se apresentou!
Está tão gordo que mal o
conhecia...”
“Mas como ousou fazer tal
mesquinharia?
em hospedeiro esse jovem
transformou
e o que comia quase tudo
devorou,
nos anos tristes em que a
mendigar seguia!’
“Você é mais mesquinho que uma
enguia!
Até uma lesma sua nutrição
procura,
mas você se transformou num
parasita!...”
“Não se envergonha da maldade
que fazia?
Em breve morre esse rapaz e a
sinecura, (*)
irá perder, quando na pira o
fogo o agita!...” (+)
(*) Emprego bem pago sem
qualquer trabalho ou obrigação.
(+) Na Índia é costume cremar
os mortos.
“Ora, Mamãe, como pode me
acusar?
Sei que você amealhou grande
tesouro,
e o armazenou sem o menor
decoro,
nessa cova em que gosta de
morar!...
Diariamente essas formigas a
matar,
sem conseguir estufar nunca o
seu couro;
está esquelética para seu
desdouro,
das formigas o extermínio a
provocar!”
“Que tem você a ver? Bem podia partilhar!
Causei a morte de muitos
viandantes,
comi sua carne e armazenei
seus bens!”
“Esse é das mambas o direito
milenar!
A minha função ainda cumpro
como dantes
meu tesouro tem valor e nada
tens!”
A FORTUNA DE MAYA II
“Tu te contentas em te
locupletar
até a morte de teu pobre
hospedeiro;
as minhas vítimas eu caço bem
ligeiro,
tal não faria deixando-me
engordar!”
“Tu deverias era me acompanhar,
um viajante a engolir inteiro,
por mais de mês a digerir
primeiro
antes de um outro precisar
matar!...”
“Querida mãe, essa é bem maior
vileza
dessa que eu fiz durante cinco
anos:
meu hospedeiro está magro, mas
saudável.”
“O que a senhora sente é avareza:
quer é aumentar o seu tesouro
sem enganos,
para enroscada dormir sono
inefável!...”
“Não passas de um ingrato.
Pois vou te delatar
ao primeiro ser humano que
apareça
que um punhado de mostarda
negra peça,
para na boca desse príncipe
jogar!...”
“Não somente isso o faria
vomitar,
mas no momento que para o solo
desça,
sua barriga maior ainda cresça
e por sua gula finalmente vá
estourar!”
“Pois eu mesmo à princesa vou
contar,
no momento em que ela
retornar,
como minha própria vingança
ela consagre!”
“Basta que vá no formigueiro
derramar,
pelas alças firmemente a
segurar,
uma panela fervente de
vinagre!...”
Mãe e filho continuaram a
discutir,
Porém Maya não quis saber mais
nada!
À cidade retornou, bem
apressada,
para a mostarda negra adquirir
e um panelão de vinagre
conseguir...
Ao ver a discussão já
terminada,
uma fogueira acendeu,
tranquilizada,
logo o vinagre fervendo de
ebulir!...
E agarrando pelas alças, com
cuidado,
as duas mãos por panos
protegidas,
no formigueiro o derramou
inteiramente!
Triste assobio a escutar,
depois chiado;
e de Govinda, as comissuras
separadas, (*)
de mostarda encheu-lhe a boca
incontinenti!
(*) Os cantos da boca.
Os resultados não se fizeram
esperar:
as duas cobras saíram,
estrebuchando,
com seu cajado a morte enfim
lhes dando,
vendo Govinda calmamente
despertar!...
“Maya, querida, será que estou
a sonhar?
Sinto minha fome totalmente
dissipada!...”
“Não, amor meu, sua doença foi
curada;
se está forte, venha agora me
ajudar...”
Com os dois cajados abriram o
formigueiro
e ali encontraram um tesouro
incalculável,
que até as formigas ajudaram a
retirar.
E agradecidas, repartiram bem
ligeiro
de cada mamba seu cadáver
execrável,
com tantos restos o
formigueiro a prosperar...
EPÍLOGO
Uma carroça compraram, pondo
nela
os sacos em que guardaram a
fortuna,
logo chegando até Avantiya, a
bela,
sendo Govinda acolhido com
festejos;
Maya, orgulhosa, em tal festa
se apruma,
Com o marido a comentar, em
alegria:
“Enfim eu tive o quanto
merecia!...”
Porém em Sravasta, o rei
Mandhara
Madry casara com um jovem
nobre,
sendo avarento, a lhe dar
pequeno dote,
do qual o noivo nada
reclamara;
mas certa noite, o genro lhe
recobre
o rosto, após lhe dar felino
bote,
para seu trono herdar, como
queria:
Teve Mandhara assim o quanto merecia!
O PANELÃO DE ARROZ I – 28 SET
16
Em Benares, jovem brâmane
vivia,
cujo nome era Savarakipana,
que mau agouro desde o berço
lhe proclama:
“Nasceu para ser pobre” é o
que dizia!...
Sendo um brâmane, realmente
não podia
o solo cultivar; somente a
chama
da cultura ou religião em
vasta gama:
trabalho físico a lei não lhe
permitia!
Desde modo, passava fome
algumas vezes;
mesmo esmolar também lhe era
proibido,
embora em bela casa ele
morasse;
mas muitas vezes se passavam
meses
sem um donativo que lhe fosse oferecido,
embora dos pais belas vestes
ainda usasse.
Certo dia, tendo servido de
juiz
numa querela entre dois
camponeses,
sem que cobrar pudesse a seus
fregueses,
um panelão de arroz um deles
quis
lhe trazer como presente,
porque diz:
“O outro juiz prejudicou-me
algumas vezes;
aqui tendes o que comer por
vários meses.
Vazio notei lhe estar o
almofariz...” (*)
(*) Recipiente em que se mói
cereal com um pilão.
Comovido, agradeceu
Savarakipana,
que não podia receber dinheiro
por suas decisões de mais
ninguém.
E o panelão pendurou sobre sua
cama,
seu conteúdo praticamente
inteiro,
depois de bela refeição fazer
também!...
É que em sua casa se abrira um
formigueiro
e como ele à Ahimsa
obedecesse, (*)
não as podia matar, pois mais
sofresse
desses insetos o roubo
costumeiro.
(*) A doutrina da
não-violência: matar nunca!
Mas sobre a cama o panelão
inteiro
estava protegido o mais que
desse,
que alimentá-lo assim muito
pudesse,
sem que as formigas o
furtassem bem ligeiro!
E nessa noite, sua reserva
contemplando,
o pobre brâmane não parava de
pensar:
Se fome em meu país reinasse agora,
muitos viriam... e meu arroz comprando,
no mínimo cem rúpias iria juntar
e cabra e bode compraria sem demora!
sem recordar que, caso
houvesse fome,
as cabras custariam bem mais caro...
Com os cabritos, teria rebanho a meu reparo,
sem precisar trabalhar, que capim come...
Com o dinheiro que tal venda logo some,
vaca e touro compraria com bom faro
e com os bezerros, um animal mais raro,
dois zebus em compraria, que outro dome...
E com as crias dos zebus, eu compraria
uma parelha de dois lindos cavalos,
que certamente me dariam bons potrilhos;
então os belos cavalinhos venderia,
gordos e fortes depois de bem tratá-los,
o dinheiro a me chegar em ricos trilhos...
O PANELÃO DE ARROZ II
Naturalmente, como ainda sou juiz,
continuaria recebendo donativos
dessas partes com rendimentos mais ativos,
agradecendo as decisões que então fiz.
Não sou juiz venal, como se diz,
apenas sugestões faria aos divos (*)
que alguns presentes aceitaria mais vivos,
sem recusar quando alguém me ajudar quis...
(*) Ricos.
Enquanto isso, me crescia a cavalhada
e poderia contratar um empregado,
que bom de fato fosse um tratador...
Minha fortuna assim bem encaminhada,
talvez escrava já tivesse do meu lado,
submissa e gentil ao seu senhor...
Meus cavalos colocaria nas corridas
e bons prêmios depressa ganharia;
dos vencedores, quando houvesse cria,
as venderia a pessoas bem supridas...
Esta casa eu herdei, que há tantas vidas
aos meus antepassados pertencia;
porém há anos seus móveis já vendia,
minhas refeições pelas vendas conseguidas...
Estando então já bem mais remediado,
de novo compraria o mobiliário
e alguns tapetes de cores bem vistosas
e poderia contratar outro empregado
de religião diferente, sem que tal santuário
matar proibisse essas formigas perniciosas!
Já tendo a casa bem limpa e adornada,
convidaria o Vice-Rei para jantar,
com minha nova riqueza a impressionar,
bela amizade então seria iniciada...
Muita causa me seria encaminhada,
os donativos chegando sem parar
e finalmente, eu poderia desposar
a sua filha e herdeira mais amada!...
Um magnífico dote ela traria
e logo teríamos um saudável filho,
que Saramasaman se chamaria...
Por seu avô ele seria protegido,
da carreira militar seguindo o trilho
e com os saques se enriqueceria...
Nesse momento, seu joelho
levantou!
Seu panelão de arroz se
balançou!
A corda velha num instante
rebentou!
E todo o arroz pelo solo se
espalhou!...
Savarakipana ergueu-se à toda
pressa,
mas tudo em vão! Milhares de formigas,
já de há muito suas juradas
inimigas,
o arroz levaram ainda mais
depressa!
O pobre brâmane olhou os cacos
da panela,
sem grão de arroz sequer sobre
sua cama,
nem sobre a colcha velha que a
cobria!...
Partido o sonho por sua má estrela,
a lamentar-se assim
Savarakipana:
Nome bem triste! Nasci
para ser pobre!
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