TECLAS VAZIAS – Novas Série de
William Lagos – 14/23 outubro 2016
TECLAS
VAZIAS I – 19 out 2007
No
meu computador, vejo um castelo,
ao
fundo de um gramado ensolarado...
Mas
me encontro na sombra, deste lado,
e
jamais pertencerei ao quadro belo...
Foi
assim com meu amor. A moradia
ficava
entre mensagens demoradas...
No
frio da noite, por dedos digitadas:
apenas
letras... Seu rosto nunca via...
Mensagens
tristes, belas, amorosas,
cheias
de vida, frias, caprichosas,
ensimesmadas
num fulgir de egoísmo...
E
eu construía, com todo o simbolismo,
nas
sombras eletrônicas, mansão,
em
que hospedava meu tolo coração...
TECLAS
VAZIAS II – 14 OUT 16
Em
cada tecla, havia uma mensagem,
constituída
de suspiros e de zelos,
porém
meus olhos não podiam vê-los,
salvo
no encanto da sutil paisagem.
Só
no meu peito construí essa estalagem,
na
qual teus olhos... eu poderia tê-los,
na
longa estrada para tais castelos,
nos
solavancos cansativos da carruagem.
Mas
nem os olhos nessa estalagem via,
apenas
poeira e grumo me saudavam,
que
a tal encontro jamais ela viera,
A
fria câmara a permanecer vazia,
enquanto
os dias verdes se escoavam,
já
ressequida a mimosa primavera...
TECLAS
VAZIAS III
Eu
atribuía a cada tecla a sua magia:
algumas
delas a reluzir ciúme,
algumas
outras perjuras de azedume,
algumas
poucas um fulgor de fantasia;
mas
no conjunto tão só desarmonia:
só
do meu lado se acendera o lume,
sem
acendalha que ao coração me rume,
em
combustível para a débil melodia;
também
as teclas eu tocava do piano,
como
se ouvisse nelas vibração
daquela
voz para mim desconhecida
e
lhe escutasse os gentis passos de pano
sobre
a calçada em transitória duração:
quando
a janela era aberta – já perdida...
TECLAS
VAZIAS IV
É
tão estranho que se fantasie
com
quem nunca se viu, em romantismo,
paisagem
de castelo em saudosismo;
qualquer
donzela por quem a mente anseie;
qualquer
quimera, enfim, de que me fie,
como
se fosse um baralhar de egoísmo,
a
me lançar suas cartas em modismo:
Dama
de Espadas que de mim se rie... (*)
(*) Tradicionalmente o símbolo da morte
ou da derrota.
As
teclas nuas dançando em meu antanho
de
outra geração, que eu confundia
com
a tenaz cintilação do meu porvir...
Tudo
pensado, sem haver nada de estranho,
eu
mesmo o autor de tal coqueteria,
com
que buscava a gentil alma me iludir...
PRIVAÇÃO
I – 21 out 2007
Na
falência do beijo, existe a graça
de não
saber o quanto se perdeu.
Se esse
ensejo alguém te concedeu,
mas nunca
mais, maior é tal desgraça.
Porque
assim, ao se saber como era,
não resta
margem à imaginação.
O beijo
que faltou, traz a ilusão
de que
seria mágico, na espera...
E quantas
vezes mais então se goza
o beijo
que não houve e foi perfeito,
qual o
ósculo retido na tua boca...
Que o
beijo imaginado é como rosa
que não
despetalou e sem defeito,
qual
refrigério de esperança louca...
PRIVAÇÃO
II – 15 OUT 16
Na
falência do sexo, há a memória
do tempo
em que mostrou prosperidade,
muito
lucro me dando, na verdade,
por mais
que impostos lhe tirassem glória...
Como a
exigência de escutar, peremptória,
essa
diária conversa... sem vontade,
nesse
cansaço da particularidade
repetida
em intenção fabulatória...
Ou a
cobrança diária de carinho,
fonte
perene do ressentimento,
do “eu te
amo” na ânsia de um alento,
ou
qualquer necessidade mais mesquinha,
mais
outro imposto à falência condutor
a
indesejados desgastes desse amor...
PRIVAÇÃO
III
Mas sem
falência, quiçá na concordata
do “vamos
dar um tempo” tão simplório,
tal qual
se amor fosse algo de irrisório
que se
deixasse guardar em casamata,
para
depois buscar, quando desata
o
emperramento ao coração; o empório
de beijos
e carícias, ou antes o velório
dessa
esperança que na boda se contrata.
Sempre é
difícil se desvendar a causa
da
cessação paulatina do interesse,
que à
doação do beijo traz a pausa...
Pois
tanta vez nem é simples menopausa,
mas a
vergonha do corpo que se expresse,
enquanto
a vida, passo a passo, desfalece...
PRIVAÇÃO
IV
Melhor
seria para os dois a moratória,
qual para
o amor um simples adiamento,
sem dele
ser o final falecimento,
nessa
falência tola e peremptória,
em seu
divórcio de pronta ação cartória,
que não
consegue degolar o sentimento,
pelo
assinar, após um breve julgamento,
dando ao
amor a decadência mais inglória.
O velho
beijo aveludado num arquivo
feito de
páginas rasgadas e amarelas,
que o
masoquista ainda abre raramente.
Melhor
saber que nunca foi um dia ativo
esse amor
feito de palavras belas,
emudecidas
nesse agora totalmente.
MALBARATO I – 22 out 2007
Pecados, se os tive, foram
contra mim,
não contra os outros.
Porque compensei,
em carne e sangue, o pouco
que tirei
de qualquer alma que fruí...
Enfim
o que eu mais fiz foi
negar a mim prazer
e a outras não trazer
felicidade,
que eu saberia, com
equanimidade,
muito mais repartir, que receber...
São estes meus venais
pecados roucos,
são crimes inocentes,
resfriados,
em diarreia pálida,
mesquinhos...
Mais débeis que afiados,
esses poucos
pecados de inação,
aparvalhados
pela saudade despida de
carinhos.
MALBARATO II – 16 OUT 16
Se eu fosse um monge, tipo
João da Cruz,
a procurar com esforço mais
pecados,
para deles me culpar em mil
cuidados,
ou quem sabe, Santa Tereza
de Jesus,
eu buscaria em cada lasca
que reluz
de interesses por outras,
maltratados
desejos, sob minhas preces
enterrados,
para de nova confissão
fazer-me jus,
desenterrando qualquer sinal
de orgulho
no próprio fato de querer-me
confessar,
para a seguir ser novamente
absolvido,
do amor alheio num total
esbulho,
nessa constância de meu
esgaravatar
da própria alma por qualquer
erro esquecido.
MALBARATO III
Mas certamente minha índole
é diversa:
bem mais tenho a fazer que
procurar
razão de arrepender-me, sem
parar,
por mais que a alma esteja a
Deus conversa;
e goze a culpa, tal qual
memória tersa,
a me espiar pelas frestas do
pensar,
por erro antigo me fazer
agonizar,
qualquer lampejo de
interferência inversa.
Pois algo é certo: não se
trata de consciência:
bem ao contrário, é
sorrateira tentação,
que algo busca em meu peito
a mastigar,
nesse seu ressuscitar da malquerença
de algum remorso isento de
razão,
tão só pelo prazer de
atormentar!...
MALBARATO IV
Passou-se o tempo de vítima
matar
como qualquer sucedâneo ao
sacrifício
de nosso próprio egotismo ou
malefício:
não foi em vão esse Calvário
milenar!
Nas Escrituras claramente
vais achar
que nessa cruz houve
completo benefício,
do sacrificador perdido o
ofício,
sem qualquer outro cordeiro
precisar.
E desse modo, é até mesmo um
malbarato
dessa promessa que se fez de
uma vez só,
quando buscamos suplicar
novo perdão,
máximo orgulho a revelar no
próprio fato,
nesse exigir de Deus um novo
dó,
para a altivez de um vaidoso
coração!
REGRAS DA
VIDA XLIII (43) – 22 out 2007
Não se
trata de ser inconsequente,
ou
doidivanas, ou mesmo imprevidente,
nem
tampouco portar-se indiferente
aos
problemas da vida, a bem de adiá-los...
Menos
ainda lhe serve preocupar-se:
levar a
testa, aos poucos, a enrugar-se,
perder o
sono, ficar a lastimar-se,
vendo os
problemas e sem solucioná-los...
Você
precisa é de buscar informações,
aconselhar-se
com quem conhece o assunto
e fazer
algo que seja construtivo...
Depois,
deixe passar... Preocupações
são qual
desenterrar um mal defunto,
ao pôr de
lado um bem que ainda está vivo...
DILAÇÃO I – 23 out 2007
Isso é o que sinto agora, enquanto
escorrem,
qual sangue negro, garranchos no papel:
eu me sinto incapaz desse hidromel
sorver da vida, ainda que me forrem
a taça inteira com camadas de ouro.
Meu superego insiste em que trabalhe,
que a nada me autorize que atrapalhe
esse sulco profundo em que me agouro
como um traço do destino... Eu fujo e
fico
e sempre foi assim, nunca busquei
o quanto mais queria; e refugiei
meus membros no fulgor do pobre e rico
viver fecundo de uma rica mente,
enciumada de um corpo que a
sustente!...
DILAÇÃO II – 17 OUT 16
Não é de fato o que à alma mais sustente
esse alimento de um supermercado
ou da fruteira que se abra ao lado
ou a vitamina que em farmácia se
apresente,
nem mesmo o pão que a padaria esquente,
que vou buscar em meu passo apressado,
sempre o transporte mecânico evitado,
na caminhada que mais o corpo alente,
mas ao contrário, é o pão espiritual,
sem que me esteja referindo à
eucaristia,
mas esse que em meus livros conseguia,
de um moinho a corrente conceptual,
com que forjei de meus versos a farinha,
na branca poeira que redenção continha.
DILAÇÃO III
Contudo, eu penso como em La Bohème,
quando o poeta se apresenta à sua Mimi,
que me nutriu muito mais o que escrevi
do que qualquer banquete que me acene!
Talvez o excesso de acepipes me
envenene,
nessa indigestão que encontraria ali:
por comer pouco não me parece que sofri,
nem por ressaca minha cabeça geme...
Porém não creio poder jamais passar
sem essa música que escuto diariamente
ou sem os livros que leio em intervalos,
toda a poética destarte a alimentar,
na brotação subitânea e consequente
do pólen de ouro de meus versos
ralos!...
DILAÇÃO
IV
Porém não se confunda a dilação
da busca do prazer ou do descanso,
com qualquer dilatação do orgulho manso,
ou com o termo da moda, a delação!
Pois nada tenho a denunciar, senão
a minha própria fuga do remanso,
entre o trabalho e os poemas me balanço,
no equilíbrio do esforço e da emoção.
E sem querer te dar conselhos, só refiro
que busques o prazer mais permanente,
que se expanda pelo solo no qual pises;
que te reserves um tempo de retiro,
sem dilação daquilo que alimente
o crescimento real de tuas raízes!...
NÓ GÓRDIO I –
24 out 2007
Existe o fato
de que a vida nunca é
o quanto se
deseje. Existe um desespero
na falência
diária, no entrevero
com as
contrariedades... Um rodapé
de sonhos
contorcidos, descartados,
que se podem
pisar, mas não descalço,
pois
dilaceram solas, qual percalço
sequela do
outro... até quando assegurados
se encontrem
o futuro e a certeza
de longa vida
ter... Sabe-se lá
se algum dia
a maré da adversidade
não se
reverte. O difícil é a vileza
da rotina
diária... A opacidade
do
aborrecido... Que sempre tornará.
NÓ GÓRDIO II
– 18 OUT 2016
Acredito que
de ti algo descrevo
quando refiro
do élan vital a incerteza; (*)
há quem se
lance na busca da riqueza,
nesse combate
frenético de Frevo,
(*) Energia
vital, impulso para a vida.
mas dizer que
assim sejas, não me atrevo:
quem busca o
lucro, não lê versos de nobreza,
mas cotações
da bolsa, com firmeza
(para as
tabelas seguir o olhar nem levo!)
O mais
provável é que sintas nostalgia
por muito
mais que a vida material,
maior o zelo
por mais constante amor!
Algo mais a
preencher a alma vazia,
ainda que
vaga essa tendência espiritual,
que do beber
e do comer seja maior.
NÓ GÓRDIO III
A vida,
realmente, é um grande nó,
cheio de fios
totalmente embaraçados;
por mais que
a liana manejes com cuidados,
teus pés e
mãos ficam presos no cipó.
Não teve o
grande Alexandre qualquer dó
nesse
santuário de fios enovelados:
com três
golpes de espada bem talhados
a profecia
requisitou para si só!...
Não sei o que
fizeram sacerdotes
dos
fragmentos, restos e fiapos,
mas é bem
certo que a Ásia conquistou.
Porém não
creio tampouco te devotes
a desfazer o
meio-ambiente em trapos,
sangrando a
vida quando te amarrou.
NÓ GÓRDIO IV
Conforme
disse, o pior é a opacidade,
rotina cega
de aborrecimento,
sem um
triunfo que te traga alento,
sem sofrer
golpe de cruel maldade.
É o ramerrão
que conduz a humanidade
às rebeliões
do mais feroz momento,
não a alegria
ou sequer padecimento;
algo de novo
nos consola em realidade.
E se puderem
decepar o nó da vida,
bem
facilmente o farão em mil pedaços,
que mais não
seja para ver o que acontece!
Rasgada assim
toda a ilusão perdida,
seus fragmentos
em zombeteiros traços
de um
desencanto que jamais se esquece!
VANTAGENS
I – 25 out 2007
Nasci
para o trabalho e não me queixo,
de
dar ao mundo tal contribuição
que
esteja a meu alcance e nunca deixo
um
dever sem sua completa ultimação.
E
sempre estou disposto à obrigação
de
ajudar àqueles que o desleixo
levou
a precisar... Levo meu seixo
para seu
muro e afasto a humilhação
daqueles
a quem amo. A vida é assim:
semeio
as nuvens e espero a chuva mansa,
não
busco tempestades nesta vida.
Pouco
me importa que ninguém ajude a mim:
eu
me ajudo a mim mesmo, na confiança
de
trabalhar... até minha despedida.
VANTAGENS
II – 19 OUT 2016
Certa
vez, alguém falou que a eternidade
se
assemelhava a um pequeno pardalzinho,
uma
pedrinha a transportar no seu biquinho,
na
construção de muralha, sem maldade...
Sem
grande calma, tampouco em ansiedade,
nos
intervalos da confecção do ninho,
seixo
após seixo a transportar devagarinho,
enquanto
a vida lhe permitia a atividade...
Morto
o pardal, outro ovo eclodiria,
até
que novo pardalzinho, calmamente,
a
atividade de seu pai continuaria...
Porém
quantas gerações requereria
até
surgir do alicerce algo imponente
e
para quê a tais pardais adiantaria...?
VANTAGENS
III
Igualmente
nos legou Santo Agostinho,
com
referência à Santíssima Trindade,
mas
de forma paralela, na verdade,
a
parábola da praia e o menininho,
que
pretendia encher um buraquinho
com
a água do oceano, em sua vaidade,
sem
muita pressa, com tranquilidade,
doses
minúsculas no seu baldezinho...
Esta
historieta o filósofo deixou
para
ilustrar os limites de sua mente,
sem
alcançar jamais a compreensão
desse
mistério em que tanto meditou,
até
alcançar a conclusão plangente
de
pela fé confortar a sua razão...
VANTAGENS
IV
E
novamente, qual seria a vantagem
de
o vasto mar introduzir num buraquinho?
Qual
a missão conferida ao pardalzinho
de
construir a tal muralha com coragem?
Pois
certamente não são atos de vadiagem;
tanto
o pardal como aquele menininho
às
suas tarefas se aplicavam com carinho,
sem
que de fato alterassem sua paisagem...
E
tanta gente se dispõe a contestar
ao
que comove a sabedoria divina,
pelo
que causa horror ou nos fascina...
Pois
que espécie de amor tão singular
calamidades
sobre nós derrame
sem
que a oração a sua piedade inflame?
VANTAGENS
V
Na
verdade, não é Deus nosso criado,
mas
ao invés nos criou para O servir;
deu-nos
o mundo para nos nutrir,
sem
a promessa de algum gênio a nosso lado,
que
tudo faça, só por termos esfregado
alguma
lâmpada, num casual agir...
Por
que algum deus se poderia permitir
de
lamparina de latão ser o empregado?
Pois
que vantagem auferiria a divindade
em
nos criar à Sua imagem e semelhança,
com
nossos tolos orgulho e ambição?
Bem
mais seria de esperar, na realidade,
que
o Ser divino em nós tenha esperança
de
que O sirvamos com respeito e sujeição!...
VANTAGENS
VI
Por
que motivo algum Ser onipotente
nos
criaria, pelo prazer de nos servir?
Seria
o sensato, inversamente, nos pedir
qualquer
tarefa em caráter permanente.
Cada
um de nós certa função tem a cumprir,
no
grande plano do universo ingente.
Mesmo
a pedrinha que tal pardal assente
ou
o balde de água para a praia conduzir.
Eu
permaneço na força de minha ética:
tudo
o que alcançam minhas mãos para fazer,
emprego
nisso minha total habilidade,
mesmo
que seja tão só nesta poética
a
sugerir-te um semelhante proceder,
na
construção de tua pequena eternidade.
PASSOS DE LÃ
I – 20 OUT 2016
Tal como a
alma angustiada de um vulcão,
Meu coração
explode em algum minuto,
A cada vez
que a doce voz escuto
Daquela a
quem já elegi como ilusão.
Ele explode
em quentes lavas de emoção,
Vermelhas de
meu sangue, meu arguto
Destilar de
neurônios, simples duto
Por onde
escorre a luz de minha razão.
Quando essa
voz se molda em escultura,
Construída em
meu próprio ouvido interno,
Vibrando
alada pelo duplo labirinto
E me domina
em tal desenvoltura
Que o corpo
inteiro se palpita eterno
Nessa cinza
transitória com que o pinto.
PASSOS DE LÃ
II
Nessa audição
de passos silenciosos,
Eu sou
Vesúvio a presidir Pompeia
E Herculano,
em crueldade de epopeia,
A ocultar com
meus sopros tenebrosos
A bela
estátua de tempos mais idosos
Que qualquer
ser humano que se esteia
Sobre a atual
Terra, na pegajosa teia
Dos sonhos
imortais e lastimosos,
Qual um
cortejo de transitoriedade
Invisível, a
brotar da mente humana,
Semialentada
pela ilusão do amor,
Em seu caco
multicor de eternidade
Que em cada
coração ainda se inflama,
Antes que o
tempo abrevie seu calor.
PASSOS DE LÃ
III
A morte e o
sono e o tão sonhado amor
Nos assediam,
com gentis passos de lã,
Nossa casca a
partir, qual de avelã,
Mas
vulnerável a estalar sem estridor.
E vem o sonho
a se instalar no seu brandor,
Cobrindo o
sono com sua textura vã,
E mesmo a
morte de gadanha em seu afã
E ainda o
amor opalescente de vigor.
Todos os
quatro não mais do que armadilhas
Que nos tomam
de tocaia, num repente,
Os quatro
irmãos que são do inesperado,
No insuspeito
desbravar das quatro trilhas
Que em
intervalos da vida se apresente,
Tal qual um
beijo que apenas foi roubado.
INSANO
CORAÇÃO I – 21 OUT 16
Fantasma de
mim mesmo nesta esfera,
singular
mescla de sombra e de reflexo,
sou espectro
gentil, anjo sem sexo,
transmogrifado
embora em besta-fera,
assombrado em
meu fulgor de longa espera,
sou duende de
ti, perdido o nexo,
arrancado da
fímbria de um amplexo,
turvado assim
em sonho e ilusão mera.
Embaçado o
cintilar, meu brilho é baço,
abstraído do
teu corpo, sou abstrato,
na mudez de
minha voz, sou tartamudo,
unidimensional,
perdido o espaço,
alma penada
acachapada e sem recato,
assombração
bordada em teu veludo.
INSANO
CORAÇÃO II
Sou quimera
de mim, sem dimensão,
na busca
inerme de teu sonho ser,
sem realmente
em tua mente pertencer,
não mais que
a sobra febril de uma ilusão.
Talvez
consiga ser de ti alucinação,
um desvario
de febre em teu sofrer;
em tua
modorra talvez possas perceber
que algo de
alheio te bate ao coração.
Não sou
apenas sombra, na verdade:
como uma
insídia me consigo introduzir
nos teus
momentos descuidados do dormir,
um lampejo
tão só de tenuidade.
uma carícia a
palmilhar teu devaneio,
tal qual
suspiro que se partiu ao meio...
INSANO
CORAÇÃO III
Sem qualquer
dúvida sou tua insanidade,
quando te
deixas levar pela corrente,
toda defesa a
se fazer dormente,
em teus
momentos de maior fragilidade.
Então penetro
na plena virgindade
de tua alma
ainda infantil, semi-inocente,
essa criança
ali em ti subjacente,
que ainda não
se convenceu da falsidade
do Príncipe
Encantado de armadura,
que o coração
faz palpitar da adolescente
e ali me escondo,
sorrateira criatura,
sem que
sequer eu mesmo saiba como,
nesse teu
peito um escorreito agente,
não mais que
nuvem composta de ternura.
NATALÍCIO I – 22 OUT 16
É muito bom não saber o que reservam
as Parcas e as Greias do destino; (*)
muito mais fácil de qualquer dia
pequenino
enfrentar os poucos males que se
atrevam.
(*) Veja a longa Nota após o sexto
soneto desta série.
As Parcas criam, mas as Greias nos
preservam
o nosso fado, em poder semidivino,
totalmente indiferentes no seu tino,
somente lembram alguma rota que
prescrevam.
Três anos e setenta hoje completo,
sem perceber-me muito diferente
de quando tinha só trinta ou meus
quarenta,
embora a infância muito atrás deixada;
mas cada dia ainda encaro, certamente,
qual uma nova aventura apresentada...
NATALÍCIO II
Mas se eu soubesse, já na adolescência
quanta coisa haveria de enfrentar,
forças talvez não pudesse rejuntar
e me deixasse carregar pela impotência.
De cada dor, caso tivesse a presciência,
se cada incômodo pudesse pré-cordar,
de onde forças conseguiria buscar
para ao fadário demonstrar igual
paciência?
É claro que provavelmente saberia
de cada orgasmo de júbilo estridente,
de cada tempo que alegria me daria;
tudo pensado, a balança aceitaria,
bem ao contrário dessa pobre gente
que só por suspeitar... se mataria!...
NATALÍCIO III
Ora, os Chineses calculavam diferente:
incluíam na idade toda a gravidez,
os nove meses em que a carne se fez,
antes da vida aceitar luminescente.
Também se conta, que por razão ingente,
um nascimento lastimavam por sua vez,
bem mais que a morte no derradeiro mês,
sem ter mais pena ou dó remanescente.
Também já se falou, só meio a sério,
que bem sabe o nenê o quanto o espera,
quando na vida ingressa já a chorar!...
Contudo, a minha foi mais como um saltério,
com todo o bem e mal que a vida gera
cada salmo claramente a me indicar...
NATALÍCIO IV
Tudo contado, me trouxe a vida malefício
bem menor que o Rei David a suportar;
soube o salmista o sofrimento musicar,
para de tantas gerações ser benefício.
Perdeu-se a música, sem deixar
resquício,
porém as letras se soube preservar,
durante os séculos tantos a tentar
comporem novas harmonias como ofício.
Vários dos salmos eu soube decorar,
tal qual se escritos fossem para mim
há quase três mil anos... Muitos mais
devem ter tido o mesmo palpitar,
a universalidade tendo assim
para tantos de nós, pobres mortais!
NATALÍCIO V
E de uma coisa certeza eu tenho apenas:
é que prefiro não saber de meu futuro;
sempre é possível que seja ainda mais
duro
que desse antanho as numerosas penas.
Prefiro mesmo não saber dessas algemas
que as Nornas forjam para um fado
obscuro
e muito menos desvendar fadário puro
do qual as Greias são guardiãs das
gemas.
Afinal, entre as três só têm um dente
e tão somente um olho, estranha sina
que inerme as colocou ante Perseu.
Nenhuma Górgona real eu tive à frente,
nem outra Andrômeda a mente me fascina,
de quem o medo ou o desejo seja meu...
NATALÍCIO VI
Completo hoje, então, setenta e três,
de bons votos já estou assoberbado;
sinto-me grato, mas não estarei
capacitado
a responder a quanta gente o fez...
Quem se apressou a tomar nota deste mês,
felicitar-me havendo desejado;
nem que acredite merecer o seu cuidado,
nesta falta de importância em que me
vês...
Curiosidade ainda conservo no mistério
que me reserva, sorrateiro, o meu porvir
e que o possa influenciar ainda me
iludo;
embora, às vezes, pense meio a sério
que se a Medusa das Serpentes me surgir
faça sua face refletir-se em meu escudo!
NB – As Greias são criaturas mitológicas pouco conhecidas, apresentadas
principalmente na epopeia de Perseu, o matador das Górgonas e salvador de
Andrômeda. A história de Perseu foi
oculta pela Igreja Católica por muito tempo, por apresentar muitos paralelos
com a vida de Cristo (nascimento virginal, morte dos inocentes, etc.). As
Greias eram três irmãs, conhecidas como As Cinzentas, as guardiãs dos fatos do
destino tecido pelas Parcas. Tinham a peculiaridade de possuir apenas um dente
e somente um olho. Eram canibais, mas
raramente conseguiam capturar um viajante e assim costumavam passar fome. Chamavam-se Deino, Daino ou Dino (Temor),
Aino, Eino ou Ênio (Horror) e Painfrato, Peinfreto ou Pênfredo (Alarma). Euríale, a terceira Górgona, que morava no
norte da África e que era uma mulher de grande beleza, não conhecia seus nomes;
as outras Górgonas eram Medusa, que morava na Hiperbórea, no extremo norte e
Esteno, que morava na ilha de Lesbos. As
Parcas, que teciam o destino dos homens e dos deuses, filhas de Zeus com Nix, a
Noite ou com Themis, a Justiça, são muito mais conhecidas. Os Helenos as chamavam de Nornas: Clotho,
Láquesis e Átropos: os Romanos de Nêunia ou Nona; Décima; e Máurtia, Máurcia ou
Morta.
DOXOLOGIA 1 – 23 out 16
A gente espera, no momento da paixão,
Que permaneça eterno o sentimento,
Bem fundo ao coração tomando assento,
Em sua pátina alicerçada de ilusão.
A mente inteira a lhe prestar aceitação,
Nessa metiocolina do momento,
Serotonina fugaz do julgamento,
Adrenalina refugiada na emoção.
Então o deus alado a missa encerra,
Sem ofertório a validar o encantamento,
Doxologia a nos cantar como um aviso;
E sem mais compunção o sonho enterra,
Quando sei que para mim restou somente
O traço vago da sombra de um sorriso!...
DOXOLOGIA 2
Em cântico de louvor se manifesta
Por um herói, em nênia de excelência
Ou a afirmar da divindade a permanência
Que num ato de fé não se contesta.
A lista de atributos nesta gesta,
Sejam intrínsecos ou apenas de
aparência,
De humildade revestida de indigência
Ou de nobreza nos lauréis de festa
Então se cantam por convicção,
Nesse hino de louvor que apenas dura
Enquanto são as ofertas recolhidas,
Apresentadas depois à aceitação
Perante o altar, em que incenso se
mistura
Com velas mortas nesse culto consumidas.
DOXOLOGIA 3
E de igual modo, no altar do coração,
Enquanto a flama do amor firme luzia,
Ergue-se o canto da doxologia,
Alimentado pelo círio da paixão.
Esse ritual já de mais breve duração,
Que o sacerdote bem depressa permitia
Que cada um ao lar de origem tornaria,
A dispensar assim congregação.
Porém se foi o canto no santuário
Do peito – feito pelo amor mais vivo,
Não é o rito assim tão fácil terminado,
Quando só dois partilham do sacrário,
Dois corações perfurados nesse crivo,
Que se esperava fosse eternizado.
DOXOLOGIA 4
Durante a missa, recolhe-se o ofertório,
Cada um dando o que pode ou quanto quer,
Porem o óbolo se resume em tal mister,
Ação de Graças num final peremptório.
Mas quando o amor se prende no
esponsório
O homem dá-se inteiro à sua mulher,
A qual se entrega ao homem, sem sequer
Duvidar da santidade do cibório
Que traz no próprio corpo e lhe oferece:
Essas ofertas são muito mais completas
Do que cédulas ou moedas despejadas;
Doxologia completada nessa prece,
Tão eterna quanto as duas frágeis setas
Que contra ambos foram disparadas!...
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