CINCO CONTOS FOLKLORE USA
(Baseados em contos de Richard & Judy Dockrey Young)
Tradução e Versão Poética William Lagos – 19-23/12/2016
OS LADRÕES DE
CORPOS ... ...... 19/12/2016
O PERSEGUIDOR ...
... ... 20/12/2/2016
MARIA SANGUINARIA
... ... ... 21/12/2016
A FAIXA DE VELUDO
VERMELHO ... ... ... 22/12/2016
O VELHO CABELUDO
... ... ... 23/12/2016
OS LADRÕES DE CORPOS I – 19/12/216
Quando o tempo mal havia começado
e só os índios habitavam nossa terra,
vivendo em paz, sem motivos para
guerra,
maus espíritos moravam do seu
lado!...
Eram os Kirin, um povo acostumado
a comer almas que o corpo humano
encerra;
vazio o corpo, então algum nele se
encerra,
sem que pareça ser em nada
transformado.
Mas a pessoa não era mais que ali
vivia,
em vez disso, o Kirin ali se achava,
o qual somente pela noite se movia...
Dormia, de fato, durante todo o dia;
só ao por-do-sol tal corpo levantava
para qualquer atividade que queria...
Havia outro sinal de sua presença:
eles nunca comiam carne assada,
mas ao saírem para a sua caçada
comiam carne crua, viva e tensa,
mesmo as escamas e a pelagem densa,
qualquer que fosse a vítima agarrada;
por sorte a gente não era devorada,
a quantidade de sua carne sendo
imensa,
mesmo que se juntassem dois ou três,
morria logo essa pessoa assassinada
e a carne viva acabava por sua vez...
Comiam assim só pequenos animais
ou ainda insetos a pegar em revoada,
mas se escondendo da presença dos
demais...
Bebiam nas festas, bem naturalmente,
mingaus ou sopas frias deglutiam,
sem que notassem os parentes que
assistiam
que não tomavam sequer um caldo
quente.
É que o fogo era o inimigo dessa
gente
e nem mesmo leite morno eles bebiam;
carne ou guisado quente não comiam,
contrário ao hábito anterior desse
parente...
Se alguém dormisse o dia inteiro
assim
e só de noite saísse a caminhar,
já desconfiavam que fosse algum
Kirin;
porém se o vissem engolir algum
inseto,
um peixe cru ou uma ave devorar,
certeza tinham do terrível mal
secreto!...
Um certo dia, após o por-do-sol,
sentava Hiawatha em frente a seu
tipi, (*)
o indiozinho mais esperto que já vi,
numa embira a enfiar contas em rol...
(*) Tenda triangular de pele de
búfalo ou veado.
Então seu tio, que adormecera no
arrebol,
apareceu com um estranho por ali
e convidou: “Vamos pescar, guri?
A lua cheia está brilhando qual
farol!...”
Pescar à noite nunca foi coisa
anormal
e Hiawatha gostava muito de seu tio:
buscou sua vara, sem pensar nada de
mal
e logo os três entraram na canoa,
muito embora já começasse a fazer
frio;
foram remando até o meio da lagoa...
OS LADRÕES DE CORPOS II
“Primeiro iscas precisamos arranjar,”
disse seu tio. O menino mergulhou
e um sapo gordo bem depressa achou
que deu depois para seu tio pegar...
Mas no momento em que voltou a nadar,
ouviu um som de nhoc! e o tio falou:
“Ora, que pena! O sapo me escapou!”
Hiawatha foi depressa outro
apanhar...
Quem pegou este foi o estranho amigo
e tão logo ele à água retornou
ouviu um nhoc! e desconfiou consigo,
quando o homem disse: “Ele pulou na
água!”
Mas nenhum som de pulo ele escutou.
Meu tio é Kirin! – ele pensou, cheio de mágoa...
Havia um tronco caído na lagoa.
Hiawatha para atrás dele nadou.
“Há um sapo gordo aqui!” – ele falou.
Fingiu engolir e disse: “Coisa boa!”
“Ele é um de nós” – o outro homem
resmungou.
“Por isso acreditou ser coisa à toa
pescar de noite, mesmo com a
garoa!...”
Falou o tio: “O tal sapo não achou?”
“Esse eu comi! Mas tem aqui outro maior!”
E bem depressa, agarrou outro
sapinho:
“Se me ajudar, sua vida eu vou
salvar!”
O sapinho de imediato concordou.
“Mas não se oculta conosco, meu
sobrinho?”
Desconfiado o seu tio lhe
perguntou...
“Eu passo o dia escondido na
cestinha...” –
disse Hiawatha. “Ora, ali é perigoso,”
falou seu tio. “Nós ficamos em vigoroso
bambu grosso, em que matamos a rainha
“das abelhas. A tribo inteira ali se aninha,
dentro do oco, o dia inteiro. É espaçoso!
Venha conosco quando o dia temeroso
começar a surgir, de manhãzinha...”
Hiawatha fez que sim... Mas foi
embora
e então o sapo às perguntas respondia
qual se estivesse encontrando uma
demora
em outro sapo encontrar para
comerem...
E quando a aurora no horizonte
reluzia,
os dois Kirin esperar mais não
puderam!...
Quando chegou o tio, Hiawatha já
fingia
estar dormindo. “Por que há pouco nos
fugiu?
“Dentro da água eu sentia muito
frio...”
E logo o tio em sua rede se
encolhia...
Porém Hiawatha, a seguir, veloz se
erguia:
O bambu grosso bem depressa
descobriu;
cem criaturas de asas então viu
que uma por uma no oco se metia...
Contudo, assim que o sol ficou bem
forte,
com sua faquinha fez Hiawatha um
grande corte
para o bambu decepar inteiramente...
A parte oca foi separando logo
e bem depressa a jogou dentro do
fogo,
cada Kirin a se queimar
completamente!...
EPÍLOGO
Seu tio e o amigo nesse dia
despertaram
e fez a tribo um alegre festival,
quando Hiawatha seu segredo
revelou...
Mas não se sabe se os Kirin já se
acabaram!
Se algum parente achar ser natural
dormir de dia e levantar no escuro
ou bicho vivo alguém viu que
mastigou,
no seu corpo habita agora um ser impuro:
foi um Kirin que a sua alma
devorou!...
O PERSEGUIDOR I – 20 DEZ 16
Era comum que um certo garotinho
sua pobre mãe fosse desobedecer.
“Esteja em casa antes do escurecer!
Existe por aí monstro daninho!...”
“Isso é bobagem!” – dizia o
menininho.
“Não existe monstro para me
surpreender!
Sei me cuidar caso algum me
aparecer!...”
“Contudo, existe gente má pelo
caminho!...”
“Esses atacam após o escurecer
e só Deus sabe o que podem te fazer!”
“Ora, Mamãe, eu jogo com os amigos!”
“A turma é grande, ninguém vai nos
atacar!
Qualquer malvado até de nós vai
apanhar!
Não preciso me assustar com tais
perigos!”
Assim, quando o jogo terminava,
ele voltava para casa devagar,
sua turma aos poucos a se dispersar
e já no fim sozinho ele se achava!
Quando a mãe percebia, o castigava:
“Vai ficar preso até me respeitar!”
Mas o garoto conseguia se escapar:
pela janela, em silêncio, ele pulava!
A pobre mãe não sabia o que fazer,
mas o menino insistia ser bobagem:
“Em nosso bairro não há nenhum
bandido!
E assim jogava até após o escurecer,
pela janela a retornar da
traquinagem,
algumas vezes sendo surpreendido...
“Meu filho, você vai se arrepender
e ainda causar à sua mãe um grande
mal!”
Mas o garoto achava muito natural
fugir de casa para seu prazer!...
Só de noite vinha seu pai aparecer:
ficava longe sua fábrica, afinal
e sempre achava seu filho no quintal
ou já no quarto, em que fingia
adormecer...
Assim, se a triste mãe lhe dava
queixa,
o pai pensava que ela só exagerava
e o rapazinho aproveitava bem a
deixa!
Tinha cuidado que o pai não o
encontrasse
fora de casa na hora em que chegava
e com reclamação da mãe não se
importasse!
Um certo sábado, o seu jogo prolongou
e o menino ficou muito cansado;
o time inteiro foi logo dispersado
e ele num banco da praça cochilou!
Noite fechada quando se acordou!
Por certo o pai já havia retornado!
Olhou em volta com o maior cuidado
e nem sombra dos amigos avistou!
Bem, não adianta, vou voltar sozinho!
E começou a retornar devagarinho:
Chego atrasado de qualquer maneira!
Mas logo percebeu, ao caminhar
que outros passos escutava acompanhar
e a inquietação já lhe chegou
ligeira!
O PERSEGUIDOR II
Realmente, viu o parque estar
deserto:
olhava em volta sem perceber ninguém!
Mas a cada passo, parecia-lhe que
alguém
caminhava pelo grande espaço aberto!
Sua casa era longe!... Ficou esperto,
sem avistar a qualquer um, porem!
“Quem está aí?” – ele exclamou
também.
Aqueles passos pareciam estar bem perto!
A cada vez que ele sentava o pé
direito,
ouvia alguém a pisar logo depois!
Havia luz na rua e nada via!...
Gente não era!... Seu coração no peito
começou a pular, que eram de dois
aqueles passos que certamente ouvia!
Será que existe mesmo aqui algum fantasma?
Já começou mais depressa a caminhar,
os outros passos igualmente a se
apressar!
Certo terror sua mente, aos poucos,
pasma!
Aqueles passos o seguiam qual miasma!
(*)
Algo parece que vem me acompanhar
no mesmo ritmo, suas passadas a estalar
sobre a calçada! Seu coração já
quase espasma!
(*) Gás venenoso que sobe dos pântanos.
E começou a correr o garotinho!...
Olhava para trás – não via nada!
Mas no momento em que dava uma parada
se interrompiam os tais passos de
mansinho!
“Quem está aí?” – ele de novo
perguntava,
mas coisa alguma o medo lhe
aliviava!...
Pensei que monstros fossem só mentira,
mas o que é isso que agora me persegue?
“Vai, fantasma!... Que o diabo te
carregue!”
Ele gritara, mas resposta nunca
ouvira!...
Pelas janelas das casas reluzira
a luz interna... Quem sabe não me negue
alguém sua ajuda! Mas se a
vista nada pegue,
iriam pensar ser uma troça que fingira!
De qualquer modo não se atrevia a
parar,
Correndo o mais depressa que podia,
sem escapar desse som que o
perseguia!
Ouvia um passo a cada vez que ia
pisar!
E se eu parar, o que vai me acontecer?
O que esse monstro pretende me fazer?
E finalmente, chegou na sua esquina,
enquanto os passos o seguiam, sem
parar!
O portão de seu jardim pôde alcançar:
fechou ligeiro, mas a tal coisa
assassina
no pátio o perseguia! Atingiu o patamar,
subindo a escada a que a fuga se
destina
e uma coisa o agarrou – terrível
sina!
Preso seu pé pelo abantesma
singular!... (*)
(*) Assombração.
E somente ao encostar-se contra a
porta
percebeu que uma sola do sapato
estava solta, a sacudir-se a esmo!...
Quando ele andava, batia a sola
torta:
nem bandido, nem fantasma, pois de
fato
ele estivera só fugindo de si
mesmo!...
MARIA SANGUINÁRIA I – 21 DEZ 2016
Há muitos anos, reinava na Inglaterra
uma rainha especialmente má:
morte de alguém depressa ordenará
que discordasse das ordens que ela
berra!
Quem aos preceitos que sua fé encerra
não se submetesse, à morte o
entregará,
alguns no fogo ou a cabeça cortará!
Rainha louca, a semear o mal na
terra!
Em pouco tempo, contudo, ela morreu:
nenhum parente ou amigo a lamentou
e sua irmã fez-se rainha em seu
lugar,
a qual reinado bem mais justo
concedeu:
imensamente a Inglaterra prosperou,
quaisquer batalhas nas guerras a
ganhar!
De “Rainha Má” logo o povo a
apelidava
e de “Maria Sanguinária” e se dizia
que as suas mãos o sangue recobria
de tanta gente que a soberana
condenava!
Passados séculos, já pouca gente
recordava
o que fizera, só a alcunha aparecia
em uma bebida a que avermelharia
o suco de tomate com o qual se
preparava!
Mas o seu nome ficou de “Sanguinária”
conservado em histórias infantis,
com que as crianças umas às outras
assustavam.
Pois quem três vezes invocasse essa
ordinária,
durante a noite, como tal lenda nos
diz,
suas mãos sangrentas surgiam e a
carregavam!
Porém diziam haver outras condições:
tinha de ser diante do espelho do
banheiro
e à meia-noite, desde que no
travesseiro
toda a família dormisse em seus
colchões!
Se não temeres da malvada aparições,
todas as luzes apagar deves primeiro,
uma vela nova ter acesa por inteiro,
que sobre a pia do teu lado pões!...
E então, se a coragem conservares,
tua própria cara bem firme a contemplar
e as palavras do encanto pronunciares,
a Rainha Má há de surgir do Além,
as suas mãos de sangue a te mostrar,
para esse espelho a te puxar também!...
Certa menina, que chamavam de
Maureen,
com suas amigas, nos chazinhos de
pijama,
até bem tarde brincava sobre a cama,
a história horrível a repetir
assim!...
Da verdadeira rainha e de seu fim
ninguém lembrava, só da troça insana
que um desafio a quem quiser proclama,
suas risadinhas soando qual
clarim!...
Soltavam todas gritinhos de pavor,
sem realmente na lenda acreditarem
porém Maureen mostrou ser atrevida
e numa noite de inverno, sem calor,
seus familiares a se aconchegarem,
por mau desejo se viu acometida!...
MARIA SANGUINÁRIA II
Ao ver os pais e irmãos adormecidos,
foi à cozinha, em busca de uma vela,
pé ante pé, trancou bem a janela
do banheiro, os postigos bem
corridos...
O pavio ela acendeu... e em atos
desabridos,
todas as luzes do banheiro apagou
ela!
Tão só iluminados por tal luz
amarela,
seus traços pela sombra
repartidos!...
Era o seu rosto ali, naturalmente,
feições gentis e suaves de criança,
sem quaisquer rugas ou linhas de
expressão.
Fitou seus próprios olhos,
firmemente,
meio descrente, meio cheia de
esperança,
batendo forte o seu pequeno coração!
E num repente, encheu-se de coragem,
sua voz baixinha, quase num cri-cri:
“Maria Sanguinária, eu creio em
ti!...” –
falou a menina, firmando sua visagem!
Mas não surgiu ali qualquer miragem...
É uma besteira essa história que eu ouvi!
“Maria Sanguinária, eu creio em
ti!...” –
repetiu, mais excitante a
traquinagem!...
E novamente, nada aconteceu...
Já influenciada por um certo desdém,
“Maria Sanguinária, eu creio em
ti!...” –
falou de novo e coisa alguma
sucedeu...
Ora, três vezes esse encanto repeti:
nada no espelho eu vi surgir, porém!
E finalmente, repetiu o desafio
da quarta vez, sem mais nada
acreditar,
contudo a imagem percebeu se
transformar
em rosto duro, de maldoso brio!...
Sentiu no corpo todo um calafrio:
Mas essas roupas, de onde eu fui tirar?
Duas mãos vermelhas então viu se
projetar
do interior do espelho... Antes
vazio!
E lá de dentro surgiram longos
braços,
por sobre a face a mostrar sorriso
mau,
avançando em direção a seu pescoço!
A crueldade pingava de seus traços...
Ficou Maureen em rigidez de pau,
sem conseguir se escapar de tal
retoço!...
Ela gritou: “Por favor, Dona Maria!
Não acredito na senhora de verdade!”
As longas unhas, sem traços de
bondade,
ao redor de sua garganta já
sentia!...
Mas quando achou que sua vida se
perdia
para a fantasma de tal ferocidade,
sua mão mostrou a própria agilidade
e logo a chave de luz ela acendia!...
No espelho agora só estava o seu
rostinho...
Mas num instante de tremendo horror,
viu na fumaça as mãos se erguerem
sobre a vela!
Ela a soprou, com seu maior vigor
e bem depressa abriu porta e janela,
longo suspiro a soltar
devagarinho!...
EPÍLOGO
Ainda assustada, foi depressa se
deitar,
libertada do terrível pesadelo...
Mas de manhã, um risco avermelhado
sua gargantinha parecia atravessar:
da Sanguinária o malfadado selo!...
Mas disse a mãe: “Vá suas unhas
aparar,
seu pescocinho deixou todo
arranhado!”
A FAIXA DE VELUDO VERMELHO I –
22/12/16
Há dois séculos, na Inglaterra, havia
um par
muito rico. De Sir
Randolph era chamado,
homem bastante elegante e respeitado,
muito embora não chegasse a se
casar...
Muitas mulheres ele chegou a namorar,
cem jovens nobres havia requestado,
porém o achavam retrógrado e aprumado
(*)
devido às roupas que costumava usar.
(*) Atrasado, ultrapassado, estranho.
Quando as mulheres de sua classe
procurava
não o aceitavam como um firme
pretendente:
de fato, agia com bastante timidez,
se bem nas guerras seu valor se
destacava,
demonstrando uma bravura bem valente,
na sociedade se embaraçava em cada
vez...
Em princípio, não gostava de dançar,
nem apostava nas corridas de cavalos,
nunca jogava, por não estimá-los,
dados ou cartas, então coisa
singular...
Comentavam tê-lo visto arregaçar
as mangas na colheita e até valos
ajudando seus empregados a limpá-los,
de sua classe social a destoar...
Por outro lado, vulgares ele achava
as mulheres das classes inferiores,
que alegremente por marido o
acolheriam;
em ligações temporárias as aceitava,
mesmo disposto a pagar por seu
amores,
porém julgando que, às suas costas,
elas riam...
Certo dia, já com seus quarenta anos,
indo fazer uma visita ao cemitério,
à memória de seus pais rezar
saltério,
viu uma jovem envolta em brancos
panos.
Era a mais bela que já vira, sem
enganos,
sentada junto a um antigo eremitério,
ruivos cabelos emoldurando rosto
sério,
faixa vermelha ao pescoço, sem
abanos...
Quando a fitou, perdeu toda a
timidez:
“Sou Sir Randolph.” “Prazer, meu nome
é Anna.”
Brocado e seda no vestido que envergava,
fora de moda parecendo estar, talvez,
mas a nobreza seu porte bem
proclama...
Logo em conversa com ela se
empolgava...
Disse-lhe a jovem: “Sou de família
nobre.”
Falou-lhe o nome de seus
antepassados,
durante séculos mesmo aos reis
aparentados,
mas sua família tornara-se hoje
pobre.
“Do jogo o vício a maldição nos
cobre:
nosso castelo e os campos apostados
por vigaristas nos foram arrebatados;
vivo agora em choupana com o que
sobre...”
Pediu Sir Randolph para acompanhá-la
e ela o permitiu, até junto ao
portão,
mas não além. “Minha cabana é
miserável.”
Mas ao nobre ela acedeu para
encontrá-la
no dia seguinte... Na mesma
locação...
Não julgou ele ser lugar
desagradável!...
A FAIXA DE VELUDO VERMELHO II
Em breve tempo, pediu-a em casamento;
ela aceitou, mas com uma condição:
“Nunca tente me tirar a proteção
desta faixa de veludo que apresento.”
Os dois casaram, sem maior portento,
na mesma igreja que fundara em
ocasião
a sua família desde antiga geração,
vestido branco a envergar em tal momento...
E no pescoço ainda a faixa de veludo,
ele também com seus trajos
antiquados,
nada destoando do bem que sua alma
invade...
“Só não tire minha faixa. É o meu escudo;
minha mãe a deixou a meus cuidados,
antes que fosse para a eternal
cidade...”
Depois disso, outros vestidos lhe
comprou
e muitas jóias da mais alta
qualidade,
pois nela achara, enfim, felicidade;
mas em suas malas o branco ela
guardava...
Sua faixa vermelha de veludo sempre
usava,
mesmo no banho. Nessa época, é verdade,
eram banhos de imersão, com a
particularidade
que junto a ele ela jamais banho
tomava...
Pouco depois de sua lua-de-mel,
Anna anunciou: “Querido, estou
esperando!”
Outro motivo para torná-lo mais
feliz...
Nasceu um menino com cabelos de
ouropel, (*)
que alegremente os dois foram
criando,
prosperidade a lhes chegar quanto se
quis...
(*) Dourados, “melados”.
Porém curiosidade é coisa triste...
Será que tem no pescoço algum defeito?
Levava ela a sua faixa para o leito
e que nunca a retirasse ainda ela
insiste...
Mesmo desnuda, na insistência ela
persiste,
sem que ao motivo lhe contar desse o
direito.
“Caso me ame, que meu pedido seja
aceito,”
ela ainda repetia, “pois razão
secreta existe...”
Certa noite, com dois anos seu
menino,
em seu berço adormecido e bem
contente,
a ansiedade por saber o dominou!...
E enquanto ela dormia, em desatino,
a faixa lhe tirou, bem lentamente...
E sua cabeça para o chão rolou!...
Sir Randolph ficou desesperado
e com o barulho, o seu filho se
acordou
e nos seus braços, o triste pai o acomodou.
“Por que o pescoço da Mamãe está
encarnado?”
O aristocrata ergueu a cabeça, com
cuidado,
sobre a garganta com cuidado a
ajeitou,
mas a esposa nem ao menos lhe piscou:
“Mamãe parece nos ter abandonado!...”
E então o menino a rubra faixa
segurou
e sobre ela verteu amargo pranto...
Sir Randolph a atou de novo no
lugar...
E novamente a sua Anna despertou.
“Se não fosse do menino o triste
canto,
Nunca jamais eu poderia retornar!...”
EPÍLOGO
O marido suplicou-lhe o seu perdão!
“É claro que o perdoo... Mas você
pode me amar depois que presenciou?”
Logo o menino abraçou-lhe o coração
e disse o pai: “Nós a amamos, como
vê:
o nosso amor sobre a morte
triunfou...”
E assim viveram até velhos ficarem,
chegando o dia em que o nobre faleceu
e então Anna a seu lado se deitou;
os lábios frios os seus quentes a
beijarem;
então seu último suspiro a velha deu
e do pescoço a rubra faixa
retirou!...
O VELHO CABELUDO I – 23 DEZ 2016
Perto de um pântano morava um
rapazinho
chamado Billy, com sua mãe somente.
Seu pai morrera num combate ingente
com o “Velho Cabeludo”, seu
vizinho!...
A sua cabana tinha cerca alta de
espinho
e alguns encantos sabia a mãe,
naturalmente,
no tal lugar morando, permanente,
em que o marido já sofrera um fim
mesquinho!
O Cabeludo era um velho feiticeiro,
e sempre que podia, um canibal!...
Os seus feitiços só voltados para o
mal...
A mãe de Billy conhecia algo certeiro
para enfrentar sua bruxaria também:
os seus feitiços eram todos para o
bem!...
Só de uma coisa o Cabeludo tinha
medo:
de cachorros os latidos e a mordida!
Uma matilha era então assim mantida
pela família, em cuidadoso enredo...
Do Cabeludo conheciam o segredo
e a cada vez que precisassem fazer
lida
dentro do pântano, era a matilha
conduzida,
coisa que Billy aprendera desde
cedo...
Algumas vezes, saía ele a buscar
lenha
e os cães ficavam barulhentos a
caçar...
Mas quando ouviam alguém se
aproximar,
chegavam antes que o Cabeludo venha
e desse modo ficava Billy sossegado,
porque o malvado seria depressa
afugentado...
Mas um dia, disse a mãe: “Quero que
prenda
hoje os cachorros, porque muito
demoram
enquanto lebre ou quati eles devoram:
fiquei sem lenha que meu fogo
atenda!...”
“Se demorar, farei que se arrependa,
pois certamente não lhe darei jantar!
Leva um bom tempo para se cozinhar,
Portanto, ande bem rápido na senda!”
“Mas, Mamãe... E o Velho Cabeludo?”
“Fiz um feitiço neste copo de leite,
que de branco há de ficar todo
encarnado
caso o ameace esse tal monstro
peludo!
Pois de correr perigo, nem suspeite:
os cães eu solto e irão correr para
seu lado!
Buscando a lenha, Billy se embrenhou
até um ponto bem escuro do banhado
e o canibal logo chegava do seu lado.
“Boa tarde, Billy...” – o monstro lhe
falou.
“Muito boa tarde,” – o garoto
replicou.
“Seu Cabeludo, como tem passado?”
“Estou com fome de menino bem
levado...”
“Então por que hoje ainda não
caçou...?”
“Estou caçando agora e o vou comer!”
Porém o leite já mostrou cor
encarnada
e a mãe soltou depressa a cachorrada!
Fugiu então o Cabeludo a bom correr;
Billy pegou a sua lenha facilmente
e retornou para casa alegremente!...
O VELHO CABELUDO II
No mês seguinte, de novo a mãe falou:
“Quero fazer geleia... Ao mato vá
buscar
Muitas groselhas para se preparar...”
(*)
“E o Cabeludo?” – o menino reclamou.
(*) Pequenas frutinhas silvestres.
“Não tenha medo,” – a mãe lhe
replicou.
“Igual que antes, seus cachorros vá
atar
e pegue o balde para se apressar!...
Com os cachorros, você sempre
demorou!”
“Veja este copo de leite bem
branquinho!
Fiz o mesmo feitiço, justamente...
Se a cor mudar, os cachorros
soltarei...”
Assim Billy se apressou pelo caminho,
enchendo o balde já completamente:
Sem os cachorros, eu nem me atrapalhei!
Mas em seguida o Cabeludo apareceu:
“Boa tarde, Billy, hoje estou mais
esfomeado.”
“Tome as groselhas,” – falou ele, já
assustado.
“Quero coisa maior!” – e as garras
estendeu!
Porém Billy numa árvore se acolheu...
“Não adianta! Por meu feitiço é derrubado
de seu poleiro, garotinho bem
levado!...”
Billy pensou: Mamãe hoje me esqueceu!
Então, falou: “Senhor Velho Cabeludo,
já percebi que agora vai me devorar!
Mas nem um último pedido vai me
dar...?”
“Alguma coisa até dou, mas não dou
tudo!”
“Quero que mostre quanta força e viço
possuem o seu bruxedo e o seu
feitiço!...”
“Isso é fácil!... Diga o que deseja ver...”
“Você é capaz de cordas produzir?”
“Claro que posso, já sei que quer
fugir
pelos galhos da mata a seu
prazer!...”
“Porém assim como eu faço aparecer
com as cordas todas também posso
sumir!”
Deu uma risada e com gesto e um reluzir,
Por toda parte muitas cordas fez
crescer!
Billy num galho bem depressa corda
atou
E preso nela, começou a balançar...
O Velho riu: “Pensa que pode me
escapar?”
Disse-lhe Billy: “Assim como as
criou,
quero que faça já desaparecer
todas as cordas que o brejo há de
conter!”
Ficara em casa todo o leite
encarnado,
mas a sua mãe estava no jardim
e não pudera ver o encanto assim!...
Mas o feitiço foi das cordas
desmanchado
por toda a parte, até mesmo no
cercado:
toda a matilha se libertou, por fim,
cercando o Velho, que morreu, enfim!
Billy desceu, então, muito
aliviado!...
Pegou o balde que deixara ali no chão
e que suas calças caíam percebeu!...
Sumira a corda que as havia segurado!
Mas na cintura as segurou firme com a
mão
e o balde com a outra logo ergueu,
para casa a retornar bem descansado!
Recanto das Letras >
Autores > William Lagos
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