RISCAS DE GIZ (12/12/2010)
Duodecaneto de William Lagos
(UNDINE, GOUACHE DE JOE CRAIMEL)
riscas de giz I
tanta gente me
proclama que o amor
irá trazer para este
mundo a paz.
não me parece que seja
o que nos traz
qualquer resquício
inato em seu pendor.
na verdade, toda a
guerra vem do amor
e toda a luta sob
a força do amor jaz.
é o amor do concreto
que perfaz
essas disputas por bem
e por calor.
muitos morreram por
amor de uma mulher,
quantas revoltas pelo
amor do pão!...
a ideologia matou por
qualquer crença...
já houve guerras por
um deus qualquer,
se o amor do ouro
causou destruição,
só o que nos traz
a paz é a indiferença...
riscas de giz II
há muito tempo nos
diziam os romanos:
‘se queres ter a paz,
prepara a guerra.’ (*)
este ditado sabedoria
encerra
bem mais que o amor e
sem grandes desenganos.
(*) SI VIS PACEM PARA
BELLUM.
muitas vezes o amor só
causou danos
e insurreições através
de toda a terra;
quem retribuir não
pode, até se emperra
e o corresponde com os
ódios mais profanos.
ou quem muito amor deu
e nada em troca
recebeu na aceitação
do sacrifício,
também pode
experimentar ressentimento.
que amor é esse que
tanto nos sufoca?
não é amor de paz, mas
malefício,
amor da guerra em todo
o seu tormento!
riscas de giz III
talvez ao invés de
amor fosse a justiça
que nos pudesse trazer
essa ilusão
a que chamamos “paz” e
esse emoção
transitória nos
intervalos de uma liça.
mas quase sempre é a
ambição que mais atiça
e nunca traz-nos paz
ao coração,
pois desiguais os
humanos sempre são:
não há amor que afaste
esta injustiça!
pois injustiça não é,
só realidade,
que alguns conseguem
mais adquirir,
enquanto outros deixam
para trás;
nessas pequenas
guerras, a piedade
tem muito pouco para
interferir,
porque somente a luta
a satisfaz!
riscas de giz IV
isso faz parte da condição
humana,
fomes geradas em
sincronicidade,
tecido e essência de
toda a sociedade,
competição em busca de
uma chama.
Isso que “amor” no
mais geral proclama
são os instintos de
posse, na verdade
ou proteção da
prole. é ingenuidade
confundir com altruísmo
essa tirana
tendência para os
filhos proteger.
essa é uma forma de
imortalidade
e tudo o mais é só
sublimação.
pois esse instinto nos
leva a combater
e mais reforça a
competitividade,
sem certamente trazer
paz ao coração.
riscas de giz V
um quadro-verde se
acha em plena paz
quando não traz
qualquer risca de giz,
mas de que serve um
quadro que não quis
mostrar mensagem e
assim nada nos traz?
também em paz se
encontra o almofariz
se nele nada mói-se ou
se desfaz;
vazio de flechas é
inútil o carcás,
vazio de sol o céu
tornado em gris.
a paz, pensando bem, é
mais ausência,
folhas imóveis sem
gangorra ao vento,
mar espelhando a longa
calmaria,
o ressonar tranquilo
da impotência,
o diário branco sem
qualquer assento,
o morrão negro em que
a vela se extinguia.
riscas de giz VI
a paz só chega depois
que a vida passa,
enquanto há amor, a
luta é incessante,
tanto no sexo de
orgasmo delirante,
em sua agonia que
quase nos desfaça
quanto em momentos de
tranquila graça,
quando amor se
manifesta expectante,
em toma lá, dá cá,
jogo constante,
papeis se alternam de
caçador e caça.
nem sequer dentro do
corpo existe paz,
mesmo no sono, o
coração nos bate,
se agitam os pulmões e
o sangue corre
durante os sonhos toda
a calma se desfaz,
funcionam ventre e nervos,
não se abate
a bexiga, até que a
fonte de ouro jorre.
riscas de giz VII
todo o cérebro é
movido por impulsos
que nunca cessam
enquanto dura a vida
e ao longo da medula é
transferida
a multidão dos
comandos e concursos.
se queres paz, então
corta teus pulsos,
escorra a linfa e
cesse a longa lida,
transmite ao fígado o
adeus da despedida,
de tuas artérias que
murchem rubros cursos.
estranha paz, que nem
sequer em coma
se estabelece em ti,
seu sono é vivo,
todo desmaio se
reveste de arrepio.
só no sepulcro há paz,
sob a redoma
desse caixote oblongo
e decisivo,
do umbilical cordão
cortado o fio.
riscas de giz VIII
nas manhãs de
primavera, o sol radioso
mantém constante um
movimento lento,
por mais que lento,
sempre um movimento,
não existe paz no girar
vertiginoso
da terra em torno ao
sol, par amoroso,
em que o sol é que se
move a seu contento
ao longo da galáxia
ante o espavento
descontrolado do
universo luminoso.
os astros não têm paz
e nem descanso,
todo o brilho das
estrelas é energia
espalhada em inefável
quantidade;
talvez amor exista em
tal avanço,
mas não há paz nessa
imensa sinfonia,
até a entropia da
total opacidade.
riscas de giz IX
na madrugada, a
escuridão tem dentes,
enquanto a terra e o
mar pensam ter paz,
que a escuridão
mastiga o tempo e faz
muito mais curtas as
vidas para as gentes.
não é o amor que essa
modorra satisfaz
e quanto à paz são
devaneios insurgentes,
nas alvoradas mais
tranquilos e impotentes,
não é compensação que
o sono traz,
é muito mais
contemplação da pena
da fartura do viver,
dos desenganos,
perturbadas na mente
as ilusões
e esses corpos imóveis
nessa cena,
num alívio temporário
dos afanos,
só se preparam para os
novos turbilhões.
riscas de giz X
não busco a paz em
tais hibernações:
meu coração inquieto
busca amor,
que não produz a paz,
mas estertor,
em seu mesclar com
alheias emoções.
enquanto houver amor,
as gerações
digladiarão, sua
ambição a expor;
poderá ser sublime o
brando autor
de benefícios
distribuídos aos milhões,
é mais comum, porém,
que traga dor.
seria o amor a
escuridão sem dentes
que o tempo inteiro se
limite a engolir
sem mastigar,
indolente o seu pendor
que anestesia
primeiro, em envolventes
impossíveis ideais de
se atingir.
riscas de giz XI
o tempo é um ponto e
nós a seu redor
deslizamos em coleios
de serpente
enquanto o tempo
permanece indiferente,
riscas de giz
limitando o nosso ardor;
não passa o tempo,
tampouco passa o amor,
a escuridão sendo a
paz indiferente,
é excruciante todo o
amor de adolescente
é lancinante o amor adulto
em seu sabor.
ambos levam a
esquecer, impermanente,
não termos paz no
início dessa plástica,
enquanto ondulam
solidões por todo o espaço,
juntas rodeando a tal
esfera, tão somente,
cada uma ponta
amarrada à fita elástica
do incontestável e
permanente abraço
riscas de giz XII
outros elásticos nos
puxam para a frente
e arrastamos a quantos
vêm atrás,
a vida é bem o oposto
que nos faz
pensar que a
vivenciamos totalmente,
porque o princípio é
apenas aparente,
a nossa infância
riscas de giz perfaz
até o elástico em que
se encontra a paz
e que nos puxa à
conclusão pungente.
escravos somos no
circundar do tempo,
amor só existe no cone
de atração
para o ponto central
da antiga espera,
o giz se apaga e apaga
o contratempo,
sem que tal marcha
sofra interrupção,
riscas de giz na
poeira dessa esfera.
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