SOMBRA E MAIS – 1979—01-10/04/17
Novas séries sobre velhos temas –
William Lagos
SOMBRA I – 24 set 2007
ela chegou, consigo trouxe a chuva,
para atiçar em mim o chumbo liquefeito,
ela me deu calor à margem do direito
e, com palavras mudas, estendeu-me a
luva,
No velho gesto do antigo desafio,
se me dispunha então a tudo retomar,
as idas e retornos, hesitações de amar,
na calidez do inverno e gelidez do
estio.
nem sei
se poderá
plantar-se
novamente
dentro em
meu coração,
porém trouxe
a semente
e dentro
dessa luva
um gérmen
de botão,
como se lastimara
a perda e que avaliara,
depois de tentar tudo e tudo
experimentar,
maior fosse a constância que o drama da
paixão.
SOMBRA II – 19 JUL 2016
ELA CHEGOU, NUM PASSO DE ALVORADA,
MEU DIA SILENTE NALMA A DESPERTAR;
ELA CHEGOU, EM MANSO CAMINHAR,
COMO QUEM TUDO DESEJA E NÃO QUER NADA.
ELA CHEGOU, SUA FACE DEMARCADA
PELAS NÉVOAS DA TRISTEZA E DESAMAR,
CHEGOU-SE NUA, A MENTE A DESCARTAR,
TRAZENDO A CARNE TOTALMENTE ENOVELADA.
NEM SEI
SE PRETENDIA
TORNAR-SE
PERMANENTE,
NEM SEI
SE ELA SABIA
DA GELIDEZ
CANDENTE,
SE SABE
O PRANTO
DA IMPUREZA
PURA.
NENHUM DE NÓS SABIA
DA DOR DO ENCANTAMENTO
QUE O PEITO RASGA EM TERÇO DE LOUCURA
NA LUZ CREPUSCULAR DA SOMBRA DE UM
MOMENTO.
SOMBRA III
ELA ACHEGOU-SE, EM SOM DE MAREMOTO,
PERFEITO TSUNAMI DE NÁIADE SINGELA;
ASSIM, NESSA SURPRESA, MOSTROU-SE INDA
MAIS BELA
QUE A IMAGEM REFUTADA POR MIM PARA O
IGNOTO.
ELA CHEGOU, A COMPLETAR-ME O COTO
DAS ARTÉRIAS DE MINHALMA, ESCURA
ESTRELA,
PRAZER E DOR NO ESPANTO DE ASSIM VÊ-LA,
RETALHOS E REMENDOS SOBRE MEU PEITO
ROTO.
ELA CHEGOU
INTEIRA,
FARRAPO
DE ALEGRIA,
BESUNTADA
DE EMOÇÃO,
CANÇÃO
DE FANCARIA,
FRUMENTO
PARA O VENTRE
EM SABOROSO
PÃO.
CHEGOU-SE AFARINHADA.
VIRENTE DE CEREAL
A SE PLANTAR NA HORTA FUGAZ DO CORAÇÃO,
QUAL JOIO DO MEU BEM, QUAL TRIGO DO MEU
MAL.
SOMBRA Iv
CHEGOU-SE PARA MIM, ESQUÁLIDA QUIMERA,
REBANHO DE POTRANCAS DE CASCOS LUZIDIOS,
LANOSAS MIL OVELHAS, EM CORDEIRINAS
CRIAS,
SEU LEITE A DERRAMAR POR SOBRE A LONGA
ESPERA.
CHEGOU COMO ALIMENTO SOBRE A PENÚRIA MERA,
QUAL LUZES REJEITADAS DE BREVES CHAMAS
FRIAS,
EM NEGRO DE CARVÃO, NAS INFRAÇÕES DOS
BRIOS,
CALEIDOSCÓPIO MANSO, QUE GIRA E NÃO SE
ALTERA.
MAL SEI
SE ENTÃO
AMOR QUALQUER
ME TROUXE,
NEM SEI
SE ME ALCANÇOU
INDECISAO
DE FOICE,
UM GUME
TRANSPARENTE
NA BRUMA
A CINTILAR,
PORÉM, QUE MAIS FARIA
NÃO FÔRA RECEBÊ-LA?
MADRÉPORA LUZENTE DE CRISTALINO COCHE,
A SOMBRA QUE ABRACEI, ENFIM, SEM
PERCEBÊ-LA?
(*) Apesar do
formato, são quatro sonetos.
INFARTO I – 12 fev 2006
QUERIA UMA MENSAGEM QUE DISSESSE:
"EU TE AMO. EIS-ME
AQUI. ESTOU SOZINHA,
SOZINHA SEMPRE ESTIVE, EMBORA DESSE
MEU CORPO A QUEM ME ACHASSE ENTÃO
VIZINHA.
VEM TER-ME AGORA, VEM FICAR COMIGO,
MEU CORPO QUER O TEU, ESTOU CARENTE,
DESEJO MUITO MAIS QUE UM BOM AMIGO:
NÃO POSSO MAIS VIVER ASSIM DESCRENTE
DE QUE O AMOR NÃO POSSA SER IMENSO,
QUE O SENTIMENTO EM ESPLENDOR TÃO DENSO,
COMPLETAR NÃO SE POSSA NESSA ENTREGA,
QUE UM EXCLUA A OUTRA; E VEJO ASSIM
QUE ME CONSUMO INTEIRA E, QUASE CEGA,
SINTO A EXPLOSÃO SURGIR DENTRO DE
MIM."
INFARTO II – 01 ABR 2017
EVENTUALMENTE, A MENSAGEM ME CHEGOU,
NÃO TOTALMENTE, EMBORA, NESSES TERMOS,
QUE EM TODO CORAÇÃO HÁ MUITOS ERMOS,
MESMO QUE ALGUÉM SUA TENDA ALI PLANTOU.
SÃO MIL DESERTOS QUE NUNCA SE HABITOU,
MESMO PODENDO PARTILHAR MOMENTOS TERNOS,
O CORAÇÃO A ESFRIAR-SE EM TAIS INVERNOS,
QUANDO O CALOR SOMENTE BRASAS DESPERTOU.
MAS SE A EMOÇÃO SE REVELASSE POR
INTEIRO,
TALVEZ SEQUER O CORAÇÃO A SUPORTASSE,
SUAS ARTÉRIAS A SOFRER DORES DE PARTO,
AINDA QUE O ANSEIO PERMANEÇA DERRADEIRO
E QUE, DE FATO, NEM AO MENOS SE
IMPORTASSE
SE UM FORTE AMOR LHE PROVOCASSE INFARTO.
INFARTO III
MAS NO INSTANTE DA MENSAGEM RECEBIDA.
JÁ ESTAVA O CORAÇÃO SUPERLOTADO
DE OUTROS AMORES, GENTIS OU DE PECADO,
AMBAS AS VÁLVULAS LEVADAS DE VENCIDA.
A VÁLVULA MITRAL SENDO ESCOLHIDA
PARA UM INSTANTE DE AMOR SACRIFICADO
E NA TRICÚSPIDE PARA AMOR MAIS
EXTASIADO,
TODO O TRAJETO OCUPADO NESSA LIDA.
E NÃO SE ACHOU LUGAR PARA A MENSAGEM
ENFIM TRAZIDA, POREM TARDE DEMAIS,
PELOS AMBLÍOPES CAPRICHOS DE CUPIDO, (*)
(*) Parcialmente cegos.
TODO CORAÇÃO A PREENCHER CADA MIRAGEM
COM AMORES REDOLENTES E ANGUSTIAIS,
SEM DAR ESPAÇO AO QUE PODIA TER SIDO.
INFARTO IV
“ORA, DIREIS...” – UM INFARTO POR
AMOR!...
MAS, AFINAL, O MIOCÁRDIO É A SEDE
DESSE VASTO BATIMENTO QUE SUCEDE
CADA SURPRESA, TOCAIA OU VÃO TEMOR,
A CADA ESPANTO, ALEGRIA, A CADA ARDOR
PELO HORMONAL ACIONADO EM BASTA REDE,
ADRENALINA QUE TODA A CALMA NOS IMPEDE,
SEROTONINA A ACIONAR OUTRO PENDOR.
E ASSIM SE LIGA A QUALQUER COMPUTADOR,
QUAL ELEMENTO DA REDE DO NEURAL,
VENDO AS MENSAGENS DO AMOR TÃO
AGUARDADO;
VÊM AS NOTÍCIAS A CAUSAR-NOS MAIOR DOR,
CABE À ESPERANÇA O GOLPE MAIS FINAL,
NUMA MENSAGEM DE DESDÉM DESCOMPASSADO.
INFARTO V
A MESMA DANÇA DE DESEJOS TRANSITÓRIOS,
QUE SE REDUZ A TÃO SÓ CONSUMAÇÕES,
A QUE NOS DAMOS SEM MAIORES PRECAUÇÕES,
DEFESA APENAS A TEMPORAIS EMUNCTÓRIOS,
(*)
(*) Produtos corporais líquidos ou
sólidos.
MAS “CAMISINHAS” NÃO PROTEGEM DOS
INGLÓRIOS
VÍRUS DE AMOR QUE NOS TRAZEM EMOÇÕES,
MAIS PURO O SÊMEN DE TAIS CONSERVAÇÕES,
COM SEUS GOLPES PARA O PEITO
DESULTÁRIOS.
AH, COMO NÃO? TRISTEZA SE CONTRAI,
É MOLÉSTIA SEXUALMENTE TRANSMISSÍVEL,
MUITO MAIS RARO PEGAR VÍRUS DE ALEGRIA,
SOMENTE O VIRUS QUE A SAUDADE NOS ATRAI,
NA LONGA ÂNSIA DO ARDOR INEXAURÍVEL,
NA PRÓPRIA ALMA PROVOCANDO A CIRURGIA!
INFARTO VI
E QUANDO ALGUÉM SE APAIXONA MUITAS
VEZES,
SEU MIOCÁRDIO SE FAZ COMPROMETIDO
E UM TRANSPLANTE É DE IMEDIATO
REQUERIDO,
NÃO SE PODENDO AGUARDAR POR MUITOS
MESES.
ASSIM TE PEÇO MEU CORAÇÃO NÃO LESES
E NUNCA MAIS ATENDAS SEU PEDIDO;
TEU AMOR DEIXA PERMANECER NO OLVIDO,
MUSA DE ANTANHO QUE NUNCA MAIS ME PESES!
QUE ME TRARIA, AFINAL, ALGUM
TRANSPLANTE?
BEM CERTAMENTE JÁ SOFRERA DE EMOÇÃO
E DE QUE FORMA ALHEIO AMOR ADMINISTRAR?
VELHAS FERIDAS RECEBENDO NESTE INSTANTE
DO AMOR GUARDADO POR ESSE CORAÇÃO
QUE NO MEU PEITO VEIO A SE ENXERTAR!...
A POEM NEVER TO BE SENT I -- Feb 05 ’06, 03:11
I DO NOT FEEL LIKE WRITING ANOTHER
SONNET
EXCEPT ON YOUR HEART, AFTER I OPEN
YOUR CLOTHING AND LOOK AT THE SUMMIT
OF YOUR DELICATE BREASTS AND
SCOOP’EM
INTO THE PALMS OF MY THIRSTY HANDS
AND CARESS THEM LIKE NEVER WERE
BEFORE
BY ANY OF YOUR LOVERS OR YOUR
FRIENDS,
AND TASTE YOUR LOVE WHEN I KISS
SMELL GALORE.
ONLY THEN ANOTHER POEM CAN BE
WRITTEN,
FOR NO POEMS CAN BE AS NICE AND PURE
AS THE WARMTH OF YOUR HEART WOULD
FIT’EM;
THEN MY BLOOD OF YOUR FAIR BLOOD SO
SURE
WOULD BE, THAT A RED POEM WILL
FLOOD,
AS THROBBING HEART TO HEART THROB
STOOD.
A POEM NEVER
TO BE SENT ii – APRIL 2, 2017
IT’S BEEN A
LONG TIME SINCE I LAST
ANOTHER POEM
IN ENGLISH DID DARE,
HARD TO
EXPRESS ON IT HOW I FARE
NOWADAYS AS
WELL DID IT ON MY PAST.
NEVERTHELESS,
MY DISQUIETS NEVER REST
THOUGH MIGHT
APPEASED BE BY THE ORDINARY
NEVER A PAIR
WHEN EMOTION CAN’T SPARE
AND ONLY IN
ENGLISH THE OUTCOME CAN BE BEST.
AFTER ALL,
WHEN A POEM IS TO BE WRITTEN
INJURY IS
GIVEN IF STORED IN A BOX,
INSTEAD BE
SENT TO THE WORLD ENTIRE BRAVE
AND ON THE
FLOW WHEN NOW I WRITE THEM
HAVE NO REAL
INTENTION TO UNDER LOCKS
KEEP THEM PENT
AS IN DUNGEON OF A KNAVE.
A POEM NEVER
TO BE SENT III
AS IN THE OPENING
FOR THIS QUATUOR MENTIONED
SHOULD THE
POEM NEVER BE SET DOWN ON PAPER
NOR STORED IN
A TROUSSEAU FOR READING LATER
WHEN THE VOYAGE TO A HEART LAST BE VENTURED.
IT MUST ALWAYS
INTO A HEART BE ENTERED,
A RED GHOST
FOR FANTASTIC THE GREATER,
A RED GLOVE TO
BECOME A FAIRY BAITER
UNTIL THE
NIPPLES INTO LOVE BE CONVERTED.
A PAIR OF PEGS
TO BE SET IN MOTION
HINGING A DOOR
INTO THE HEART, ASKEW,
TO TEASE IT
OPEN WITH TENDERLOVING CARE
SO THAT THE
CHEST WILL PROVIDE THE LOTION
INK AND FLESH
AS PAPER FOR A POEM ANEW,
AS DEEP INSIDE
AS ANY LOVER MIGHT DARE.
A POEM NEVER TO BE SENT IV
FOR A POEM OF LOVE IS WRITTEN NEVER
BY THE LOVER BUT BY THE ONE BELOVED
WHEN HIS HANDS BY HER BE BACK PRODDED
TO THE WORDS INSPIRE LOUDER THAN EVER.
BUT THE BREASTS MUST FIRST BE, HOWEVER,
IN SUCH WAY BE OPEN’D THAT THEY CAN BE LOVED
LIKE NO FINGERS BEFORE HAVE THEM GOADED,
TEN LOVING DAGGERS LIGHTER THAN A FEATHER.
UNTIL THE FOLIOS WILL BECOME A PARCHMENT
WHEREIN KISSES MIGHT GLOAT ON RED INK
THEREIN BE KEPT FOR A LONG, A LONG TIME.
AS LONG AS LIFE ENDURETH OR FOR A MOMENT
WHILE MEMORIES FLOAT ON BLOOD OR THEREIN SINK
TO AGAIN RETURN AS LONG AS LOVERS PINE.
acepções I – 14 set 2006
os gregos que eram bons: criaram nomes
na variedade de emoções humanas
de modo tal, que mesmo as doidivanas,
dulcímeras paixões, nas quais consomes
o fútil coração, num desaponto
constante e vago, mesmo que
interdito,
rótulos trazem de um sabor aflito
que as emoções desenham, num reponto;.
tanta ilusão, antes pura e desgarrada,
pela palavra antiga
convocada,
mudou, por vezes
múltiplas, sentido,
tal como o coração muda de amores,
quer outra mais e outra, em estertores,
por uma só que a alma tem ferido.
acepções II – 3 abril 2017
“fazer amor”, por exemplo, demudou:
tempo houve em que era apenas cortesia,
depois namoro suave de elegia,
de fazer versos, em que nada se atentou.
depois, em real namoro transformou,
quando no máximo um beijo se pedia,
enquanto cartas mil se redigia
por novo encontro a que se convidou.
e finalmente, referiu amor sexual,
amor fazendo da forma mais carnal,
porém sempre envolvendo um sentimento,
até só comunicar o amor casual,
posta de lado qualquer ânsia espiritual,
numa troca pelo orgasmo de um momento.
acepções III
contudo, hoje, o termo está ultrapassado
por ‘fazer sexo’ ou mesmo por ‘transar’,
nisto apenas o prazer a designar,
todo o romance sendo hoje abandonado.
o ato de amor e se tornar mais
degradado,
na mais chula expressão de se ‘trepar’,
para os termos mais grosseiros nem
lembrar;
não mais se pensa no amor enamorado...
ou nem sequer nesse fato biológico
de que seja destinado à gravidez,
a fim de a raça humana prosseguir.
vista como um perigo, sendo lógico
fazer só sexo, que amor não mais se fez,
sem a menor intenção de amor sentir.
acepções IV
também aqui me sinto ultrapassado.
afinal, ainda não tenho um celular
e os mil recursos com que vem-nos
acenar:
só um comprarei após ser obrigado.
não preciso ser por selfies registrado
e raramente viajo a algum lugar,
até a máquina de escrever a lamentar,
depois que a computador fui
empurrado!...
e ainda variam essas mil acepções:
quando escrevo sonetos, faço amor,
sem precisar de um ventre do meu lado.
na fútil dança de minhas emoções,
fazer amor consigo, com fervor
muito mais firme que num beijo
apaixonado...
CELEBRAÇÃO
I – 16 set 06
Que mais
resta dizer, se já foi dito
Quanto
interessa a ti e a mim também?
Que não
te invejo aos braços de ninguém,
Se ao
coração meu nome tens inscrito?
Que mais
resta dizer, se desde a aurora
Eu penso que
apagaste o claro anseio
Num
efulgir do leite de teu seio,
Com a
ponta dos mamilos nesta hora?
Que mais
resta dizer, neste indiscreto
Momento
em que assinei livro secreto,
Com a
pena de meu ser, em tinta branca?
Que mais
resta dizer, quando a aliança
Selada
foi ao toque de tua trança,
Em
coágulo de sangue que se estanca?...
CELEBRAÇÃO
II – 4 ABRIL 17
Que mais
resta dizer, se já foi dita,
Muito
mais firme que um beijo constritor
Toda e
qualquer concepção de amor,
Desde a
constância até a total desdita?
Que mais
resta dizer, quando a bendita
Oscilação
das emoções, em estridor,
Já
revelaram, do começo ao estertor,
Todas as
fases a que Eros nos concita?
Que mais
resta dizer, gemeste nos meus braços,
Embora
hoje não mais queiras gemer,
A
protestar que teu ventre se fechou?
Que mais
resta dizer, senão que em puros traços
De teu
semblante, ainda posso perceber
Que
grande amor ali um dia se instalou?
CELEBRAÇÃO
III
Que mais
resta dizer, se nesta aurora,
Em que o
horizonte se cinge de escarlate,
Pássaros
cantam, escuto um cão que late,
Posso
lembrar cada instante dessa hora?
Que mais
resta dizer, vivendo o outrora
Quando o
teu ventre contra o meu se esbate,
Teu
coração de apressurado bate
E teu
suor por todo o corpo aflora...?
Que mais
resta dizer, quando o passado
Já
deglutiu cada grito atribulado
E para a
vida teu útero aprestou?
Que mais
resta dizer, se no presente,
O meu
desejo tornou-se descontente,
Depois de
tanto amor que recordou?
CELEBRAÇÃO
IV
Que mais
resta dizer, primícias velhas,
Recordadas
várias década após,
Quando
vivi pela angústia de tua voz
Ou pelo
amor que nos olhos ainda espelhas?
Que mais
resta dizer, quando as ovelhas
Nos
brancos velos não tenham tantos nós
Quanto
esse amor que me levou empós,
Acorrentando-me
a tuas sobrancelhas?
Que mais
resta dizer? Contudo, eu digo:
Nunca me
esqueço desse amor fervente,
Que se
fazia várias vezes, diariamente...
Memória
augusta que no cérebro bendigo,
Por mais
que hoje só em lembrança se repita,
No
cumprimento final de nossa dita...?
SEXTETO I – 12 jan 2006
(Com vasto emprego de rimas leoninas)
Para que o verso seja, enquanto amor se
enseja,
Um meigo dom de amor,
Para que o verso cante, enquanto amor
vibrante
Efulge igual calor,
É necessário agora, enquanto brilha a
aurora
De nosso amor recente,
Estraçalhar da folha, enquanto ardor
refolha
O nosso ideal
descrente.
E assim, nesse fervor, enquanto igual
favor
Nós ambos partilhamos,
Saibamos gratos ser, no mesmo azul
prazer
A que nos entregamos,
Amor sem mais promessa, amor vivendo
nessa
Carícia que gozamos.
SEXTETO II – 5 ABRIL 2017
Não passa o verso, enfim, de um meigo
serafim,
As asas farfalhando,
Na busca de ocasião em que cada coração
Irá se perfilhando.
Não passa o verso hoje, querubim que nos
despoje
De toda a resistência,
Feroz anjo guerreiro, que insiste
derradeiro
Na mais plena potência.
Que o novo sentimento esparso no
presente
Seja em letras registrado,
Um certo documento marcando esse
portento
Feroz o amor sentido no córtex mantido,
No peito atribulado,
A que corrente prende da qual não se
defende.
SEXTETO III
Amor de diletante, desaviso de um
instante,
Sem grande compromisso,
Que cresce de repente, devora o
inexperiente,
Não mais sendo remisso.
Amor colecionado, no peito a ser colado
Quais selos por charneiras,
Figuras só encontradas à luz das
madrugadas,
Dos sonhos nas esteiras.
Amor feito de linha, que a meu redor se
apinha,
Translúcido apertando,
Aos poucos se espalhando, o peito
dominando
Tornado mais espesso, amor feito de
gesso,
Em véu se amortalhando
Que a alma inteira tinge e a mente nos
constringe.
SEXTETO IV
Amor feito bigorna, que a vida nos
transtorna,
Tremendo e onipresente,
Amor que assim espalho em cem golpes de
malho,
Na boca adstringente.
Amor mais cerebral, no elo mais vital,
Que o encéfalo revolve,
Amor de turbilhão, que traz
transformação
A quanto se resolve.
Amor de sacrifício, amor tornado vício,
Que tudo nos requer,
Amor feito sangria, que nunca se alivia,
Amor equipotente, amor duplo e saliente
No olhar que mais se quer
Que a vida inteira assola e tudo o mais
controla.
SEXTETO V
Amor de onisciência, amor de
equivalência,
Amor impostergável,
Amor reminiscência, amor de permanência,
Ardor
inafiançável.
Que o verdadeiro amor, do ergástulo
senhor
Traz grades de alegria,
No celular sua luz, cada grilhão reluz,
Nas fauces da elegia.
Amor de última instância, de efêmera
constância,
Mas sempre imponderável,
De que a medula inteira se faz
hospitaleira,
Amor feito de bruma, amor que nos
consuma,
Cada vértebra amorável,
Amor que nos desarme e se congele em
carne.
SEXTETO VI
Amor que nos perdura enquanto a vida
dura,
Onívoro do além,
Amor que nos transcende e mais anseio
acende
Da morte no porém.
Amor duro e exigente, na alma
permanente,
Ferida ao coração,
Amor que nos derrota por bênçãos que nos
dota,
Em tal retaliação.
Amor compartilhado no mais gentil
pecado,
“Amor de perdição”,
Amor sempre acendido, amor do
retribuído,
Amor feito martírio, qual cera em luz de
círio,
Amor de exultação,
Por quem nos tem querido ao ver-se
perseguido.
ÂNGELUS I – 20 jan 2006
DE TI NÃO QUERO... NADA MAIS QUE UM
BEIJO
DE AMEALHAR AZUL NA NOITE EM PRATA;
QUERO BEBER-TE O ORVALHO EM PLENA MATA,
ATÉ QUE A ERVA REBRILHE EM SEU VICEJO.
DE TI HOJE EU DESEJO NÃO MAIS QUE PURO
ALMEJO
DE RECEBER DE TI CHUVAS DE BRONZE,
POETA QUERO SER QUE SÓ POR TI SE AGONZE,
DE TI A ALDRAVA SER, EM LAPIDAR ENSEJO.
DE TI ANSEIO APENAS UM BEIJO CRISTALINO,
QUE SEJA, EM MEU CANTAR, MANSO E
DISCRETO
E, EM MEU PENAR, TÃO DOCE SE HARMONIZE.
DE TI ESPERO ALGURES UM SONHO PEQUENINO,
QUE EM MIM POSSA GERAR, PERFUME TÃO
SECRETO,
ESSE TEU MESMO OLOR QUE O OLFATO ME
AGONIZE.
ÂNGELUS II – 6 de abril de 2017
QUE SEJA ESSE TEU
BEIJO A HORA MAIS SAGRADA,
EM BAÇO FIM DE TARDE,
AO BIMBALHAR DO SINO,
NA PRECE VESPERTINA
MARCANDO MEU DESTINO.
O PEITO A TRANSBORDAR
DE IDÊNTICA REVOADA
QUAL TRAZ O PIPILAR
DA INTENSA PASSARADA,
A RECOLHER-SE ASSIM
DE CAÇADOR FERINO,
NO BICO DA CORUJA A
VOZ DE UM ASSASSINO,
NO BICO DO INVEJOSO A
TOCAIA PREPARADA.
QUE SEJA ESSE TEU
BEIJO O TRIGO RECOLHIDO
E NÃO APENAS PALHA EM
MEDA ACUMULADA,
MAS A SEMENTE DOCE
QUE A ALMA TEM NUTRIDO,
QUE SEJA ESSE TEU
BEIJO A MEIGA REFEIÇÃO,
NA LUZ DESSE
CREPÚSCULO INTEIRA CONSERVADA
NO SILO DE CUIDADOS
QUE TRAGO AO CORAÇÃO.
ÂNGELUS III
DE TI HOJE SÓ QUERO
NÃO MAIS QUE UMA HERESIA:
QUE POSSAS REALMENTE
SENTIR-TE IDOLATRADA,
NA CATEDRAL DA ALMA
EM ARA CONSAGRADA,
POR ENTRE MIL VITRAIS
DE JURAS E POESIA.
DE TI EU QUERO HOJE
NÃO MAIS QUE A FANTASIA,
A QUAL, DE CERTO MODO,
TE FAZ DESAPONTADA,
NO AGUARDO DE UM
ABRAÇO A ALMA DEFLORADA
POR VASTAS EMOÇÕES
QUE O PEITO GERARIA.
DE TI NÃO QUERO AGORA
A CARNE PERFUMADA,
NEM REFOLHOS DE TUA
FLOR JAMAIS POSSUIR,
MAS QUE TEU BEIJO ME
VENHA A REDIMIR,
NÃO DE UM DESEJO
NUTRIDO EM MEU OUTRORA,
MAS DA RECUSA DE
MINHA PRECE AIRADA
DE A TEUS PÉS ME
LANÇAR ATÉ CHEGADA A AURORA!
ÂNGELUS IV
QUAL ANJO NOS ESPERA NA HORA DO
CREPÚSCULO?
SERÁ O ARCANJO FORTE, DE REBRILHANTE
ESPADA
POR FORÇA DO FERVOR QUE A TEM
DESEMBAINHADA,
DO CORAÇÃO ROUBANDO O RÚBIDO CORPÚSCULO?
SERÁ O ANJO ARAUTO QUE CANTA SANTO
OPÚSCULO,
APENAS A MARIA SUA MENSAGEM DESTINADA,
POR SOBRE SUA CABEÇA ESTRELA DESLOCADA,
POR FORÇA DE MISTÉRIO E NÃO PODER DE
MÚSCULO?
UM ANJO APENAS BUSCO QUE AURÉOLA NÃO
MANTÉM
E QUE EM LUGAR DE ASAS DOÇURA TRAZ NOS
BRAÇOS
QUE MUITO MAIS QUE BEIJOS ME DAR
DESEJARIA
E QUE NO LUSCO-FUSCO SINCERA ME SUSTÉM,
CADA PREITO DE AMOR A REFLETIR NOS
TRAÇOS,
QUE MINHA PRECE DE AMOR QUAL HEREGE
REPETIA!
ALYSON I – 7 ABR 2017
(Contemplação ante o retrato de uma modelo).
Em braço reclinada, apoio impenitente,
os dedos a brincar com mecha dos cabelos,
revela em atrevimento o total de seus desvelos,
um sorriso nos lábios mostrando estar contente.
É claro que a nudez já está subjacente
nos biquínis, monoquínis, fios dentais, somente
numa ilusão de pudor inconsequente:
em sendo os corpos belos, por que não poder vê-los?
De fato, condenar qualquer nudez é hipocrisia,
coisa mais dos antigos perdidos desse ardor,
os corpos prometidos para outros só, enfim;
contudo, em mim desperta não mais que fantasia:
que seu meigo sorriso, qual de marfim sua flor,
em pura impudicícia se abrisse só pra mim!...
ALYSON II
Para mim é sagrada toda a nudez humana,
segundo a Bíblia, imagem e semelhança
da figura de um deus, que em abastança
um dia se encarnou, em ato que proclama
que apenas a nudez não é coisa profana,
somente a intenção que para o mundo lança;
toda nudez é bela, até mesmo a que alcança
os corpos da velhice de que ninguém se ufana.
Se não tivesse a mulher tal corpo sedutor,
não teria se espalhado tanto a humana raça,
os animais a depender tão só do cio,
embora me pareça que se reserve ao amor
esse toque impudico que a mente nos perpassa,
em que a mulher consegue se expor em pleno brio!
ALYSON III
Ah, não condeno!... Absolutamente,,
por mais que quaisquer vezes me
sinta perturbado
pela visão transiente de mulher passando ao lado,
pela visão da carne exposta suavemente...
Preferiria, apenas, que fosse, tão somente
sugestão de passagem,, sem nada de pecado...
Quem excitar-se pode com as nuas do passado,
calcinadas em cinza, poeira e ossos, realmente?
E quando mulher viva se faz fotografar,
nesse vaidoso orgulho de dotes de esplendor,
se formos pensar bem, demonstra caridade,
ao pobre e ao excluído permitindo fantasiar,
podendo cobiçar, sem ter qualquer temor,
a imagem que pertence a todos, na verdade!
Gotas de zinco I – 8 abril 17
Quanta vez a menor das sugestões
Nos faz lembrar algum antigo sentimento
E quanto vez mínimo acontecimento
Faz descartar as melhores sensações!
Charles Dickens pôs tais afirmações
Na mente de um ladrão, certo momento;
Sobre as mulheres um tal julgamento,
Que igual descreve em outras ocasiões.
Quer homens sejamos, ou mulheres,
A mente humana tem divagações
E mesmo o teu presente então pospões
Pelas lembranças fugazes de prazeres
(ou de desgostos, com maior frequência)
Que vem provar diariamente tua paciência.
GOTAS DE ZINCO II
Existem certos negros pensamentos
Que deslizam pela mente, sorrateiros,
Atrás de abrigo, famintos e ligeiros,
Dos devaneios cortando os julgamentos.
Não são sequer pecaminosos tais eventos
Nem são maldades destinadas a terceiros
Porem humilhações de outros terreiros,
Que pareciam soterradas sob assentos.
Que nos vêm perturbar, como nojentos
Répteis magros por lama gerados,
Ansiados por grosseira refeição,
Que ressuscitam em baços portentos
E nos assaltam, totalmente inesperados,
Das fendas breves da desatenção.
GOTAS DE ZINCO III
Elas pingam dos telhados em goteiras,
Quando das calhas se perdem algerosas;
Do teto corrugado as inditosas
Gotas de zinco assomam bem ligeiras.
Se ocorre no verão, alvissareiras,
Nos pingam no pescoço, dadivosas,
Contra o acaloramento poderosas:
Há quem se posicione sob as beiras!
Mas vindo o pleno inverno, até nos queimam,
Nesse frior em que deslizam calafrios
Só nos provocam tremores de surpresa.
E as más lembranças igualmente teimam
Em nos marcar com sentimentos frios,
Como frieiras atrozes de incerteza!
Gotas de zinco IV
Queria então amornar todo esse zinco:
Que respingasse gotas subitâneas,
Porém de boas memórias sucedâneas,
Que por minhas costas subissem com afinco,
Contrário à gravidade cada brinco,
Crescendo lá dos pés, desde as calcâneas,
A medula a percorrer vastas esmâneas, (*)
Opondo à dor e ao talho meigo vinco!
(*) Caretas
Mas boas lembranças é preciso que se evoque
Enquanto as más nos sabem devorar,
Mesmo que, em parte, o zinco é refratário
E o mais das vezes nos traz gélido toque
E não a calidez em seu beijar,
Carícia e alívio para o sofrer diário!...
INTERDITO I – 9 ABR 17
As lembranças mais frias transformei,
em meu computador atualizado,
em um novo carrossel, considerado
como adequado ao que mais precisei.
O restante nos impostos eu gastei,
que mensalmente têm-me dessangrado
e nem calculo quanto, no passado
entre taxas e cobranças eu paguei.
Só meia dúzia de livros eu comprei,
quatro cedês achei num camelô:
era um índio peruviano desgarrado...
Dois armários e uma escada encomendei
e novamente minha verba se esgotou,
apesar de tanto tempo trabalhado!...
INTERDITO II
Sinto-me preso na ausência de teus zelos,
se não te posso ver ou te escutar;
e como não consigo mais te olhar,
vou trabalhar na coleção de selos!...
Imagens frias de tais mortos desvelos
que do passado me fazem recordar
pelo cheiro de sua tinta a respirar,
momentos de lazer passo a revê-los!
Ao contemplar determinada estampa,
recordo os sons, as vozes ao redor,
os transeuntes pelas grades da janela;
Cada fantasma da mente tem sua guampa,
cabides são de momentos de pendor,
perdidos tempos de lembrança bela!...
INTERDITO III
“Em pó a sedução assim desfez-se”,
a desfeição não mais do que aparente,
que nas redes neurais está presente
cada detalhe que do passado cresce...
De um breve aceno, toda a memória desce,
talvez solene, talvez irreverente,
mas cada sensação de então se sente,
muito mais firme que decorada prece!
Porque as preces assaz foram repetidas
e uma lembrança recente apaga a antiga,
enquanto ficam as lembranças submersas
no eterno jogo do poder sendo escondidas,
mas nesse enterro a vida ainda se abriga,
vasto retalho de experiências tersas!...
INTERDITO IV
Quando se perdem os tesouros verdadeiros,
mal se percebe – não faziam arruaças!...
Desaparecem sem estalos, pobres traças,
no puro olvido de momentos mais traiçoeiros.
São os falsos tesouros, em berreiros,
em estardalhaço impondo suas trapaças,
por mais que se refutem tais negaças,
sobem do fundo, ladrões interesseiros!
E é preciso então que a gente desça
até escaninho mais fundo da memória,
nesse resgate dos momentos de desvelos
para que a ausência de novo nos aqueça,
ressurreta em cintilar, peremptória,
quais sugestões da coleção de selos!...
ASSASSINATO EM SÉRIE I – 1O ABR 17
As minhas horas assassinei em versos,
só recordada a sangria das palavras,
a própria vida esquecida nessas lavras,
meus mil instantes em ouro assim conversos.
E meus momentos a seguir foram dispersos
na hemorragia de cem sonatas bravas,
todo o meu ser nessas mensagens cavas,
uma existência sonhada em seus inversos.
Estranhamente, ao reencontrar essas feridas,
são raras vezes que relembro os julgamentos
que me levaram então a perfurá-las;
mal lembro as músicas nesse antanho ouvidas,
nem as razões de tais procedimentos,
por mais que a mente anseie devassá-las.
ASSASSINATO EM SÉRIE II
Foi essa a época dos duodecanetos,
desses crimes em série dedicados,
desses temas em si mesmos reservados,
que me empurraram à ceifa de sonetos.
Provieram todos de escaninhos bem secretos,
dos mil neurônios à morte malfadados,
capilares em palavras dessangrados,
puro abandono de meus sonhos mais diletos.
Porque escrever tantos versos esvazia
mesmo as válvulas cardíacas. Algo
dói,
algo se perde, alguma coisa morre,
que nunca volta mais, pois sua valia
depende mesmo da carne que se mói,
na inspiração do instante que transcorre.
ASSASSINATO EM SÉRIE III
Sentinela dessas sombras, vivo só,
emurchecido na aura das tristezas,
atalaia das mágoas e incertezas,
velho antropoide pulando num cipó.
Não tenho espada para cortar o górdio nó,
sem olhos rasos d’água por belezas,
sem ter convicção de minhas riquezas,
sou ariel de um moinho sem ter mó. (*)
(*) Ariel é a pedra inferior sobre a qual gira a mó.
Passo avisando aos sonetos do inconsciente
que permaneçam nas masmorras prisioneiros;
gastei minha voz, clamando: “Quem vem lá?”
Restam só vultos na mortalha presciente,
em cada canto vejo aranhas tocandeiras
como lembranças das memórias que não há.
ASSASSINATO EM SÉRIE IV
Mas quem se importa com a vida assassinada
no latrocínio deste amor serial,
se nem meu pranto escorre no final
por tanta vida em meus versos condenada?
Cada semana foi ali aprisionada,
sem ganho ou sem retorno material,
nunca no mundo a pompa triunfal,
nessa sangria rubra e apressurada!...
Contudo, a vida morta ressuscita
a cada vez que seja contemplada
pela alma de quem dispõe-se a ler...
E fica assim o triunfo da desdita,
que seja a morte da vida partilhada
por quem a possa na mente recolher!...
POLISPERMIA – 15 ago 1979
Ao toque do pistilo, meus estames,
De almíscar na corola protegidos,
Deiscentes se abriram, revestidos
Da alegre cor dos sonhos que mais
ames.
E, nesse gesto de opérculo
encantado,
Também aberto teu régio meristema,
Em pura pétala de sonho sem
dilema,
Desfez-se a antera em pólen
perfumado.
Estranho efeito tendo em minha
vida:
Esperava que de ti brotassem
flores,
Mas meu foi o canteiro assim
semeado.
Tu continuaste meiga e desvalida
E eu... me esqueci, no afã de meus
amores,
Brotando em versos teu pólen
fecundado.
RECARGA – 17 ago 1979
Crucificado em ti, meu corpo inteiro,
Qual a lança de luz do centurião,
Um halo nos envolve e o galardão
Difunde ao mundo o brado derradeiro.
Teus dentes que me beijam, diadema;
E a coroa de espinhos são cabelos
Que me recebem na concha dos desvelos,
Me matam e renovam, qual dilema
De que esta carne, por morta em meu orgasmo,
Intangível ficara neste pasmo,
Que a alma me enche na emoção antiga.
Pois, cada vez que a carne me esfalece,
É como se esplendor então pudesse
Encher-me a mente de imortal cantiga.
TELEX – 24 ago 1979
Confio em ti, que de esperar bem sabes
E tanto de confiar tens esperado,
E tanto de me amar, tens sopesado
A escala de valores, onde acabes
Por me saber valendo em peso forte
Mais que outros pesos tantos de tua vida;
E que no coração tem-se em guarida
O beijo azul que sela a nossa sorte.
Confio em ti, que de esperar és rica,
Que de amor sejas rica e de confiança,
Por que razão exista de esperança.
Confia em mim, porque confiar se aplica
Ao meu amor, tão cheio de bonança
Quanto a certeza em teu amor me indica.
THE SINNER – 28 ago 2006
SHE WAS WRINKLY THEN... HAD GROWN OLD,
HER STRAIGHT BLACK HAIRS TURNED WHITE,
THE CATARACTS DIMMING DOWN HER SIGHT,
ALTHOUGH SHE STOOD STILL UPRIGHT AND BOLD.
AND EVERY NIGHT SHE GATHERED HER GRAN'KIDS
TO TELL'EM OF DAYS LONG LOST AND DEAD:
OF HER OLD HUBBY, WHOSE GREATEST DREAD
HAD FACED, IN SPITE OF ALL HER PLEADS.
FOR SHE KNEW THAT HERPES SHE HAD GOT
WHOSE UGLY SORES HAD MARRED HER BLISS
FOR YEARS ALREADY; AND SHE WANTED NOT
TO GIVE HIM THE SAME, THOUGH HE BEGGED
TILL HER RESOLVE AT LAST ONE NIGHT SAGGED
AND GAVE HIM HER ILLNESS... FOR A KISS.
SUFRAGÂNEO – 31 ago 1979
QUEBRADA A LUZ, O SOM TODO APAGADO,
DE UM VENTO ESCURO, AZUL, QUASE ABANDONO,
DE CHUVA VERDE E SECA, AQUI RESSONO
MEU PALPITAR DE SANGUE, EM COAGULADO,
ABERTO CORAÇÃO, FLOR INSINCERA,
CENTELHA FRIA, ORGASMO DELICADO,
LAVA DESFEITA EM PRANTO, DELICIADO
PELA PRÓPRIA RAZÃO FEITA QUIMERA.
E EU FICO CEGO APENAS POR MOMENTOS,
POIS LOGO EU VEJO, OUVIDOS MUI ATENTOS
COMO A LUZ SE INCENDEIA NA CRATERA
DA ÓRBITA VAGA E PLENA DESSE INSTANTE,
POIS SÓ CONCEBE O VERSO PALPITANTE
QUEM VÊ NA SOMBRA A LUZ DA PRIMAVERA.
ABISMO
– 31 ago 1979
Eu...
Sou eu mesmo... E os outros que se danem.
Não dou
por opiniões um figo ou passa,
Quando
sei que, por muito que se enganem,
Não
mudam de opinião... nem de pirraça!...
Tu...
És tu mesma... E aos outros gostarias
De
poderes dizer que se danassem;
Mas
quando das pressões surgem os dias,
Baixas
a voz e deixas que te amassem...
Eu...
Sou eu mesmo... E sei do meu destino:
Quero
da música o salmo peregrino
E os
dias nutridos na vastidão dos versos.
Tu...
És tu mesma... E nada do que queres
Sabes
querer mais que aos malmequeres,
Soltos
ao vento, que o vento faz dispersos...
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