MADRÉPORAS NEGRAS – 17
JAN 2008
Duodecaneto de William
Lagos
(Madrepora oculata [com inserção de uma lagosta])
MADRÉPORAS NEGRAS
I (2008)
Já se aproxima do ano
a estação turva,
que medeia sempre
entre o final de outubro
e o início de novembro
e me descubro
a pensar nos vizinhos
de além-curva,
duas quadras logo
abaixo de minha casa,
duas quadras logo
abaixo de minha vida,
em sua morada por
derradeira tida,
que nem sequer possuem
cova rasa,
mas são engavetados,
em arquivos,
à espera das baratas,
da umidade,
que lhes devoram mente
e coração,
enquanto as locações
pagam os vivos,
senão, vem o
despejo, em quantidade,
para o ossário, em que
não têm sequer caixão!
MADRÉPORAS NEGRAS II
Que me reserva o
destino palpitante
é coisa que não
sei. Eu sei apenas
que inda verei
rebrotar as açucenas
durante um dia de
calor. E refrescante
será a visão perfumosa
desse instante,
permeio dos odores de
outras cenas
bem menos perfumadas,
de outras penas
por que passei e
passarei rampante,
nessas centelhas de
alheios desatinos...
O fardo não é
meu... Não sei, sequer
se provarei um outro
beijo de mulher
ou se hoje mesmo por
mim tangem os sinos.
Carrego as tardes e
aguardo, indiferente,
sem saber se inda
amanhã estou presente.
MADRÉPORAS NEGRAS III
Mas a saudade me
amolga qual preguiça
de enfrentar esse meu
computador
com palavras virtuais,
mas sem calor
novos desprezos e
descasos nessa liça,
quaisquer amores de
índole castiça,
novos versos
redigindo, mas sem cor,
que é assim
comigo. Ao fim de cada amor,
nova ilusão toda minha
mente atiça.
Longo verme de amor,
de crista erguida,
seus filamentos e
proglótides avançam
e sobre as válvulas do
coração se lançam,
até que as larvas da
quimera percebida
se retorçam contra as
linhas da acolhida
e só me encontro a
digerir outra saudade...
MADRÉPORAS NEGRAS IV
Algumas vezes já
pensei que te possuía,
depauperada minha
certeza assim
no meu teclado essa
tua alma de jasmim
virtuais palavras que
então eu redigia.
Essas mil vezes pensei
que conseguia
guardar teus trechos
de desejo para mim,
que tais desejos nem
tivessem fim,
acompanhando-me
enquanto eu existia.
Metade de minha vida
encontradiça
nesses linhas de
versos sem calor,
nunca mais quentes que
as folhas em que os lia
um longo verme de
crista que se eriça
esse meu sonho de
perpétuo destemor,
que não temia tombasse
em desvalia.
MADRÉPORAS NEGRAS V
A maioria das pessoas
sente
durante o outono,
certa melancolia,
nesse tombar das
folhas, nostalgia
pelo verão que se
afasta do presente.
Mas eu me sinto, ao
contrário, bem contente:
é para mim da folhagem
a elegia,
a seiva a recolher-se
em harmonia,
para em nova primavera
ser potente.
Assim é nossa
vida. Folhas caem,
são recolhidas dentro
de caixões
e guardadas em gavetas
tenebrosas.
Contrariamente às que
de árvores saem,
que de algum modo nos
alentam corações
no incenso da fumaça
dessas rosas.
MADRÉPORAS NEGRAS VI
Um dia, eu subirei
pela montanha
que uns chamam de
morte; eu de caminho;
meu não será só
destino comezinho,
pois para mim será
vitória ganha.
Sempre encarei essa
fuga como estranha;
vem nos momentos de
maior carinho,
quando menos se
espera, de mansinho,
galgar a estrada e ver
glória tamanha,
tal qual jamais
encontrei por esta vida,
lá onde os Tronos me
darão guarida,
segundo espero, pois
fui servo fiel,
uma boa ferramenta a
escorrer mel
por entre os dedos que
chamaram versos,
da longa espera por
vastidão conversos.
MADRÉPORAS NEGRAS VII
Eu sei que é longa a
espera, mas, talvez,
seja o presente meu
derradeiro voo;
estes poemas que de
meu sangue eu coo,
podem ser os finais
que a mente fez.
Só tu és o vento que
me leva, tu, que lês;
és tu que sopras as
nuvens em que escoo
os sentimentos que
diariamente doo,
és tu, mulher, quiçá,
que jamais vês
quando a teu lado,
inda invisivelmente,
passo com ritmo bem
rápido e frequente,
porém diverso daquele
em que te embasas,
cumprido esse meu voo,
finalmente,
apenas roço sobre ti,
sopro dolente,
querendo igual ser o
vento de tuas asas.
MADRÉPORAS NEGRAS VIII
Até onde longe é longe
para o amor?
Se estamos juntos e
parece perto,
acha-se às vezes o
coração deserto,
perdida às vezes da
alma o seu candor.
Até onde o longe é
como um campo aberto,
que se pode cruzar sem
estridor,
de alma pura, nenhum
plano diretor,
sem projetarmos
qualquer destino certo?
Se estás ausente,
embora de meu lado,
longe é tão longe
quanto estrelas frias,
coaguladas da noite na
amplidão.
Se estás presente,
embora no passado,
não existe longe, que
perto só estarias,
permeio às fibras de
meu coração.
MADRÉPORAS NEGRAS IX
Até em que ponto longe
é longe para o amor?
Só estás bem longe, em
geografia distante,
mas guardo o brilho da
boca delirante,
aureolada de saliva,
em pleno ardor!...
E se recordo em meus
lábios teu sabor,
revestido de estrelas
e inconstante,
mas persistente em meu
sonhar errante,
ao céu da boca prendo
a lua de calor!...
Se recordo tua língua
em sua textura,
contra meus dentes e
minha boca impura,
ainda me ferve o calor
desse teu beijo;
longe não estás, se
preso nos teus dentes
está meu coração,
mordidas rentes,
a mastigarem mil
centelhas nesse ensejo.
MADRÉPORAS NEGRAS X
Até que sítio longe é
longe para o amor?
Quando se guarda a
lembrança cristalina,
quando se punge um
olor de turmalina,
quando a turquesa do
ensejo é meu valor,
quando tua imagem se
reveste de rubor,
quando teu peito só
para mim se inclina,
quando a memória
dilata-se, prístina,
quando a emoção é um
divinal terror,
quando teu ósculo é
gruta de calcário,
quando teu corpo é um
carmesim sacrário,
em capela triunfal,
lúbrico monge,
somente tange o
rosário de teu sexo,
que à religião e à
vida empresta nexo,
mais certamente do que
existe o longe!...
MADRÉPORAS NEGRAS XI
E até que ponto perto
é perto para o amor?
Quando a meu lado
insistes em recato,
quando amor mais
demonstras pelo gato
que pelo homem que te
deu tanto calor?
Quando te esfumas na
hora do sexor,
quando transformas a
ilusão em simples fato,
quando até os sonhos
mansamente mato,
dentre a famélico
ordálio de rigor!...
Quando proferes palavras
de despeito
e me acusas de um mal
que não aceito,
por sempre te buscar
de peito aberto,
somente então
reconheço o estranho ódio
que me revelas assim,
perto do pódio,
sem que nos sobre um
lugar que seja perto.
MADRÉPORAS NEGRAS XII
Que um tempo houve em
que te dava anéis,
de madrépora formados
e abalone,
de cada concha em que
mar nos ressone
contra o coro dos
marítimos bedéis,
de Netuno os tritões
em seus quartéis
feitos de anêmona e
corais, em puro cone,
duas conchas que
fingíamos ser fone,
muito mais ricos que
os terrestres reis!...
Mas o tempo passou e
rachaduras
causadas foram por
golpes dessas férulas
dos mil rancores e
maldições secretas,
e agora vejo racionais
nossas loucuras,
e sinto lástima de que
tantas madrepérolas
de iridescentes, já se
tornaram pretas...
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