terça-feira, 19 de dezembro de 2017





HOMENAGEM AO POETA ÁLVARES DE AZEVEDO
 IVES GANDRA MARTINS
I

Quando os passos do tempo pelo Eterno
Ecoarem perdidos e distantes,
Na senda inconhecida,
E quando, em estações, um só inverno
Cobrir todo o planeta, como dantes
De ter brotado a vida,

II

Ainda há de restar, viva semente,
Pela serenidade do deserto
Em salmidez tranquila,
O canto de quem teve a chama ardente
De provar que da morte foi liberto
E a morte n’aniquila.

III

Tangeu febril a lira aos vinte anos,
Poeta e sonhador, amando a vida
Gozada em festivais.
Mas do destino presa, em desenganos,
A viu, desesperado, convertida
E para nunca mais.

IV

Buscou o peso, então, das sepulturas,
Para esconder do mundo o seu segredo
No ventre do infinito
E o lodaçal das casas mais impuras
Partiu a procurar ainda cedo
Por seu cântico aflito.

V

Disse vagar na vida, sem conforto,
Esperando um amor, de noite e dia,
Amor que lhe não veio.
E farto se sentiu como que morto,
Nos esgares sanguíneos da agonia,
Surgidos dentre o seio.

VI

A tosse doentia por seus lábios,
Quando os versos fazia, o rosto pálido,
A vista lhe nublava
E abandonava a rota dos mais sábios,
Nestes momentos, gargalhando, esquálido,
A vida tendo escrava.

VII

Tinha o puro coração dos menestréis,
Mas curvou-se dos males aos impérios
E os males decantou,
Trazendo imagens podres de bordéis
E caveiras dançando em cemitérios
Ao modo de Marlowe.

VIII

Sonhou, ledo poeta, palpitante
A existência toda e uma princesa
Num amor momentâneo
E o sonho seu amou, como se Dante,
Mas o tempo o seu sonho de certeza
Espanou-lhe do crânio.

IX

Das mulheres, de Deus e de si mesmo
Esquecia-se, assim, perdido o escopo
De vate solitário,
Povoando o sombrio de seu esmo
Na morbidez senil de um Conde Lopo
E crimes de um Macário.

X

Não vivia. Sonhava. Mas a idade
O peito transformou-lhe na caverna
Que a tumba o levaria
E descrente cantou poema ao frade
E profeta escreveu numa taverna
As noites de seu dia.

XI

Porém, já quase findo o seu tormento,
Sentiu inda a pureza da distância
Lançada sempre ao mar
E disse, recurvado ao triste evento,
Refletindo nos olhos sua infância
O peito a soluçar,

XII

“Perdoa-me, Senhor! O errante crente
Nos desesperos, em que a mente abrasas,
Não o arroje p’lo crime.
Se eu fui um anjo que descreu demente
E no oceano do mal rompeu as asas,
Perdão! Arrependi-me”.

28/09/1956.


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