domingo, 17 de dezembro de 2017





ODALISCAS DA MENTE &+ Novas Séries de WILLIAM LAGOS  4 a13 de Setembro de 201717

ODALISCAS DA MENTE i a IV -- 4 SET 17
TEIAS DE HURIS I a IV -- 5 SET 17
REMINISCÊNCIA I a IV -- 6 SET 17
PARADA TEMPORAL I a IV -- 7 SET 17
AMOR SECRETO I a IV -- 8 SET 17
RABISCOS I a III -- 9 SET L7
SOMBRAS SECAS I a v -- 10 SET 17
SONHO EM VERRUGAS -- I  a III -- 11 SET 17
ROUBANDO TEMPO -- I a IV -- 12 SET 17
SUMMERTIME IN LONDON -- I a III -- 13 SET 17

(Odalisca com Escrava, Auguste-Dominic Ingres, 1842)

ODALISCAS DA MENTE I -- 4 SET 17

Do conhecimento é a cadeia em que me insiro,
herdeiro humilde de muitas mutações:
ganhei de Homero as épicas canções
e de Arquimedes a ciência sempre miro;

porém é mais entre os Romanos o meu giro:
de Cícero ainda aprecio as exortaçoes
e dos Plínios as mais antigas citações,
entre poemas e ciência a mente firo;

porém do Iluminismo é que prefiro
as primeiras notações de sua ciência,
pesquisas e indagações naturalistas,

contudo, do Medieval eu me retiro,
da hilaridade de sua presciência,
raciocinada pela marcha dos cientistas.

ODALISCAS DA MENTE II

Durante o medioevo os alquimistas
perseguiram odaliscas de metal,
em seu ácido desejo imaterial
de vida eterna ou tesouros em conquistas.

Elas dançavam em vaporosas pistas,
sem nunca se entregarem no final;
como eunucos tais magos, afinal,
só as contemplavam no clarão das vistas.

Então mudavam a hora, o dia ou o mês,
enaltecendo do zodíaco a alvorada,
que esses astros lhes trouxessem namorada,

sem que dessas oficinas em que os vês
fossem às ruas, em busca de carinho,
dedos lambendo na acidez de seu cadinho. (*)
(*) Recipiente para derreter metal.

ODALISCAS DA MENTE III

E as contemplavam, centelhas de ilusão,
nas experiências esperando ter sucesso,
desde que a vida pagassem como preço,
o Sol e a Lua companheiros de ocasião,

a derrubarem mentais grades de prisão,
seguindo os métodos de Celso com apreço;
local não importa, só importa o endereço
da hora exata em que os planetas são

os mais propícios em sua exata conjunção,
que então da lâmpada um gênio fluirá
ou a água em bênção se transmutará,

sem que o Ascendente lhes dê a precisão,
sendo o chumbo em ouro transformado
ou o corpo velho em jovem transmutado!

ODALISCAS DA MENTE IV

E as odaliscas revoavam pela mente,
a um ponto tal que no exterior se viam
seus vultos ondulantes em que criam
da comissura dos olhos no presente.

E assim confiava essa raça ardente
e aos consulentes alguns deles diziam
os futuros possíveis e os gerariam;
que por magia a sua vitória se apresente.

Tais promessas do futuro como iscas,
muitos deles, sinceros charlatães,
honestamente seus horóscopos traçavam,

porém os signos eram apenas odaliscas,
riscas de luz bailando em suas paixões,
enquanto os sonhos fugidios vislumbravam.

TEIAS DE HURIS I -- 5 SET 2017

Não percebo por que sonhar não possa,
ao mesmo tempo que trabalho em vão,
de um pensamento alheio em tradução,
escorrendo por mim, sem deixar mossa.

Porém encaro tais sonhos como troça,
não mais que devaneios sem razão,
nunca confiando em tal expectação:
qual seu vigor na realidade nossa?

Contudo, esse direito eu me concedo,
de mastigar diariamente sonhos de ouro,
no cerebral a tecer tapeçarias...

Apenas para mim guardo o segredo,
são sonhos meus e mostrar o meu tesouro
seria o mesmo que lançá-lo a zombarias...

TEIAS DE HURIS II

Se Muçulmano eu fora, hurís teria
ou, pelo menos, é um preceito do Alcorão,
formosas virgens em total disposição,
depois que a esse outro mundo passaria!

Bem mais tênues promessas me daria
a Teologia prometida a algum cristão,
harpas e asas, fraca a imaginação,
bem diferente tal Éden me seria!...

Poucos se animam a descrever o Paraíso,
salvo em teor indefinido e abstrato;
aos ignorantes, com menor recato,

um lugar de diversão e alegre siso,
naturalmente sem presença das hurís,
bem diversa a mensagem que nos diz!

TEIAS DE HURIS III

Se Bramanista eu for, reencarnação
na antiga roda, Sansara, eterna escala,
labirintino esplendor de uma mandala,
em cada vida a se cumprir nova missão.

Até este ponto, também lhes dou razão,
porque a voz da consciência não se cala,
que missão deva realizar sempre me fala,
não de minha escolha, mas de ordenação.

Mas nem por isso se torna meu destino,
que escolhas tenho, eu mesmo toco o sino,
com indolência ou determinação.

São todos sonhos, afinal, nevoeiro fino,
mas que seria de meu coração,
se não o pudesse envolver nessa ilusão?

TEIAS DE HURIS IV

Com tapetes de Aubusson eu sonharei,
mil artefatos de Arte Nouveau,
sem esquecer, porém, de quanto sou,
eu sonhos de Lalique abraçarei...

No travesseiro macio não viverei,
nem sobre um piso modelado em Art Decô;
nessas esteiras simples em que estou
a minha tarefa diária cumprirei.

E ai de quem de seu sonhar se esquece!
Ou nele deixa esmaecer o seu viver,
que o Paraíso não se atinge só por prece;

permeio ao sonho, a vida se emudece
e no labor o sonho pode-se esquecer;
pois sonho em sono, sem que viver não cesse!

REMINISCÊNCIA I -- 6 SET 2017

Com o tempo a memória é transformada,
lembrança apenas da última lembrança;
quem demais pensa em tempos de criança
torna sua infância pouco a pouco transmutada.

Alguns aos poucos a têm glorificada,
esquecendo seus castigos e a lambança;
as doenças e as feridas, numa dança,
são afastadas e alfim se fazem nada.

Ou ao contrário, as más recordações
se digladiam por domínio da consciência
e o que de bom viveram se desfaz,

memória sendo tão apenas coração,
nossa índole de bom-humor ou malquerença,
tela pintada que diariamente se refaz...

REMINISCÊNCIA II

Já outra coisa é voltarmos ao passado,
para vê-lo novamente transcorrer,
mas mesmo assim, melhor seria querer
que fosse antes do prazer antecipado

que tivéramos certeza do gozado,
ao invés desta incerteza do viver
e que ao chegar finalmente esse poder,
visitássemos de novo o bem amado.

Mas se esse ciclo refletido no insondável,
por delícia recordada em tal momento,
nos invocasse, quiçá, aborrecimento?

E se voltássemos a um presente pouco amável,
conosco a transportar apenas tédio
dessa lembrança submetida a assédio!

REMINISCÊNCIA III

Sabendo embora que muitos querem reviver
seus períodos de infância e adolescência,
eu não o quero -- só me dá impaciência
essa lembrança do passado em meu sofrer.

Só quereria esse tempo perceber
em que uma estrela de vaga incandescência
cortou dessa ampulheta a transcendência,
que não dá margem a seu interromper.

Que então pudesse saborear um beijo
por um tempo de infindável duração,
ao conservar um corpo entre meus braços

e não apenas rememorar o ensejo
nos longos dias de tediosa encenação
em que aos poucos esmaecem-se teus traços...

REMINISCÊNCIA IV

Mas os atos repetidos se misturam,
mil instantes de amor se superpõem,
das refeições os gostos se antepõem,
dos passeios as datas não perduram;

restam lembranças que, às vezes, nos torturam
ou essas outras que a confiança nos repõem,
as que menos nos marcaram se pospõem,
enquanto algumas das piores se depuram.

Mas se buscar tão somente aquele beijo
de um ente amado, que não se repetiu,
como se doura tal lembrança azinhavrada!

Lembrança apenas do singular ensejo,
olhos fechados, quando um rosto mal se viu,
salvo o sabor e o cheiro em revoada!...

PARADA TEMPORAL I -- 7 SET 17

Pudesse o tempo retomar seus dias,
provavelmente seria até desagradável,
igual que um banho tornado incontrolável,
depois que as águas se fizessem frias

e continuando assim em tais porfias,
inversa espuma do sabão, inabalável,
subindo pelo rosto, no incontável
aspirar de seus filetes, afogarias!...

De modo igual, que um verso já escrito
corresse para trás e desfizesse,
perante nossos olhos, seu condão!

Ou que a tela ou papel assim descrito
todo o nosso vigor nos rejeitasse,
no reverter de toda a inspiração!...

PARADA TEMPORAL II

Mas se o tempo parasse, então seria
pior ainda, estátuas sem desvelo,
entre sons mudos o coração de gelo,
ver-se-iam cores, porém sem harmonia,

porque o próprio pulmão nos pararia
e qualquer percepção de quanto é belo
esvoaçaria sem derradeiro apelo
e todo o amor da vida mataria!...

Igual seria que a paz da sepultura
contudo estando vivos e o calor
de nossos corpos jamais se dissipasse,

sem ao menos sentirmos a amargura
que faz parte integrante de um amor,
que nesse estático momento se esgotasse!

PARADA TEMPORAL III

Se fosse o tempo para trás, seria
primeiro o esvaziamento dos pulmões
antes de enchê-los -- e nossos corações
dando inversão ao sangue que corria,

em que as válvulas tal retorno trancaria,
oxigênio roubando sem perdões,
venenos a espalhar-se em profusões:
pereceríamos nesta invertida orgia...

De modo algum nos serve esta inversão:
as imagens do olhar se apagarão
até que toda a melodia se acabara;

e maior ainda seria a perversão:
pois cada amor em que o corpo se inflamara
só lembraríamos quando já terminara!

 PARADA TEMPORAL IV

Este seria o triunfo da entropia:
quando o tempo nos corresse pelo inverso,
todo alimento em energia converso
rapidamente se dissiparia!...

E todo o adubo se recolheria
aos intestinos de que fôra disperso,
a terra seca em tal pendor perverso
e enfim, a vida toda acabaria!...

Assim corridas nossas vidas para trás,
sofrendo o atroz pavor do encolhimento,
nos tornaríamos crianças e nenês!...

Voltando ao ventre... e a gravidez desfaz
ao ver do sêmen seu recolhimento,
até sumir-te o quanto agora vês!...

AMOR SECRETO I -- 8 SET 17

Para muitos, amor é igual que mariposa:
de dia se esconde, só surge ao anoitecer,
quando há intenção de amor sexual fazer
e só então se requesta amante ou esposa.

A noite é tida por mais esplendorosa,
em segredo sob a lua mais prazer,
na escuridão o adultério a cometer
ou mesmo o permitido mais gostoso!...

Por isso, uma visita feita às claras,
seja de tarde ou mesmo de manhã,
qualquer suspeita dilui em confusão,

ações de amor julgadas ser mais raras
no intermédio do labor ou de outro afã
e é natural bater-se à porta na ocasião...

AMOR SECRETO II

Contudo, quando alguém pratica a sesta
e a seu lado se deita esposa ou amante,
é bem comum seu prazer levar por diante,
quando em braços um do outro fazem festa.

Após a refeição, fazer amor "não presta",
que esse "esforço" sexual é delirante:
pode causar "congestão" um tal instante
ou um "derrame", assim o povo atesta.

Um tal problema, contudo, eu nunca tive,
que muitas centenas de vezes fiz amor,
após o almoço, sem sofrer qualquer revés

e meus orgasmos cintilantes não contive,
já de noite a repetir igual ardor,
sem que a semente "se acabasse" dessa vez!

AMOR SECRETO III

Assim se contradiz mais uma lenda:
a de que existe só um certo suprimento;
com muito sexo, há de chegar momento
de esgotar-se o produto dessa prenda...

Talvez esta assertiva o povo venda
considerando da menstruação o alento;
de fato, a ovulação, em seu portento,
tem um limite que à gestação atende.

Mas certamente a semente masculina
por muitas décadas bem se reproduz,
mesmo que sofra de menor potência,

quando alguns espermatozóides têm a sina
da morte prematura antes da luz,
mas sem que isto diminua a sua frequência!

AMOR SECRETO IV

Os tempos mudam e hoje a liberdade
é bem maior que em tempos de minha infância
e nas "baladas" se pratica com constância
sexo oral, sem qualquer dificuldade!

E outra lenda se espalha, de inverdade,
que a semente deglutida nessa instância
não provoque de DSTs contaminância (*)
e assim procedem na maior tranqulidade!
(*) Doenças Sexualmente Transmitidas.

Já que esta prática hoje está na moda
e muitas vezes se faz abertamente,
e nas reuniões de jovens é ingrediente!

E sem falsa moralidade nesta roda,
que também nisso empreguem "camisinha",
ante a armadilha que de tantos se avizinha!

RABISCOS I -- 9 setembro 2917

A maior parte dos versos que hoje escrevo
me brota de lugares que nem sei localizar,
mas me é preciso constante acompanhar
esse murmúrio que sob as unhas levo.

Mas sobre mim escrever pouco me atrevo,
bem mais difícil eu acho me expressar,
sem Dionyso para as frases sussurrar
e me informar quais rabiscos grafar devo.

Em português antigo, "rabiscar"
só indicava recolher essas espigas
deixadas para trás por segadores;

e com frequência me ponho a imaginar
que tais sonetos de tão variadas ligas
sobras somente são de antecessores...

RABISCOS II

Outros criaram grandes poemas, realmente
e grandes fardos com alegria sobraçaram;
cada estrofe que do inconsciente retiraram
mil grãos por um produziu-lhes bem frequente.

Com suas penas de ganso, a antiga gente,
ou com estilos sobre cera que marcaram,
alguns pincéis sobre papiro ainda pintaram
ou sobre argila a gravar pacientemente.

E mesmo assim, criaram meus modelos,
restolho apenas deixando para mim,
cereais e a fruta que no chão se espalha;

tiveram esses a colheita dos desvelos:
medas de trigo e o doce mosto, enfim,
deixando para mim somente a palha.

RABISCOS III

Não me acho aqui a pedir-te um elogio,
pois minha modéstia é pura e verdadeira;
nem é de fato pela vez primeira
que desta herança reconheço o brio.

Se Dionyso me legou o desafio
de palmilhar por sua tão velha esteira,
percebo bem a origem hospitaleira,
pois de outrem brota o verso que hoje crio.

Mesmo porque só existe um Criador
e Nele ponho toda a minha esperança
e neste Espírito Santo que me anima

de que avatar foi Dionyso em esplendor
e sua coroa de parreira em mim descansa,
na grande honra que acolheu minha sina.

SOMBRAS SECAS I -- 10 set 17

A pretensão nutri, um certo dia,
de descrever cada humano sentimento,
da gama da euforia ao desalento,
nestas miríades de versos em porfia.

Mas normalmente descrever não poderia
o prazer de causar algum tormento
ou em zombaria de meu próprio julgamento
que a mim ou a outrem não molestaria.

Nem ao menos a gozar desse usufruto
poderia colocar-me por vingança,
ou em momento de descaso e de paixão

e nos piores instantes seria arguto,
para a maldade minha mente não balança,
nem ódio medra no meu coração.

SOMBRAS SECAS II

O que posso descrever -- e o fiz, por certo
é a maneira como outros assim agem
e até mesmo por um ato de coragem,
entre os iníquos marchei de peito aberto.

Poderia descrever, com algum acerto
os sentimentos dessa alheia vassalagem;
de qualquer deus antigo a criadagem;
ante qualquer criatura do deserto...

José Carlos Santos Silva fez soneto,
não totalmente de parca perfeição,
que inspirou Alberto Nepomuceno.

Sua "Oração ao Diabo" um tal afeto,
a que posso respeitar, sem dar razão,
nem aceitar de coração sereno.

SOMBRAS SECAS III

Por ti respira meu coração, somente,
por ti apenas bate forte meu pulmão;
sempre o amor me causa esta inversão,
meu cerebelo em galardão opalescente.

Não escreveria um tal soneto, certamente,
pois nem sequer acredito em tal "leão
que ruge" -- na escritural afirmação,
para minhalma devorar esse insolente!

As sombras giram em torno, secamente,
em melancólico dançar de depressão,
um que outro mal a me gerar no coração.

sem que demônio se faça aqui presente,
que o mal se gera em nossa mente impura
ou provocado por acessos de loucura!

SOMBRAS SECAS IV

Ao "diabo" se atribui toda a maldade,
a voz maligna de toda a tentação;
tristezas secas em sombras saudarão
toda a inveja provocada por vaidade.

A Caixa de Pandora, na verdade,
é metáfora para o humano coração;
todos os males só dele brotarão,
fica a esperança em verde opacidade.

Não são, de fato, coisas materiais
esses temores e maus pressentimentos,
são sombras secas e descalcificadas,

esses arquétipos não mais que artificiais,
tomando forma nos teus pensamentos,
sem umidade que as faça realizadas.

SOMBRAS SECAS V

Contudo, elas vagueiam por aí,
até encontrarem propiciatório ambiente,
sanguessugas de energia, realmente.
(é bem verdade que jamais as vi).

Mas na maldade alheia sempre cri,
sem precisar de um demônio mais valente
que cada coração seduza e tente,
para nova refeição achar ali!...

E refazer a umidade desse pó
depende só de ti, de teu engano:
sopras-lhe vida, sem dar conta do perigo.

Dentro de ti sombras ancoras com um nó,
de artérias feito, do coração em desengano,
tuas veias secas demarcando teu jazigo!

SOMBRAS SECAS VI

Mas não te iludas -- há quem te sopre o mal
e quando passa, sua sombra ressecada
vai deixando para trás, descompassada,
mesmo de forma involuntária e até casual.

Ficam as sombras nos assoalhos, afinal,
à espera de ocasião mais apropriada,
ao te encontrarem, em percepção desavisada
para em tua mente perfurarem um portal.

De ti depende evitar melancolia;
recorda sempre seres a centelha
de um Criador Eterno, Jeová ou Brahma

e tuas tarefas cumpre então com alegria,
que o coração algum bem sempre te espelha,
por mais opaca te pareça a antiga chama!

SONHO EM VERRUGAS I -- 11 set 17

Que são meus versos senão verborragia,
palavras tontas ao vento, realmente,.
acotovelam-se do fundo de minha mente,
tal qual se incêndio poderoso ali rugia...

Que nelas tenho obrigação me sugeria
essa voz que me cochicha, complacente.
Eu obedeço.  Afinal, se faz presente
torrente e fluxo que nunca se alivia...

Mas que mérito, afinal, me traz o verso
que tantas horas de minha vida suga,
entre o labor e o prazer em mim disperso?

Não obstante, contemplo num reverso
meus dedos a verter sonho em verruga,
não mais que poça dágua que se enxuga...

SONHO EM VERRUGAS II

Não que desta atividade desilude,
só não consigo crer que seja minha;
a inspiração constante se avizinha,
cresce nos dedos e o olhar me ilude.

Se não redijo, preço é bastante rude:
da mão na palma uma verruga pequeninha
aos poucos cresce, torna-se rainha,
até que em versos tal calo se transmude.

Só destarte a excrescência diminui
e se dilui na multidão desses rascunhos:
se não os passar a limpo, tudo esqueço!

Já que a enxurrada permanente flui,
frequentemente em contraditórios cunhos
e me desperta quando acaso me adormeço.

SONHO EM VERRUGAS III

Quando criança, uma verruga tinha
na perna esquerda.  Outra surgiu no joelho,
que arranquei em instante de estrambelho,
contra um degrau, na porta da cozinha.

Com esparadrapo prendi a pobrezinha,
que da maior decerto era um espelho;
logo sumiu o crescimento velho,
sem que uma outra crescesse ali novinha.

Mas a verruga da palma é só um sonho:
sinto-a apenas sob a forma de pressão,
nada se ergue na palma desta mão,

Figura de linguagem só aqui componho
e até encaro com um certo atrevimento,
desafiando-a a aparecer um só momento!

ROUBANDO TEMPO I -- 12 setembro 2017

Meu coração eu ergo sobre a testa,
qual se coroa fosse ao plenilúnio;
ali gravo sentimentos e infortúnio
e quanto mais a mente me molesta

não sobra tempo para dias de festa;
de minhas ações o meu final pecúnio
é limitado no reluzir do solilúnio
além das penas pouco ou nada resta.

Mas isso não me importa, realmente:
meu coração é minha coroa a glória
de meus anseios e loucos pensamentos

E embora em minha ações, eu finalmente
controle seus impulsos de vitória,
meu sangue ainda avermelha os julgamentos.

ROUBANDO TEMPO II

E quando vejo a um outro, descuidado,
seu tempo em desperdício sem sentido,
meu coração se torna ressentido,
imaginando como possa ser furtado

tanto tempo visto assim desperdiçado
e lança um raio de luz em tal olvido
e assim consegue um tempo mal havido,
meu rubro coração empoderado!...

Mas nada roubo, de fato -- cai na rua
todo esse tempo, jazendo na sarjeta
ou pisoteado ao longo das calçadas;

se o tomo para mim, a mente estua (*)
e o coração devora essa completa,
irreal refeição de tantos nadas!...
(Se enche de energia.

ROUBANDO TEMPO III

Existem tantos que o meu próprio, realmente,
vêm-me pedir, na maior desfaçatez;
para conversa nunca falta-me um freguês:
debato um pouco, sem querer ser impaciente.

Mas o tempo não retiro dessa gente,
embora o teu bem peça que me dês;
a escolha é tua, ou pelo menos crês,
quiçá te prenda, implacavelmente,

nestas linhas sem fim de meu consolo...
E tanto escrevo que há quem acredita
que nem ao menos durma em cada noite.

Porém, não é assim.  Mas guardo um bolo
de tempo descartado em vil desdita:
banho lhe dou, alimento e bom acoite

ROUBANDO TEMPO IV

Tanto tempo ali guardado, o bolso fura!
Com esparadrapo o preciso remendar,
se à costureira não me lembro de o enviar,
trancando o tempo numa sacola dura!...

De minhas feridas temporãs me cura,
quando tarefa ainda preciso terminar
ou quando o meu alguém vem-me roubar,
mercúrio-cromo aliviando tal agrura!

E assim envio esse meu desatinado
poema a emular surrealismo,
com um toque de vampírico teor,

quando perfura o teu olhar cansado
e ali desperta teu próprio saudosismo
do antigo tempo de mais moço amor...

SUMMERTIME IN LONDON I -- l3 set 17

Outro dia recebi fotografia
de um soldado londrino, um granadeiro,
que buscara o auxílio de um barbeiro
para aparar o pelame em que o cingia

seu capacete, um shako, em nostalgia
do século dezenove, um derradeiro
e napoleônico vestígio por inteiro
desse mundo que algures já sumia...

Naturalmente, só aplicação de photoshop;
jamais um guarda da rainha tentaria,
mesmo no auge do mais feroz verão,

desfazer-se do uniforme que lhe ensope
de suor o pescoço e de agonia,
nessa climática e inesperada variação.

SUMMERTIME IN LONDON II

Acredito ser incômodo e pesado
esse shako de cunho napoleônico;
mostram as modas teor bem camaleônico,
abandonando os estilos do passado.

A pompa imitam ou pelo prático é trocado,
algumas vezes com efeito cômico,
de outras vezes até mesmo tragicômico,
se de outro povo vem uniforme a ser copiado.

Pois quando os traços do rosto se assemelham,
fica às vezes muito fácil confundir
o inimigo com o próprio companheiro,

especialmente quando ambos se emparelham,
espiões ou desertores a incluir,
a língua apenas divisor mais derradeiro.

SUMMERTIME IN LONDON III

Incrível mesmo é que entrassem em combate
tantos soldados ofegantes no passado,
tremendo peso assim por eles carregado,
enquanto o shrapnel inimigo vem e os bate!

Pois marchavam lado a lado para o abate,
as próprias vidas oferecendo sem cuidado,
sob o comando de general bem abrigado,
tréguas pedindo para que os mortos cate!

Total desprezo pela artilharia,
total descrença na metralhadora,
a mastigar fileira após fileira!

E o capacete de pele rolaria,
sem garantir proteção mais duradoura,
juncando o solo de mortos como esteira!

William Lagos
Tradutor e Poeta –
lhwltg@alternet.com.br
Blog:
www.wltradutorepoeta.blogspot.com
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