AMOR
DE CÃMARA VI
Os
homens se combatem, fazem guerras,
ao
passo que as mulheres, por vaidade,
competem
mutuamente, sem piedade,
umas
e outros por épocas e terras...
Mas
quando o homem combate com a mulher,
uma
derrota ao outro; e o outro vence,
nessa
junção dos corpos, que convence
ser
das batalhas a que mais se quer...
Quando
teu corpo noutro se emaranha:
uma
vitória em que jamais se ganha,
uma
derrota em que jamais se perde...
Que a
adversária então nos acompanha,
no
mesmo galardão que enfim se herde:
fazer
amor com a música de Verdi.
AMOR
DE CÂMARA VII
Bate
forte essa música e entorpece
e
durmo e só desperto ao dia seguinte.
Queria
que meu sonho então se desse:
sensual
o sono que o sonho teu me pinte.
Queria
que Morfeu trouxesse, alado,
o
sonho bom que tive: e foi contigo;
e
que igual sonho tivesses tu comigo:
quisesses
despertar e ver-me ao lado.
Que
fosse tudo novo nesse sonho.
Que
fosses meu ideal e eu fosse o teu,
por
entre as ondas que no sonho espumam.
Que
fosse um sonho límpido e risonho.
Que
nos fundíssemos em cristais de breu,
para
fazer amor ao som de Schumann...
AMOR
DE CÂMARA VIII
Fecha
a janela durante a tempestade,
palpitante
dos dias que anjos voam,
falando
mudos das noites que se escoam,
enquanto
acorda, presa da saudade
de
seu amor antigo e já afastado:
amor
que foi de lâmia e feiticeira,
amor
que foi de fada alvissareira,
amor
de um coração semi-cerrado...
Mas
para mim que abrir essa janela,
de
par em par, sem hesitar, quisesse
e
eu lhe entregasse o meu desejo atroz,
de
que me pertencesse, toda ela,
e
que inteira e pronta já estivesse
a
amor fazer, ao som de Berlioz...
AMOR
DE CÂMARA IX
O
vento sopra agudo e a voz do sino
se
espalha, em tom plangente, na alvorada.
E
eu mal dormi, não me conduz a nada
esse
tinir dolente em meu destino...
O
que eu escuto são apenas sons da noite:
um
trem ao longe, um galo, uma zoada
de
pássaros despertos... A revoada
das
luzes da cidade, em claro açoite...
Mas
no instante em que tomo entre meus braços
um
corpo cálido de mulher amada
e
derramo meus olhos em seus traços,
tudo
demuda em dulcíssima alvorada:
o
vento canta e brando o sino tine,
fazendo
amor aos acordes de Puccini.
AMOR
DE CÂMARA X
Amor
pequeno e raro, amor distante,
Amor
de ária singela, orquestração
eventual
de cavatina, sem brilhante,
a
reluzir tão só no coração...
Amor
de pobre, amor bem pequenino,
que
apenas de relance satisfaz...
E
após deixa um ressaibo, um travo fino,
dramático
em sua dor, sem trazer paz...
Amor
assim, baseado em melodia,
na
pureza da voz, rouca elegia,
que
o peito alegra, em tal desesperança...
Amor
de longe, enfim, que mal se alcança,
Amor
de carnaval, amor confete,
fazendo
amor ao som de Donizetti...
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