quarta-feira, 13 de fevereiro de 2019





BRINDE I – 18 fev 2018
Minhalma busca em ti o amor-perfeito
e meu espírito anseia te possuir,
que o abstrato se possa compartir,
a luz da mente dividida sem defeito.

Quero encontrar em ti igual conceito,
parelhos gostos, ideais a reluzir,
à noite os sonhos de igual tremeluzir,
de máos dadas partilhando o mesmo eito.

Sejam os dias tais quais sorriso puro
nesse mesclar de nossas mentes nuas,
teu pensamento semelhante ao meu;

porém deparo com um real mais duro,
pois são minhas mãos que acariciam as tuas
e é só meu ventre que procura o teu.
        
         BRINDE II

         E nessa entrega a tal físico amor,
não estarei abandonando o amor real?
Aquela íris luminosa de fanal
por que suspiram os anjos com calor?

Mas não têm sexo os anjos, que o Senhor
todos criou inteiros no total,
não há neles esta falha material
de duas metades a buscar-se com fervor.

Que amor de anjos nada tem de humano,
porque dele nunca podem duvidar,
diuturnamente cumprindo o seu mistér,

Sem que entendamos um tal místico arcano,
sem que algo físico os possa perturbar,
sem que abandonem seu mundo soberano.

BRINDE III

Mas eu sou carne e não apenas mente:
falam alguns que amor é coração,
outros que o fígado senhor é da emoção,
outros ainda que só o sexo é presente.

Não há partilha de um amor onisciente,
mesmo que exista tão só a ideal paixão,
pois são outros pensamentos que ali estão
e a tal metade ideal é sempre ausente.

Por mais que se converse, é bem melhor
não confessar a real intimidade –
não correspondem sempre os sentimentos

e o desaponto poderá ser bem maior
quando se escuta a tímida verdade,
tão divergente de nossos julgamentos...

         BRINDE IV

         Esse perfeito amor é inexistente,
bem mais real, contudo, a aceitação
das diferenças de cada coração,
ambas condutas em domínio mais potente,

o preconceito que no cérebro é inerente,
os desejos disfarçados de emoção,
brinde imanente e gentil da perdição
de cada sonho que jamais se fez presente.

Assim te amo, não por te ver nua,
embora busque de ti essa visão,
amo-te mais porque não podes dar

a ilusão que no sonho ainda flutua,
mas tão somente discordante sensação
desse imperfeito amor a me brindar.

CELEBRAÇÃO I – 19 FEV 2018

O altar és tu e nele me debruço,
Meu vinho a consagrar o teu cibório,
Teu ventre a se tornar meu ostensório,
Pura óstia cada pelo do teu buço.

Sobre teu ventre o meu amor remoço,
Na diletante propina desse espólio,
Em ti a imperfeição inteira eu tolho,
Quando derramo em ti o amor que endosso.

Quando esternuto em ti algo da alma,
Nessa ilusão de rito haver espiritual,
Por mais que te consagre minha esperança,

Nessa prece de orgasmo que me acalma
E por instantes faz-te inteira divinal,
Durante os passos dessa mais antiga dança.

         CELEBRAÇÃO II

         Vejo a eucaristia transmutada em carnaval,
Sem qualquer falta ou teor pecaminoso;
Divino é o amor e nunca pernicioso,
Quando tingido por este amor ideal.

Pois se entreveram os corpos, afinal,
Mas não somente por um auge prazeroso,
Nenhum de nós recusando haver um gozo,
Sinal externo, visível, material,

Feito tangível todo o amor espiritual.
E se nos dizem ser igual aos animais,
Qual o pecado na cópula das feras?

Mais do que a nossa é somente material,
Feromônios no cio desses rituais,
Buscando apenas a franquia de outras eras.

         CELEBRAÇÃO III

         Seria o sexo eternamente benfazejo
Se não o maculasse o preconceito,
Vindo, em geral, de quem está sujeito
À repressão social do seu desejo.

Quando ao cálice de vinho dar um beijo
É ate mesmo proibido por direito,
Que essa rodela de trigo contrafeito
Da Última Ceia só mascara o puro ensejo.

Se desse modo se alterou a Comunhão
E o sexo mais despreza que não o tem
Ou que já teve, mas ter não pode mais,


Que se celebre a eucaristia então ,
Com outro corpo a consagrar também,
Vinho sorvendo dos lábios dos demais!

EGÓLATRA I – 20 FEVEREIRO 2018

Vejo “o fan tasma de meu próprio ego”,
Como dizia Freud, a trabalhar
Nesse mundo interior, a me ajudar
Na busca inútil pela qual me apego.

Não sou “o covarde mentiroso e cego”
Que mencionou Chamisso; em meu andar
Não delego muito tempo ao elaborar
Desse meu Duplo que mesmo até renego.

Mas aqui eu lhe rendo minha homenagem:
Se não fora a exaltação de Dionyso,
Que assim habita nas profundas de meu ser,

Eu não teria nem tempo e nem coragem
De enfrentar tanta coisa que preciso
E ao mesmo tempo mil poemas escrever.

         EGÓLATRA II

         Esse duplo de mim é meu fantasma
Que adeja a meu redor constantemente
E que me impele a lutar mais arduamente,
Quando ejacula nos poemas em que orgasma.

Dele e de mim em cada verso espasma
Clímax breve em seu ardor pungente –
Esses rascunhos que rabisco diariamente,
Revoluteando a meu redor feito um miasma.

Mas quando ao Alter-Ego assim respeito
E lhe atribuo, com rasgos de humildade
Tantos poemas de brilho ou neciedade,

É a mim mesmo então que rendo preito:
Sei muito bem o quanto é parte de minhalma,
Que assim me impele sem deixar-me calma.

         EGÓLATRA III

         E assim confesso ser egolatria
Quando dou a esse outro a atribuição
De tantas frases que me brotarão
Sempre que abro a portinhola da poesia.

E cada vez que a inspiração eu louvaria
Como vinda de fora, a afirmação
De ser apenas o canal por onde vão
Encaixar-se uma a uma, em romaria,

Essas palavras em que antes não pensei,
Mas que me vem escorreitas no papel,
Sei muito bem que sempre estou consciente,

Que alma e espírito são meus e louvarei
Estes meus manes, lusco-fusco de ouropel,
Que um é o Orgulho e a Vaidade o segue rente!

SEGUIDOR I 21 fev 18

Quem sabe assim se explica a produção
que consigo realizar diariamente:
possuo duas vidas, destarte bem frequente
que em mundo paralelo minha ilusão

componha estes poemas com paixão
e que me reste o trabalho, tão somente,
de escrevê-los no mundo meu presente,
quando sou eu que controlo a própria mão.

Melhor seria, de fato, que pudesse
esse meu duplo os digitar também
no mundo paralelo e só mandar-me

os arquivos já prontos... Que tivesse
seu próprio e-mail, sem se atrever, porém,
nem sequer por um momento, a controlar-me!


SEGUIDOR II

Mas sou eu mesmo. Se assim me multiplico
é por ter dentro da mente um cabedal
que poucos têm.  Possuir algo de carnal
na medida das células que aplico

desse meu cérebro, ainda novo e rico;
por mais que esteja idoso no real,
da mente a força conserva-me sensual,
inda que, aos poucos, menos forte eu fico.

Contudo... aceito que haja outros de mim
em mundo paralelos... Em dimensões,
qual era dantes o costume mencionar.

Nada de novo em se pensar assim,
que há séculos as mencionam tradições
e até os milagres estima-se explicar.

SEGUIDOR III

E se vamos nessa linha continuar,
dizem os mestres que de Deus a Lei,
mesmo que seja um portentoso rei,
nem Ele mesmo a possa quebrantar.

E assim, se prece mais fervente alçar,
algum que anseie, como eu mesmo ansiei,
para outro mundo algures, que não sei,
a Divindade o possa transportar,

e que nela o ansiado desejo realize,
ou troque apenas breve parte dele
e o milagre possa assim tomar lugar

nesse outro mundo que um duplo nosso pise
e que, talvez, milagre inverso apele,
duplo portento para assim se realizar...

SEGUIDOR IV

Mas há um preço a pagar. A dimensão
que nos seja paralela só difere
da nossa por detalhe que se espere,
para um milagre de pequena concisão...

Mas se é algo de maior compensação
diferencial maior assim confere:
outras coisas ademais também refere,
delas sendo forçada a aceitação.

Diziam os Romanos, já no antanho:
Cuidado com o que pedes! Pode haver
um deus a te escutar em tal momento,

de teu desejo a fazer real o amanho,
com consequências que mal podes conceber,
toda a alegria a empanar de tal evento.

SEGUIDOR V

Porém maior ainda pode ser
o preço da maravilha conferida.
Nesse outro mundo também foi concebida
outra versão de ti, a padecer

nesse momento da troca, o desprazer
que te levou a ali pedir guarida,
que esse teu duplo assumirá tua vida
e no lugar de ti irá sofrer!...

Que igual troca suplique é improvável,
o milagre é só teu, mas dissabor
para esse outro de ti que não o queria
e por seu sofrimento és responsável,
move-se o pêndulo da vida com fervor
e cedo ou tarde o seu mal te atingiria!

SEGUIDOR VI

Sabe-se lá o que podes perder
e quanto no futuro a lamentar,
após portento vero realizar,
a libertar-te de um frágil padecer!

E novamente, volto a recorrer
a uma aliança, que possa celebrar
com certo duplo e com ele me alternar,
num vaivém de constante transcorrer!

Assim talvez consiga se explicar
de meus poemas gigantesca quantidade,
meus Alter-Egos sempre a labutar,

a me enviarem e-mails de qualidade,
computador da mente a funcionar,
para em meu mundo finalmente digitar!

FOGO DE CHÃO I – 21 FEV 2018
DURANTE A NOITE, QUANDO O FRIO APERTA,
VINDO O MINUANO AS COSTAS ARREPIAR,
COMO DEDOS DE FANTASMA A ME TOCAR,
NESSA CALIGEM DE UMA COVA ABERTA,
ACENDO O FOGO NA VASTIDÃO DESERTA,
SOBEM CENTELHAS QUANDO O VOU AVIVAR,
POUSAM NA BARBA E NA NUCA, A ME TISNAR...
A LABAREDA, PORÉM, ME DEIXA ALERTA...

E QUANDO PENSO EM TI, ME AQUEÇO MAIS,
MUITO EMBORA TUA SAUDADE ATÉ ME QUEIME
E ALGUMAS VEZES ATINJA MEUS REFOLHOS,
RUGAS DO ROSTO APROFUNDANDO POR DEMAIS
ESSA LEMBRANÇA QUE NAS VISTAS TEIME
DAS MIL CENTELHAS QUE SAEM DE TEUS OLHOS!

FOGO DE CHÃO II
ANTIGAMENTE, AO SE BATER AS BRASAS,
QUANDO AS FAGULHAS BAILAVAM PELO AR,
AS COZINHEIRAS DIZIAM, A BRINCAR:
“ESSAS LUZINHAS AÍ, BATENDO AS ASAS,
SÃO AS MENINAS SAINDO DE SUAS CASAS
PARA À PORTA DO COLÉGIO SE APRESSAR...
MAS TEM CUIDADO, PODEM TE CEGAR,
MESMO SEM CHAMAS SÃO FOGUEIRAS RASAS...”

FOGO DE CHÃO, IGUAL FOGO DE LENHA,
FOGO DE LENHA, FOGO DO CORAÇÃO,
QUANDO BATIDOS, SOLTAM MIL CENTELHAS
E É BEM POSSÍVEL QUE DE DENTRO VENHA
CERTA MENINA, GRAVADA NA EMOÇÃO
DESSA SAUDADE QUE DE TI MESMA ESPELHAS...
FOGO DE CHÃO III
SAUDADE QUEIMA QUAL BRASA VERMELHA,
DA MESMA COR QUE TRAGO AO CORAÇÃO.
POR MAIS AZUL QUE SEJA ESSA EMOÇÃO
É A CHAMA AZUL QUE A MENTE ME DESTELHA.
SOBE DOS OLHOS PARA A SOBRANCELHA,
MENINA ARTEIRA, NÃO TEM PRECAUÇÃO,
POUCO LHE IMPORTA CAUSAR A QUEIMAÇÃO,
MESMO A QUEIMAR-SE EM EMOÇÃO PARELHA...

FOGO DE CHÃO, SAUDADE QUE ACOMETE,
ELA É BEM CÁLIDA NO LUGAR QUE QUEIMA,
MAS AO REDOR, ATIÇA MAIS O FRIO
E ENTÃO O VENTO DA TRISTEZA SE INTROMETE,
ARREPIOS A NOS CAUSAR EM LONGA TEIMA,
CENTELHAS VIVAS DE UM JÁ DEFUNTO CIO!

AMOR EM CRIA I – 22 FEV 18

Em certas datas, as pessoas põem em cria
égua e cavalo, bom reprodutor,
quando o touro cobre a vaca, sem amor,
e o carneiro a cada ovelha que possuía.

O porco toma a porca em sua folia,
faz-se o galo das galinhas o senhor,
o bode as cabras agride com ardor
e cada pássaro no seu ninho pia.

É a mesma dança da insaciável natureza,
enquanto o pênis na vagina se aconchega,
sem intenção de demorar-se ali demais,

faz,em geral, com rápida firmeza.
Somente o cão à cadela mais se apega
e um nó se forma nos seus entreverais!...

AMOR EM CRIA II

Já os gatos são mais escandalosos,
miando à Lua para nos incomodar;
talvez a gata até aprecie o seu cantar,
de sua urina brotam cheiros tenebrosos!

Ou então lutam, buscando, vigorosos,
seus territórios para sempre demarcar;
é dos telhados que desejam se apossar...
Latem os cães em despeito, portentosos!

Depois... a gata de raça pega cria
de um campeão da luta nos telhados,
mistura ímpia de multidão de raças,

enquanto a dona guardá-la se iludia
para os machos nas gaiolas conservados,
do tipo étnico a conservar as graças!...

AMOR EM CRIA III

Já entre nós não existem essas datas,
que o homem e a mulher podem amar
físicamente, so por se aproximar
o desejo em quaisquer ocasiões gratas.

Nao chiam para os machos essas gatas,
nem é costume as unhas lhes mostrar.
Talvez brutal, talvez terno abraçar,
desde os desertos até as espessas matas.

Pois em geral, no amor apaixonado,
se ali existe algo mais do que o sensual,
um prazer místico se busca conceder.

Mais longo tempo fica o pênis conservado
no ninho de ouro da carne consensual,
orgasmo mútuo no final a padecer!...

OLHOS VERMELHOS I – 23 FEV 18

Embora o sangue nos atice a vista,
não são comuns os olhos sanguinados,
só os albinos olhos têm mais encarnados,
como no coelho e na lebre a gente avista.

Rubor no rosto no momento da conquista,
brilhem os olhos, talvez, entusiasmados;
por melanina, porém, são dominados,
guardam suas cores, mesmo que se insista.

Olhos castanhos, azuis, olhos gateados,
sem que o vermelho os domine no total,
suas íris têm completa afirmação.

Só nos instantes após longos pranteados
as escleróticas avermelham-se, afinal,
em fios de sangue fantasiado de emoção.

OLHOS VERMELHOS II

Para os vampiros há múltiplas versões
e nalguns deles os olhos são vermelhos;
também se afirma que só os vampiros velhos,
sangue roubado de tantos corações,

é que adquirem essas tais colorações,
dos sofrimentos humanos sendo espelhos,
o tempo a açoitá-los com seus relhos,
nos dias mortos, de noite em vagações...

Mas com o sangue, quiçá bebam igualmente
a dor e a paz, carinhos e rancores...
E não serão, afinal, mais sofredores,

ao buscarem para si, integralmente,
a multidão das penas dos humanos,
dos quais se mostram algozes soberanos?

OLHOS VERMELHOS III

Nem sempre é a dor moral que rubros torna
os nossos olhos.  Talvez uma picada,
de algum inseto a entrada inesperada
ou do famoso “argueiro”, qual bigorna,

que entra pela vista e desadorna
a lucidez do olhar, em dor aguada;
após as lágrimas, a ofensa é derramada
e a pouco e pouco esse amargor se amorna...

mas o que faz o vampiro, quando o argueiro
entra em seus olhos? Ou nas vistas dos albinos,
que compartilham igual seu vermelhor?

Choram lágrimas do sangue de um terceiro,
ficam rosados seus olhos pequeninos
ou toda a púrpura desgastam em palor?


       PARTO NA BIBLIOTECA I – 24 FEV 2018

       TENHO CENTENAS DE LIVROS EM MEU QUARTO,
TALVEZ MILHARES... E DE CADA UM
PODE BROTAR INTEIRO MAIS DE ALGUM
PERSONAGEM QUE ALI VIVA, EM PLENO PARTO.

MAS PRIMEIRO É PRECISO A CIRURGIA
EXECUTAR E AS PÁGINAS ABRIR-LHES,
PARA A TODOS ESSES SERES REVESTIR-LHES
DA VITAL FORÇA DE ESPECULAR MAGIA.

PORQUE ESSE POVO TODO SÃO REFLEXOS
DE MINHA PRÓPRIA MENTE E POUCO IMPORTA
QUEM TENHA SIDO O AUTOR DA NARRATIVA,

POIS É SOMENTE SE OS LEIO QUE OS COMPLEXOS
MEANDROS QUE SUA VIDA ASSIM COMPORTA
RETIRAM DE MINHA MENTE A LUZ FURTIVA.

PARTO NA BIBLIOTECA II

TALVEZ SEJAM TAIS HERÓIS A VISITAR-ME
NESSES MEUS SONHOS PLENOS DE AVENTURAS,
NOS QUAIS BEM RARAMENTE HÁ DESVENTURAS,
NOS QUAIS NÃO CESSO DE MOVIMENTAR-ME...

ESSES MIL ROSTOS SEMPRE RELEMBRADOS,
MAS QUE DE OLHOS ABERTOS SEMPRE ESQUEÇO,
ESSES PALÁCIOS QUE VEJO, DE ALTO PREÇO,
SÓ RARAMENTE EM TAIS SONHOS PENETRADOS...

PORQUE CAMINHO PELAS RUAS, EM GERAL,
OU POR VEREDAS FÁCEIS OU DIFÍCEIS,
CUJOS MEANDROS ME SÃO SEMPRE FAMILIARES,

VEZES SEM CONTA, IGUAL QUE ALGUM PARDAL,
SOBREVOAANDO, OU SALTANDO COMO MÍSSEIS
EM MEUS PASSEIOS ASSIM TÃO PECULIARES...



PARTO NA BIBLIOTECA III

É CLARO QUE JÁ OUVI OUTROS FALAREM
DE CHAMAREM DOS LIVROS PERSONAGEM.
OU MESMO, NALGUM TIPO DE MIRAGEM,
VINDOS DA TERRA, EM LIVROS PENETRAREM.

PODEM SER MUSAS PARA ALI ENCONTRAREM
OU, AO CONTRÁRIO,VILÕES DESSA PAISAGEM,
QUE ENFRENTAR ENTÃO POSSAM COM CORAGEM
OU OS HERÓIS QUE COMO AMIGOS SE MOSTRAREM

E SE FOR FORTE BASTANTE O DEVANEIO,
SENTAM-SE AO LADO DE UM LEITO E, DE PERMEIO,
OS TOMAM PELA MÃO... E OS PUXAM A PASSEAR...

E EM SENDO DAMAS DE ASPECTO SENSUAL,
PODEM FINGIR-LHES ATÉ UM AMOR CARNAL,
MAS SÃO FIGURAS TÃO SÓ DO IMAGINAR...

PARTO NA BIBLIOTECA IV

COMIGO NÃO É ASSIM.  MEUS FRAGMENTOS,
ESPÚRIAS VÍTIMAS DAS PÁGINAS VAZIAS,
NESTES SONETOS DE TANtAS VILANIAS
GEMEM COM FORÇA ESTÉRIL SEUS ASSENTOS..

TALVEZ ATÉ CERTAS PALAVRAS APROVEITE,
MAS AS CONDUZA A UM PONTO INESPERADO,
POIS NUNCA SEI COMO SERÁ FINALIZADO
CADA INÍCIO A QUE CONFIRA O MEU ACEITE.

MAS AS FICTÍCIAS FIGURAS DESLA LIRA
JÁ NÃO PERTENCEM AOS AUTORES MAIS FECUNDOS,
TORNAM-SE CACOS TÃO SÓ DO MEU PENSAR,

QUE NESSAS PÁGINAS FECHADAS ENTÃO GIRA
E OS VERSOS TOMAM FORMA, MAIS ROTUNDOS,
MAS SEM QUALQUER INTENÇÃO DE OS PUBLICAR...



VERDUGO DA BIBLIOTECA I – 25 FEV 18

De minhas estantes, livros aos milhares
gritam dentre suas capas esquecidas,
enroladas em plástico, protegidas...
Caracteres a me fitar em seus esgares...

“Por que então nos compraste, aos azares
desse leilão de almas espremidas,
nesses símbolos impressos refletidas,
espelhos mágicos sem teus contemplares?”

Porém eu, que tantas vezes refleti
no espelho de meu rosto tais imagens,
de novos livros me faço o carcereiro

e nessas obras que, às centenas, traduzi,
dou vida temporárias aos personagens,
transmito o arquivo e esqueço seu berreiro.

VERDUGO DA BIBLIOTECA II

Certo recordo esses livros traduzidos.
Foi um trabalho, afinal, por que fui pago.
Qualquer vestígio dentro dalma trago,
porém são os seus detalhes esquecidos.

Talvez nas redes neurais sejam contidos
e assim, por indução de qualquer mago
ou fio de cérebro de caráter vago,
posso buscá-los nos labirintos lidos.

Mas preferia bem mais poder lembrar
esses milhares de versos que escrevi,
nesses rascunhos que ainda me surpreendem

ou as centúrias que cheguei a digitar
nos eletrônicos meandros que incluí,
que bem ou mal à minha memória atendem.

VERDUGO DA BIBLIOTECA III

Ao mesmo tempo, de fato, sou verdugo
desses mil livros que não cheguei a ler;
comprei deles demais, para jamais poder
submeter-me às exigências de tal jugo.

A mente, aos poucos, para alguns alugo,
nas várias línguas que sei compreender.
Duas dúzias à cabeceira eu posso ver
e quaisquer páginas de cada um enxugo

com meu olhar e para outros passo,
enquanto os olhos dos livros ao redor
ainda me fitam com ressentimento;

com minha visão sempre a alguns abraço,
fito as molduras e anseio, em meu pendor,
abri-los todos em qualquer futuro evento...

VERDUGO DA BIBLIOTECA IV

Eles me encaram, porém, com desconfiança;
tão numerosos são, que até duvidam,
nessas estantes apertadas em que lidam,
que um dia os leia, numa final bonança.

Talvez, se retornasse a ser criança.
tivesse tempo para todos que convidam
serem abertos, mas que já se olvidam
de ter de minha atenção pura esperança.

E nestes tempos de celulares digitais,
em que as leituras não são mais materiais,
nem cedê-los a alguém adiantaria...

Resta esperar que em décadas futuras,
conseguindo dominar as minhas agruras,
cada página, que em carinho ainda leria...

TEMPERATURA I – 26 FEVEREIRO 2018

Dizem que os velhos costumam sentir frio,
Muito mais que na sua juventude,
Porém a mim, a assertiva pouco alude:
Bem raramente no inverno me resfrio.

Conserva o corpo igual calor do cio
Que experimentava, em seu vigor mais rude;
Se algo, de fato, nesta carne ainda mude
É que o calor me desgasta todo o brio.

Mas vejo alguns em grossa indumentária
(quiçá descrentes do calor humano),
Diante de estufas, desde o arrebol

Ou nos bancos das praças gente vária,
Somente achando algum calor arcano
Nos velhos ossos aquecidos pelo sol.

TEMPERATURA II

Com minha esposa acontece coisa igual:
Queixava-se ela anteriormente só do frio.
Agora geme no calor e eu até rio
Dessa troça que lançava-me habitual,

Quando o calor só a mim fazia mal
E para ela só acentuava o brio...
Envelhecemos, porém não avalio
Porque a mudança surgiu nela no final.

Emprego ainda tão só ventiladores,
Mas fez-se fã do ar condicionado
(claro está que me sento do seu lado),

Mas depois volto só a meus labores,
Se bem que hoje me incomode por demais
Esse calor que não se apaga mais!...

TEMPERATURA III

Contudo vejo que incomoda a ela mais
Nos longos dias em que não me sinto bem,
Pois do calor hoje se queixa ela também:
Consulta médicos por motivos naturais.

Percebo hoje que há fogueiras triunfais
Por entre as nuvens, acesas por alguém;
Esse calor é bem maior que o que se tem
Pela mediana dos registros consensuais.

Assim estranho é que sintam tanto frio
Esses que afirmam ser gélida a velhice.
Explicações dentro da mente crio,

Meu sangue ainda a mover-se descuidado.
Certo o calor me perturba, como disse,
Contudo o frio só me faz bem-humorado!

TEMPERATURA IV

Quem sabe minha mente é que produz
O combustível para tal lareira!
Minha memória permanece bem certeira
E quando algum esquecimento vem à luz

Ordem envio ao labirinto que conduz
À recordar essa palavra mais arteira.
Algumas vezes, uma súcubo lampeira
Corta a lembrança enquanto me seduz...

É a mente ágil que conserva meu calor,
Disso tenho certeza. Se me entrego
À complacência ou a qualquer rotina

Logo se expande em mim o seu frior.
E te aconselho, no maior apego:
Larga o desânimo! Que a mente te assassina!

ACRÓSTICO DE OUTREM I – 27 FEV 18
(Para Marciano Fernandes Goulart Jr., autor do acróstico)

“Saudade traz para mim teu nome
“Lindo.” Um amigo me trouxe a sugestão
“M”as não meus escritos que aqui estão,
“O”utro indicou-me a sua antiga fome.
“N”enhum anseio a mim de acróstico consome
“E” no entretanto este nome uma emoção

Ainda cálida me traz ao coração:
Saudade é coisa que sempre a todos  dome.

Encontrei em meus rascunhos, certamente,
Esta frase de alguém que um dia amou
E aqui recorda seus velhos sentimentos.

Aqui registro a completação fremente,
Mas o acróstico não se completou,
Não inspirou meus próprios julgamentos...

ACRÓSTICO DE OUTREM II

Certamente uma Simone conheci
Que ainda desperta para mim saudade;
Outra porém é a letra, na verdade,
Que permeio a meus rascnhos recolhi.

Simone Signoret em rapaz eu vi
Em alguns filmes franceses, nessa idade.
Nem sei que fim levou. Sem ansiedade
Seu rosto lembro como um déja-vu.

Naturalmente, era apenas uma atriz,
Segundo creio, nem pisou no meu país,
Esta saudade não mais que artificial.

Mas uma Simone certamente eu quis,
Mais de passagem, carinho espiritual,
Com mãos translúcidas e pálidas de giz.

ACRÓSTICO DE OUTREM III

Existe em mim esta convicção
De nenhum de meus rascunhos desfilhar;
Se a frase inicial eu pude achar,
Também lhe devo tal poetização.

Mas não importa. Em anos que lá vão
Certo indício de amor vi começar,
Um inicio de desejo a dedilhar,
A que faltou toda concretização.

E fica aqui o acróstico iniciado
Por meu amigo, sem ser completado,
Dedicado nâo à minha, à sua Simone,

Que jamais conheci. Seu sobrenome
Nem sequer ele me disse, por amado
Que tenha sido. Tão somente seu prenome.

ACRÓSTICO DE OUTREM III

Todos tivemos na vida uma Simone,
Amiga ou amante, mãe ou mesmo irmã.
Em certo tempo entrou na moda tal afã,
Tanta menina a receber tal nome!

Passou-se a moda, como tudo some,
Tanta Simone com cabelos cor de lã,
São mães ou avós, sua vida não foi vã
E a sepultura a alguma até consome.

Se normalmente acrósticos não faço
Esta homenagem vai mais para esse amigo
Do que à Simone que nunca conheci...
Porém recordo ainda na mente o abraço
De outra Simone a quem meu peito deu abrigo,
A quem a vida afastou e não mais vi...

QUEIXUMES I – 28 FEV 18

As nossas queixas não saem simplesmente
de nossas bocas como alívio temporário.
elas se formam no imo do sacrário
e vão crescendo ali, constantemente.

O seu poder poderá tornar-se ingente,
constantes, firmes no seu itinerário,
sempre prontas a manifestar o seu ideário,
mesmo sem fator desencadeante mais pungente.

Estão lá dentro e sempre nos influenciam,
a uns mais e a outros menos, realmente,
e a alguns dominam, sem sombra de protesto,

chega o menor pretexto e então se ampliam,
em gritaria de estridor potente,
interrompidas sem o ser por qualquer gesto.

QUEIXUMES II

Sem dúvida que há queixas bem reais,
como um ai proferido de repente,
por qualquer dor que se faz superveniente,
sem haver tempo de controles naturais.

Existem outras por dores presenciais,
mais de valor moral, seja a pungente
injustiça que se sofre bem frequente,
cargas pesadas que não queremos mais.

Mas há aqueles que se queixam sem razão,
por certo tendo o prazer de se queixar
aos demais, para inspirar-lhes compaixão,

sem que remédio realmente vão buscar,
mais em costume de perfeita aceitação;
quem os escuta é que devia se queixar!.

QUEIXUMES III

O problema é que a queixa repetida
a passo e passo se irá fortalecer,
a mente e a alma vão comprometer
desse infeliz que a ela deu guarida,

prazer e ânimo levando de vencida,
até que alguém somente venha a ser
o portador dessa queixa, sem nem crer
que ela possa alguma vez ser corrigida.

Nem o desejam. É o seu tema principal.
o que fazer, passado esteja o mal?
Que outra razão terão para a conversa,

exceto mencionar sua queixa antiga,
azucrinando a qualquer pessoa amiga,
depois que a causa, afinal, seja dispersa...

QUEIXUMES IV

Certa anedota antiga nos menciona
um cidadão deitado em dormitório
de trem noturno, lançando em responsório:
Que sede eu tenho! em voz que não se doma.

Todo o descanso dos demais tal queixa toma,
até que um outro lhe atende o peditório
e lhe traz um copo d’água!... Esforço inglório,
ele agradece, mas nova queixa soma:

Que sede eu tinha! E prossegue a noite inteira!
Há gente assim, só vivem para a queixa,
sem coisa alguma a pensar de mais ligeira.

Passada a causa, que lhe resta agora?
Mas descanso aos ouvintes nunca deixa,
lembrando a queixa mencionada outrora!

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