quarta-feira, 11 de junho de 2014






O MACACO BRANCO
(Lenda chinesa da época da Dinastia Tang (618-907 D.C.) considerada a Idade de Ouro da poesia e do conto chineses, retirada de uma antologia em prosa, publicado em inglês na República Popular da China, no ano de 1954, de autor anônimo, versão poética de
William Lagos, 27 abr 14)

O MACACO BRANCO I

No sexto século esta história transcorreu,
quando a Dinastia Liang governava
parte da China, dividida então
nos Sete Reinos, até que um venceu
e num único país a unificava,
ainda assim sendo bem menor então
dessa que tem hoje o país em extensão.

Pouco a pouco, expandiu-se para o sul,
conquistando, afinal, todo o sudeste
e até mesmo a Indochina avassalando.
Depois a horda mongol chegou exul,
a China anexando ao noroeste
e não o oposto, aos chineses dominando
e sua corte Marco Polo visitando.

Já bem mais tarde, vários séculos passados,
os Manchus desceram do nordeste
e a China dos mongóis então tomaram,
só na República sendo derrubados
por Sun Yatsen, educado pelo Oeste;
de Mao Tsetung as  tropas conquistaram
todo o país e só Taiwan não dominaram.

Anos depois, novamente uma potência,
a China ao noroeste se expandiu,
conquistando o Tibet e o Turquestão;
e em maior demonstração de prepotência,
até parte da Índia ela invadiu:
os territórios que domina desde então
de que a ONU recobrar não faz questão.

O MACACO BRANCO II

Mas no ano de 545 da atual era,
ao General Lan Tchung enviou o Imperador
rumo ao sul, em investida militar;
e com a grande tropa que lhe dera,
derrotou a Li Shiku, o opositor,
que como rei se queria coroar,
seu general Tchen Tché a executar...

Lan Tchung enviou então a Ouyang Hei,
seu segundo em comando, mais adiante,
enquanto a conquista de Kueilin consolidava;
Ouyang Hei foi perseguindo o rei
Até Tchanglô, em marcha triunfante,
onde o povo ainda em cavernas habitava
e em suas montanhas Li Shiku se refugiava.

Ora, Ouyang Hei a sua mulher trouxera,
de sua pele muito clara ciumento,
sem se dispor a deixá-la para trás.
Dali o povo igualmente claro era
e ela pedira, com grande sentimento,
ver os parentes, que muito tempo atrás
a haviam vendido, como até hoje assim o faz.

Conforme costume bem comum nessa região,
entre os chineses, durante séculos frequente,
pois meninas representavam mais despesa,
dotes pagavam do matrimônio na ocasião
e desta forma, quando evento se apresente,
eles vendiam as que mostravam mais beleza,
como uma forma de aliviar a sua pobreza!...

O MACACO BRANCO III

A sua esposa, Jenshen, achou os parentes,
mas lhe disseram ter feito muito mal:
“Existe um gênio que vive na montanha;
não vendemos Jenshen por indigentes,
mas como a proteção mais natural;
ele rouba as mulheres belas, em artimanha:
nunca mais vemos quantas tombam em tal sanha!”

“E ao percebemos como Jenshen seria bela,
nós a vendemos, mas para preservá-la,
antes que fosse por tal gênio raptada!
Numa alta montanha o monstro se encastela;
quem filha ou esposa se atreveu a procurá-la,
ou só de longe avistou sua alta morada
ou essa gente foi por ele assassinada!...”

“Esse gênio mais um demônio me parece!...”
Falou Ouyang Hei, muito assustado;
pôs sentinelas em torno à casa que ocupara,
chamou três bonzos a rezar-lhe longa prece,
passou a noite dormindo do seu lado,
doze criadas ao redor também deixara,
para vigiarem o quarto em que deitara...

Pois decidira já partir no dia seguinte,
para qualquer lugar longe dali,
em que sua esposa ficasse protegida;
passou a noite sem o menor acinte,
só a Lua escureceu e a ventania ali
soprou, sem nunca ser interrompida,
mas sem perigo na mansão bem defendida.

O MACACO BRANCO IV

Mas quando Ouyang Hei se despertou,
Jenshen já não se achava do seu lado!...
A porta ainda por dentro bem fechada!
O general abriu a tranca e então notou
as doze aias dormindo, sem cuidado!...
Mas quando a guarda, aos berros, foi chamada,
todos juraram não haver notado nada!...

“Somente a ventania, meu senhor!
Ninguém entrou ou saiu de sua morada!
A guarda inteira ficou bem vigilante,
só homens bravos, cuidando com valor;
e duas vezes toda a tropa foi trocada;
ninguém adormeceu um só instante:
nosso cuidado permaneceu aqui constante!...

As doze aias foram chicoteadas,
mas garantiram não terem visto nada:
“Nós só dormimos ao raiar da aurora!...”
Janelas e portas todas bem trancadas,
Jenshen dormira a Ouyang abraçada;
Reconheceu a própria culpa nessa hora,
cerrada busca organizando sem demora!

Porém caíra tão denso nevoeiro,
que ninguém podia ver a própria mão,
quando estendida para o dissipar!...
As patrulhas se perderiam por inteiro!...
Só ao meio-dia o Sol deu seu clarão;
Ouyang mandou então as tropas procurar,
porém ninguém a conseguiu achar...

O MACACO BRANCO V

Sem revelar o seu motivo verdadeiro,
mandou Ouyang ao general mensagem,
dizendo que às montanhas subiria,
a perseguir aquele rebelde interesseiro
que se chamar de rei tinha coragem;
grassava na tropa também disenteria
e por uns tempos retornar não poderia...

Somente após um mês já ter passado,
é que um soldado achou uma chinelinha
com um bordado que Ouyang reconhecera,
já a trinta milhas do ponto demarcado
por esse acampamento, que se tinha
julgado ser seguro, mas em que ocorrera
aquele rapto que entender ninguém pudera...

Ouyang Hei, ainda cheio de tristeza,
mas movido pela cólera, selecionou
uma tropa dentre os melhores dos soldados;
e perseguindo a trilha, com certeza,
uma montanha verde ele avistou,
dez dias depois de avanços apressados,
dos penhascos a buscar os alcantilados...

Ficava a setenta milhas de distância,
cercada por um rio, que dividira
a sua corrente e assim a abraçara;
porém Ouyang, com máxima constância,
uma ponte improvisada construíra
e a torrente desta forma atravessara,
matando as feras que no caminho achara!

O MACACO BRANCO VI

Depois tiveram de confeccionar escadas
com os mais grossos caules de bambu
e assim subiram pela ribanceira;
no alto ouviram de mulheres as risadas,
lindos vestidos a esconder seu corpo nu,
chapéus luxuosos sobre a cabeleira
e as joias mais belas que a vaidade queira.

Havia árvores formando longas avenidas
e arbustos de peônia em floração;
a relva verde sob os pés era macia
e quando a tropa, já cansada de suas lidas
atravessou, com cuidado, o seu portão,
trinta jovens muito belas percebia,
a correrem e a brincar à luz do dia...

Elas pararam e em silêncio contemplaram
a Ouyang Hei e seus trinta soldados.
“Mas como chegar cá em cima conseguiram?
Algumas de nós muitos anos aqui ficaram
e são os primeiros homens nestes lados...
Nem nossos olhos, por momento, distinguiram
o significado disso que hoje viram...”

Então Ouyang falou, bem claramente:
“Minha esposa Jenshen foi raptada
e foi por isso que viemos recobrá-la!...”
A mais velha respondeu, incontinenti:
“Jenshen há um mês está aqui instalada;
não se deu bem, mas não poderá levá-la,
está doente; mesmo assim, irei mostrá-la...”

O MACACO BRANCO VII

“Ela adoeceu por ser a nova prisioneira;
nós já estamos acostumadas a esta sorte;
eu permaneço aqui quase há dez anos...”
“Não importa, vou levá-la numa esteira
e nos ombros a carrego até o norte,
se for preciso, mas a gênios desumanos
não mais a deixarei, para seus danos!...”

“Isso que chama de gênio é só um macaco,
porém, sem dúvida, é muito poderoso,
pois se consegue até em vento transformar...
Vai arrancar de todos trinta naco a naco;
é invencível quando está furioso;
até cem homens ele pode exterminar...
Porém eu lhe ensinarei como o matar...”

“Voltem daqui a dez dias, justamente;
tragam consigo quarenta odres de vinho
e dez cachorros de grande ou médio porte,
cordas de cânhamo da resistência mais potente,
das que fabricam num povoado aqui vizinho;
será a forma de melhorar a nossa sorte
e o único meio de ao monstro dar a morte.”

“Esse macaco é um grande beberrão
e a cada vez que com vinho se embriaga,
ele pretende sua grande força experimentar:
com cordas de seda atamos pés e cada mão,
o que é uma pena, porque a seda sempre estraga!
Ele faz força até as cordas rebentar
E corre então pelos salões a nos pegar!...”

O MACACO BRANCO VIII

“Certa ocasião, três cordas nos trançamos
e ele não as conseguiu arrebentar...
Vamos o cânhamo dentro da seda colocar;
Se ficar preso, então nós os chamamos;
mas pelo parque os cães vamos soltar;
ele se vira em vento e os vai caçar,
bebendo o sangue antes da carne devorar!”

“Mas e por que vocês vão nos ajudar?
Dão a impressão de estarem bem felizes...”
Indagou-lhes Ouyang Hei em desconfiança.
“Durante o dia, podemos rir e brincar,
mas toda a noite nos tornamos infelizes;
ele judia de nós em longa dança:
só a morte deles nos dará certa esperança...”

“Já lhes falei que ele se vira em vento,
mas quando volta a se materializar,
a sua carne igual que ferro fica dura!
De nós abusa, enquanto tem alento,
durante a noite, nos passa a maltratar;
comemos bem, não passei por grande agrura,
mas por dez anos essa vida já me dura!...”

“Após dez anos de manter em cativeiro,
sai ele à caça de mais uma mulher
e nesse fosso que cerca sua montanha,
joga a mais velha para um fim certeiro!...
Em breves dias também eu vou morrer
e só não sucumbi à feroz sanha
porque sua esposa adoeceu, sem artimanha...”

O MACACO BRANCO IX

“Mas assim que sua saúde melhorar,
ele vai me arrastar ao precipício
e para a morte, então, serei jogada!
Existe somente um meio de o matar:
protege o umbigo de qualquer um malefício
com uma faixa de ferro ali enrolada,
é o único ponto em que entra faca ou espada!”

“Primeiro, eu quero ver se a minha Jenshen
se encontra mesmo cá no alto da montanha.”
“Eu vou levá-lo até lá, mas há um encanto,
que o impedirá de a abraçar também;
criou uma jaula enfeitiçada com sua manha...”
Sem conseguir alcançá-la no seu canto,
Ouyang Hei a contemplou, com grande pranto...

Havia jarros de bebida e alimento
e se deitava sob ricos cobertores:
chamou-a Ouyang e ela despertou;
acenou para ele um só momento,
parecendo estar sofrendo fortes dores;
logo a seguir, o sono a dominou
e nem sequer uma palavra lhe falou...

“Todos os dias bem cedo, ele se banha,”
disse a mulher, “põe um roupão branco de seda
e na cabeça o seu mágico chapéu,
para poder se elevar desta montanha;
e ao transformar-se em vento, não se enreda
nos galhos, mas desliza como um véu
e deixa um rastro de nuvens pelo céu...”

O MACACO BRANCO X

“Algumas vezes, quando o Sol está mais quente,
ele esgrima, empregando duas espadas,
uma dela só voando a seu redor;
ou suas tabuinhas lê, aplicadamente,
que numa caixa de pedra traz guardadas;
mas em geral, para onde quer que for,
o dia passa e só retorna ao Sol se pôr...”

“Ele me disse que viveu mais de mil anos
e só cumpridas três condições irá morrer:
as suas tabuinhas devem ser queimadas,
mas por guerreiros totalmente humanos;
e uma de nós deverá um filho conceber...
Mas as florestas nunca são atravessadas
e as ribanceiras jamais foram escaladas...”

“Tigres e lobos existem e outras feras,
mais um rio e um precipício intransponíveis...
Tábuas de argila quem poderá queimar?
Tampouco tu qualquer criança esperas;
com mulheres são minhas cruzas impossíveis;
e por mais que eu ande a morte a procurar,
não vejo jeito de poder-me libertar...

“E nem existem macacas de minha raça;
fui encantado assim desde criança;
a vida eterna se tornou minha maldição;
toda a riqueza eu tenho que me abraça,
mas já perdi de morrer toda a esperança
e me preciso defender, contra a razão,
pois isto dos deuses foi perpétua imposição...”

O MACACO BRANCO XI

“Você quer dizer que o macaco quer morrer...?”
“Ele diz que já viveu tempo demais,
mas tem a sina de lutar com energia;
mais de mil homens já matou, a combater
e cada morte só lhe acrescenta mais
tempo de vida que nem sequer queria,
porém deixar-se matar não poderia...”

“Mas ao contrário, eu não quero morrer
e descobri até um jeito de queimar
essas tabuinhas, com mágica poção;
porém eu mesma não o poderei fazer,
pois só um guerreiro o consegue realizar;
mas lhe darei esse frasco na sua mão
para da argila provocar a incineração!...”

Após dez dias, consoante o combinado,
voltou Ouyang Hei, trazendo o vinho;
cada soldado um cachorro carregava
ou um rolo do cânhamo encomendado;
as mulheres os receberam com carinho
e os esconderam no armazém em que guardava
as vitualhas com que depois se alimentava.

Foram os cachorros soltos no jardim
e quando o monstro retornou, à noite,
ficou feliz, escutando seus latidos,
sem indagar como chegado haviam enfim;
bem ao contrário, um a um, no seu acoite,
foi caçando e, apesar de seus ganidos,
os pobres cães foram todos engolidos!

O MACACO BRANCO XII

Depois disso, as jovens lhe serviram vinho
e conforme seu costume, ele pediu
que o amarrassem, para ver como era forte!
Fora o cânhamo escondido com carinho
dentro da seda e o macaco nem sentiu
que finalmente lhe acabara a longa sorte
e estava perto o momento de sua morte!...

Depois que viram que não podia se soltar,
algumas mulheres chamaram os soldados,
que, furiosos, as espadas lhe cravaram,
mas nenhuma lâmina o conseguia cortar:
os longos pelos não podiam ser furados!...
Só então as mulheres retiraram
a faixa de ferro e o umbigo lhe mostraram!

Ouyang Hei enfiou ali a sua espada,
que fundo penetrou – e logo um jorro
de sangue negro recobriu o branco pelo...
“Você me fere, mas não lhe adianta nada:
sem minhas tabuinhas queimar, jamais eu morro!”
Mas seu cofre trouxeram e ele mesmo pôde vê-lo,
com aquele ácido, a queimar-se com desvelo!...

“Esta é, por certo, dos deuses a vontade!
Eu lhe agradeço por enfim me libertar;
eu percebi a gravidez de sua mulher
e suspeitei que o castigo da impiedade
com que os deuses me quiseram amaldiçoar
chegava ao fim, qual era o seu mister:
por me matar não nutrirei rancor sequer!...”

EPÍLOGO

Morto o macaco, em fumaça se desfez
e os soldados saquearam seu tesouro,
levando as jovens para seu acampamento;
de Jenshen logo a cura então se fez
e assim voltaram, carregando joias e ouro,
finos tecidos do mais perfeito caimento
e o perfume de jarrões solto no vento.

Ouyang permitiu o casamento
de seus soldados com as trinta belas;
levou Jenshen para o antigo aposento,
cheio de medo que o bebê que ela trazia
fosse de fato do macaco um filho!
Mas no momento de o mostrar à luz de estrelas,
eram os traços de Ouyang que se via
e em tudo o mais seguiu o humano trilho...
Cresceu o rapaz, bastante inteligente,
mil ideogramas desenhando facilmente
e como escriba o Imperador logo o escolhia,
a quem serviu por toda a vida, fielmente!...



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