O MACACO BRANCO
(Lenda chinesa da época da Dinastia
Tang (618-907 D.C.) considerada a Idade de Ouro da poesia e do conto chineses,
retirada de uma antologia em prosa, publicado em inglês na República Popular da
China, no ano de 1954, de autor anônimo, versão poética de
William Lagos, 27 abr 14)
O MACACO BRANCO I
No sexto século esta história
transcorreu,
quando a Dinastia Liang governava
parte da China, dividida então
nos Sete Reinos, até que um venceu
e num único país a unificava,
ainda assim sendo bem menor então
dessa que tem hoje o país em
extensão.
Pouco a pouco, expandiu-se para o sul,
conquistando, afinal, todo o sudeste
e até mesmo a Indochina avassalando.
Depois a horda mongol chegou exul,
a China anexando ao noroeste
e não o oposto, aos chineses dominando
e sua corte Marco Polo visitando.
Já bem mais tarde, vários séculos passados,
os Manchus desceram do nordeste
e a China dos mongóis então tomaram,
só na República sendo derrubados
por Sun Yatsen, educado pelo Oeste;
de Mao Tsetung as tropas
conquistaram
todo o país e só Taiwan não dominaram.
Anos depois, novamente uma potência,
a China ao noroeste se expandiu,
conquistando o Tibet e o Turquestão;
e em maior demonstração de
prepotência,
até parte da Índia ela invadiu:
os territórios que domina desde então
de que a ONU recobrar não faz
questão.
O MACACO BRANCO II
Mas no ano de 545 da atual era,
ao General Lan Tchung enviou o
Imperador
rumo ao sul, em investida militar;
e com a grande tropa que lhe dera,
derrotou a Li Shiku, o opositor,
que como rei se queria coroar,
seu general Tchen Tché a executar...
Lan Tchung enviou então a Ouyang Hei,
seu segundo em comando, mais adiante,
enquanto a conquista de Kueilin consolidava;
Ouyang Hei foi perseguindo o rei
Até Tchanglô, em marcha triunfante,
onde o povo ainda em cavernas habitava
e em suas montanhas Li Shiku se refugiava.
Ora, Ouyang Hei a sua mulher trouxera,
de sua pele muito clara ciumento,
sem se dispor a deixá-la para trás.
Dali o povo igualmente claro era
e ela pedira, com grande sentimento,
ver os parentes, que muito tempo atrás
a haviam vendido, como até hoje assim o faz.
Conforme costume bem comum nessa
região,
entre os chineses, durante séculos
frequente,
pois meninas representavam mais
despesa,
dotes pagavam do matrimônio na
ocasião
e desta forma, quando evento se apresente,
eles vendiam as que mostravam mais
beleza,
como uma forma de aliviar a sua
pobreza!...
O MACACO BRANCO III
A sua esposa, Jenshen, achou os
parentes,
mas lhe disseram ter feito muito mal:
“Existe um gênio que vive na
montanha;
não vendemos Jenshen por indigentes,
mas como a proteção mais natural;
ele rouba as mulheres belas, em
artimanha:
nunca mais vemos quantas tombam em
tal sanha!”
“E ao percebemos como Jenshen seria bela,
nós a vendemos, mas para preservá-la,
antes que fosse por tal gênio raptada!
Numa alta montanha o monstro se encastela;
quem filha ou esposa se atreveu a procurá-la,
ou só de longe avistou sua alta morada
ou essa gente foi por ele assassinada!...”
“Esse gênio mais um demônio me parece!...”
Falou Ouyang Hei, muito assustado;
pôs sentinelas em torno à casa que ocupara,
chamou três bonzos a rezar-lhe longa prece,
passou a noite dormindo do seu lado,
doze criadas ao redor também deixara,
para vigiarem o quarto em que deitara...
Pois decidira já partir no dia
seguinte,
para qualquer lugar longe dali,
em que sua esposa ficasse protegida;
passou a noite sem o menor acinte,
só a Lua escureceu e a ventania ali
soprou, sem nunca ser interrompida,
mas sem perigo na mansão bem
defendida.
O MACACO BRANCO IV
Mas quando Ouyang Hei se despertou,
Jenshen já não se achava do seu
lado!...
A porta ainda por dentro bem fechada!
O general abriu a tranca e então
notou
as doze aias dormindo, sem
cuidado!...
Mas quando a guarda, aos berros, foi
chamada,
todos juraram não haver notado
nada!...
“Somente a ventania, meu senhor!
Ninguém entrou ou saiu de sua morada!
A guarda inteira ficou bem vigilante,
só homens bravos, cuidando com valor;
e duas vezes toda a tropa foi trocada;
ninguém adormeceu um só instante:
nosso cuidado permaneceu aqui constante!...
As doze aias foram chicoteadas,
mas garantiram não terem visto nada:
“Nós só dormimos ao raiar da aurora!...”
Janelas e portas todas bem trancadas,
Jenshen dormira a Ouyang abraçada;
Reconheceu a própria culpa nessa hora,
cerrada busca organizando sem demora!
Porém caíra tão denso nevoeiro,
que ninguém podia ver a própria mão,
quando estendida para o dissipar!...
As patrulhas se perderiam por
inteiro!...
Só ao meio-dia o Sol deu seu clarão;
Ouyang mandou então as tropas
procurar,
porém ninguém a conseguiu achar...
O MACACO BRANCO V
Sem revelar o seu motivo verdadeiro,
mandou Ouyang ao general mensagem,
dizendo que às montanhas subiria,
a perseguir aquele rebelde
interesseiro
que se chamar de rei tinha coragem;
grassava na tropa também disenteria
e por uns tempos retornar não
poderia...
Somente após um mês já ter passado,
é que um soldado achou uma chinelinha
com um bordado que Ouyang reconhecera,
já a trinta milhas do ponto demarcado
por esse acampamento, que se tinha
julgado ser seguro, mas em que ocorrera
aquele rapto que entender ninguém pudera...
Ouyang Hei, ainda cheio de tristeza,
mas movido pela cólera, selecionou
uma tropa dentre os melhores dos soldados;
e perseguindo a trilha, com certeza,
uma montanha verde ele avistou,
dez dias depois de avanços apressados,
dos penhascos a buscar os alcantilados...
Ficava a setenta milhas de distância,
cercada por um rio, que dividira
a sua corrente e assim a abraçara;
porém Ouyang, com máxima constância,
uma ponte improvisada construíra
e a torrente desta forma atravessara,
matando as feras que no caminho
achara!
O MACACO BRANCO VI
Depois tiveram de confeccionar
escadas
com os mais grossos caules de bambu
e assim subiram pela ribanceira;
no alto ouviram de mulheres as
risadas,
lindos vestidos a esconder seu corpo
nu,
chapéus luxuosos sobre a cabeleira
e as joias mais belas que a vaidade
queira.
Havia árvores formando longas avenidas
e arbustos de peônia em floração;
a relva verde sob os pés era macia
e quando a tropa, já cansada de suas lidas
atravessou, com cuidado, o seu portão,
trinta jovens muito belas percebia,
a correrem e a brincar à luz do dia...
Elas pararam e em silêncio contemplaram
a Ouyang Hei e seus trinta soldados.
“Mas como chegar cá em cima conseguiram?
Algumas de nós muitos anos aqui ficaram
e são os primeiros homens nestes lados...
Nem nossos olhos, por momento, distinguiram
o significado disso que hoje viram...”
Então Ouyang falou, bem claramente:
“Minha esposa Jenshen foi raptada
e foi por isso que viemos
recobrá-la!...”
A mais velha respondeu, incontinenti:
“Jenshen há um mês está aqui
instalada;
não se deu bem, mas não poderá
levá-la,
está doente; mesmo assim, irei
mostrá-la...”
O MACACO BRANCO VII
“Ela adoeceu por ser a nova
prisioneira;
nós já estamos acostumadas a esta sorte;
eu permaneço aqui quase há dez
anos...”
“Não importa, vou levá-la numa
esteira
e nos ombros a carrego até o norte,
se for preciso, mas a gênios
desumanos
não mais a deixarei, para seus
danos!...”
“Isso que chama de gênio é só um macaco,
porém, sem dúvida, é muito poderoso,
pois se consegue até em vento transformar...
Vai arrancar de todos trinta naco a naco;
é invencível quando está furioso;
até cem homens ele pode exterminar...
Porém eu lhe ensinarei como o matar...”
“Voltem daqui a dez dias, justamente;
tragam consigo quarenta odres de vinho
e dez cachorros de grande ou médio porte,
cordas de cânhamo da resistência mais potente,
das que fabricam num povoado aqui vizinho;
será a forma de melhorar a nossa sorte
e o único meio de ao monstro dar a morte.”
“Esse macaco é um grande beberrão
e a cada vez que com vinho se
embriaga,
ele pretende sua grande força
experimentar:
com cordas de seda atamos pés e cada
mão,
o que é uma pena, porque a seda
sempre estraga!
Ele faz força até as cordas rebentar
E corre então pelos salões a nos
pegar!...”
O MACACO BRANCO VIII
“Certa ocasião, três cordas nos
trançamos
e ele não as conseguiu arrebentar...
Vamos o cânhamo dentro da seda
colocar;
Se ficar preso, então nós os
chamamos;
mas pelo parque os cães vamos soltar;
ele se vira em vento e os vai caçar,
bebendo o sangue antes da carne
devorar!”
“Mas e por que vocês vão nos ajudar?
Dão a impressão de estarem bem felizes...”
Indagou-lhes Ouyang Hei em desconfiança.
“Durante o dia, podemos rir e brincar,
mas toda a noite nos tornamos infelizes;
ele judia de nós em longa dança:
só a morte deles nos dará certa esperança...”
“Já lhes falei que ele se vira em vento,
mas quando volta a se materializar,
a sua carne igual que ferro fica dura!
De nós abusa, enquanto tem alento,
durante a noite, nos passa a maltratar;
comemos bem, não passei por grande agrura,
mas por dez anos essa vida já me dura!...”
“Após dez anos de manter em
cativeiro,
sai ele à caça de mais uma mulher
e nesse fosso que cerca sua montanha,
joga a mais velha para um fim
certeiro!...
Em breves dias também eu vou morrer
e só não sucumbi à feroz sanha
porque sua esposa adoeceu, sem
artimanha...”
O MACACO BRANCO IX
“Mas assim que sua saúde melhorar,
ele vai me arrastar ao precipício
e para a morte, então, serei jogada!
Existe somente um meio de o matar:
protege o umbigo de qualquer um
malefício
com uma faixa de ferro ali enrolada,
é o único ponto em que entra faca ou
espada!”
“Primeiro, eu quero ver se a minha Jenshen
se encontra mesmo cá no alto da montanha.”
“Eu vou levá-lo até lá, mas há um encanto,
que o impedirá de a abraçar também;
criou uma jaula enfeitiçada com sua manha...”
Sem conseguir alcançá-la no seu canto,
Ouyang Hei a contemplou, com grande pranto...
Havia jarros de bebida e alimento
e se deitava sob ricos cobertores:
chamou-a Ouyang e ela despertou;
acenou para ele um só momento,
parecendo estar sofrendo fortes dores;
logo a seguir, o sono a dominou
e nem sequer uma palavra lhe falou...
“Todos os dias bem cedo, ele se
banha,”
disse a mulher, “põe um roupão branco
de seda
e na cabeça o seu mágico chapéu,
para poder se elevar desta montanha;
e ao transformar-se em vento, não se
enreda
nos galhos, mas desliza como um véu
e deixa um rastro de nuvens pelo
céu...”
O MACACO BRANCO X
“Algumas vezes, quando o Sol está
mais quente,
ele esgrima, empregando duas espadas,
uma dela só voando a seu redor;
ou suas tabuinhas lê, aplicadamente,
que numa caixa de pedra traz
guardadas;
mas em geral, para onde quer que for,
o dia passa e só retorna ao Sol se
pôr...”
“Ele me disse que viveu mais de mil anos
e só cumpridas três condições irá morrer:
as suas tabuinhas devem ser queimadas,
mas por guerreiros totalmente humanos;
e uma de nós deverá um filho conceber...
Mas as florestas nunca são atravessadas
e as ribanceiras jamais foram escaladas...”
“Tigres e lobos existem e outras feras,
mais um rio e um precipício intransponíveis...
Tábuas de argila quem poderá queimar?
Tampouco tu qualquer criança esperas;
com mulheres são minhas cruzas impossíveis;
e por mais que eu ande a morte a procurar,
não vejo jeito de poder-me libertar...
“E nem existem macacas de minha raça;
fui encantado assim desde criança;
a vida eterna se tornou minha
maldição;
toda a riqueza eu tenho que me
abraça,
mas já perdi de morrer toda a
esperança
e me preciso defender, contra a
razão,
pois isto dos deuses foi perpétua
imposição...”
O MACACO BRANCO XI
“Você quer dizer que o macaco quer
morrer...?”
“Ele diz que já viveu tempo demais,
mas tem a sina de lutar com energia;
mais de mil homens já matou, a
combater
e cada morte só lhe acrescenta mais
tempo de vida que nem sequer queria,
porém deixar-se matar não poderia...”
“Mas ao contrário, eu não quero morrer
e descobri até um jeito de queimar
essas tabuinhas, com mágica poção;
porém eu mesma não o poderei fazer,
pois só um guerreiro o consegue realizar;
mas lhe darei esse frasco na sua mão
para da argila provocar a incineração!...”
Após dez dias, consoante o combinado,
voltou Ouyang Hei, trazendo o vinho;
cada soldado um cachorro carregava
ou um rolo do cânhamo encomendado;
as mulheres os receberam com carinho
e os esconderam no armazém em que guardava
as vitualhas com que depois se alimentava.
Foram os cachorros soltos no jardim
e quando o monstro retornou, à noite,
ficou feliz, escutando seus latidos,
sem indagar como chegado haviam
enfim;
bem ao contrário, um a um, no seu
acoite,
foi caçando e, apesar de seus
ganidos,
os pobres cães foram todos engolidos!
O MACACO BRANCO XII
Depois disso, as jovens lhe serviram
vinho
e conforme seu costume, ele pediu
que o amarrassem, para ver como era
forte!
Fora o cânhamo escondido com carinho
dentro da seda e o macaco nem sentiu
que finalmente lhe acabara a longa
sorte
e estava perto o momento de sua
morte!...
Depois que viram que não podia se soltar,
algumas mulheres chamaram os soldados,
que, furiosos, as espadas lhe cravaram,
mas nenhuma lâmina o conseguia cortar:
os longos pelos não podiam ser furados!...
Só então as mulheres retiraram
a faixa de ferro e o umbigo lhe mostraram!
Ouyang Hei enfiou ali a sua espada,
que fundo penetrou – e logo um jorro
de sangue negro recobriu o branco pelo...
“Você me fere, mas não lhe adianta nada:
sem minhas tabuinhas queimar, jamais eu morro!”
Mas seu cofre trouxeram e ele mesmo pôde vê-lo,
com aquele ácido, a queimar-se com desvelo!...
“Esta é, por certo, dos deuses a
vontade!
Eu lhe agradeço por enfim me
libertar;
eu percebi a gravidez de sua mulher
e suspeitei que o castigo da
impiedade
com que os deuses me quiseram
amaldiçoar
chegava ao fim, qual era o seu
mister:
por me matar não nutrirei rancor
sequer!...”
EPÍLOGO
Morto o macaco, em fumaça se desfez
e os soldados saquearam seu tesouro,
levando as jovens para seu
acampamento;
de Jenshen logo a cura então se fez
e assim voltaram, carregando joias e
ouro,
finos tecidos do mais perfeito
caimento
e o perfume de jarrões solto no
vento.
Ouyang permitiu o casamento
de seus soldados com as trinta belas;
levou Jenshen para o antigo aposento,
cheio de medo que o bebê que ela
trazia
fosse de fato do macaco um filho!
Mas no momento de o mostrar à luz de
estrelas,
eram os traços de Ouyang que se via
e em tudo o mais seguiu o humano
trilho...
Cresceu o rapaz, bastante
inteligente,
mil ideogramas desenhando facilmente
e como escriba o Imperador logo o
escolhia,
a quem serviu por toda a vida,
fielmente!...
Nenhum comentário:
Postar um comentário