sábado, 21 de junho de 2014






Soneto da Cerveja & Mais
William Lagos


SONETO DA CERVEJA I – 9 MAI 14

Soneto rascunhei em caixa de cerveja...
De fato, no cartão em que um fardinho
de doze recipientes, em plástico fininho,
é transportado para o que se enseja...

As latinhas desse fardo o povo beija,
sem temer leptospirose ou que outro mesquinho
vírus, fungo ou bactéria, um mal daninho
gerem em seu corpo, sem que a vista veja.

Eu raramente ingiro essa bebida:
mesmo gelada, me dá mais calor,
prefiro café frio ou limonada,

mas meus rascunhos, nas frestas de minha lida,
escrevo nesses restos de frescor,
que de moléstia não me provocam nada...

SONETO DA CERVEJA II

Dizem uns que os sumérios a inventaram,
outros que egípcios foram seus criadores,
onde quer que a cevada agricultores
em boas quantidades cultivaram...

A Mesopotâmia, por certo, civilizaram
bem dois mil anos antes do senhores
faraós e seus proféticos doutores
(talvez sumérios até o rio Nilo dominaram

bem antes da Primeira Dinastia),
muito embora a tradição chamada histórica,
baseada em afrescos e cerâmica arqueológica

fazem dois séculos outra afirmação fazia,
das grandes estátuas de pedra em mesmerismo,
que o tempo seco preservou ao romantismo.

SONETO DA CERVEJA III

E como ali mil potes de cerveja,
durante décadas, foram desenterrados,
não é de admirar que considerados
fossem os primeiros em que tal bebida esteja.

Na Mesopotâmia, outro aspecto se enseja,
a maior parte dos vasos desmanchados,
por outro clima bem mais depauperados
do que esses copos que qualquer múmia beija.

Então enfiavam em poços as bebidas
ou as amarravam à margem de seu rio,
para obterem um pouco de frescor.

Algumas pedras de gelo até trazidas
das nascentes do Eufrates em longo fio,
sem que pudesse ser o Nilo um condutor.

SONETO DA CERVEJA IV

Porém na Europa predominava o vinho,
vindo a cerveja só mais tarde, de navio;
era mais fácil obter neve desde o frio
dos Apeninos ou qualquer monte vizinho.

Mas saía caro se obter algum cubinho
para esfriar da cerveja o quente brio;
já no inverno bem mais rápido o resfrio,
mas então queriam mesmo é um calorzinho...

Formando o gosto pela cerveja quente,
para aquecer estômago e pulmão,
enquanto o gosto pelo gelo é americano,

embora esteja hoje em dia até presente
em qualquer ponto, marcada ali uma reunião
dos que a preferem gelada, sem engano!

HÁLITO DE ESPERA I – 10 MAI 14

O amor que gotejava lentamente
escorria por teus olhos desvairados
e ali permaneciam, acumulados,
desejos de ternura descontente,

nas ruínas do amor, gota frequente,
sem ódio e sem rancor, descompassados,
os vinte impulsos do desejo, inconfessados,
do que não pode ser e é diariamente.

Assim eu sei que amor que não confessas
é mais sincero que o amor que te pleiteei,
na alfombra de tuas pálpebras secreto;

por mais que um beijo nunca então me peças,
tens muito mais querença que mostrei
nas linhas caprichosas de um soneto...

HÁLITO DE ESPERA II

Quem escreve um soneto vive espera,
mas mais espera a boca que não beija;
aguarda essa ocasião que não se enseja
e não confessa o desejo que exaspera.

Ante a morte do amor que desespera,
respira o lábio no hálito que adeja,
respira a espera na palavras que goteja,
respira o aguardo na esperança que não gera.

Há mais capricho no soneto que escorrega
que no beijo só nos lábios concebido,
sem que então suba para a pronta entrega;

respiro a tinta na palavra que se esfrega,
respiro o beijo nesse hálito retido,
um e outro em tal desgaste sem refrega...

HÁLITO DE ESPERA III

Mas quem um beijo escreve em outra boca
respira o hálito de aguardança do soneto;
de todo verso o beijo é o mais secreto,
de todo beijo o verso é a ação mais louca.

Usa o soneto suas palavras como touca,
cobre-se o beijo com o hálito dileto,
vive a esperança até o último terceto,
no derradeiro desses hálitos que evoca.

Respira amor enquanto o hálito goteja,
perspira o verso seu amor inconfessado
e só na folha o seu amor se enseja;

secreto amor, preso em seu parafraseado,
mas que tão só os próprios dedos beija,
enquanto o lábio quer por outrem ser beijado.

ÁGUA DE ESPADA I – 11 MAI 14

quando se abre o esfíncter da chuva
cai sobre nós
desde o céu          fecundação
torna auriverde
a esperança          da paixão
que a alma penetra igual que a mão na luva

chega o verão e desce a chuva como escova
toda a canícula
a recortar          desenfreada
no inverno desce
outra chuva          como espada
retalhando a quem dela não se mova

mas no corte da terra
a raiz ceva,
recebe a lâmina no sulco que assim cava
abrindo espaço
para nova brotação

ou violenta
a terra negra leva
e a pedra exposta inteiramente lava
em antagonismo
de qualquer vegetação

ÁGUA DE ESPADA II

a chuva desce sobre o capuz em prece
decapitando
todo o estio          em sua vazão
na ardência desce
como gládio          em profusão
e cada gota nova semente aquece

a terra seca o seu rachar esquece
racha à semente
de sua casca         a vedação
dos cotilédones
   já se explode          o verdelhão
enquanto a prece da chuva no chão desce

a espada corta
toda a aglomeração
sobre as marquises a gotejar seu canto
levando ao esgoto
papel e poluição

e assim fecunda
toda a degradação
que se desmancha em solitário pranto
de nova terra
talhando a gestação.

ÁGUA DE ESPADA III

refresca a chuva nos dias de calor
e nos aquece
nas horas         do frior
no abafamento
nos esparge           seu frescor
na gelidez expande o seu mornor

para a fraqueza derrama seu vigor
corta o botão
a desvendar          sua flor
da santidade
     que há na terra          move o ardor
    e as cores brotam do líquido incolor

as nuvens negras
desgastam-se em palor
crescem silêncios sob o pingo trovador
cessa o canhão
em seu feroz tambor

toda a paisagem
obedece ao domador
abre-se o fruto perante o gladiador
e a chuva insere
em nós o seu fragor

FACETAS XXX – A LEITORA I – 16/7/2006

Bondosa é essa mulher que, com paciência,
os meus sonetos leu, de ponta a ponta,
em busca do valor que lhes reponta
o significado e o poder de sua valência...

Porque bem sei que tem coisas mais em conta
que repassar os meus caprichos de dolência
a pretensão dos versos, seu lixo e impertinência,
que o bel-prazer a aproveitar desponta...

Porque “palavras vãs, soltas ao vento,”
eu fui a reciclar... são borboletas,
libélulas, falenas...   gafanhotos...

Lançadas na explosão dos perdigotos,
em frases feitas na glória do momento
de estas trinta facetas ter completas...

A LEITORA II – 12 MAI 14

É inegável que também leio poesia,
desde criança e durante a adolescência,
até que um dia, explodiu na deiscência
da antera, com que a vida se eclodia.

E a palavra escorre fácil e macia,
como escorreu de outros na existência,
Guimarães Júnior, Castro Alves, redolência
que decorei ou de Camões, que a língua cria!

Não é de admirar se manifeste
agora em mim parelha nostalgia
da palavra que na tumba adormecia

e minha própria persistência assim me teste
nesses modelos já gravados em minha mente
por onde escorrem meus dedos tão frequente!

A LEITORA III

Alguns afirmam que não existe algum poeta
que realmente aprecie a obra alheia;
certo rancor em favor da própria veia
ou mesmo inveja, não lá muito secreta...

Não é meu caso.  Meu parecer de esteta,
sem dúvida, analisa qualquer teia
e reconhece o sonho que incendeia
a brasa viva que o talento injeta,

quando ela existe, muito embora, triste fato,
abundem rebotalhos de vaidade,
mesmo louvados há várias gerações,

que um arcabouço impuseram mais barato,
enquanto outros artistas de verdade
são ocultados das grandes multidões... 

A LEITORA IV

Não falo apenas da erudita produção,
tão deturpada no transitório “modernismo”
que há décadas se desfez em saudosismo,
na qual se encontra uma tal degradação.

Mesmo na música popular já são
postas de lado, por comercialismo,
as velhas letras impantes de lirismo,
hoje trocadas por tão só repetição.

Na vacuidade medíocre do “rap”,
alheio a todas as raízes nacionais,
tom-tom selvagem em seu hipnotismo,

a digladiar, na bossa de seu breque,
antigos ritmos de origens naturais,
pela pura imposição de tal modismo...

A LEITORA V

Portanto, eu compro os livros de poesia,
brochuras finas em sua fragilidade,
com capas tristes em sua opacidade
e leio as joias que uma página escondia.

Ainda que note, em total melancolia,
que muitos deles são só guetos de vaidade,
seu conteúdo com ainda menos qualidade
que o exterior sem atrativo prometia...

Talvez por isso não se atrevam editores
a investir em tais publicações,
segundo dizem, “poesia não se vende!”

e os pobres versos morrem em estertores,
párias bastardos de limitadas edições,
vozes fantasmas a que ninguém atende!

A LEITORA VI

Que mais não seja, serei o seu leitor,
dedicatórias a olhar com simpatia,
triste que seja o resultado que se via:
por mais vazias, redigidas com amor.

Com sacrifício talvez pago o impressor,
por quem descrita ali se percebia,
pelo carinho por alguém que se queria
ou pela própria economia do escritor!

E neles vejo a reluzir centelha,
por mais baço que seja o seu apreço
e ali garimpo algum merecimento.

E se este verso em teu olhar se espelha,
leitor, leitora, agora te agradeço
por breve instante de reconhecimento...

JARDIM DO ESPANTO I - O HELIOTRÓPIO I – 16/7/2006

Não me pertence o destino exuberante
de um cantor de rock ou de um piloto
glorificado; ou então de um boquirroto
político, nem sequer do altissonante

pastor ou padre de cunho carismático;
e nem tampouco eu busco tais destinos.
A glória e a fama são dois desatinos,
cujo esplendor não passa de um errático

fluir efêmero de magra exaltação.
Minha vida é bem mais mansa e corriqueira:
somente em versos exalo minha paixão,

que vem de dentro e embala como o ópio.
E é bem assim minha vida alvissareira,
suave e humilde, tal como o heliotrópio.

HELIOTRÓPIO II  -- 13 MAI 14

Provavelmente, nem sequer viste esta flor
e muito menos reconheces sua nuance;
nenhum arco-íris em suas pétalas se alcance
e nenhum brilho de cálido esplendor.

Não se move com idêntico vigor
ao girassol, embora também dance,
segundo os gregos, e então a noite amanse
totalmente, as suas flores em dulçor.

Não tem da púrpura a majestosa fúria,
nem do bordô seu avinhado tom,
não mostra o roxo das quadras eclesiásticas,

nem desafia a violeta, em pura incúria,
mas tem somente o farfalhar, em meigo som
de inflorescências sem nada de bombásticas...

HELIOTRÓPIO III

O heliotrópio é manso e delicado,
a se expandir em longos amentilhos;
perfume suave deixa nos seus trilhos,
quando do arbusto qualquer ramo for cortado.

Mas é constante em seu brotar alado,
flor de baunilha, segundo alguns atilhos,
sem ser parente da bauhínia ou de espinilhos,
cresce mortiço, sem ser muito lembrado.

Contudo, o sumo ataca infecções,
cura verrugas e até conjuntivite:
como é suave esse rival da violeta...

Que hoje me serve para inspirações,
até o ponto em que a mente me permite
assemelhar-me a uma flor assim discreta...

O HELIOTRÓPIO IV

Qual o heliotrópio, não ando empós o brilho,
somente pétalas produzindo, de uma em uma;
iguais a estas minhas flores – não há nenhuma!
Quatorze pétalas em seu redondo trilho...

Na maioria, são reunidas em amentilho,
pois raramente um soneto só ressuma;
mas como o heliotrópio, então costuma
reunir-se a outros, em vezo de andarilho...

Sabiam os gregos a forma em que o heliotrópio
girava em torno ao sol, em sua ocasião:
talvez até tenha sofrido mutação...

Porém não busco a amapola com seu ópio
e apenas giro, em minha própria inquietação,
como esse arbusto, meigas hastes de emoção...

MUNDOS PARALELOS I – 14 MAI 14

DIVERSOS MUNDOS EM MEU SONHAR VISITO;
PROVAVELMENTE, OS VISITAS TU TAMBÉM,
MAS SERÃO OUTROS ESSES TEUS, PORÉM?
A VISITAR OS MEUS EU TE CONCITO;
LÁ TENHO AMIGOS E CASAS EM  QUE HABITO;
VARIADOS LEITOS, DE LIVROS ARMAZÉM;
ÀS VEZES VOO PARA AINDA MAIS ALÉM,
NO ACONCHEGO DE QUALQUER JARDIM BENDITO.
EU GOSTARIA, NA MAIOR SINCERIDADE,
DE SABER QUE TAIS MUNDOS COMPARTILHAS,
QUE SEJA O TEU UM DOS ROSTOS QUE ALI VEJO,
UM COMPANHEIRO DE AVENTURAS E AMIZADE,
UM MARINHEIRO A CONDUZIR-ME ÀS ILHAS
OU A MULHER QUE SE ENTREGUE A MEU DESEJO.

MUNDOS PARALELOS II

MAS O QUE TEMO É QUE UM CAPRICHO DE MORFEU
TE ENCAMINHE PARA TERRAS DIFERENTES,
OUTROS AMANTES OU AMIGOS, OUTRAS GENTES,
QUE NÃO SE ENCONTRAM NO TERRITÓRIO MEU.
SERÁ MEU ROSTO QUE UM BEIJO COLA AO TEU
OU QUEM SE AJOELHA A MEU LADO COMO CRENTES?
OU QUEM ME SEGUE NOS VOOS IMPACIENTES
TEM O MESMO ROSTO QUE JÁ TE PERTENCEU?
EM SONHOS, NÃO COSTUMO OLHAR-ME AO ESPELHO,
QUANDO PERCORRO AS LARGAS VASTIDÕES
OU SIMPLESMENTE CAMINHO PELA RUA;
NÃO SEI SE É O ROSTO NOVO OU O ROSTO VELHO,
APENAS VEJO OS ROSTOS MIL DAS MULTIDÕES
QUE ME SAÚDAM SOB O CLARÃO DA LUA.

MUNDOS PARALELOS III

AFINAL, EM SENDO MUNDOS PARALELOS,
COMO AS RETAS, SÓ SE ENCONTRAM NO JAMAIS;
MAS E SE FOREM LINHAS CURVAS NATURAIS,
BRAÇOS ESTENDES E NÃO CONSIGO VÊ-LOS?
NESSE MUNDO DE ONEIROS, OS ALELOS
SE EMPARELHAM EM SEÇÕES PIRAMIDAIS
OU ANCORAM BARCOS EM VARIEGADOS CAIS,
TEUS BRAÇOS VEJO, MAS NUNCA POSSO TÊ-LOS?
EXISTE O SONHO NO INCONSCIENTE COLETIVO
OU É FORMADO NO INCONSCIENTE DO MENTAL,
NUM CORPO MÍSTICO DAS ALMAS E DAS MENTES?
OU É SOMENTE DE UM ANSEIO O LENITIVO,
FANTASMAGÓRIcO VAZIO DO IMATERIAL,
SEM QUE DE LEVE SE TOQUEM OS CONSCIENTES?

MUNDOS PARALELOS IV

JÁ ME AFIRMASTE MUITA VEZ NUNCA SONHAR
OU QUE TEUS SONHOS SÃO TODOS ESQUECIDOS;
EM ALGUNS DOS MEUS, TEUS TRAÇOS SÃO CONTIDOS,
TALVEZ DE OUTROS SEQUER POSSA-ME LEMBRAR...
E NÃO SE TRATA DE MELANCÓLICO PENSAR,
AINDA ACORDADO, EM DESEJOS DESNUTRIDOS
OU EM SONHOS VIVOS, HOJE FALECIDOS,
PORÉM DESTES QUE AINDA CONSIGO CONTROLAR.
SERÁ QUE SONHAS PARA MIM E EU PARA TI
E NOSSOS SONHOS GERAMOS COMO FILHOS?
SERÁ QUE SONHAS DE MIM ATÉ ACORDADA
E NÃO SOU MAIS QUE IMAGINÁRIO AQUI,
UM CONJUNTO FURTIVO DE TEUS BRILHOS,
SÓ UM FRAGMENTO DE TUA MENTE PROJETADA?

ESTRELAS I – 15 MAI 14

Olhando para o céu, vejo uma estrela,
Não a má estrela de Pedro Malazartes
Nem a azul de Pinóquio, com suas artes,
Simples estrela a me abrir uma cancela

Para o potreiro dos céus, longínqua vela
A iluminar as mais distantes partes,
Enviesada para mil descartes
Em diagonal com as nuvens da procela.

Na escala de minha sorte má ou boa
Tão somente um fiapo luminoso,
Que tomei como corda entretecida,

Fortalecida pelo canto que se entoa,
Enquanto o tempo engrossa, vagaroso,
Na proporção inversa de minha vida.

ESTRELAS II

Não foi exatamente a Estrela-Guia
Que me orientou, qual faz Ursa Polar;
Foi mais um catavento do estelar,
Que loucamente faz girar a fantasia.

Tomei a escada que se me oferecia,
Não a Escada de Jacó, a rebrilhar,
Nem a Torre de Nimrod a perlustrar
Bando de anjos ou astronautas na luz fria.

Não foi a Estrela Dalva luzidia
E nem ainda a Estrela Vespertina,
Nem Marte bicolor em seu agouro,

Tampouco Sirius que para mim surgia
Ou Canopus presidindo feia sina
Ou Magalhães na Cruz de seu tesouro.

ESTRELAS III

A minha estrela está no Caçador,
Alnilan, bem ao lado com Mintaka
E a terceira, chamada de Alnitaka
Nos mapas feitos por arábico doutor,

Entre as areias do deserto, nomeador
Do rebanho do céu, cortado a faca
Pelo Caminho do Leite, que destaca
Em duas metades a morada do Senhor,

Que por aqui chamaram Três Marias,
Mas são o Cinto de Órion dos helenos
E nelas queria preso meu destino

Em diadema de celestes harmonias
A me afastar de lástima e venenos,
Até que tanja o derradeiro sino.

ESTRELAS IV

Ali se encontram Rigel, a gigante,
E Betelgeuse, sua próxima rival,
Com Bellatrix, em perfeito festival,
Constelando em seu domínio mais constante.

Pastor de Annu, no antanho dominante,
Para os sumérios majestade natural,
Seu longo arco estendido no frontal,
Para o combate à Ursa nesse instante.

Eu bem queria fossem minhas tais estrelas,
Mas desconfio ser de bem menor grandeza
A estrela minha que mal posso enxergar,

Sem tampouco me ferirem suas candelas
E apenas posso qual Nimrod, em altiveza,
A muda escada de luz querer galgar.

SINOS I – 16 MAI 14

Momento houve em que escutava sinos
como se fossem promessas de alegria,
chamando à Igreja para sua homilia,
lições presentes para todos os destinos.

Houve um momento em que lembravam hinos
os carrilhões que na cidade ouvia;
chamadas à reunião se compreendia:
velhos amigos em encontros matutinos!

Mas hoje, quando escuto seu badalo,
tenho certeza de que alguém morreu,
provavelmente alguém que conheci;

e gostaria nesse som ainda alcançá-lo,
trazer de volta esse que me precedeu,
preso ao badalo cujo som ouvi!...

SINOS II

Acredito que o sino tanja, então,
para indicar aos céus mais um pedinte,
que não chegue atrevido em seu acinte
para sozinho aguardar admissão...

Mas que o badalo desse carrilhão
o seu caminho perolado pinte
e o revista do mais puro requinte,
para obter do porteiro compreensão.

Por que os sinos tocariam para mim,
como queria John Dunne em seu sermão?
Já saberia das novas de suas morte,

chega bem fácil a má notícia, assim;
antes que toquem para o guarda do portão,
que não se negue a dar-lhe melhor sorte.

SINOS III

Que escute a alma também o mesmo som
que a encaminhe como escada de cipó,
cada toque servindo de outro nó
na corda fina que ascende a lugar bom.

Mas que nunca desafine o forte tom,
caso contrário, se transforma em mó
e a corda esfiapa sem o menor dó,
caindo em ponto ausente de bom-tom!

Talvez consiga fugir de tal destino,
se transformado em cinza prematura,
sem do sino escutar proclamação!

Assim deixando para trás meu desatino
da dura vida pela morte dura,
voltando à Terra como a poeira da estação...

SONHOS FELINOS I – 17 MAI 14

Só imagino o que sonham os gatinhos,
nesses seus longos períodos de descanso,
o dia inteiro enroscados num remanso,
como se fossem mornos novelinhos...

Só imagino que estranhos torvelinhos
arrepiam nas bolinhas o seu ranço:
para combates, talvez, o seu avanço,
para o receio de qualquer moita de espinhos,

ou de passados namoros as lembranças,
de refeições favoritas abastanças
ou temor de ancestrais perseguições,

dos tenebrosos carinhos de crianças,
mãozinhas em garra sem dar-lhes esperanças
de se escaparem para o escuro dos porões!

SONHOS FELINOS II

Talvez recordem momentos dominantes
no antigo Egito, dominando os sacerdotes,
farto alimento, canópicos seus potes,
à deusa Basti, por consagrados, esfuziantes...

Talvez revejam as ocasiões itinerantes
das antigas florestas em seus botes,
de temíveis caçadores grandes dotes,
gatos de algália, nos bosques palpitantes...

Em seu temor de maiores predadores,
mas encontrando presas à vontade,
logo aprendendo a esconder os seus dejetos

e o território a reclamar com marcadores,
em duplo impulso de total contrariedade:
posse exigindo e a conservarem-se discretos!

SONHOS FELINOS III

Será que sonham com cálidos ratinhos,
com quem possam, sem qualquer pena, brincar?
Ou com tocaia, para pássaros caçar:
é doce o sangue que encontram nos seus ninhos...

Será que sonham com colos e carinhos,
mãos delicadas nas cabecinhas a passar,
o emaranhado dos pelos a alisar,
carrapichos retirando e outros espinhos?

Será que sonham com a casa proteger,
na qual encontram calor e alimento
desses humanos que os obedecem bem?

Dizem que podem os miasmas recolher
pelo congote, quais filhotes, num momento,
e dos telhados lançá-los para o além...

SONHOS FELINOS IV

Mas os humanos atribuímos sentimentos
aos animais, que outros instintos têm;
talvez nem sonhem, mas julguem-se também
em outro plano de alheios portamentos.

Se gatos sonham, têm diversos julgamentos,
não são as mesmas fantasias que nos vêm,
são diversas as quimeras que eles veem,
tão diferentes quais são seus pensamentos.

Sem as peias e o temor da religião,
dormem tranquilos, sem nenhum esforço,
alimentados pela humana sociedade.

Não tem noites de alcateia como um cão
esses belos predadores sem remorso
nem compromisso com qualquer fidelidade...

SONHOS TRANSPARENTES I – 18 MAI 14

Não sei, de fato, que tipo de erotismo
surge nos sonhos da mulher amada!
Se por mim vê-se de novo deflorada
ou se acarinha nos palpos de um autismo.

Não sei se apenas entrega-se ao modismo
que no presente tem-lhe a vida dominada;
se lembra infância por culpas controlada
ou humilhações de adolescente abismo.

Será que encara visões arquetipais
ou ela mesma se transforma num arquétipo?
Será que voa, nada, marcha ou corre?

Será que sonha com padrões ideais
ou vivencia de pecados o protótipo
e tudo esquece, tão logo o sonho morre?

SONHOS TRANSPARENTES II

Segundo dizem, o pensamento feminino,
por intuitivo, é um novelo circular,
as Suas volutas sempre a se tocar,
como marolas de água ou som de sino.

Bem ao oposto, o julgamento masculino
é retilíneo, puro e lógico pensar,
concatenado em um fácil recordar
da conclusão – no vigor do sol a pino.

Enquanto o sonho, do homem ou mulher
é uma elipse de luzes cintilantes,
encaixes plenos quais dentes de serra,

numa espiral caprichosa que sequer
permite ver as transições vibrantes
com que uma fase começa e outra encerra.

SONHOS TRANSPARENTES III

Por isso, opacos são sonhos de homem,
ainda que vívidos e ricos em sua cor,
quebrantadores que sejam em sua dor:
abre-se um palco e os anteriores somem.

Luzes externas que suas pupilas tomem
racham o anel de seu mágico esplendor,
seja um sonho de aventura ou de sexor
ou pesadelos que os exteriores domem.

Mas pensando a mulher circularmente,
muito mais fácil se torna a transição:
quer seja um mundo, quer outro, indiferente,

interligados por correntes de emoção
acham-se o dia e o sonho transparente,
qual brilho oculto de fiel constelação.

SONHOS TRANSPARENTES IV

Ou será que me engano e um muro existe
de firmes pedras entre o sonho e a vida
e que essa paisagem por gênios perseguida
em outro mundo real se nos consiste?

Ou quando os olhos ao panorama abriste
meus próprios olhos levaste de vencida,
nesse domínio de rainha aborrecida
que em homenagens sob o trono insiste?

Ai, bem quisera que houvesse transparência
entre meu sonho e esse sonho teu!
E nele andássemos juntos, de mãos dadas

e real houvesse um suspiro de vivência
entre teus sonhos e qualquer sonho meu,
por sob as asas de sílfides e fadas!...

ABANDONO I – 19 ABR 14

Se de algo é real ter esperança
é descartar nossos tempos de criança;
a imensa maioria os vai deixar,
que somente à minoria a morte alcança.

Porém, outra certeza então avança,
pois cedo ou tarde podemos esperar
que a mesma morte nos venha libertar,
mesmo que o corpo se queira embalsamar.

Não é possível esperar volver à infância,
nem o tempo entre os dedos conservar;
antes é o tempo que nos vem manipular

e nos mastiga em sua dura manigância,
nessa esteira rolante do futuro,
contra a muralha do destino obscuro.

ABANDONO II

Que não me entendam mal: eu nunca quis
retornar a ditos tempos de criança;
sempre esperei do futuro a abastança,
lancei as vistas no sentido do nariz...

E tudo o que busquei e quanto fiz
foi colorido assim por aguardança,
por mais opaca que me fosse a esperança,
tracei meu fado com riscas de giz...

Sempre tentei o controle do fadário,
determinando as ações a gerenciar
e me ajudei sem esperar que me ajudassem.

Mas o futuro é um belo salafrário,
que nunca dá o que a gente foi  buscar,
por mais promessa que sua face nos mostrasse.

ABANDONO III

Porém meus dias fui deixando para trás,
sem me prender ao instante fugidio;
vejo o presente cortando-me com brio:
toda a certeza redolente me desfaz.

Correm-me os dias como areia em pás
e então me iludo em controlar seu rio,
porém o cabo desta enxada é arredio
e em terra a lâmina desfaz-se como gás.

E embora o tempo manipule-me a ilusão,
ainda insisto em seu enfrentamento,
os dias encaro sem desfalecimento,

piso o passado como piso o chão,
sem me importar com qualquer impedimento,
fugaz que seja o triunfo da ocasião...



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