Soneto da Cerveja & Mais
William Lagos
SONETO DA CERVEJA
I – 9 MAI 14
Soneto rascunhei
em caixa de cerveja...
De fato, no
cartão em que um fardinho
de doze
recipientes, em plástico fininho,
é transportado
para o que se enseja...
As latinhas desse
fardo o povo beija,
sem temer
leptospirose ou que outro mesquinho
vírus, fungo ou
bactéria, um mal daninho
gerem em seu
corpo, sem que a vista veja.
Eu raramente
ingiro essa bebida:
mesmo gelada, me
dá mais calor,
prefiro café frio
ou limonada,
mas meus rascunhos,
nas frestas de minha lida,
escrevo nesses
restos de frescor,
que de moléstia
não me provocam nada...
SONETO DA CERVEJA
II
Dizem uns que os
sumérios a inventaram,
outros que
egípcios foram seus criadores,
onde quer que a
cevada agricultores
em boas
quantidades cultivaram...
A Mesopotâmia,
por certo, civilizaram
bem dois mil anos
antes do senhores
faraós e seus
proféticos doutores
(talvez sumérios
até o rio Nilo dominaram
bem antes da
Primeira Dinastia),
muito embora a
tradição chamada histórica,
baseada em
afrescos e cerâmica arqueológica
fazem dois
séculos outra afirmação fazia,
das grandes
estátuas de pedra em mesmerismo,
que o tempo seco
preservou ao romantismo.
SONETO DA CERVEJA
III
E como ali mil
potes de cerveja,
durante décadas,
foram desenterrados,
não é de admirar
que considerados
fossem os
primeiros em que tal bebida esteja.
Na Mesopotâmia,
outro aspecto se enseja,
a maior parte dos
vasos desmanchados,
por outro clima
bem mais depauperados
do que esses
copos que qualquer múmia beija.
Então enfiavam em
poços as bebidas
ou as amarravam à
margem de seu rio,
para obterem um
pouco de frescor.
Algumas pedras de
gelo até trazidas
das nascentes do
Eufrates em longo fio,
sem que pudesse
ser o Nilo um condutor.
SONETO DA CERVEJA
IV
Porém na Europa
predominava o vinho,
vindo a cerveja
só mais tarde, de navio;
era mais fácil
obter neve desde o frio
dos Apeninos ou
qualquer monte vizinho.
Mas saía caro se
obter algum cubinho
para esfriar da
cerveja o quente brio;
já no inverno bem
mais rápido o resfrio,
mas então queriam
mesmo é um calorzinho...
Formando o gosto
pela cerveja quente,
para aquecer
estômago e pulmão,
enquanto o gosto
pelo gelo é americano,
embora esteja
hoje em dia até presente
em qualquer
ponto, marcada ali uma reunião
dos que a
preferem gelada, sem engano!
HÁLITO DE ESPERA
I – 10 MAI 14
O amor que
gotejava lentamente
escorria por teus
olhos desvairados
e ali
permaneciam, acumulados,
desejos de
ternura descontente,
nas ruínas do
amor, gota frequente,
sem ódio e sem
rancor, descompassados,
os vinte impulsos
do desejo, inconfessados,
do que não pode
ser e é diariamente.
Assim eu sei que
amor que não confessas
é mais sincero
que o amor que te pleiteei,
na alfombra de
tuas pálpebras secreto;
por mais que um
beijo nunca então me peças,
tens muito mais
querença que mostrei
nas linhas
caprichosas de um soneto...
HÁLITO DE ESPERA
II
Quem escreve um
soneto vive espera,
mas mais espera a
boca que não beija;
aguarda essa
ocasião que não se enseja
e não confessa o
desejo que exaspera.
Ante a morte do
amor que desespera,
respira o lábio
no hálito que adeja,
respira a espera
na palavras que goteja,
respira o aguardo
na esperança que não gera.
Há mais capricho
no soneto que escorrega
que no beijo só
nos lábios concebido,
sem que então suba
para a pronta entrega;
respiro a tinta
na palavra que se esfrega,
respiro o beijo
nesse hálito retido,
um e outro em tal
desgaste sem refrega...
HÁLITO DE ESPERA
III
Mas quem um beijo
escreve em outra boca
respira o hálito
de aguardança do soneto;
de todo verso o
beijo é o mais secreto,
de todo beijo o
verso é a ação mais louca.
Usa o soneto suas
palavras como touca,
cobre-se o beijo
com o hálito dileto,
vive a esperança
até o último terceto,
no derradeiro
desses hálitos que evoca.
Respira amor enquanto
o hálito goteja,
perspira o verso
seu amor inconfessado
e só na folha o
seu amor se enseja;
secreto amor,
preso em seu parafraseado,
mas que tão só os
próprios dedos beija,
enquanto o lábio
quer por outrem ser beijado.
ÁGUA
DE ESPADA I – 11 MAI 14
quando
se abre o esfíncter da chuva
cai
sobre nós
desde
o céu fecundação
torna
auriverde
a
esperança da paixão
que a
alma penetra igual que a mão na luva
chega
o verão e desce a chuva como escova
toda
a canícula
a
recortar desenfreada
no
inverno desce
outra
chuva como espada
retalhando
a quem dela não se mova
mas
no corte da terra
a
raiz ceva,
recebe
a lâmina no sulco que assim cava
abrindo
espaço
para
nova brotação
ou
violenta
a
terra negra leva
e a
pedra exposta inteiramente lava
em
antagonismo
de
qualquer vegetação
ÁGUA
DE ESPADA II
a
chuva desce sobre o capuz em prece
decapitando
todo
o estio em sua vazão
na
ardência desce
como
gládio em profusão
e
cada gota nova semente aquece
a
terra seca o seu rachar esquece
racha
à semente
de
sua casca a vedação
dos
cotilédones
já se explode o verdelhão
enquanto
a prece da chuva no chão desce
a
espada corta
toda
a aglomeração
sobre
as marquises a gotejar seu canto
levando
ao esgoto
papel
e poluição
e
assim fecunda
toda
a degradação
que
se desmancha em solitário pranto
de
nova terra
talhando
a gestação.
ÁGUA
DE ESPADA III
refresca
a chuva nos dias de calor
e nos
aquece
nas
horas do frior
no
abafamento
nos
esparge seu frescor
na
gelidez expande o seu mornor
para
a fraqueza derrama seu vigor
corta
o botão
a
desvendar sua flor
da
santidade
que há na terra move o ardor
e as cores brotam do líquido incolor
as
nuvens negras
desgastam-se
em palor
crescem
silêncios sob o pingo trovador
cessa
o canhão
em
seu feroz tambor
toda
a paisagem
obedece
ao domador
abre-se
o fruto perante o gladiador
e a
chuva insere
em
nós o seu fragor
FACETAS XXX – A LEITORA I – 16/7/2006
Bondosa é essa mulher que, com paciência,
os meus sonetos leu, de ponta a ponta,
em busca do valor que lhes reponta
o significado e o poder de sua valência...
Porque bem sei que tem coisas mais em conta
que repassar os meus caprichos de dolência
a pretensão dos versos, seu lixo e impertinência,
que o bel-prazer a aproveitar desponta...
Porque “palavras vãs, soltas ao vento,”
eu fui a reciclar... são borboletas,
libélulas, falenas... gafanhotos...
Lançadas na explosão dos perdigotos,
em frases feitas na glória do momento
de estas trinta facetas ter completas...
A LEITORA II – 12 MAI 14
É inegável que também leio poesia,
desde criança e durante a adolescência,
até que um dia, explodiu na deiscência
da antera, com que a vida se eclodia.
E a palavra escorre fácil e macia,
como escorreu de outros na existência,
Guimarães Júnior, Castro Alves, redolência
que decorei ou de Camões, que a língua cria!
Não é de admirar se manifeste
agora em mim parelha nostalgia
da palavra que na tumba adormecia
e minha própria persistência assim me teste
nesses modelos já gravados em minha mente
por onde escorrem meus dedos tão frequente!
A LEITORA III
Alguns afirmam que não existe algum poeta
que realmente aprecie a obra alheia;
certo rancor em favor da própria veia
ou mesmo inveja, não lá muito secreta...
Não é meu caso. Meu
parecer de esteta,
sem dúvida, analisa qualquer teia
e reconhece o sonho que incendeia
a brasa viva que o talento injeta,
quando ela existe, muito embora, triste fato,
abundem rebotalhos de vaidade,
mesmo louvados há várias gerações,
que um arcabouço impuseram mais barato,
enquanto outros artistas de verdade
são ocultados das grandes multidões...
A LEITORA IV
Não falo apenas da erudita produção,
tão deturpada no transitório “modernismo”
que há décadas se desfez em saudosismo,
na qual se encontra uma tal degradação.
Mesmo na música popular já são
postas de lado, por comercialismo,
as velhas letras impantes de lirismo,
hoje trocadas por tão só repetição.
Na vacuidade medíocre do “rap”,
alheio a todas as raízes nacionais,
tom-tom selvagem em seu hipnotismo,
a digladiar, na bossa de seu breque,
antigos ritmos de origens naturais,
pela pura imposição de tal modismo...
A LEITORA V
Portanto, eu compro os livros de poesia,
brochuras finas em sua fragilidade,
com capas tristes em sua opacidade
e leio as joias que uma página escondia.
Ainda que note, em total melancolia,
que muitos deles são só guetos de vaidade,
seu conteúdo com ainda menos qualidade
que o exterior sem atrativo prometia...
Talvez por isso não se atrevam editores
a investir em tais publicações,
segundo dizem, “poesia não se vende!”
e os pobres versos morrem em estertores,
párias bastardos de limitadas edições,
vozes fantasmas a que ninguém atende!
A LEITORA VI
Que mais não seja, serei o seu leitor,
dedicatórias a olhar com simpatia,
triste que seja o resultado que se via:
por mais vazias, redigidas com amor.
Com sacrifício talvez pago o impressor,
por quem descrita ali se percebia,
pelo carinho por alguém que se queria
ou pela própria economia do escritor!
E neles vejo a reluzir centelha,
por mais baço que seja o seu apreço
e ali garimpo algum merecimento.
E se este verso em teu olhar se espelha,
leitor, leitora, agora te agradeço
por breve instante de reconhecimento...
JARDIM DO ESPANTO I - O HELIOTRÓPIO I – 16/7/2006
Não me pertence o destino exuberante
de um cantor de rock ou de um piloto
glorificado; ou então de um boquirroto
político, nem sequer do altissonante
pastor ou padre de cunho carismático;
e nem tampouco eu busco tais destinos.
A glória e a fama são dois desatinos,
cujo esplendor não passa de um errático
fluir efêmero de magra exaltação.
Minha vida é bem mais mansa e corriqueira:
somente em versos exalo minha paixão,
que vem de dentro e embala como o ópio.
E é bem assim minha vida alvissareira,
suave e humilde, tal como o heliotrópio.
HELIOTRÓPIO II -- 13
MAI 14
Provavelmente, nem sequer viste esta flor
e muito menos reconheces sua nuance;
nenhum arco-íris em suas pétalas se alcance
e nenhum brilho de cálido esplendor.
Não se move com idêntico vigor
ao girassol, embora também dance,
segundo os gregos, e então a noite amanse
totalmente, as suas flores em dulçor.
Não tem da púrpura a majestosa fúria,
nem do bordô seu avinhado tom,
não mostra o roxo das quadras eclesiásticas,
nem desafia a violeta, em pura incúria,
mas tem somente o farfalhar, em meigo som
de inflorescências sem nada de bombásticas...
HELIOTRÓPIO III
O heliotrópio é manso e delicado,
a se expandir em longos amentilhos;
perfume suave deixa nos seus trilhos,
quando do arbusto qualquer ramo for cortado.
Mas é constante em seu brotar alado,
flor de baunilha, segundo alguns atilhos,
sem ser parente da bauhínia ou de espinilhos,
cresce mortiço, sem ser muito lembrado.
Contudo, o sumo ataca infecções,
cura verrugas e até conjuntivite:
como é suave esse rival da violeta...
Que hoje me serve para inspirações,
até o ponto em que a mente me permite
assemelhar-me a uma flor assim discreta...
O HELIOTRÓPIO IV
Qual o heliotrópio, não ando empós o brilho,
somente pétalas produzindo, de uma em uma;
iguais a estas minhas flores – não há nenhuma!
Quatorze pétalas em seu redondo trilho...
Na maioria, são reunidas em amentilho,
pois raramente um soneto só ressuma;
mas como o heliotrópio, então costuma
reunir-se a outros, em vezo de andarilho...
Sabiam os gregos a forma em que o heliotrópio
girava em torno ao sol, em sua ocasião:
talvez até tenha sofrido mutação...
Porém não busco a amapola com seu ópio
e apenas giro, em minha própria inquietação,
como esse arbusto, meigas hastes de emoção...
MUNDOS PARALELOS I – 14 MAI 14
DIVERSOS MUNDOS EM MEU SONHAR VISITO;
PROVAVELMENTE, OS VISITAS TU TAMBÉM,
MAS SERÃO OUTROS ESSES TEUS, PORÉM?
A VISITAR OS MEUS EU TE CONCITO;
LÁ
TENHO AMIGOS E CASAS EM QUE HABITO;
VARIADOS
LEITOS, DE LIVROS ARMAZÉM;
ÀS
VEZES VOO PARA AINDA MAIS ALÉM,
NO
ACONCHEGO DE QUALQUER JARDIM BENDITO.
EU GOSTARIA, NA MAIOR SINCERIDADE,
DE SABER QUE TAIS MUNDOS COMPARTILHAS,
QUE SEJA O TEU UM DOS ROSTOS QUE ALI VEJO,
UM
COMPANHEIRO DE AVENTURAS E AMIZADE,
UM
MARINHEIRO A CONDUZIR-ME ÀS ILHAS
OU A
MULHER QUE SE ENTREGUE A MEU DESEJO.
MUNDOS
PARALELOS II
MAS O
QUE TEMO É QUE UM CAPRICHO DE MORFEU
TE
ENCAMINHE PARA TERRAS DIFERENTES,
OUTROS
AMANTES OU AMIGOS, OUTRAS GENTES,
QUE NÃO
SE ENCONTRAM NO TERRITÓRIO MEU.
SERÁ MEU ROSTO QUE UM BEIJO COLA AO TEU
OU QUEM SE AJOELHA A MEU LADO COMO CRENTES?
OU QUEM ME SEGUE NOS VOOS IMPACIENTES
TEM O MESMO ROSTO QUE JÁ TE PERTENCEU?
EM
SONHOS, NÃO COSTUMO OLHAR-ME AO ESPELHO,
QUANDO
PERCORRO AS LARGAS VASTIDÕES
OU
SIMPLESMENTE CAMINHO PELA RUA;
NÃO SEI SE É O ROSTO NOVO OU O ROSTO VELHO,
APENAS VEJO OS ROSTOS MIL DAS MULTIDÕES
QUE ME SAÚDAM SOB O CLARÃO DA LUA.
MUNDOS PARALELOS III
AFINAL, EM SENDO MUNDOS PARALELOS,
COMO AS RETAS, SÓ SE ENCONTRAM NO JAMAIS;
MAS E SE FOREM LINHAS CURVAS NATURAIS,
BRAÇOS ESTENDES E NÃO CONSIGO VÊ-LOS?
NESSE
MUNDO DE ONEIROS, OS ALELOS
SE
EMPARELHAM EM SEÇÕES PIRAMIDAIS
OU
ANCORAM BARCOS EM VARIEGADOS CAIS,
TEUS
BRAÇOS VEJO, MAS NUNCA POSSO TÊ-LOS?
EXISTE O SONHO NO INCONSCIENTE COLETIVO
OU É FORMADO NO INCONSCIENTE DO MENTAL,
NUM CORPO MÍSTICO DAS ALMAS E DAS MENTES?
OU É
SOMENTE DE UM ANSEIO O LENITIVO,
FANTASMAGÓRIcO
VAZIO DO IMATERIAL,
SEM QUE
DE LEVE SE TOQUEM OS CONSCIENTES?
MUNDOS
PARALELOS IV
JÁ ME AFIRMASTE
MUITA VEZ NUNCA SONHAR
OU QUE
TEUS SONHOS SÃO TODOS ESQUECIDOS;
EM
ALGUNS DOS MEUS, TEUS TRAÇOS SÃO CONTIDOS,
TALVEZ
DE OUTROS SEQUER POSSA-ME LEMBRAR...
E NÃO SE TRATA DE MELANCÓLICO PENSAR,
AINDA ACORDADO, EM DESEJOS DESNUTRIDOS
OU EM SONHOS VIVOS, HOJE FALECIDOS,
PORÉM DESTES QUE AINDA CONSIGO CONTROLAR.
SERÁ
QUE SONHAS PARA MIM E EU PARA TI
E
NOSSOS SONHOS GERAMOS COMO FILHOS?
SERÁ
QUE SONHAS DE MIM ATÉ ACORDADA
E NÃO SOU MAIS QUE IMAGINÁRIO AQUI,
UM CONJUNTO FURTIVO DE TEUS BRILHOS,
SÓ UM FRAGMENTO DE TUA MENTE PROJETADA?
ESTRELAS I – 15 MAI
14
Olhando para o céu,
vejo uma estrela,
Não a má estrela de
Pedro Malazartes
Nem a azul de
Pinóquio, com suas artes,
Simples estrela a me
abrir uma cancela
Para o potreiro dos
céus, longínqua vela
A iluminar as mais
distantes partes,
Enviesada para mil
descartes
Em diagonal com as
nuvens da procela.
Na escala de minha
sorte má ou boa
Tão somente um fiapo
luminoso,
Que tomei como corda
entretecida,
Fortalecida pelo
canto que se entoa,
Enquanto o tempo
engrossa, vagaroso,
Na proporção inversa
de minha vida.
ESTRELAS II
Não foi exatamente a
Estrela-Guia
Que me orientou, qual
faz Ursa Polar;
Foi mais um catavento
do estelar,
Que loucamente faz
girar a fantasia.
Tomei a escada que se
me oferecia,
Não a Escada de Jacó,
a rebrilhar,
Nem a Torre de Nimrod
a perlustrar
Bando de anjos ou
astronautas na luz fria.
Não foi a Estrela
Dalva luzidia
E nem ainda a Estrela
Vespertina,
Nem Marte bicolor em
seu agouro,
Tampouco Sirius que
para mim surgia
Ou Canopus presidindo
feia sina
Ou Magalhães na Cruz
de seu tesouro.
ESTRELAS III
A minha estrela está
no Caçador,
Alnilan, bem ao lado
com Mintaka
E a terceira, chamada
de Alnitaka
Nos mapas feitos por
arábico doutor,
Entre as areias do
deserto, nomeador
Do rebanho do céu,
cortado a faca
Pelo Caminho do
Leite, que destaca
Em duas metades a
morada do Senhor,
Que por aqui chamaram
Três Marias,
Mas são o Cinto de
Órion dos helenos
E nelas queria preso
meu destino
Em diadema de
celestes harmonias
A me afastar de
lástima e venenos,
Até que tanja o
derradeiro sino.
ESTRELAS IV
Ali se encontram
Rigel, a gigante,
E Betelgeuse, sua
próxima rival,
Com Bellatrix, em
perfeito festival,
Constelando em seu
domínio mais constante.
Pastor de Annu, no
antanho dominante,
Para os sumérios
majestade natural,
Seu longo arco
estendido no frontal,
Para o combate à Ursa
nesse instante.
Eu bem queria fossem
minhas tais estrelas,
Mas desconfio ser de
bem menor grandeza
A estrela minha que
mal posso enxergar,
Sem tampouco me ferirem
suas candelas
E apenas posso qual
Nimrod, em altiveza,
A muda escada de luz
querer galgar.
SINOS I – 16 MAI 14
Momento houve em que escutava sinos
como se fossem promessas de alegria,
chamando à Igreja para sua homilia,
lições presentes para todos os destinos.
Houve um momento em que lembravam hinos
os carrilhões que na cidade ouvia;
chamadas à reunião se compreendia:
velhos amigos em encontros matutinos!
Mas hoje, quando escuto seu badalo,
tenho certeza de que alguém morreu,
provavelmente alguém que conheci;
e gostaria nesse som ainda alcançá-lo,
trazer de volta esse que me precedeu,
preso ao badalo cujo som ouvi!...
SINOS II
Acredito que o sino tanja, então,
para indicar aos céus mais um pedinte,
que não chegue atrevido em seu acinte
para sozinho aguardar admissão...
Mas que o badalo desse carrilhão
o seu caminho perolado pinte
e o revista do mais puro requinte,
para obter do porteiro compreensão.
Por que os sinos tocariam para mim,
como queria John Dunne em seu sermão?
Já saberia das novas de suas morte,
chega bem fácil a má notícia, assim;
antes que toquem para o guarda do portão,
que não se negue a dar-lhe melhor sorte.
SINOS III
Que escute a alma também o mesmo som
que a encaminhe como escada de cipó,
cada toque servindo de outro nó
na corda fina que ascende a lugar bom.
Mas que nunca desafine o forte tom,
caso contrário, se transforma em mó
e a corda esfiapa sem o menor dó,
caindo em ponto ausente de bom-tom!
Talvez consiga fugir de tal destino,
se transformado em cinza prematura,
sem do sino escutar proclamação!
Assim deixando para trás meu desatino
da dura vida pela morte dura,
voltando à Terra como a poeira da estação...
SONHOS FELINOS I – 17 MAI 14
Só imagino o que sonham os
gatinhos,
nesses seus longos períodos de
descanso,
o dia inteiro enroscados num
remanso,
como se fossem mornos
novelinhos...
Só imagino que estranhos
torvelinhos
arrepiam nas bolinhas o seu
ranço:
para combates, talvez, o seu
avanço,
para o receio de qualquer moita
de espinhos,
ou de passados namoros as
lembranças,
de refeições favoritas abastanças
ou temor de ancestrais
perseguições,
dos tenebrosos carinhos de
crianças,
mãozinhas em garra sem dar-lhes
esperanças
de se escaparem para o escuro dos
porões!
SONHOS FELINOS II
Talvez recordem momentos dominantes
no antigo Egito, dominando os
sacerdotes,
farto alimento, canópicos seus
potes,
à deusa Basti, por consagrados,
esfuziantes...
Talvez revejam as ocasiões
itinerantes
das antigas florestas em seus
botes,
de temíveis caçadores grandes
dotes,
gatos de algália, nos bosques
palpitantes...
Em seu temor de maiores
predadores,
mas encontrando presas à vontade,
logo aprendendo a esconder os
seus dejetos
e o território a reclamar com
marcadores,
em duplo impulso de total
contrariedade:
posse exigindo e a conservarem-se
discretos!
SONHOS FELINOS III
Será que sonham com cálidos
ratinhos,
com quem possam, sem qualquer
pena, brincar?
Ou com tocaia, para pássaros
caçar:
é doce o sangue que encontram nos
seus ninhos...
Será que sonham com colos e
carinhos,
mãos delicadas nas cabecinhas a
passar,
o emaranhado dos pelos a alisar,
carrapichos retirando e outros
espinhos?
Será que sonham com a casa
proteger,
na qual encontram calor e
alimento
desses humanos que os obedecem
bem?
Dizem que podem os miasmas recolher
pelo congote, quais filhotes, num
momento,
e dos telhados lançá-los para o
além...
SONHOS FELINOS IV
Mas os humanos atribuímos
sentimentos
aos animais, que outros instintos
têm;
talvez nem sonhem, mas julguem-se
também
em outro plano de alheios portamentos.
Se gatos sonham, têm diversos
julgamentos,
não são as mesmas fantasias que
nos vêm,
são diversas as quimeras que eles
veem,
tão diferentes quais são seus
pensamentos.
Sem as peias e o temor da
religião,
dormem tranquilos, sem nenhum
esforço,
alimentados pela humana
sociedade.
Não tem noites de alcateia como
um cão
esses belos predadores sem
remorso
nem compromisso com qualquer
fidelidade...
SONHOS
TRANSPARENTES I – 18 MAI 14
Não sei,
de fato, que tipo de erotismo
surge nos
sonhos da mulher amada!
Se por mim
vê-se de novo deflorada
ou se
acarinha nos palpos de um autismo.
Não sei se
apenas entrega-se ao modismo
que no
presente tem-lhe a vida dominada;
se lembra
infância por culpas controlada
ou
humilhações de adolescente abismo.
Será que encara
visões arquetipais
ou ela
mesma se transforma num arquétipo?
Será que
voa, nada, marcha ou corre?
Será que
sonha com padrões ideais
ou
vivencia de pecados o protótipo
e tudo
esquece, tão logo o sonho morre?
SONHOS
TRANSPARENTES II
Segundo
dizem, o pensamento feminino,
por
intuitivo, é um novelo circular,
as Suas
volutas sempre a se tocar,
como
marolas de água ou som de sino.
Bem ao
oposto, o julgamento masculino
é
retilíneo, puro e lógico pensar,
concatenado
em um fácil recordar
da
conclusão – no vigor do sol a pino.
Enquanto o
sonho, do homem ou mulher
é uma
elipse de luzes cintilantes,
encaixes
plenos quais dentes de serra,
numa
espiral caprichosa que sequer
permite
ver as transições vibrantes
com que
uma fase começa e outra encerra.
SONHOS TRANSPARENTES
III
Por isso,
opacos são sonhos de homem,
ainda que
vívidos e ricos em sua cor,
quebrantadores
que sejam em sua dor:
abre-se um
palco e os anteriores somem.
Luzes
externas que suas pupilas tomem
racham o
anel de seu mágico esplendor,
seja um
sonho de aventura ou de sexor
ou
pesadelos que os exteriores domem.
Mas
pensando a mulher circularmente,
muito mais
fácil se torna a transição:
quer seja
um mundo, quer outro, indiferente,
interligados
por correntes de emoção
acham-se o
dia e o sonho transparente,
qual
brilho oculto de fiel constelação.
SONHOS
TRANSPARENTES IV
Ou será
que me engano e um muro existe
de firmes
pedras entre o sonho e a vida
e que essa
paisagem por gênios perseguida
em outro
mundo real se nos consiste?
Ou quando
os olhos ao panorama abriste
meus
próprios olhos levaste de vencida,
nesse
domínio de rainha aborrecida
que em
homenagens sob o trono insiste?
Ai, bem
quisera que houvesse transparência
entre meu
sonho e esse sonho teu!
E nele
andássemos juntos, de mãos dadas
e real
houvesse um suspiro de vivência
entre teus
sonhos e qualquer sonho meu,
por sob as
asas de sílfides e fadas!...
ABANDONO I
– 19 ABR 14
Se de algo
é real ter esperança
é
descartar nossos tempos de criança;
a imensa
maioria os vai deixar,
que somente
à minoria a morte alcança.
Porém,
outra certeza então avança,
pois cedo
ou tarde podemos esperar
que a
mesma morte nos venha libertar,
mesmo que
o corpo se queira embalsamar.
Não é
possível esperar volver à infância,
nem o
tempo entre os dedos conservar;
antes é o
tempo que nos vem manipular
e nos
mastiga em sua dura manigância,
nessa
esteira rolante do futuro,
contra a
muralha do destino obscuro.
ABANDONO
II
Que não me
entendam mal: eu nunca quis
retornar a
ditos tempos de criança;
sempre
esperei do futuro a abastança,
lancei as
vistas no sentido do nariz...
E tudo o
que busquei e quanto fiz
foi
colorido assim por aguardança,
por mais
opaca que me fosse a esperança,
tracei meu
fado com riscas de giz...
Sempre
tentei o controle do fadário,
determinando
as ações a gerenciar
e me
ajudei sem esperar que me ajudassem.
Mas o
futuro é um belo salafrário,
que nunca
dá o que a gente foi buscar,
por mais
promessa que sua face nos mostrasse.
ABANDONO
III
Porém meus
dias fui deixando para trás,
sem me prender
ao instante fugidio;
vejo o
presente cortando-me com brio:
toda a
certeza redolente me desfaz.
Correm-me
os dias como areia em pás
e então me
iludo em controlar seu rio,
porém o
cabo desta enxada é arredio
e em terra
a lâmina desfaz-se como gás.
E embora o
tempo manipule-me a ilusão,
ainda
insisto em seu enfrentamento,
os dias
encaro sem desfalecimento,
piso o
passado como piso o chão,
sem me
importar com qualquer impedimento,
fugaz que
seja o triunfo da ocasião...
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