sábado, 27 de dezembro de 2014








A MULHER DO PESCADOR
(Folclore português, recolhido por Viriato Padilha em Histórias do Arco da Velha,
Versão poética William Lagos, 29 nov 2014)

A MULHER DO PESCADOR I

Vivia em Portugal um pobre pescador,
chamado Colatino, com sua esposa,
em uma pequena choupana miserável,
a depender do mar com seu favor,
que alimentação lhe dava, saborosa,
pois não apenas era forte, mas saudável.

Remava o barco para lançar a rede
e no lugar era a pesca generosa;
não tinha filhos com sua mulher Martinha,
moça humilde, que da vida pouco pede;
plantava a horta, cultivava alguma rosa,
cuidava as roupas e a choupana ela mantinha.

Na verdade, ela pouco se queixava,
porque era órfã e fora muito maltratada;
sentia-se grata por seu pequeno ninho;
ao velho Colatino não amava,
porém sua vida se achava remediada,
muito melhor que o anterior caminho.

Contudo, dentro de seu coração,
trazia mágoa e mesmo algum ressentimento,
vendo vizinhas a andar melhor vestidas;
mas no futuro não via expectação,
do marido só a temer falecimento,
por entre tantos perigos incontidos!

Embora fosse também robusto e forte,
já era bem mais velho do que ela:
se ele morresse, quem a sustentaria?
E se arrepiava, ao pensar na triste sorte,
sem ter parentes que pensassem nela...
E sua choupana, será que alguém lhe tiraria?

Enquanto isso, diariamente Colatino
lançava a rede nas ondas do mar;
mesmo nos dias em que havia tempestade,
saía à praia, com idêntico destino,
crustáceos e peixes por ali a coletar,
agradecendo ao mar por sua bondade...

A MULHER DO PESCADOR II

Porém um dia, em que foi pescar à linha,
sua corda foi arrastada pelo anzol
e ele quase foi puxado para o fundo;
mas fincou o pé e logo à tona vinha
um enorme peixe, a reluzir ao sol,
que lhe falou, sua voz baixo profundo...

“Rogo-te perdoes minha vida, pescador,
pois sou, de fato, um príncipe encantado!
Deixa-me ir e te recompensarei!...
Lança a rede à tua direita, sem temor,
que os peixes espantarei para esse lado
e bem depressa rica pesca te darei!...”

“Na verdade,” respondeu-lhe Colatino,
“só poderia mesmo te soltar,
quer me deres, quer não deres recompensa...
Como a panela poderia ser destino
de um peixe que tão bem sabe falar?”
E removeu-lhe o anzol da boca tensa.

Logo a seguir, ele cumpriu o prometido,
pois Colatino lançou sua rede ao mar,
logo se enchendo dos melhores peixes!...
Depois de ter sua pesca recolhido,
viu o peixe ali, ainda a sangrar:
“Posso curar-te, se acaso tu me deixes...”

O peixe se aproximou, meio hesitante
e Colatino lhe passou um linimento
na boca, com que curava suas feridas.
O corte se fechou, quase no instante
e disse o peixe: “Tens merecimento
e tuas súplicas serão logo atendidas...”

Porém disse Colatino: “Nada quero;
o que possuo já basta ao meu viver,
enquanto saúde e força conservar...”
“Não obstante, a cada dia te espero;
qualquer pedido que queiras me fazer
dar-te-ei na hora e no mesmo lugar!...”

A MULHER DO PESCADOR III

O pescador chegou em casa tarde,
seu barco estava com peso demais
e na praia ainda custou a puxar a rede;
encheu as cestas, sem fazer alarde,
até não conseguir carregar mais
e foi ao poço para matar a sede...

Só então gritou: “Chega-me aqui, Martinha!
Vou precisar de ti para ajudar!...”
A mulher saiu então de sua cabana...
“Mas pescaste tudo isso, só à linha?...”
“Na verdade, decidi a rede lançar...
Na praia outro tanto, foi a sorte soberana!...”

Desse modo, ajudado por Martinha,
a pesca toda fez subir a ribanceira
e no outro dia foram até vender na feira,
ainda escuro, bem de manhãzinha.
Martinha comprou lã e renda, bem faceira,
os seus vestidos a enfeitar, fagueira!...

Mas nos outros dias, a pesca foi normal,
o suficiente apenas para os dois
e Martinha experimentou certo despeito.
“Por que só um dia com pesca tão real,
sem nada mais se conseguir depois?
A tua rede está agora com defeito...?”

Após três dias, Colatino confessou
a razão da pescaria surpreendente,
para se arrepender, logo a seguir...
“Mas como foi que você acreditou?”
“Ele usava uma coroa, era evidente!”
“Mas era o rei!  Não pôde descobrir?”

“Foi só por isso que os demais obedeceram!
Por que seguiriam qualquer príncipe encantado?
E ele poderia nos ter dado muito mais!
Só por uma rede cheia se entenderam...?”
A ambição já se havia levantado
no coração de Martinha, por demais!...

A MULHER DO PESCADOR IV

Ora, mulher, nós já possuímos o suficiente...”
“Mas, o quê?  Esta choupana desgraçada?
Esse teu príncipe foi um grande ingrato!...”
“Na verdade, ele me disse... Realmente...”
“Que te daria qualquer coisa adequada?”
“Pois me falou, que atenderia, de fato...”

“Pois então, volta lá, seu bobalhão!
Pede que, ao menos, nos dê um bom chalé!
Esta choupana já está a cair aos pedaços!”
Depois de muita insistência e confusão,
Colatino finalmente pôs-se em pé,
descendo à praia com seus trôpegos passos...

Entrou no barco e remou para o lugar
em que o príncipe encantado se encontrava,
respirou fundo e começou a chamar:
Pescadinha, Pescadinha,
do fundo verde do mar,
a mandado de Martinha,
venho contigo falar!...
E prontamente, viu a água se agitar
e o rosto do peixe de imediato divisava.
“Que me queres, meu amigo?” – a indagar...

Não sou eu que algo quero, bom amigo,
é a minha esposa que me está a atucanar,
mas ela quer uma coisa demasiada...”
“Diga logo, estou em dívida consigo.”
“Quem sabe se um chalé nos pode dar,
em lugar de nosso rancho desgastado...”

“Claro que posso!  De fato, é coisa pouca
em troca de minha vida, pescador!
O seu pedido já se encontra satisfeito;
vais encontrá-la em uma alegria louca,
vai te abraçar, com o olhar cheio de amor:
é recompensa a que, afinal, tens o direito!...”

Colatino despediu-se, agradecido,
embora certa dúvida tivesse;
levou o barco até a praia, onde arribou,
subiu o barranco, um tanto desvalido,
disposto a enfrentar o quanto houvesse,
no tal chalé ele não acreditava...

A MULHER DO PESCADOR V

Mas ao chegar em casa, que surpresa!
Havia um chalé no lugar de seu ranchinho,
completamente mobiliado, igual convém,
Martinha vestida com bem menos pobreza,
a abraçá-lo e a beijar, num torvelinho:
“Agora, sim, boa casinha a gente tem!”

Ao invés do rancho com só duas pecinhas,
havia um quarto e cama com lençóis,
uma cozinha com panelas de bom ferro,
pratos de estanho, garfos e faquinhas,
uma sala ampla, aberta para os sóis,
mais um pomar junto à horta, num aterro!

Colatino se sentiu maravilhado
e sua Martinha parecia tão feliz!...
“Aqui podemos viver com alegria,”
falou o pescador, muito aliviado
daquele medo secreto que não diz:
pensava que o peixe não o atenderia!...

Mas nem ao menos passara uma semana
e já Martinha o voltava a importunar:
“Colatino, volta ao peixe e vai pedir
casa maior, mais adequada a uma dama...”
“Mas, mulher, para que o incomodar...?”
“Quero criados para me servir!...”

“Mas como posso pagar algum criado?
A minha pesca não seria suficiente
nem ao menos para essa gente alimentar!”
“Colatino, tu és um tolo rematado!
O peixe nos dará casa decente
e mais os meios para a sustentar!...”

E tanto ela insistiu, que Colatino,
vestido agora com trajo bem melhor,
desceu à praia e remou o seu barquinho,
para falar, chegado a seu destino:
Pescadinha, Pescadinha,
do fundo verde do mar,
a mandado de Martinha,
venho contigo falar!...
E o peixe lhe surgiu, com bom favor.
“Que me queres?” – indagou-lhe de mansinho.

A MULHER DO PESCADOR VI

“Ah, meu amigo, não sou eu que quero nada,
mas a Martinha está há dias a insistir:
quer uma casa de bom material,
por dentro ricamente mobiliada
e com criados também para a servir,
mais o dinheiro dos salários, é natural!...”

“Eu disse a ela que é pedir demais,
mas a Martinha, coitada, insiste tanto!...”
“Não é demais, meu caro, já está feito;
ganhou sua casa, com cômodos especiais,
vários criados, vaso e enfeite em cada canto,
boa residência para ninguém botar defeito!”

O pescador agradeceu e foi à praia
e tão logo escalou a ribanceira,
viu uma casa de tijolos novos,
tendo do lado até mesmo uma baia
para um par de cavalos, larga jeira
de trigo e aveia bem verde nos renovos...

Martinha o recebeu altivamente
e lhe ordenou que fosse tomar banho:
“Estás cheirando a peixe, meu marido!”
“Mas é claro, trabalho diariamente
e de minha profissão eu não me acanho:
com meus peixes tenho sempre te nutrido!”

“Pois doravante, não vais mais trabalhar!
Cairá mal para a nossa posição!...”
“Porém, Martinha, o que vamos nós comer?”
E então ela foi depressa lhe mostrar
um cofre cheio de ouro em profusão:
“Por várias décadas dá para nos manter!...”

E foi assim que Colatino se ajeitou,
dormindo incômodo entre lençóis de linho,
andando a esmo, sem ter o que fazer,
a ter maneiras à mesa se obrigou,
desconfortável, de casaca e colarinho,
sua vida antiga mil vezes a querer...

A MULHER DO PESCADOR VII

O pior é que, mal passados quinze dias,
foi importunado por Martinha novamente:
“Colatino, quero morar em um castelo!”
“Mas estás doida, mulher! Pois quererias
que eu vá pedir coisa dessas, tolamente?
O nosso lar já se tornou hoje tão belo!”

“Colatino, você não tem imaginação!...”
Mas ela sempre me tratou por tu!...
“Vá pedir logo um castelo ao encantado!”
Após três dias, na maior resignação,
pensando haver um caroço nesse angu,
lá se foi ele até o ponto combinado...

Lançou a âncora e ali ficou parado,
sempre hesitando no que havia de fazer,
mas finalmente, deu de ombros e pediu:
Pescadinha, Pescadinha,
do fundo verde do mar,
a mandado de Martinha,
venho contigo falar!...
Chegou o peixe, agora um pouco desconfiado.
“Que me queres, meu amigo?  Vou atender,
pois teu crédito minha vida garantiu!”

“Peixe amigo, Martinha está muito ambiciosa!
Deste-nos casa que é boa até demais,
porém cismou de morar em um castelo,
com soldados e estribeiros, poderosa!...
Esses pedidos já não são mais naturais!
Se não atender, saberei bem compreendê-lo!”

“Não, eu atendo, você também o merece,
embora sua esposa é que o esteja dominando
e acredite que você devia se impor!...
Mas está feito, vê se agora ela agradece
pelo castelo imponente se elevando...
A minha vida vale mais este favor!...”

Colatino agradeceu e rápido aportou;
já da praia avistou torres poderosas...
Mas o que eu vou fazer em um castelo?
Não sou conde, nem barão; duque não sou,
só um pescador a enfrentar ondas alterosas!
Ai, que saudade do meu rancho tão singelo!...

A MULHER DO PESCADOR VIII

Assim que o pescador chegou ao castelo,
Martinha o recebeu na escadaria:
“Venha comigo!  Quero tudo lhe mostrar!”
Não havia recanto que não fosse belo,
portas altíssimas, ouro em tudo reluzia,
quadros belíssimos, tapetes a ostentar!...

“Pois então?  Não ficamos bem agora?”
Colatino só pensou, desconsolado:
Mas, afinal, para que quero essa riqueza?
Queria de novo meu bom tempo de outrora!
Não deveria sobre o peixe ter contado!
Era feliz, apesar de minha pobreza!...

“Agora, enfim, não precisas de mais nada!
Este castelo, para mim, é até demais!
Aonde eu vou, já tropeço em teus criados...”
“Você sempre teve a mente acobardada!
Posso ter muito, porém quero ainda mais!
Quero visitas, banquetes, convidados!...”

Colatino suspirou.  Achou um cantinho,
meio escondido, lá no alto de um torreão
e ali passava os seus dias sossegado,
enquanto ela oferecia carne e vinho
aos muitos nobres que acorriam no portão,
da nova rica a provar o bom-bocado!...

Mas sem demora outra ganância já lhe vinha
incitar novamente a ansiar por mais
e ela o encontrou, lá no alto da sua torre:
“Colatino, agora eu quero ser rainha!...”
“Mas para quê, mulher, isso é demais!...”
“Neste mundo só conquista quem mais corre!”

“Vai lá depressa, pedir ao teu peixinho
que nos conceda hoje mesmo este desejo!”
“Mas, mulher, eu nunca quis ser rei!...”
“Pouco me importa, pega o teu barquinho
e torna ao mar para exigir mais este ensejo!
Se não quiseres, eu sozinha reinarei!...”

A MULHER DO PESCADOR IX

E lá se foi, muito infeliz, o Colatino,
até chegar ao antigo ponto combinado;
o mar se achava ríspido e bravio;
mais uma vez, entoou, no mesmo tino:
Pescadinha, Pescadinha,
do fundo verde do mar,
a mandado de Martinha,
venho contigo falar!...
E o peixe o acolheu, mal-humorado:
“Seu carretel jamais desgasta o fio...?”

“Não sou eu, príncipe belo.  Até queria
voltar à vida que tinha antigamente,
mas com nada se contenta essa Martinha!
Até pensei em tomar da praia a guia,
com meu barquinho, até lugar bem diferente...
Mas ela quer agora ser rainha!...”

“E então, é claro, você será o rei...?”
“Ah, Deus me livre!  Detesto já esta vida!
Queria mesmo a minha choupana de sapé!”
“Mais uma vez, contudo, atenderei
de sua esposa essa sua tal fome incontida!
Pode voltar, pois rainha ela já o é!...”

Colatino voltou e achou a corte
toda reunida num vasto salão,
Martinha sobre um trono, coroada...
“Agora sim, estás contente com tua sorte!”
“Olhe, não sei se compartilho sua opinião,
mas por enquanto, sinto-me bem, entronizada...”

Porém, não se passou sequer um mês
e foi Martinha novamente perturbá-lo:
“Colatino, eu só governo este país!
Meu vizinho não me obedece, como vês...”
“Queres um exército para dominá-lo?”
“Outros além haverá, assim se diz...”

“Quero é mandar em toda a humanidade!
Mas para isso, só através da religião!
Somente um traz o mundo sob a capa,
já que é o senhor de toda a Cristandade!
Cobre do peixe a mais real dominação:
vai-lhe dizer que quero hoje ser o Papa!”

A MULHER DO PESCADOR X

“Porém, Martinha, isso é uma insensatez!
Para ser Papa, é preciso ser cardeal
e para isso, padre tem de ser primeiro
e todo padre é homem, como vês!...
Queres deixar teu sexo natural?
Para essa coisa não serei teu mensageiro!”

Mas depois que com tortura o ameaçou,
lá seguiu Colatino rumo à praia,
desconfortável em sua roupa de veludo
e até o ponto de encontro ele remou,
só esperando escutar do peixe a vaia:
Desta vez não atenderá, eu não me iludo!

Estava o oceano todo encapelado,
quase não pôde chegar até o lugar,
mas, finalmente, a frase pronunciou:
Pescadinha, Pescadinha,
do fundo verde do mar,
a mandado de Martinha,
venho contigo falar!...
Chegou o peixe, desta vez, acompanhado
de espadartes e tubarões a ameaçar...
“O que me queres?” – enfim, ele indagou.

“Meu bom senhor, sabeis bem, não quero nada!”
“O que vieste, então, fazer aqui?”
“É a Martinha, senhor, ela quer tudo!...”
“Sua mulher está desequilibrada...”
“O seu poder tem limites, logo vi,”
falou o pescador, em tom agudo...

“Não é bem isso!” – falou o outro, ofendido,
“Mas é que há limite para os dons,
mesmo para alguém que salvou a nossa vida!”
“Sei bem, sei bem, nem vou fazer o pedido.”
O céu se enfarruscou em negros tons,
a guarda do peixe já bem mais aguerrida...

“Não, pescador, fale logo de uma vez!”
“Mas é absurdo o que Martinha quer!”
“Diga depressa, não tenho mais tempo a perder!”
Colatino se calou, rubra sua tez...
“Vamos lá, o que quer a sua mulher?”
“Quer ser Papa e usufruir todo o poder!...”

A MULHER DO PESCADOR XI

“Quer ser Papa?”  O coro dos peixes gargalhou.
“Mas esse tal pedido não tem nexo!
O Papa é homem e ela é a sua mulher...”
“Pois é, senhor...” – Colatino confessou,
“Ela falou que quer mudar de sexo
e assim poder como Papa se eleger...”

Pensou o peixe e, logo após, sorriu:
“Olhe, é tão absurdo esse pedido,
que uma última vez concederei!...
Para você, porém nunca pediu
e era a você que eu estava agradecido...
Esta vez é a última, bem claro deixarei!”

“Volte agora, já removi o seu castelo,
julgo que ela vai ficar desapontada...
Irá encontrar ali imensa catedral
e em vez dos cortesãos, somente o zelo
dos corais e a luz da cúpula sagrada...
Também a ti nomeio hoje cardeal!...”

Soltou o peixe uma sonora gargalhada,
logo a seguir, afundou com seu cortejo;
Colatino viu-se vestido de encarnado!
E quando a barca foi à praia arribada
os sinos escutou, já nesse ensejo
e a ribanceira galgou, amedrontado!

À grande nave então foi conduzido
e assentado no Colégio dos Cardeais;
viu se achegarem os reis e imperadores,
beijando os pés do vulto comedido,
sentado ao trono, entre círios monumentais,
na basílica de magníficos lavores!...

Mas após a cerimônia completada,
chamou-o Martinha para o seu gabinete.
“Mulher, é certo que viraste o Papa?”
“Não sou mais tua mulher, não entendes nada?
Vou proclamar Santas Cruzadas Sete!
Submeter os pagãos sob minha capa!...”

A MULHER DO PESCADOR XII

“E não só isso, os mares hei de conquistar
e esse teu peixe a mim tributo renderá,
o mundo inteiro a se curvar perante mim!...”
Colatino achou melhor nem lhe informar
que no futuro nada mais conseguirá,
estando exausto o seu favor assim...

Mas de fato, convocadas as Cruzadas,
uma a partir para a africana conversão,
outra querendo conquistar os muçulmanos,
outra da Índia as terras encantadas,
ganhar a gente da China e do Japão –
havia limites para os atos dos humanos.

E Martinha, sentindo-se frustrada,
mandou chamar o seu Gonfaloneiro,
o título correspondente a General
que a Colatino dera...  E apressurada,
determinou: “Vai a teu peixe; derradeiro
quero o domínio sobre o mundo natural!

“Mas o que queres dizer assim, mulher?”
“É sacrilégio que de mulher me chames!
Eu sou um Papa e homem completo me tornei!
O sol e a chuva me devem obedecer
e que me atendam as estrelas aos conclames!
Só assim todo o Universo eu regerei!...

“Mas, senhor Papa!  Isso só pode fazer Deus!”
“É exatamente o que eu quero dizer:
ser apenas Papa não me tornou divina!
E mesmo agora, não me obedecem os judeus!
Diga a seu peixe para me obedecer:
tornar-me deus desde o berço foi minha sina!”

E lá se foi Colatino, finalmente,
mais uma vez, a convocar o seu amigo:
Pescadinha, Pescadinha,
do fundo verde do mar,
a mandado de Martinha,
venho contigo falar!...
Falou-lhe o peixe com olhar enraivecido:
“Ah, quer ser deus a tua mulher inconsequente?
Pois volte agora para seu antigo abrigo,
de onde nunca deveria ter saído!...

EPÍLOGO

Houve um grande clarão e Colatino
viu-se vestido como um pobre pescador.
Chegou à praia e subiu a ribanceira:
já não havia mais castelo, torre ou sino,
somente a velha choupana sem valor,
Martinha a trabalhar de cozinheira!...

“Quem tudo quer, tudo perde”, já falou
esse ditado popular antigo...
Retornou Colatino às pescarias...
(que fora um sonho mau até pensou...)
Martinha pobre, no seu velho abrigo,
nunca esqueceu suas perdidas honrarias!...

William Lagos
Tradutor e Poeta
Blog:
www.wltradutorepoeta.blogspot.com



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