A MULHER DO PESCADOR
(Folclore português, recolhido por Viriato Padilha em Histórias
do Arco da Velha,
Versão poética William Lagos, 29 nov 2014)
A MULHER DO PESCADOR I
Vivia em Portugal um pobre pescador,
chamado Colatino, com sua esposa,
em uma pequena choupana miserável,
a depender do mar com seu favor,
que alimentação lhe dava, saborosa,
pois não apenas era forte, mas
saudável.
Remava o barco para lançar a rede
e no lugar era a pesca generosa;
não tinha filhos com sua mulher
Martinha,
moça humilde, que da vida pouco
pede;
plantava a horta, cultivava alguma
rosa,
cuidava as roupas e a choupana ela
mantinha.
Na verdade, ela pouco se queixava,
porque era órfã e fora muito
maltratada;
sentia-se grata por seu pequeno
ninho;
ao velho Colatino não amava,
porém sua vida se achava remediada,
muito melhor que o anterior caminho.
Contudo, dentro de seu coração,
trazia mágoa e mesmo algum
ressentimento,
vendo vizinhas a andar melhor
vestidas;
mas no futuro não via expectação,
do marido só a temer falecimento,
por entre tantos perigos incontidos!
Embora fosse também robusto e forte,
já era bem mais velho do que ela:
se ele morresse, quem a sustentaria?
E se arrepiava, ao pensar na triste
sorte,
sem ter parentes que pensassem
nela...
E sua choupana, será que alguém lhe
tiraria?
Enquanto isso, diariamente Colatino
lançava a rede nas ondas do mar;
mesmo nos dias em que havia
tempestade,
saía à praia, com idêntico destino,
crustáceos e peixes por ali a
coletar,
agradecendo ao mar por sua
bondade...
A MULHER DO PESCADOR II
Porém um dia, em que foi pescar à
linha,
sua corda foi arrastada pelo anzol
e ele quase foi puxado para o fundo;
mas fincou o pé e logo à tona vinha
um enorme peixe, a reluzir ao sol,
que lhe falou, sua voz baixo
profundo...
“Rogo-te perdoes minha vida,
pescador,
pois sou, de fato, um príncipe
encantado!
Deixa-me ir e te recompensarei!...
Lança a rede à tua direita, sem
temor,
que os peixes espantarei para esse
lado
e bem depressa rica pesca te
darei!...”
“Na verdade,” respondeu-lhe
Colatino,
“só poderia mesmo te soltar,
quer me deres, quer não deres
recompensa...
Como a panela poderia ser destino
de um peixe que tão bem sabe falar?”
E removeu-lhe o anzol da boca tensa.
Logo a seguir, ele cumpriu o
prometido,
pois Colatino lançou sua rede ao
mar,
logo se enchendo dos melhores
peixes!...
Depois de ter sua pesca recolhido,
viu o peixe ali, ainda a sangrar:
“Posso curar-te, se acaso tu me
deixes...”
O peixe se aproximou, meio hesitante
e Colatino lhe passou um linimento
na boca, com que curava suas
feridas.
O corte se fechou, quase no instante
e disse o peixe: “Tens merecimento
e tuas súplicas serão logo
atendidas...”
Porém disse Colatino: “Nada quero;
o que possuo já basta ao meu viver,
enquanto saúde e força conservar...”
“Não obstante, a cada dia te espero;
qualquer pedido que queiras me fazer
dar-te-ei na hora e no mesmo
lugar!...”
A MULHER DO PESCADOR III
O pescador chegou em casa tarde,
seu barco estava com peso demais
e na praia ainda custou a puxar a
rede;
encheu as cestas, sem fazer alarde,
até não conseguir carregar mais
e foi ao poço para matar a sede...
Só então gritou: “Chega-me aqui,
Martinha!
Vou precisar de ti para ajudar!...”
A mulher saiu então de sua cabana...
“Mas pescaste tudo isso, só à
linha?...”
“Na verdade, decidi a rede lançar...
Na praia outro tanto, foi a sorte
soberana!...”
Desse modo, ajudado por Martinha,
a pesca toda fez subir a ribanceira
e no outro dia foram até vender na
feira,
ainda escuro, bem de manhãzinha.
Martinha comprou lã e renda, bem faceira,
os seus vestidos a enfeitar,
fagueira!...
Mas nos outros dias, a pesca foi
normal,
o suficiente apenas para os dois
e Martinha experimentou certo
despeito.
“Por que só um dia com pesca tão
real,
sem nada mais se conseguir depois?
A tua rede está agora com
defeito...?”
Após três dias, Colatino confessou
a razão da pescaria surpreendente,
para se arrepender, logo a seguir...
“Mas como foi que você acreditou?”
“Ele usava uma coroa, era evidente!”
“Mas era o rei! Não pôde descobrir?”
“Foi só por isso que os demais
obedeceram!
Por que seguiriam qualquer príncipe
encantado?
E ele poderia nos ter dado muito
mais!
Só por uma rede cheia se
entenderam...?”
A ambição já se havia levantado
no coração de Martinha, por
demais!...
A MULHER DO PESCADOR IV
Ora, mulher, nós já possuímos o
suficiente...”
“Mas, o quê? Esta choupana desgraçada?
Esse teu príncipe foi um grande
ingrato!...”
“Na verdade, ele me disse...
Realmente...”
“Que te daria qualquer coisa
adequada?”
“Pois me falou, que atenderia, de
fato...”
“Pois então, volta lá, seu bobalhão!
Pede que, ao menos, nos dê um bom
chalé!
Esta choupana já está a cair aos
pedaços!”
Depois de muita insistência e
confusão,
Colatino finalmente pôs-se em pé,
descendo à praia com seus trôpegos
passos...
Entrou no barco e remou para o lugar
em que o príncipe encantado se
encontrava,
respirou fundo e começou a chamar:
Pescadinha, Pescadinha,
do fundo verde do mar,
a mandado de Martinha,
venho contigo falar!...
E prontamente, viu a água se agitar
e o rosto do peixe de imediato
divisava.
“Que me queres, meu amigo?” – a
indagar...
Não sou eu que algo quero, bom
amigo,
é a minha esposa que me está a
atucanar,
mas ela quer uma coisa demasiada...”
“Diga logo, estou em dívida
consigo.”
“Quem sabe se um chalé nos pode dar,
em lugar de nosso rancho
desgastado...”
“Claro que posso! De fato, é coisa pouca
em troca de minha vida, pescador!
O seu pedido já se encontra
satisfeito;
vais encontrá-la em uma alegria
louca,
vai te abraçar, com o olhar cheio de
amor:
é recompensa a que, afinal, tens o
direito!...”
Colatino despediu-se, agradecido,
embora certa dúvida tivesse;
levou o barco até a praia, onde
arribou,
subiu o barranco, um tanto
desvalido,
disposto a enfrentar o quanto
houvesse,
no tal chalé ele não acreditava...
A MULHER DO PESCADOR V
Mas ao chegar em casa, que surpresa!
Havia um chalé no lugar de seu
ranchinho,
completamente mobiliado, igual
convém,
Martinha vestida com bem menos
pobreza,
a abraçá-lo e a beijar, num
torvelinho:
“Agora, sim, boa casinha a gente
tem!”
Ao invés do rancho com só duas
pecinhas,
havia um quarto e cama com lençóis,
uma cozinha com panelas de bom
ferro,
pratos de estanho, garfos e
faquinhas,
uma sala ampla, aberta para os sóis,
mais um pomar junto à horta, num
aterro!
Colatino se sentiu maravilhado
e sua Martinha parecia tão feliz!...
“Aqui podemos viver com alegria,”
falou o pescador, muito aliviado
daquele medo secreto que não diz:
pensava que o peixe não o
atenderia!...
Mas nem ao menos passara uma semana
e já Martinha o voltava a importunar:
“Colatino, volta ao peixe e vai
pedir
casa maior, mais adequada a uma
dama...”
“Mas, mulher, para que o
incomodar...?”
“Quero criados para me servir!...”
“Mas como posso pagar algum criado?
A minha pesca não seria suficiente
nem ao menos para essa gente
alimentar!”
“Colatino, tu és um tolo rematado!
O peixe nos dará casa decente
e mais os meios para a
sustentar!...”
E tanto ela insistiu, que Colatino,
vestido agora com trajo bem melhor,
desceu à praia e remou o seu
barquinho,
para falar, chegado a seu destino:
Pescadinha, Pescadinha,
do fundo verde do mar,
a mandado de Martinha,
venho contigo falar!...
E o peixe lhe surgiu, com bom favor.
“Que me queres?” – indagou-lhe de
mansinho.
A MULHER DO PESCADOR VI
“Ah, meu amigo, não sou eu que quero
nada,
mas a Martinha está há dias a
insistir:
quer uma casa de bom material,
por dentro ricamente mobiliada
e com criados também para a servir,
mais o dinheiro dos salários, é
natural!...”
“Eu disse a ela que é pedir demais,
mas a Martinha, coitada, insiste
tanto!...”
“Não é demais, meu caro, já está
feito;
ganhou sua casa, com cômodos
especiais,
vários criados, vaso e enfeite em
cada canto,
boa residência para ninguém botar
defeito!”
O pescador agradeceu e foi à praia
e tão logo escalou a ribanceira,
viu uma casa de tijolos novos,
tendo do lado até mesmo uma baia
para um par de cavalos, larga jeira
de trigo e aveia bem verde nos
renovos...
Martinha o recebeu altivamente
e lhe ordenou que fosse tomar banho:
“Estás cheirando a peixe, meu
marido!”
“Mas é claro, trabalho diariamente
e de minha profissão eu não me
acanho:
com meus peixes tenho sempre te
nutrido!”
“Pois doravante, não vais mais
trabalhar!
Cairá mal para a nossa posição!...”
“Porém, Martinha, o que vamos nós
comer?”
E então ela foi depressa lhe mostrar
um cofre cheio de ouro em profusão:
“Por várias décadas dá para nos
manter!...”
E foi assim que Colatino se ajeitou,
dormindo incômodo entre lençóis de
linho,
andando a esmo, sem ter o que fazer,
a ter maneiras à mesa se obrigou,
desconfortável, de casaca e
colarinho,
sua vida antiga mil vezes a
querer...
A MULHER DO PESCADOR VII
O pior é que, mal passados quinze
dias,
foi importunado por Martinha
novamente:
“Colatino, quero morar em um
castelo!”
“Mas estás doida, mulher! Pois
quererias
que eu vá pedir coisa dessas,
tolamente?
O nosso lar já se tornou hoje tão
belo!”
“Colatino, você não tem
imaginação!...”
Mas ela sempre me tratou por tu!...
“Vá pedir logo um castelo ao
encantado!”
Após três dias, na maior resignação,
pensando haver um caroço nesse angu,
lá se foi ele até o ponto
combinado...
Lançou a âncora e ali ficou parado,
sempre hesitando no que havia de
fazer,
mas finalmente, deu de ombros e
pediu:
Pescadinha, Pescadinha,
do fundo verde do mar,
a mandado de Martinha,
venho contigo falar!...
Chegou o peixe, agora um pouco
desconfiado.
“Que me queres, meu amigo? Vou atender,
pois teu crédito minha vida
garantiu!”
“Peixe amigo, Martinha está muito
ambiciosa!
Deste-nos casa que é boa até demais,
porém cismou de morar em um castelo,
com soldados e estribeiros,
poderosa!...
Esses pedidos já não são mais
naturais!
Se não atender, saberei bem
compreendê-lo!”
“Não, eu atendo, você também o
merece,
embora sua esposa é que o esteja
dominando
e acredite que você devia se
impor!...
Mas está feito, vê se agora ela
agradece
pelo castelo imponente se
elevando...
A minha vida vale mais este
favor!...”
Colatino agradeceu e rápido aportou;
já da praia avistou torres
poderosas...
Mas o que eu vou fazer em um castelo?
Não sou conde, nem barão; duque não sou,
só um pescador a enfrentar ondas alterosas!
Ai, que saudade do meu rancho tão singelo!...
A MULHER DO PESCADOR VIII
Assim que o pescador chegou ao
castelo,
Martinha o recebeu na escadaria:
“Venha comigo! Quero tudo lhe mostrar!”
Não havia recanto que não fosse
belo,
portas altíssimas, ouro em tudo
reluzia,
quadros belíssimos, tapetes a
ostentar!...
“Pois então? Não ficamos bem agora?”
Colatino só pensou, desconsolado:
Mas, afinal, para que quero essa riqueza?
Queria de novo meu bom tempo de outrora!
Não deveria sobre o peixe ter contado!
Era feliz, apesar de minha pobreza!...
“Agora, enfim, não precisas de mais
nada!
Este castelo, para mim, é até
demais!
Aonde eu vou, já tropeço em teus
criados...”
“Você sempre teve a mente
acobardada!
Posso ter muito, porém quero ainda
mais!
Quero visitas, banquetes,
convidados!...”
Colatino suspirou. Achou um cantinho,
meio escondido, lá no alto de um
torreão
e ali passava os seus dias
sossegado,
enquanto ela oferecia carne e vinho
aos muitos nobres que acorriam no
portão,
da nova rica a provar o
bom-bocado!...
Mas sem demora outra ganância já lhe
vinha
incitar novamente a ansiar por mais
e ela o encontrou, lá no alto da sua
torre:
“Colatino, agora eu quero ser
rainha!...”
“Mas para quê, mulher, isso é
demais!...”
“Neste mundo só conquista quem mais
corre!”
“Vai lá depressa, pedir ao teu
peixinho
que nos conceda hoje mesmo este
desejo!”
“Mas, mulher, eu nunca quis ser
rei!...”
“Pouco me importa, pega o teu
barquinho
e torna ao mar para exigir mais este
ensejo!
Se não quiseres, eu sozinha
reinarei!...”
A MULHER DO PESCADOR IX
E lá se foi, muito infeliz, o
Colatino,
até chegar ao antigo ponto
combinado;
o mar se achava ríspido e bravio;
mais uma vez, entoou, no mesmo tino:
Pescadinha, Pescadinha,
do fundo verde do mar,
a mandado de Martinha,
venho contigo falar!...
E o peixe o acolheu, mal-humorado:
“Seu carretel jamais desgasta o
fio...?”
“Não sou eu, príncipe belo. Até queria
voltar à vida que tinha antigamente,
mas com nada se contenta essa
Martinha!
Até pensei em tomar da praia a guia,
com meu barquinho, até lugar bem
diferente...
Mas ela quer agora ser rainha!...”
“E então, é claro, você será o
rei...?”
“Ah, Deus me livre! Detesto já esta vida!
Queria mesmo a minha choupana de
sapé!”
“Mais uma vez, contudo, atenderei
de sua esposa essa sua tal fome
incontida!
Pode voltar, pois rainha ela já o
é!...”
Colatino voltou e achou a corte
toda reunida num vasto salão,
Martinha sobre um trono, coroada...
“Agora sim, estás contente com tua
sorte!”
“Olhe, não sei se compartilho sua
opinião,
mas por enquanto, sinto-me bem,
entronizada...”
Porém, não se passou sequer um mês
e foi Martinha novamente
perturbá-lo:
“Colatino, eu só governo este país!
Meu vizinho não me obedece, como
vês...”
“Queres um exército para dominá-lo?”
“Outros além haverá, assim se
diz...”
“Quero é mandar em toda a
humanidade!
Mas para isso, só através da
religião!
Somente um traz o mundo sob a capa,
já que é o senhor de toda a
Cristandade!
Cobre do peixe a mais real
dominação:
vai-lhe dizer que quero hoje ser o
Papa!”
A MULHER DO PESCADOR X
“Porém, Martinha, isso é uma
insensatez!
Para ser Papa, é preciso ser cardeal
e para isso, padre tem de ser
primeiro
e todo padre é homem, como vês!...
Queres deixar teu sexo natural?
Para essa coisa não serei teu
mensageiro!”
Mas depois que com tortura o
ameaçou,
lá seguiu Colatino rumo à praia,
desconfortável em sua roupa de
veludo
e até o ponto de encontro ele remou,
só esperando escutar do peixe a
vaia:
Desta vez não atenderá, eu não me iludo!
Estava o oceano todo encapelado,
quase não pôde chegar até o lugar,
mas, finalmente, a frase pronunciou:
Pescadinha, Pescadinha,
do fundo verde do mar,
a mandado de Martinha,
venho contigo falar!...
Chegou o peixe, desta vez,
acompanhado
de espadartes e tubarões a
ameaçar...
“O que me queres?” – enfim, ele
indagou.
“Meu bom senhor, sabeis bem, não
quero nada!”
“O que vieste, então, fazer aqui?”
“É a Martinha, senhor, ela quer
tudo!...”
“Sua mulher está desequilibrada...”
“O seu poder tem limites, logo vi,”
falou o pescador, em tom agudo...
“Não é bem isso!” – falou o outro,
ofendido,
“Mas é que há limite para os dons,
mesmo para alguém que salvou a nossa
vida!”
“Sei bem, sei bem, nem vou fazer o
pedido.”
O céu se enfarruscou em negros tons,
a guarda do peixe já bem mais
aguerrida...
“Não, pescador, fale logo de uma
vez!”
“Mas é absurdo o que Martinha quer!”
“Diga depressa, não tenho mais tempo
a perder!”
Colatino se calou, rubra sua tez...
“Vamos lá, o que quer a sua mulher?”
“Quer ser Papa e usufruir todo o
poder!...”
A MULHER DO PESCADOR XI
“Quer ser Papa?” O coro dos peixes gargalhou.
“Mas esse tal pedido não tem nexo!
O Papa é homem e ela é a sua
mulher...”
“Pois é, senhor...” – Colatino
confessou,
“Ela falou que quer mudar de sexo
e assim poder como Papa se
eleger...”
Pensou o peixe e, logo após, sorriu:
“Olhe, é tão absurdo esse pedido,
que uma última vez concederei!...
Para você, porém nunca pediu
e era a você que eu estava
agradecido...
Esta vez é a última, bem claro
deixarei!”
“Volte agora, já removi o seu
castelo,
julgo que ela vai ficar
desapontada...
Irá encontrar ali imensa catedral
e em vez dos cortesãos, somente o
zelo
dos corais e a luz da cúpula
sagrada...
Também a ti nomeio hoje cardeal!...”
Soltou o peixe uma sonora
gargalhada,
logo a seguir, afundou com seu
cortejo;
Colatino viu-se vestido de
encarnado!
E quando a barca foi à praia
arribada
os sinos escutou, já nesse ensejo
e a ribanceira galgou, amedrontado!
À grande nave então foi conduzido
e assentado no Colégio dos Cardeais;
viu se achegarem os reis e
imperadores,
beijando os pés do vulto comedido,
sentado ao trono, entre círios
monumentais,
na basílica de magníficos
lavores!...
Mas após a cerimônia completada,
chamou-o Martinha para o seu
gabinete.
“Mulher, é certo que viraste o
Papa?”
“Não sou mais tua mulher, não
entendes nada?
Vou proclamar Santas Cruzadas Sete!
Submeter os pagãos sob minha
capa!...”
A MULHER DO PESCADOR XII
“E não só isso, os mares hei de
conquistar
e esse teu peixe a mim tributo
renderá,
o mundo inteiro a se curvar perante
mim!...”
Colatino achou melhor nem lhe
informar
que no futuro nada mais conseguirá,
estando exausto o seu favor assim...
Mas de fato, convocadas as Cruzadas,
uma a partir para a africana
conversão,
outra querendo conquistar os muçulmanos,
outra da Índia as terras encantadas,
ganhar a gente da China e do Japão –
havia limites para os atos dos
humanos.
E Martinha, sentindo-se frustrada,
mandou chamar o seu Gonfaloneiro,
o título correspondente a General
que a Colatino dera... E apressurada,
determinou: “Vai a teu peixe;
derradeiro
quero o domínio sobre o mundo
natural!
“Mas o que queres dizer assim,
mulher?”
“É sacrilégio que de mulher me
chames!
Eu sou um Papa e homem completo me
tornei!
O sol e a chuva me devem obedecer
e que me atendam as estrelas aos
conclames!
Só assim todo o Universo eu
regerei!...
“Mas, senhor Papa! Isso só pode fazer Deus!”
“É exatamente o que eu quero dizer:
ser apenas Papa não me tornou
divina!
E mesmo agora, não me obedecem os
judeus!
Diga a seu peixe para me obedecer:
tornar-me deus desde o berço foi
minha sina!”
E lá se foi Colatino, finalmente,
mais uma vez, a convocar o seu
amigo:
Pescadinha, Pescadinha,
do fundo verde do mar,
a mandado de Martinha,
venho contigo falar!...
Falou-lhe o peixe com olhar
enraivecido:
“Ah, quer ser deus a tua mulher
inconsequente?
Pois volte agora para seu antigo
abrigo,
de onde nunca deveria ter saído!...
EPÍLOGO
Houve um grande clarão e Colatino
viu-se vestido como um pobre
pescador.
Chegou à praia e subiu a ribanceira:
já não havia mais castelo, torre ou
sino,
somente a velha choupana sem valor,
Martinha a trabalhar de
cozinheira!...
“Quem tudo quer, tudo perde”, já
falou
esse ditado popular antigo...
Retornou Colatino às pescarias...
(que fora um sonho mau até pensou...)
Martinha pobre, no seu velho abrigo,
nunca esqueceu suas perdidas
honrarias!...
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