CIGARRAS I – 19 NOV
14
Passam ardores e a
ternura fica,
por mais que seja
por temores despenteada;
é uma tiara de
esmeraldas colocada
sobre a testa do
amor e amor indica.
Sobre tua dor o meu
calor é arnica
e se derrama no
palor da madrugada;
cada brisa do luar
é despertada,
enquanto o coração
manso repica.
Passam os anos no
fragor das horas,
de argila e de
alvaiade marchetadas,
mas permanece
idêntica a emoção,
por mais que sejam
longas as demoras,
lanço meus beijos
às sombras ocultadas
junto às batidas de
teu coração.
CIGARRAS II
Cantam cigarras no
quente do verão,
estranho ardor que,
enfim, conduz à morte;
mas não é esta
também a nossa sorte?
Algo falece no auge
da paixão...
E quanto mais se
distribui pura emoção,
mais um pouco de
nós mesmos sofre corte,
quando se entrega
um sonho que se aborte,
ao deixar de
fecundar um coração...
E fica a vida nessa
ânsia de esmeril,
um ramo seco em seu
desagregar,
pela calúnia
constante do rancor
e só se pode
enfrentar tal fauna vil
com o sangue
líquido no constante borbotar
do coração na
cremalheira do calor.
CIGARRAS III
Mas a ternura é o
róseo combustível
que perpassa
inteiramente o cricrilar,
torna a estridência
em meigo pipilar,
mais que o amor, a
ternura é inexaurível.
Perdura mais do que
paixão incrível
esta emoção de
lento gotejar,
sonoro bálsamo em
límpido gorjear,
que pinga sobre ti,
imperecível.
Amor espera receber
amor,
mas a ternura é bem
mais realista
e então se entrega
apenas, sutilmente,
e quando encontra
as lascas do frior,
dobra-se branda, na
mais gentil conquista
do desespero a
retorcer-se na outra mente.
LOCUSTAS I – 20 NOV 14
O sopro do verão és para mim,
antes que o sol a pino aqui se instale,
a brisa colorida que me vale
como um beijo de flor soprado assim.
Da primavera o sopro não se abale
ao ver que o verão louvo em seu clarim;
restos do frio ela conserva, enfim,
enquanto o inverno moribundo nela fale.
Hoje penso no verão em seu dilúculo,
enquanto a madrugada se dilate
e ainda durma a aurora após o amor
e penso no verão em seu crepúsculo,
quando a canícula finalmente abate,
roubado o Sol da espuma do vigor...
LOCUSTAS II
Vêm-me as locustas devorar os sonhos
como devoram os brotos do verdor;
surgem em bandos de egoístico furor,
como crianças, no destruir bisonhos...
Porém chamam de Esperança a esses risonhos
insetos verdes que proclamam o frescor,
a mansa chuva no embate do calor,
também locustas, em ardor menos tristonhos.
Pois o verão é muito mais fervor,
lançam-se as plantas em ousada lançadeira,
descem dos galhos para o solo recobrir
com mil sementes a morrer sem estertor,
frutificando tão somente a derradeira
que enraizou antes do inverno a destruir.
LOCUSTAS III
Mas esse sopro é luz de minha bonança,
antes que os sonhos se desmanchem pelo chão,
esmagados pelos pés da multidão,
na zombaria feliz de minha esperança...
Brota de ti esse hálito criança,
que só busca alcançar a diversão;
tudo recebe em plena exaltação,
sem pensar em devolver a quem lho alcança.
Sopro de vida fervida nas demoras
e que meus sonhos retornas mastigados,
como um preito que acreditas merecer!
Locusta bela que o coração devoras,
sorriso mau em teus dentes encarnados,
mas que assim mesmo eu nutro com prazer.
ALAMANDAS I – 21 NOV 14
A VIDA É UMA LARGA ESCADARIA,
COM MAIS OU MENOS DEGRAUS,
AO BEL-PRAZER,
QUE A MAIORIA CONTENTA-SE EM DESCER
PARA O FUTURO EM SUA OBSCURA VIA.
ALGUNS DESCEM DEPRESSA, EM ALDRAVIA,
OUTROS EM MAIS PRUDENTE DESCENDER,
ALGUNS JÁ CORREM, ANSIOSOS
POR MORRER,
A OUTROS EMPURRAM, POR MALÍCIA
OU OUSADIA.
MAS ESSA ESCADA SE PODE IGUAL SUBIR
NAS FINAS TEIAS DO ANTANHO
DESGARRADAS
OU EM RAMOS PODRES BROTADOS
DA ILUSÃO
E ME DEFENDO DOS MILHARES A CAIR
CONTRA OS DEGRAUS DE ÁSPERAS BEIRADAS,
SUBINDO A ESCADA
COM UMA ARANHA EM CADA MÃO!
ALAMANDAS II
AS ALAMANDAS CRESCEM EM ESCADAS,
EM GRADES OU TRELIÇAS, OLOROSAS,
DEDAIS-DE-DAMA, ORÁLIAS são, FORMOSAS,
COMO UM NAIPE DE SOPROS ORQUESTRADAS.
TAMBÉM AS CHAMAM DE TROMBETAS DOURADAS,
VINHAS-TROMBETAS, POUCO MELINDROSAS,
CANÁRIOS AMARELOS
(TALVEZ SEJAM VENENOSAS),
COMO ALLAMANDA CATHARTICA NOMEADAS.
EM DOSES BEM PEQUENAS, PRAZEROSAS,
PODEM SERVIR PARA ALIVIAR-TE DORES
OU, APÓS UMA TISANA, ADORMECER.
AS CINCO PÉTALAS DE OURO VELUDOSAS,
QUE ALGUNS PENSAM SUFRAGAR AMORES
EM SEU CÁLIDO PERFUME DE PRAZER.
ALAMANDA III
ASSIM, EU NÃO DESCENDO A ESCADARIA,
MAS COM OS FIOS SEDOSOS DAS ARANHAS
PREPARO LENTAMENTE AS ARTIMANHAS
QUE ME PERMITAM CONTRARIAR
A MARESIA...
DENTRO DA MENTE TENHO SESMARIA
NA QUAL IMPEÇO DOS ANIMAIS
AS SANHAS;
PARA ÁRVORES E FLORES FORAM GANHAS
TODAS AS MILHAS QUADRADAS EM MAGIA!
NÃO HÁ LUGAR EM MINHA MENTE
PARA A MORTE.
OS MEUS ARBUSTOS RECENDEM NOSTALGIA,
NENHUM PERFUME SUPERA
AOS OUTROS MAIS
E ALI PASSEIO, EM SOLITÁRIA SORTE,
A TRANSFORMAR MINHAS FLORES EM POESIA
COMO ALAMANDAS,
QUE NÃO VEREIS JAMAIS...
TRINADOS I – 2002
O que não cabe é ficarmos
a pensar
no que trará o futuro – a
previsão
não é impossível se, com
ponderação,
as sendas certas formos
perlustrar.
Porque o futuro são só nossas
escolhas,
que nuas perduram nos
aros dessa roda
e deixam as demais, em cruel
poda,
jazendo secas e explodindo em
bolhas
de sabão: translúcidas de
sonhos...
Os destinos possíveis dos
risonhos
fantasmas pueris, em vagas
melodias,
que só se escutam mesmo na
memória...
Notas perdidas de esperas
fugidias
antegozando uma cadência
inglória.
TRINADOS II – 22 NOV 14
O que não cabe é ficarmos a
pensar
no que trouxe o passado – a
revisão
do impossível ou de sua
aceitação,
como a base em que os passos
apoiar.
Porque o passado já cumpriu
sua rotação,
no carretel totalmente a se
enrolar,
seus fios se fundem em
magnético moldar,
sem se moverem na mais
frenética moção.
Os longos dias enrolados em
quotidiano
desfiar do fuso e roca do
futuro,
que não podem nunca mais ser
visitados,
salvo por torno diuturno
insano,
enrolado firmemente no conjuro
desses registros já
semidesbotados...
TRINADOS III
Tampouco cabe insistirmos no
presente,
esse assobio irrequieto do
destino,
que a mente nos percorre em
desatino,
lançando atrás o que ficava à
frente...
Martelamos o futuro,
diariamente,
com cinzéis de joalheiro e,
como em sino,
o cristal se vai clivando em
canto fino,
nossos dedos a rasgar, agudamente.
É contra essa parede que
esbatemos
quimeras, sonhos, todos nossos
planos
e dela cada instante
desprendemos,
a escorrer por nossos dedos
como água,
deixando apenas na memória os
danos,
enquanto o eco se desfaz em
mágoa.
TRINADOS IV
Ao quebrarmos os cristais de
tais momentos
nossos ouvidos se enchem de
trinados,
mas tais gorjeios são logo
ultrapassados:
o som se guarda tão só nos
sentimentos.
Em vão prendemos em quadros os
portentos,
matéria seca e morta dos
passados,
as cores vãs dos dias desbotados,
plena isenção dos fugazes
julgamentos.
E se vivemos, tão só
sedimentamos
essas camadas de fios que ali
deixamos,
nesse glorioso carretel da
morte,
enquanto descem em voos
inauditos
esses minutos de rapidez
aflitos,
já ali deixados à derradeira sorte.
GIROSCÓPIO I (2002)
É isso que acontece: uma
pintura
ali está para ser vista
inteira,
tão completada quando uma
escultura
que as mãos do cego percorrem
derradeira.
Um livro ou uma poesia é mais
difícil
comunicar: estão parte no
espaço,
parte no tempo em que tua
mente físsil
se apoia sobre eles, passo a
passo,
percorrendo suas frases
inquietantes...
O teatro, porém, no tempo é
que transita,
igual que a música, tal qual
uma ampulheta,
de grãos de areia escoando
delirantes,
que apenas por instantes se
conecta
quando ao passado o presente
precipita...
GIROSCÓPIO II – 23 NOV 14
Também a ópera é peça
transitória,
parte apenas se encontra no
presente,
com sons harmônicos em
ressonar fremente
e a orquestração de leve ou
peremptória.
Logo a abertura perdeu-se para
a história,
no ralo impuro do estridor
frequente
dessas palmas, a interromper a
mais dolente
cavatina em intromissão
objurgatória...
Correm as notas em branco
suicídio,
cada uma morta antes de seu
compasso,
as barras de divisão são
guilhotina,
cada fermata resistência ao
homicídio
da voz humana brotada do
regaço,
que sobe ao alto e então desce
peregrina.
GIROSCÓPIO III
Mas no teatro é bem maior a
interação,
sem ter apoio da orquestra ou
do regente;
o antigo “ponto” não apoia
mais a gente,
se bem que exista (raramente)
a projeção,
caso um ator esqueça o seu
bordão,
contra o alto do proscênio,
escusamente;
mas a peça é revivida,
realmente,
tal qual sobe da plateia sua
emoção.
Quando há calor, a vida se
transmite
e às dramatis personae emulsifica,
o expectador faz parte do
cenário,
mas onde apenas a frialdade
agite,
para a melhor atriz sobe a
desdita
e o torvelinho só lhe traz
triste fadário...
GIROSCÓPIO IV
Mas como gira sob nossos pés o
verso!
Restabelece o equilibrar a
cada instante,
quando a prosódia se faz
periclitante
ou quando a prosa percorre
ideal inverso.
Num giroscópio de caráter mais
constante,
impõe a cesura firme o ritmo
disperso,
a métrica a bailar em passo
terso,
enquanto a rima impõe o seu
descante!
Quer seja clepsidra ou
ampulheta,
areia ou água pingando sem
descanso,
forja-se o tempo,
equilibradamente,
enquanto gira a interação
secreta
e o passado calcifica em seu
remanso,
por mais que a fúria atual se
mostre ardente!
SORVEDOURO I (2002)
Existe um ralo no centro de meu
peito,
por onde escorre a vida,
lentamente...
O futuro me assalta, no inclemente,
veloz avanço a que se dá o direito...
Nunca permite que tome de minhas mãos
o momento que passa, por feliz
que seja... E até parece que me
diz
que o instante de tristeza, ou esses
vãos
segundos que me escorrem, sem valor,
sejam de bem ou de mal, muito
depressa
ao ralo torvelinham... E,
então, vingança
eu tomo do porvir, porque esse ardor
eu processo por mim, zombando à beça,
enquanto mudo meu futuro em
esperança.
SORVEDOURO II – 24 NOV 14
Talvez o ralo se ache diante de meus
pés
e seja eu que minha vida desperdice,
meu sangue multicor, como já disse
a derramar nesse anel a meus sopés.
Uma cruz divide o círculo das fés
para impedir que, em laivo de tolice,
me precipite inteiro, igual que visse
o meu porvir mais além das ênias sés.
Talvez, em um momento de tristeza,
em cinza inteiramente me virasse
e demandasse os esgotos por ali...
E nem é que esse ralo se importasse
comigo, em tal momento de incerteza,
porque sua boca aurinegra me sorri...
SORVEDOURO III
E se nunca a mim mesmo já cremei,
no calor inusitado de algum banho,
em água ígnea desventrado meu
tamanho,
é que me impôs o ralo a própria lei.
Caso eu escorra, então o entupirei
e não haverá mais lugar para o
rebanho
de flocos de sabão por entre o
estanho
dos canos que com cinza cobrirei.
Esse ralo do banheiro tem defeito,
sendo ligado a tubulações demais,
com gaxetas e junções presas a esmo;
porém o ralo que existe no meu peito
só eu posso vedar e ninguém mais
e assim escoo para dentro de mim
mesmo.
SORVEDOURO IV
Assim, das válvulas que trago nas
minhas veias,
lançarei mão contra o assalto do
futuro;
nas artérias erguerei um forte muro,
não de colesterol, porém de ameias...
Dos capilares eu tecerei minhas
teias,
para impor aos minutos travo escuro,
cada veia a se atar em nó mais duro,
que fique o tempo imóvel nessas
peias...
Bem sei que muito mais existe mágoa
no meu futuro do que consolação,
mas em minha crença eu a batizarei
e cada lágrima, em sua salgada água,
será esperança de renovação,
com que minha própria alma
iludirei!...
REGRAS DA VIDA XXI
Aceita a vida agora, enquanto
ela te assiste...
Ela passa ligeiro e não para
um instante.
Os minutos esvoaçam, em tal
delirante
corrida acirrada que
incessante persiste.
Pois chegam a dizer que tal
voo consiste
para o final adeus tão só
preparação...
O quanto mais frequente nos
bate o coração,
mais vivaz se apressura e para
a morte insiste.
É impossível deter do tempo a
marcha assim.
Mas não é necessário assistir
na impotência.
Não é um filme que passa – se
escoam nossos dias...
E planejar a vida é salvação,
enfim:
Marcar objetivos e alvos, com frequência,
transformando em conquistas as
loucas tropelias...
REGRAS DA VIDA XXII
A roupa faz o homem –
qual antigo
ditado que
expressou a popular
sabedoria, em seu
conselho amigo
e bem intencionado, a te
indicar
a forma de viver em
sociedade,
de tal modo a melhor
impressionar,
na feira das vaidades
barganhar
a venda de ti mesma e,
sem piedade,
comprar passagem na nau
dos insensatos,
onde o que importa é a
aparência externa
e não o que tu guardas
em teu peito
ou em tua mente...
Os olhos são ingratos
e a meiga alma não
desperta terna
avaliação de
amor, sequer respeito...
EMBATES I (25 NOV 14)
Para mim é difícil atitude [postura, adoção]
pensar no efeito que causa [perde, ganha]
minha aparência, pois me ilude [mostra e tapa]
o brilho de um olhar, quando em mim pausa...
[soa, afunda]
Para mim vale mais é ter carinho, [amor e luz]
ser gentil e compreensivo a cada dia, [lua e sol]
manter na mente o esplendor do vinho [sal e azeite]
e conservar constante essa alegria [pura e nua]
que me caracteriza, quer feliz [amargo, meigo]
ou frustrado me encontre É interior [som e cor]
e pouco tem a ver com o exterior. [poeira e amálgama].
E é isso que busco ver em ti. [estrela-guia]
Não um trajar opulento em frenesi, [vão e falso]
mas um cérebro pulsante de vigor... [asa de ave]
EMBATES II
Procuro sempre ver o interior [bem, mal]
de qualquer que comigo contracena; [fala, escuta]
toda aparência apenas envenena, [tortura, engana]
malícia esconde sob véu de amor. (dó, sol]
Poucos se animam a mostrar o seu valor, [ódio, ideal]
mas antes fisionomia mais amena. (espelho, imagem]
Somente a quem o convívio assim condena
[marca, prende]
é que rangem os dentes em furor. [desdém, malícia]
E justamente àqueles que mais amam [fingem, abatem]
é que se acham no direito de mostrar [abrir, fechar]
os pequenos demônios do seu peito [cérebro, aura]
e quando outros em troca a si conclamam,
[atraem, incitam]
mais ofendidas se querem demonstrar [roer, rasgar]
nos outros vendo o seu próprio defeito. [raiva, rancor]
EMBATES III
Junto da pele encontra-se armadura [acúleo, casca]
com que buscamos as mentes esconder. [velar, dobrar]
Não desejamos aos outros compreender [luzir, amar]
mas que nos vejam com plena ternura. [aceite, abraço]
As agressões a receber com alma pura. [subserviência]
O que se diz é fácil esquecer. [ocultar, fingir]
O que se ouve é que vai permanecer. [apodrecer]
Ser compreensivo é tarefa muito dura! [o egoísmo rói]
Porém entendo que a malignidade [desdém, descaso]
corrói cem vezes mais o seu autor [de si verdugo]
como doença quase terminal. [mágoa de câncer]
Mas sem rancor, com magnanimidade, [mais para mim]
os meus demônios governo em bom-humor, [calma, paz]
sem permitir que me dominem, afinal! [luta diária]
EMBATES IV
A minha aura de paz se acha tarjada, [pingos de luz]
pouco me tocam as alheias agressões [medo, afinal]
e assim não busco machucar os corações [mágoa total]
de quem por raiva se acha controlada. [pena de si]
É uma doença, afinal, e dominada [fome e júbilo]
pelos Monstros do Id em emoções, [projeção, fuga]
que deixa livres em muitas ocasiões, [pesadelos, acessos]
enquanto estes a mantêm aprisionada. [serva impotente]
Não que me sinta vítima inocente, [cordeiro pascal]
apenas sei conservar o meu domínio [carinho, tara]
e por vingança, demonstro-lhe paciência. [amor à ré]
Pois sua catarse lhe nego inteiramente, [cruel é o bom]
enquanto exerço um certo latrocínio [maldade pura]
ao lhe negar o dom da violência! (em manso golpe)
FEIRANTES I (26 nov 14)
se alguma coisa eu sei que não Existe
é a mulher se apaixonar pelo Intelecto
e pura e simplesmente dar Afeto
a alguém cujo exterior pouco Consiste.
não é em bela aparência que ela Insiste:
o que interessa é algo mais Dileto,
que lhe garanta um material Objeto,
bem mais que um grão de ressecado Alpiste.
mais que dinheiro, o que importa é a Segurança,
que do homem saiba poder Depender
e demonstrar-lhe assim plena Confiança;
que suas tristezas possa Compreender,
as suas raivas transformando na Esperança
que do perigo ele a possa Defender.
FEIRANTES II
existe ainda sentimento bem Contrário,
se lhe desperta o instinto Maternal:
que o possa então proteger no Material,
como a criança que nasceu do seu Sacrário.
ainda que aja de jeito Atrabiliário,
é como filho a quem, mesmo agindo Mal,
demonstra sempre amor Incondicional,
quer ele seja assassino ou Perdulário,
pois dele fez a sua Propriedade,
faz parte de seu ninho Permanente,
quer educá-lo e o anseia por Perdoar
e num descarte de toda a Humanidade,
a ele domina e repreende Firmemente,
sem que o permita por seus dedos Escapar.
FEIRANTES III
destarte, se a mulher demanda à Feira,
quer escolher o alimento que lhe Agrada
e para um homem sua rede é então Lançada
(ou uma mulher, se terminou Solteira).
pois é uma caça, afinal, Interesseira
e inteligência não se enxerga de Visada;
vê-se o sucesso na presa Cobiçada
ou o corpo apenas, de forma Seresteira.
e são as mil escolhas assim Feitas,
enquanto os homens se iludem de Escolher,
pois as feirantes são, de fato, Femininas
e a tal competição se acham Sujeitas,
querendo a inveja e o ciúme Conceber
em suas rivais, pelas conquistas Masculinas.
FEIRANTES IV
porém no fundo eu sei que é bem Verdade:
não importa, de fato, a Inteligência,
não interessa a bênção da Bondade,
se contraposta ao peso da Aparência.
claro está que mais bela é a Opulência,
aos olhos das mulheres, que a Maldade
subjacente a ela e, com Frequência,
não têm no coração qualquer Piedade,
nem sequer por si próprias, quando Veem
a chance material, Felicidade
somente monetária e Reluzente.
e pouca avaliação seus olhos Têm
ao contemplarem a Sensibilidade,
em caráter mais profundo e Permanente.
SOLITÁRIO I – 27 NOV 14
ARMEI FOGUEIRA EM QUE QUEIMAR MEUS
DENTES.
PRIMEIRO AS PRESAS, DEPOIS OS
INCISIVOS,
MOLARES, PRÉ-MOLARES INDECISOS
E MESMO OS SISOS EU CREMEI,
DOLENTES...
DESDENTADO FIQUEI COMO AS SERPENTES,
TODO O VENENO ESCONDIDO EM MEUS
SORRISOS;
MEUS ATOS SÃO CONTIDOS, POUCOS RISOS,
NÃO SINTO EXULTAÇÃO, NEM DEPRIMENTES
MOMENTOS, POR PIOR QUE SEJA A CAUSA,
ANOS EXISTEM EM QUE NÃO SOLTO
GARGALHADA
E NÃO RECORDO MAIS QUANDO CHOREI,
POIS SÓ NOS VERSOS AS EMOÇOES, SEM
PAUSA,
DEIXO ESCORRER AO LONGO DA JORNADA...
E NEM SEQUER NOS VERSOS ME MOSTREI.
SOLITÁRIO II
DESIGNAM DOS DIAMANTES O MAIOR
PELO NOME DE SOLITÁRIO, ESSE OBJETO
DE COBIÇA E DE VAIDOSO AFETO:
DIZEM SER PROVA DE UM SINCERO AMOR.
CERTAMENTE POSSUI GRANDE VALOR
EM UM ANEL, NO ESPLENDOR DILETO,
A TORNAR UM CORAÇÃO FUGAZ E INQUIETO,
EMBORA SEJA FRIO E SEM CALOR...
TALVEZ POR ISSO O CHAMEM “SOLITÁRIO”,
SEM OUTRA PEDRA A LHE MOSTRAR
CARINHO,
PRESO NO ENGASTE, SEM PODER SAIR,
TRISTE E CLIVADO DO ACOMPANHAMENTO
VÁRIO,
SUA ANTIGA GANGA ABANDONADA NO CAMINHO,
PARA MELHOR EM SUAS FACETAS
RELUZIR!...
SOLITÁRIO III
ASSIM MEUS DENTES A GANGA JÁ NÃO TÊM
E NEM SEQUER O TÁRTARO CONSERVAM;
FORAM MOÍDOS E NADA MAIS EXTERNAM
SENÃO OS OCOS E VAZIOS QUE AQUI SE
VEEM.
FORAM-SE OS DENTES EM EMOÇÕES, ALÉM
DO VESTÍBULO EM QUE VOZES SE
ALTERNAM;
LÁ NÃO SE ENCONTRAM PARA QUE OS
DISCERNAM
NEM QUEM ME ODEIA E NEM QUEM ME QUER
BEM.
ASSIM, SORRIO PARA OS MEUS ANSEIOS
E OS MEDOS TRATO COM CONDESCENDÊNCIA,
MINHAS TRISTEZAS A ENVOLVER EM
BOM-HUMOR,
OS MEUS RANCORES E PENDORES FEIOS
ENTRONIZADOS NOS ALTARES DA
IMPOTÊNCIA,
ENQUANTO EU BRILHO A SÓS, MAS SEM
TEMOR.
SOLITÁRIO IV
E COMO TAL VALOR DÃO AO DIAMANTE
QUANDO OS CRISTAIS FORAM DELE
ESFACELADOS,
EM FRAGMENTOS TÃO SÓ ESMERILADOS,
MAS AINDA CAPAZES DE SER LIXA
DESGASTANTE,
VALOR SE DÊ À SOLIDÃO EXPECTANTE
QUE SE VIU RECORTADA DOS PECADOS
E CUJO NÚCLEO TRAZ AMORES ISOLADOS,
ENQUANTO A DOR O TORNA MAIS VIBRANTE,
MEREÇA MAIS VALOR QUEM ESTÁ SÓ,
EM SUA QUIETUDE QUE NÃO PODE SER
RISCADA,
NÃO MAIS QUE O PODE A LÁGRIMA
ANELANTE,
QUE TE REFLETE O ROSTO COM SEU DÓ,
SÓLIDA E LÍQUIDA, SEM PODER SER
RECORTADA,
NA SOLIDÃO QUE A DEIXOU MAIS
TRIUNFANTE.
PURPURINAS 1 – 28 NOV 14
Sempre dizem que é discreta a violeta,
Toda escondida sob úmida folhagem,
Transmitindo suavemente sua mensagem
Que no ar se evola em compaixão secreta.
Por isso dizem que essa flor é a mais discreta,
Na palidez heliotrópio de sua imagem,
Como as olheiras, após longa viagem,
Noite de amor ou desgastar de atleta.
Também eu vivo assim, modestamente,
Sob as hastes de outras plantas altaneiras,
Porém minhas flores têm função completa,
Roxo perfume a lançar, pungentemente,
Ainda no anseio de esperanças sobranceiras:
De ser potente com a simples violeta!
PURPURINAS 2
Destarte eu vivo, sem ter paixão secreta,
Sem ambição de sobre o mundo dominar,
Meu canto leve no ar a dispersar
De um olhar para outro, igual que atleta.
Meu canto é frangipani e violeta,
Um no perfume e outro no pintar,
Um na beira do caminho a se encontrar,
Outra escondida em pétala completa.
Meu canto é o orvalho roxo da alvorada,
Um borrifar no vento, multiforme,
Qual um perfume que te entra pelo olhar.
Meu canto é como a noite iluminada
De manso odor, que se espalha, desconforme,
Como sabor de saudade ao paladar.
PURPURINAS 3
Minha violeta não é a púrpura dos reis,
Mas uma simples fímbria contra o verde,
Um traço meigo que se esmaece e perde,
Um debruar que jamais compreendereis
Se não fruirdes de parelhas leis:
Modéstia e olor são dotes que se herde,
Radícula e sépalas redes que se cerde
E que somente no escuro tecereis.
Não me refiro ao reluzir carnavalino,
Faíscas falsas sobre a maquiagem,
No debrum rápido da experiência do momento,
Mas ao eclesiástico tecido peregrino
Que se dilui, crepuscular paisagem,
No calmo entardecer do sentimento...
PURPURINAS 4
Minha emoção também na sombra vive,
Sem grande exposição ao áureo sol;
Dorme nas palhas do defunto girassol,
Cuja semente em vão o solo crive.
Que minha emoção nenhuma pompa ative;
Basta o frescor umbroso ante o crisol,
Pétalas roxas refugiadas do arrebol,
Que do calor folha mais larga esquive.
A minha púrpura é leve e se desmancha
No rutilar do lírio em cada vale,
Gota de orvalho no arroxeado xale
Que então em teu olhar, breve, se engancha,
A tua atenção por momento a seduzir,
Até que o verso recolha-se a dormir.
William Lagos
Tradutor e Poeta
Blog: www.wltradutorepoeta.blogspot.com
Tradutor e Poeta
Blog: www.wltradutorepoeta.blogspot.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário