VIVEIRO III – O PARDAL
William Lagos
VIVEIRO III – O PARDAL I
– 15/7/06
A que compararei o meu
amor?
Ao pequeno pardal, que
mal pipila;
Exposto aos gatos, nem
sequer vacila
Ou aos golpes do ciúme e
desamor.
Ou a esta doce prenda de
menina,
Enraizada há tantas
gerações,
Nesta terra sulcada de
emoções,
E ainda assim, graciosa
e feminina.
Temor não sei qual seja
que a dirige
A confessar amor e a
recantar,
Qual se tudo não
passasse de ilusão,
Na insegurança, afinal,
que tanto a aflige,
Penas castanhas de vago
cintilar,
Na singeleza castanha da
infração...
O PARDAL II – 30 NOV 14
Ontem quase tropecei em
dois pardais
Que me trataram em
confiança, como amigo,
Saindo a pulular, sem
ver perigo,
Deslocados de onde
estavam, nada mais...
As crianças de hoje já
não mais
Lhes jogam pedras como a
um inimigo;
Bem outros interesses
têm consigo:
Seus videoguêimes, em
embates triunfais,
Em que trucidam muito
mais que passarinhos
E destarte, tripudiam
facilmente
Sobre outras crianças,
cujos rogos
São desprezados, sem
sombra de carinhos,
Como monstros ou zumbis,
na busca ingente
De mais pontos
conquistar para seus jogos...
O PARDAL III
Também os gatos, em sua
maioria,
Encontram hoje quem os
alimente;
Passam dormindo, num
sonhar contente,
Para acordar só quando o
faro os atraía...
Ou quando a voz de sua
criada lhes dizia:
“Venha, gatinho, pus sua
ração à frente,
Troquei sua água e sua
sujeira indiferente
Limpei enquanto você
calmo dormia...”
Por que então caçariam
aos pardais?
Ainda alguma fêmea exerce
o instinto,
Mas não por fome, mais
pelo prazer;
E mesmo os ratos, suas
presas naturais,
São desprezados por seu
olhar faminto,
Sem mais pensarem em
exercer esse dever...
O PARDAL IV
Assim adejam por aí os
passarinhos,
A eclodir calmamente, em
quantidade,
Se as caturritas não
chegam, é verdade,
Para matar seus rivais
mais pequeninhos...
São protegidos tais
pássaros daninhos,
Sem serem fauna nativa,
em realidade;
São imigrantes com
bastante liberdade
Em seu fácil destruir
destes bichinhos...
Porém, quem se interessa
por pardais?
É por isso que nos são
indiferentes:
Porque tanta indiferença
lhes mostramos,
Mesmo que as pombas
sujem muito mais
E esses pássaros
castanhos, complacentes,
Tão só passeiem nas
calçadas que pisamos.
O PARDAL V
Mas quando alguém tem
índole de pardal
E, por maior, pode
chamar mais a atenção,
Torna-se alvo de caça e
humilhação:
Não falta alguém que lhe
queira fazer mal...
Pobre menina, ainda só
meio virginal,
Que encontra as garras
agudas do gavião,
Que arranca a flor da
sua carnação
E adiante segue, no seu
passo triunfal!
Sempre algo ele devora
da menina,
Que mais não seja a sua
ingenuidade,
Pois nunca mais
demonstra igual confiança!
E quando alguém encontra
que a estima,
Fá-lo pagar por ter
sofrido essa maldade,
Nas mãos do outro que
comeu a sua esperança!
O PARDAL VI
Assim eu a encontrei e
me iludi
De que seria capaz de
consolá-la;
Sem dúvida, pensei em
conquistá-la,
Mas por seu bico fui eu
que me perdi...
Pequenas mãos de garra
que acolhi
E dela recebi o beijo e
a gala;
Escutei noite a dentro a
doce fala
E nos seus braços muita
vez dormi...
Mas nunca, realmente,
cheguei perto
Dessa confiança
encolhida no seu peito:
A cada vez que chegava,
ela fugia
E seu amor foi como água
no deserto,
Salobra e escassa, feito
de despeito
Pelo passado que zombado
dela havia!
VIVEIRO IV – A COTOVIA I
– 15/7/06
A que compararei o meu
amor?
À cotovia, que anuncia a
aurora,
Que voo alça inda à
noite, nessa hora
Em que o sol mal nos
mostra seu rubor,
Mas canta a alba do
risonho dia,
Gorjeia alegre e cheia
de pujança,
Na melodia que me dá
esperança
De ver-me nos seus
olhos, como via
Brilhar nos meus o canto
da saudade,
Dessa avezinha tímida e
insegura,
Nas tempestades de seu
coração,
Tão turbulento em sua
opacidade,
Quão cristalino, na
alvorada pura,
Desse seu canto frágil
de emoção...
A COTOVIA II – 01 DEZ 14
Da cotovia o canto
sempre avisa
Sobre a veloz
aproximação da aurora;
O momento de partir o
amante embora,
Qual na famosa peça se
repisa.
É o princípio da saudade
que se alisa
Até o ensejo fugaz de
uma outra hora
Ou a lembrança robusta
de um outrora,
Quando partir para longe
se precisa.
Ela pipila como doce
amiga
No seu aviso, talvez
enciumada
De ter passado a noite
adormecida,
Sem que um igual
usufruto ela consiga,
Por mais que esteja
igualmente apaixonada
E amor perceba, sem ter
amor na vida...
A COTOVIA III
Foi contraposta por
Shakespeare ao rouxinol,
Que entusiasmado canta a
noite inteira,
Só descansando na manhã
a seresteira
Ave, de seu longo
descante de farol;
Tem o macho a plumagem
mais de escol;
As fêmeas simples, num
marrom que abeira
Mesmo o pardal, sem
galhofa domingueira;
Tem ele o peito da mesma
cor do sol...
Já foi chamada de “anjo
da primavera,
Que voa alto, a
percorrer os céus
E dá esperança aonde
quer que está...”
Mas quando acaba a
derradeira espera,
Envolve o amor com
amortalhados véus,
Enquanto parte para onde
quer que vá...
A COTOVIA IV
Compõe a família das
aves Alaudidas
(Talvez seu canto
recordasse o do alaúde).
Um musicólogo com cuidado
as estude
E veja até que ponto são
tangidas...
Dizem que César, em suas
longas lidas,
Recrutou uma legião de
canto rude,
A que, em relatos,
Estrabão alude:
A Quinta Alaudae de
glórias incontidas
Que marchava cantando
para a guerra,
Como uma forma de
adversários espantar,
Temida por bretões e por
gauleses
Por conquistar assim a
franca terra,
Depois de Breno ir à
Roma conquistar,
A que espoliou não uma,
mas duas vezes...
A COTOVIA V
Os camponeses não amam
cotovias,
Especialmente durante a semeadura,
Pois seus labores sofrem
sorte dura:
Vêm logo atrás, a
percorrer suas vias.
Por belo o canto, são
tidas por bravias
E nem ao menos causam
grande agrura
Aos insetos daninhos, de
mistura
A devorar os trigais, em
grãs orgias...
No solo são difíceis de
enxergar,
Por terem o seu dorso
acastanhado
E não darem importância
aos espantalhos;
Mais de uma vez, as
tentaram exterminar,
Em defesa a seu labor
tão esfalfado,
Quando ferem a terra com
seus talhos.
A COTOVIA VI
Mas por que meu amor e a
cotovia?
Porque seu canto
mostra-me a esperança,
Mesmo que ao lavrador
não dê bonança,
Por mais que encha as
alvoradas de magia...
Porque ela voa alto, em
sua folia,
Torna-se um ponto
apenas, à distância,
E mesmo assim o seu
gorjear me alcança,
Porque sem música eu
viver nem saberia...
Bem gostaria de
escutá-las no jardim,
Mesmo que habitem quase
que só na Europa,
Qual um amor quereria
junto a mim,
Ainda que voe para outro
coração,
Porém me deixe beber da
mesma copa
Do vinho aéreo destilado
de emoção...
ZODÍACO I – 27/11/2002
Quando mais doce jazia o sentimento.
imerso na paixão da desvalia;
quanto mais prenhe então
assim sentia
essa emoção de desfalecimento;
quando me vi, no desconhecimento
da
pura avaliação da nostalgia
de perder esse amor, que mais queria,
a troco de fingir-me dele isento,
Então, somente então, despercebido,
foi-se insinuando o meu ideal ferido,
qual um inseto que se arrasta pelo
chão...
E tomou-me de assalto persistente,
a perda desse amor...
Equivalente
à
picada pungente do Escorpião...
ZODÍACO II – 02 DEZ 14
Quando notei que o sentimento alheio
era escolhido, de preferência ao meu;
quando notei que a devoção do ateu
era deposta perante o altar no veio,
quando notei que o morno de seu seio
um outro peito mais fácil aqueceu,
nessa emoção que total nunca me deu,
quanto senti de ressentimento feio!
Pois me dizia: “Eu sou assim, me
aceita
ou então, me deixa: escasso é meu carinho”
e então a vi mostrar tê-lo à
vontade!...
Não para quem tanto a ela se sujeita,
mas para outrem, de caráter mais
mesquinho,
numa Balança feita de maldade!...
ZODÍACO III
Segui então a gama assinalada:
dodecafônico animal cortejo;
em cada signo procurei meu beijo,
mas no horóscopo só vi troça partilhada.
Asseteou-me Sagitário em gargalhada,
três decanetos de indiferente ensejo;
da lã de Capricórnio, um percevejo;
de Leão rugido que não me trouxe nada.
E tive Gêmeos pendores na minha boca,
mamilos de jasmim que me falharam;
em Virgem achei donzela desfalcada;
E Touro me expulsou, com sua voz rouca,
os Peixes num Aquário se afundaram,
levando amor de Câncer a fisgada!...
ZODÍACO IV
Hoje um signo somente não menciono:
a ti o deixo para adivinhar...
talvez amor ali possa encontrar,
talvez rancor de novo seja o dono;
mas depois de ver lançado no abandono
esse carinho, sem dele descuidar,
sinto que os astros de mim querem
zombar,
em conjunção, desde o primeiro ao nono...
Amor não mais que a falha inesperada
no batimento do ritmo cardíaco,
ao descobrir a traição em sua
meiguice...
Amor, essa sequência pela estrada
dos animais na dança do zodíaco:
poeira de estrelas em meus anos de velhice.
PLENISSÓLIO
1 – 28/11/2002
Tens
estado tão bela ultimamente!...
Cada
vez que te vejo, certa luz
Resplandece
em teus olhos, me seduz,
Como
se fosse a vez primeira, totalmente...
É
como se, de novo, à superfície,
Subisse
o amor em jóia cintilante...
Não
se pode esperar seja constante
A
expressão do amor, nessa imundície
Que
produz o marasmo corriqueiro...
Os
dias feitos lodo, dias de limo,
Que
mofam e empanecem relações...
E,
no entretanto, como seria lisonjeiro
No
canto de teus lábios, esse mimo
De
sorriso, que expande os corações!...
PLENISSÓLIO
2 – 03 DEZ 14
Muito
embora enovelada em amargura,
Ainda
contemplo a esfera complacente
Em
tuas pupilas, num brilho incandescente
Que
se lança para mim em noite escura...
Surge
centelha e réstia de doçura,
Cada
pestana escondendo, transparente,
A
fagulha que ainda está subjacente:
Esse
sorrir da alma em formosura...
Ah,
bem quisera partir essa mortalha
Reconduzindo
tua carne para a vida!
É
a ti mesma que pareces querer mal
E
assim forjas de gesso uma muralha,
Que
tantas vezes quebrei, nessa perdida
Batalha
contra a dor desnatural...
PLENISSÓLIO
3
Contudo,
insisto, e é como se encontrasse
Nesse
teu corpo, um espírito jacente,
Que
punição buscasse, mansamente
E
mais que a todos, a si martirizasse...
Que
a cada vez que em teu rosto se estampasse
A
luz do Sol, que me faria contente
Recuaste
os passos para a jaula permanente,
Sem
nada mais que para mim se demonstrasse.
Fico
a pensar que, se te maltratasse,
Com
golpes ou palavra indiferente
E
outras mil além de ti buscasse,
Se
fosse bêbado ou jogador inconsequente,
Irresponsável,
vagabundo totalmente,
Maior
carinho em teu olhar achasse!...
PLENISSÓLIO
4
Talvez
só esteja em mim essa beleza
Que
enxergo em ti, no ocaso transitório;
A
carne não se encontra no cibório,
Só
ali se encontra sinal externo de pureza.
Mas
eu consigo desvendar na singeleza
Do
olhar mortiço o brilho do ostensório,
Quando
em tua alma busco responsório
E
não alcanço escutá-lo em sua riqueza...
É
como houvesse outra ali, superjacente
Àquela
que eu amei e que não vejo;
Que
à superfície só flutuasse outra mulher
E
lá no fundo eu escutasse um pranto ingente,
Em
pura súplica por derradeiro beijo
E
só o receba aquela que não o quer!...
CISMAS I – 29/11/2002
o povo pensa, quando cai a noite,
que o crime, o roubo, então se propicia:
é hora de adultério... Mas do dia
não se acredita que a pura luz acoite
qualquer mal ou segredo. Ao som da aurora,
do cheiro ao meio-dia, ao pó da tarde,
quando a visão mais aguçada arde,
só pode haver trabalho. E então, se chora
pelo banho ao crepúsculo... O perfume,
a espera pela amante, uma visita,
que quando chega, o coração palpita,
aquecido nas flamas desse lume,
que salta de outro amor ao coração
e o mal transmuta apenas em ilusão...
CISMAS II – 04 DEZ 14
assim acorda à noite o adultério,
adormecido, em puro fingimento,
durante o dia, em cordas de lamento:
alma-penada a brotar do cemitério.
a transgressão invade o eremitério,
desde a canícula até o desbotamento,
não na sombra da noite, em um só momento:
o mal se guarda nos porões do monastério.
porém visitas ao meio-dia confundem:
quando muito se pensa em planejar;
é bem mais fácil que haja interrupção
e as intenções do acariciar se afundem
no toque súbito de um só telefonar,
igual que adaga a decepar a excitação.
CISMAS III
mas há traição a qualquer hora do dia
e muito mais na mente desconforme
que no corpo que a tal busca se conforme,
por mais que amor se consuma sem magia
ou se consume em união mais fugidia,
nesse momento de exultação enorme,
em que o desejo dos outros ainda dorme,
só despertando no eclodir da noite fria.
pior traição essa que nunca se consuma,
mas permaneça em apelo lancinante,
insatisfeita por temor ou indolência,
do que aquela que direta ao alvo ruma,
inconsequente em seu fútil instante,
logo esquecida pelo fácil da aquiescência.
CISMAS IV
dorme o cismar na sombra e sonolência,
correm os sonhos em puro devaneio;
nem se dorme, nem se acorda nesse enleio,
branco intermédio entre o orgasmo e a impotência.
correm parceiros em caçadas e latência,
nascem ideias, de alguma se abre o veio,
correm quimeras libertadas de seu freio
nessa hora pura da mais firme inconsistência.
é nesse então que nos fala o inconsciente
e do consciente pode então troçar,
por sua cisma de ser controlador,
enquanto o dominante onisciente
está na mente e tudo pode adivinhar,
do futuro e do passado o grão-senhor!
IMPOLUTA I – 30/11/2002
Ela me amou e, então, se prostituiu:
por não pensar ser digna, fugiu;
buscou novos conselhos, reluziu,
na música e na arte, triunfante...
Não foi seu corpo que me seduziu:
nem foi seu beijo, que a tantos repartiu;
e nem sequer foi ouro que pediu,
porém buscou, na vida delirante,
ser mais que fora, quando me encontrou,
para voltar a mim cheia de glória;
e assim, perdeu-me, pois outra surgiu,
confiante em si; e, em seu poder, julgou
dar-me o prazer que me negara a história:
e no seu ventre o sonho ressurgiu.
IMPOLUTA II – 05 DEZ 14
Foi
Polímnia que amou, semivelada;
o
seu dom era votado ao sacrossanto;
tocou-me
com a fímbria de seu manto:
estranha
esposa, para mim sempre intocada.
Euterpe
veio, sem inibição, alada,
em
meu ouvido a soprar da flauta o encanto;
tentei
segui-la, arco e cordas em espanto:
também
sorriu e deixou-me pela estrada.
Restam
somente as minhas partituras,
que
no futuro talvez ninguém recorde;
por
algum tempo por intérpretes lutei,
mas
veio o fogo, consigo ínclitas agruras;
salvei
algumas a que a chama pouco morde,
mas
no fundo das gavetas as deixei...
IMPOLUTA
III
Com
Tália e com Melpômene me associei,
sobre
a ribalta, algum texto a interpretar
ou
a outros breve fama a indicar:
um
diretor, de certo modo, é rei.
Posso
dizer que nunca fracassei
dentro
do âmbito que me dispus a dominar;
não
houve peça sem aplausos alcançar,
porém
o fogo destruiu quanto guardei.
Gravações
eu perdi e diapositivos,
até
mesmo as numerosas fantasias,
que
em minha ausência dispersaram por aí;
foram-se
assim meus ternos dias votivos,
enovelados
na centelha das magias
de
uma esperança que nunca mais colhi.
IMPOLUTA IV
Busquei Calíope, a que vive em meu jardim,
e sobre os palcos eu até cantei;
as ilusões da vida dispersei
pelas cordas da garganta em alfenim;
hoje de Erato recebo o benjoim,
embora a lira com que me apresentei
seja de tinta ou em teclas digitei
feitas de plástico, não teclas de marfim;
deu-me o prazer que me negou a astrologia,
a eloquência perdida e igual a história;
permanece-me fiel e eu a ela;
lá do canteiro, Calíope ainda vigia
sob a luz do plenilúnio, em branda glória,
porém é Erato que em minha mente vela...
REGRAS DA VIDA XXII-A
Sempre que fores encontrar
alguém
que julgues importante, ou que
suspeites
que te possa auxiliar ou falar
bem,
veste de acordo, como se os
enfeites
fossem importantes ao outro:
é homenagem,
demonstração de que lhe dás
valor;
não é só pelo estilo de tua
imagem:
porque a ti mesma irás melhor
expor...
Veste o belo que tens para
quem amas,
não para a festa, aos olhos
invejosos,
mas para quem te enxerga o coração.
Não que descures de ambientes
mais vaidosos,
mas não te olvides que amor é
quem mais chamas
e que o trajar compõe-te a
sedução...
REGRAS DA VIDA XXIII
Não importa o que creias: crê
somente.
Estéril é tua vida, se não
buscas
qualquer tipo de ideal, se não
te ofuscas
na transcendência da arte, na
aparente
existência de um deus...
Ou na ciência,
na busca, enfim, das falsas
igualdades,
no cultivo de ti, nas
liberdades,
nas chamas transitórias da
aparência...
E se não existir isso em que
crês,
que importância terá?
Pois sempre creste
e te aqueceu a umidade dessa
crença...
A fé só vale aos sonhos que
não vês,
que te servem na vida...
E aos quais deste
a escravidão feliz da
bem-querença...
GAFANHOTOS I – 06 dez 14
BUSQUEI NA VIDA O BELO E A POESIA
E SEMPRE MÚSICA TEMPERA-ME A AUDIÇÃO;
QUANDO SOZINHO, NÃO SINTO SOLIDÃO,
SOMENTE O MEDO DE ACHAR DESARMONIA.
DE FATO, A MELODIA AINDA SE CRIA
LIVREMENTE, EM MINHA IMAGINAÇÃO
E SE O QUISESSE, SEM QUALQUER DESILUSÃO,
PODERIA COMPOR O QUANTO QUERIA.
TENHO NOS LIVROS E NOS VERSOS O CONSOLO,
TALVEZ QUESTÃO DE TÃO SÓ METABOLISMO:
MEUS HORMÔNIOS É QUE SÃO BEM-HUMORADOS!
TRAGO A ALEGRIA SENTADA NO MEU COLO,
IGUAL CRIANÇA, SEM FALSO MORALISMO
E POR ELA PERMANEÇO ENAMORADO!,,,
GAFANHOTOS II
HOJE ME VEJO CERCADO, TODAVIA,
EMBORA EU MESMO SÓ VEJA O LADO BOM,
POR ESSA GENTE DE NEGATIVO TOM
E VINGATIVA ABORDAGEM NA SUA VIA.
É COMO SE ENCONTRASSEM HARMONIA
NA DISCÓRDIA INFELIZ DE UM NOVO SOM
E SÓ SOUBESSEM REGALAR-SE COM
ESSE RANCOR QUE LHES PERMEIA O DIA!
E AO ME VEREM EM PERPÉTUO BOM-HUMOR
(POR PIORES SEJAM AS COISAS AO REDOR,
SEMPRE ALI ENCONTRO MOTIVO DE IRONIA),
TÊM RESSENTIDO SEU CONSTANTE ARDOR,
DÃO-ME MOTIVOS PARA MÁGOA FRIA,
NA MÁ ALEGRIA DE A OUTREM CAUSAR DOR.
GAFANHOTOS Iii
SÃO FAMÉLICOS INSETOS QUE ME COMEM
DIARIAMENTE A GENTILEZA E O BEM-ESTAR.
NO PESSIMISMO A QUE ME QUEREM CONDENAR,
DESTRUINDO O ALTRUISMO QUE ME TOMEM.
NÃO O QUEREM PARA SI, POIS SÓ CONSOMEM
O VERDE DA ESPERANÇA E DO CANTAR;
NÃO APRECIAM DE MINHA MÚSICA O ESCUTAR;
EM SEU SILÊNCIO ESPERANDO QUE ME DOMEM.
MAS AINDA ASSIM ILESO EU PERMANEÇO,
A MINHA PELE RASGADA RECOMPONHO,
TRAGO UMA AURA AZUL EM TORNO A MIM
E OS MALEFÍCIOS FACILMENTE ESQUEÇO,
ENQUANTO ALFANGE AO ÓDIO CONTRAPONHO
E AINDA PROVO DO BEM SEU ALFENIM...
GRILOS
CANTORES I – 7 DEZ 14
Naturalmente,
eu preferia conviver
com
quem amasse do som a melodia,
não
sedentária televisiva orgia
de
filmes maus de alheio conceber.
Eu
bem queria do meu lado ter
mentalidade
de idêntica harmonia,
de
voz suave, junto a quem eu cantaria
essas
canções que já pude escrever.
porém
os grilos são bastante perseguidos
ou
em gaiolas de cabelos confinados
para
dar sorte, segundo pensam os chineses
e
os equilíbrios são assim mantidos,
por
mais que sofram os bem-humorados
o
pessimismo que os corta tantas vezes.
GRILOS
CANTORES II
Por
isso busque quem encara a vida
com
melhor perspectiva e em cada mal
enxergue
o lado bom, pois afinal,
tudo
depende da cor que é percebida.
Onde
um avista o mundo em deprimida
atitude,
emurchecido num mortal
desânimo,
para outro é natural
levar
toda a maldade de vencida.
Escolha
bem, portanto, a companhia:
quem
lhe dará a mão quando precisa
ou
que o possa na derrota aconselhar.
Que
a vida pode lhe dar muita alegria
quando
em sinceridade a gente pisa
e o
infortúnio bem sabe desprezar...
GRILOS
CANTORES III
Ao
pessimista o bom-humor é irritante;
canto
de grilo impede o seu dormir;
que
as roupas roem, ficam a insistir,
como
desculpa para um gesto assassinante.
Será
meu canto igualmente conflitante
com
o mau-humor que anseiam por nutrir?
E
se pudessem um spray me dirigir,
me
matariam, em um borrifo triunfante?
As
companhias escolhi, talvez por erro
e
as mantenho sem nem saber porquê:
existe
amor ou apreço à depressão?
Pois
a vejo de meu lado qual enterro
de
quanta benignidade a gente vê,
mas
que conserva no exterior do coração...
diacevasta
I (coletor de poemas) – 8 dez 14
li
certa vez, em Ariano Suassuna,
o
termo “diacevasta”, definido
por
“coletor de versos”, incontido
pela
ânsia antológica que assuma.
de
dicionários consultei a ruma,
até
a enciclopédias compelido,
nos
de inglês também me vi perdido,
de
francês ou de espanhol, que assim resuma
muitos
termos de semelhança portuguesa;
procurei
em alemão e até no grego,
no
russo, no latim e no italiano,
nessa
busca de confirmar essa proeza,
mas
em parte alguma descobri, não nego,
confirmação
do sentido que reclamo.
diacevasta
II
parece
sânscrito em sua construção,
mas
se considerar qual a sua origem:
as
variegadas linguagens que me afligem
na Pedra
do Reino, em sua compilação,
fico
a pensar em uma vasta empulhação,
que
os eruditos com picaresco atingem,
que
o picaresco com erudito tingem;
pensei
que o termo fora só invenção
de
tal inegavelmente habilidoso
manipulador
de uma linguagem
que
raramente a genialidade abrange;
e
esses letrados, de papo primoroso,
dificilmente
entenderam a pabulagem
que
essa tragicomédia tão bem tange.
diacesvasta
III
perdi
bom tempo empós o diacevasta
(ou
quem sabe, fosse um termo feminino?)
qual
fora enxerto de framboesa e marasquino,
sem
encontrar quaisquer uvas dessa casta...
deste
modo, achei que tríade me basta,
já
completado meu diário desatino;
sabem
os deuses se algum dia seu tino
para
alguma biblioteca assim se arrasta...
buscando
ainda confirmar-lhe a existência,
pensei
então em consultar a Rede,
em
que tantas maravilhas colocaram...
e
realmente, houve quem teve a paciência
de
incluir ali igual verbete
e
seu existir então me confirmaram...
diacevasta
IV
dizem
que é o nome de um grego alexandrino
que
obra própria não conseguia fazer
e
assim se dedicou a desfazer
a
obra alheia como um crítico ferino!
pois
contestou mesmo o trabalho peregrino
do
velho Homero e gastou tempo a escrever
as
mil possibilidades a escolher
sobre
qual fora o autor do poema fino...
se
o Michaelis e o Aulete o incluíram,
por
que o Aurélio e o Houaiss não o fizeram?
será
que a mim acometeu a miopia?
ou
as palavras, como sempre, evoluíram
e
em dicionário on-line então couberam,
mais
como crítica que como antologia...?
BRISAS
AFOITAS I – 9 DEZ 14
Com
dedos suaves, as folhas da palmeira
acariciam
meu rosto e tocam-me no olhar;
janelas
fechadas... Não há brisa no lugar:
elas
me tocam com intenção brejeira...
Talvez
me queiram consolar da companheira
que
seus carinhos hoje prefere me negar;
a
verde rama quiçá quer-me consolar
pela
ausência dos dedos que mais queira...
Talvez
habite na palmeira uma fadinha,
apercebida
de meu triste desconsolo
na
depressão da mulher que me acompanha,
que
só das próprias mágoas se avizinha
e
tão somente a própria dor toma no colo,
à
pena indiferente que a outrem banha...
BRISAS
AFOITAS II
Talvez
aquela que meu penhor deseja
esteja
oculta sob cepa alheia
ou
personalidade em dura peia,
que
sua manifestação quase não enseja;
pois
já vi essa mulher, foi benfazeja
a
intervalos e assim prendeu-me na sua teia;
de
amor com ela já fruí da ceia,
quando
na grade do olhar por vez adeja.
Mas
vejo outras, de ânimo diverso,
pois
ela mesma me diz ser esquizoide
e
algumas, acredito, até me odeiam;
porém
aguardo a abertura do universo
em
que se abra para mim esse romboide
e a
veja livre das lâmias que a peiam...
BRISAS
AFOITAS III
Talvez
até seu espírito escapasse
e
se escondesse nas ramas da palmeira
que
um dia ela plantara, bem faceira,
sob
luzes fluorescentes que ligasse.
E
só assim o seu carinho se estampasse
nas
folhas verdes de paz alvissareira
e
me tocasse assim, gentil parceira,
como
um beijo que dos lábios lhe pingasse.
Que
seja assim, uma dríade encarnada
a
me soprar o consolo e a aceitação
que
não consegue, em sua mente aprisionada;
que
ainda a amo e espero, na verdade,
que
a custo de insistência e devoção,
possa
trazê-la de volta à liberdade...
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