AO
REDOR DO FOGO – William Lagos
AO REDOR DO FOGO I – 16 FEV 15
As espadas do sol encolhem a escuridão,
brandidas por mil ígneos legionários;
não existe mal em tais combates temporários
e nem tampouco nessas luzes proteção.
Um mar existe ao redor desta nação,
a luz e a sombra a percorrer contrários
os seus caminhos, sem que sejam solidários
os seus desígnios para nossa habitação.
Pois luz e sombra não passam de serpente
que persegue a si mesma, sem parar,
a luz do olhar pouco a pouco a esmaecer,
até tornar-se a cauda num potente
carvão de treva, fugindo sem parar
da dupla chama em seu constante ameaçar!
AO REDOR DO FOGO II
Assim é a luz dos olhos a torrar
o chocalho da cauda que lhe escapa,
a dor perene em penetrante faca,
a pobre cauda perene a lastimar!
Como ela corre em seu impulsionar
o corpo inteiro num flutuar de capa,
da chama pálida que sua escama empapa
de um sofrimento de que corre sem parar!
A serpente se apressa a devorar
sua própria cola ao longo desse anel,
mas somente a consegue chamuscar;
sente a cabeça a terrível dor cruel,
sem perceber ser ela mesma a provocar
a dor do tempo, sem lhe dar quartel!...
AO REDOR DO FOGO III
A dor, às vezes, se torna tão intensa
que a cabeça suspende o avançar,
as suas forças buscando recobrar
e é então que a tempestade mais se adensa;
portanto, é inútil nutrir a menor crença
de que Ouroboros tenha bênção para dar;
igual que um cão vem a si mesmo lastimar
e no próprio redemoinho apenas pensa.
E assim ocorre, desde que o mundo é mundo;
algumas vezes, dispersam-se fagulhas;
em outras caem os restos dessas hulhas
e sobre a Terra há despertar profundo:
nascem as plantas, depois os animais,
surgem os homens de mistura com os demais.
AO REDOR DO FOGO IV
E quando desce sobre nós a tempestade,
é só a cauda a si mesma a refrescar,
quando ela tisne a cabeça, em seu penar:
não cai a chuva num gesto de bondade!
Nem a canícula da seca é sua maldade,
mas apenas sua corrente a calcinar,
a Terra inteira em lento evaporar
para o vigor da própria divindade!...
Por isso é que erguemos cada altar
e ali as vítimas lhe sacrificamos:
sobe a fumaça a cobra grande a refrescar
e assim ela perdura em sua corrida...
E enquanto corre, nós mesmos continuamos,
pobres fagulhas da serpentina vida!...
e-LOVE
I – 15 dez 02
"Eu
te amo", me disseste. E não podia
deixar
de ser assim. Naturalmente,
um
tal amor é mútuo, uma euforia
de
parte a parte, que já provei frequente.
Não
que fosse necessária essa alegria
te
repetir de novo... Redolente
de
meu afeto antigo... Uma elegia,
que
se reflete no tempo indiferente...
É
assim o meu amor: tão resistente
às
ausências e aos embates, desencontros
que
desapontam, mas sem ferir o coração.
Porque
esse amor é sabido persistente,
e
mais provocará novos encontros,
de
amor concreto e limpo de ilusão.
e-LOVE
II – 17 fev 15
“Eu te
amo!” – respondi e fui sincero;
não se
tratava de imaginário apelo,
nem um
gemido provocado por desvelo,
grito de
culpa de palor austero...
A frase
eu repeti, em canto vero,
mesmo
usada, como as vestes de um adelo,
por ser
frase de amor e querer tê-lo:
se amor
proclamo, mais amor eu gero...
E se te
envio amor em digital
tradução
de sentimento espiritual,
é porque
quero ao mundo proclamar
bem mais
que versos em papel de seda
que na
Bíblia se esconda e se conceda
breve
leitura para depois guardar...
e-LOVE
III
Sempre o
amor foi coisa imaterial,
que se
provava por gesto e por ação
e se
afirmava em suspiro de emoção,
mais
longo o toque de cunho espiritual
que a
completude do gozo material
que
afinal, pensando bem, faz-se ilusão:
um breve
instante de estupefação,
bem
transitório e transitório mal,
que se
reduz à lembrança do carinho,
que se
recorda ao som de algum perfume,
que se
deseja usufruir mais um pouquinho
e então
se esvai, num ressaibo de azedume,
breve o
prazer e orgasmo tão mesquinho,
a se
apagar, tal qual se acinza o lume...
e-LOVE IV
Será, portanto, apenas
natural
que se reduza amor a um e
a zero,
constelação de estrelas
por que espero,
por mais que seja
temporário o seu fanal;
e quando o amor foi
transposto em seu total
para essa rede
inconsútil, para o vero
manto de somas, nessa luz
que gero
com tantas outras, o que
é mais espiritual?
Que seja amor um
informático sinal,
mar eletrônico tal qual
meu coração,
a rubra eclusa que o
sangue me impulsiona!
E que o possa transmitir
qual mineral,
quartzo sólido,
controlando a pulsação,
tenda que envolve em
invisível lona!...
ORIGENS
I – 14 dez 02
[Para
Berenice Lagos Guedes]
Talvez
porque me acorde muito cedo,
Talvez
porque a noite é perfumada,
Talvez
porque fugi e, em meu degredo,
Eu
finalmente me sinta libertada,
Me
agrada o cheiro deste amanhecer,
Desta
cidade quieta e, da janela,
Escuto
um bosque... E me parece ver
A sua
presença na madrugada bela.
Pode ser
que eu mais sonhe do que veja:
Talvez
apenas sonhe o seu perfume,
Como
ressaibo dos tempos de criança.
Quem
sabe é o lusco-fusco, que me enseja
Reconhecer
doçura no azedume
E
reviver o odor dessa esperança...
ORIGENS
Ii – 18 FEV 15
Talvez
porque minha irmã me sugeriu,
De que
maneira, de fato, nem recordo
O teor
deste soneto em que concordo
Retomar
a antiga imagem que então viu;
Talvez
que na manhã em que me acordo
A branda
origem deste tema me fugiu;
Quiçá
somente um sonho que sorriu
Ao
transmitir-me a ideia que hoje abordo.
Talvez
eu nem recorde e só componha,
Dentro
da mente, oculta em escaninho,
Tarde de
antanho em sua ternura mansa;
E neste
dia do passado me disponha
A deixar
escorrer gotas de vinho
Por
entre os dedos, qual escura trança...
ORIGENS
III
É
realmente difícil destrinchar
Os fios
gelados que o passado cansa,
A
sensação que em meu olfato rança,
Sabor
que azeda já meu paladar...
Quem
sabe eu nem consiga imaginar:
(Já faz
tempo demasiado fui criança!)
As
arapucas construídas pela lança
De tantos
fatos que não posso separar.
Assim,
dizer por que, há treze anos,
À minha
irmã este soneto dediquei,
Quiçá
seja um desafio ao impossível;
Calafetadas
as memórias por mil panos,
Recordação
que só um dia imaginei
E o
repetir tornou irretorquível...
ORIGENS
IV
E muito
menos por que usei o feminino,
Como se
aqui sua voz é que falasse
E tão
somente meu braço registrasse
Os
artifícios mortos do destino...
Qual
esperança de sabor tão fino
Seria
esta que aqui se condensasse
E em
tais palavras de mansidão ousasse
Amar a
nostalgia em tom divino...?
Como
lembrar o olor de tal perfume,
Que
talvez fosse éter nos pulmões,
Hoje,
afinal, me influencia o Carnaval...
Mesmo
encarado com certo azedume,
Por não
me ter embaralhado em ilusões,
Mas nos
abismos de meu próprio mal.
pestilência 1 – 14 dez 02
[para senta van willeen]
as sombras se encurtam dos dias ao
meio:
desaparece assim nosso diâmetro,
que se reduz a nada... E era um
decâmetro
quando eu nascia, do alvorecer no
seio!...
igual o ponteiro, que girava de
permeio
e me protegia, constante como
hexâmetro
dactílico de espaço, que me dava um
heptâmetro,
cada semana, mais conforto que
receio...
mas quando as sombras para mim se
encurtam,
me faço vulnerável, a expressar meus
medos,
quase sem perceber que por perto
existia
testemunha cruel; e quando então me
escutam,
faz-se real cada um de meus segredos
qual o demônio que assola ao
meio-dia... (*)
(*) Referência ao salmo 91:6.
pestilência 2 – 19 FEV 15
o que disse ao anterior repito agora:
amor à Senta do Navio Fantasma,
por entre as brumas claras do miasma
é totalmente estranho nesta hora...
não fui o capitão do amargo outrora
e em nada a tempestade assim me pasma;
qual sensação de antanho que me orgasma
decerto se esvaiu e foi-se embora...
pois de fato, nem sei o que me induz
a responder aos sentimentos vagos
que me levaram a escrever então...
mas vejo os versos de antanho e me seduz
um impulso de maldade, em maus afagos,
como um punhal que me rasga o coração!
pestilência 3
e por que me dominou tal pestilência
para me expor em inusitada hora?
quais emoções que então eu lancei fora,
aberta a eclusa à vazão de minha impotência?
qual a impiedade envolta em sua latência
que saltou em meu peito e me devora?
o que nos dias de hoje só deplora
o coração de agora, em pertinência...?
por certo, alguns sonetos mereceram
continuação, por se acharem em aberto,
mas grande parte ressecou-se no deserto;
não obstante, meus dedos a acolheram,
igual que filho em triste incubadora,
tão solitário que sequer mais chora!
pestilência 4
se nem ao menos recordo velhos medos
que já contemplo mortos e encolhidos,
como posso recordar entre os olvidos
as causas breves desses meus segredos?
qual o demônio que assola meus
degredos
ao meio-dia ou em momentos mal
havidos?
curtos os ventos na insolação
contidos,
curtos os anos espalmados por meus
dedos!
e qual foi a testemunha de qual crime
que mencionei num verso de passagem,
qual o temor em que o fracasso arrime?
como se esvoam tais versos concebidos
por um capricho apenas de ancoragem
de poemas mortos e de perdão despidos!
AS JOVENS DE ROMA XLVIII
SYLVANIA
POR QUE SERIA AMOR O DERRADEIRO
ALVO DO SER HUMANO NESTA VIDA?
BANAL TAL ALVO, COMUM E CORRIQUEIRO,
E QUEM EXISTE, QUE NÃO LHE DEU GUARIDA?
NESSA META NOS FECHAMOS POR INTEIRO,
DEIXANDO DE BUSCAR, EM NOSSA LIDA,
UM BEM MAIS SÓLIDO E MAIS PERDUREIRO,
QUE ATÉ A MORTE, NOSSA MISSÃO CUMPRIDA,
NOS ACOMPANHE, ALTIVO E OBJETIVO.
NÂO É QUE AMOR NOS LEVE DE VENCIDA,
MAS É QUE ENCHE INTEIRO O CORAÇÃO:
TOMA O LUGAR DO SANGUE, NESSE CRIVO,
POR QUE PASSAMOS, ATÉ A DESPEDIDA,
UMA POR UMA, DAS GOTAS DE ILUSÃO...
AS JOVENS DE ROMA XLIX
MARTIA
PORQUE SEXO TAMBÉM É DESESPERO.
É SOLIDÃO FALIDA E DESENLACE.
UM ABSTRATO CORPO QUE SE ABRACE,
UMA CONCRETA AUSÊNCIA; E ENTÃO, UM MERO
ERUCTAR DE LEVE, UM REVERBERO
INEXISTENTE DE AMOR, EM NOSSO ENLACE...
SE A PRÓPRIA CONCRETUDE NOS DESGRACE,
É A FLOR DA AUSÊNCIA DESSE BEM QUE QUERO...
POIS O TORNA REAL E, EM CADA ENCONTRO,
MATA FELPAS DE SONHO, DE IMEDIATO:
LEMBRANÇA ALGUMA É IMAGINAÇÃO...
ASSIM, O SEXO É APENAS DESENCONTRO:
QUEREMOS O IRREAL, NO MESMO FATO
DE TRANSFORMAR EM IDEAL UMA ILUSÃO...
Tuesday, December 12, 2006 2:15
PM
AS JOVENS DE ROMA L
LESBIA
ELA SE ENTREGA E O SANGUE QUE ESCORRIA
DEMONSTRA SER, PARA ELA, A VEZ PRIMEIRA;
E NESSA HONRA E BÊNÇÃO QUE SOFRIA,
ENCONTRAVA-SE O ESPANTO DE QUE, INTEIRA,
QUISESSE-ME POSSUIR... DANDO-SE ASSIM,
ME AMALDIÇOAVA... AO DAR-ME A VIRGINDADE,
AO ME TOMAR PRIMEIRO, EM RELIGIOSIDADE,
SE APODERAVA MUITO MAIS DE MIM...
POIS ME SABIA HONRADO. E O QUE SERIA
APENAS UM MOMENTO ALEATÓRIO,
TORNOU-SE EM PERMANENTE REBELIÃO.
NÃO QUE DEIXASSE DE AMÁ-LA – E NEM PODIA,
MAS FIQUEI PRESO A ELA, AO DECISÓRIO
ANEL DE SANGUE E DOR, EM SUA PAIXÃO...
AS JOVENS DE ROMA LI
MESSALINA
FOI A PRIMEIRA VEZ PARA NÓS DOIS
E NÃO ERA UM MOMENTO TRANSITÓRIO:
ERA DESEJO MESCLADO EM COMPAIXÃO,
TROCA DE FLUIDOS, JORRAR DE EMUNCTÓRIO...
POUCA IMPORTÂNCIA TINHA NO DEPOIS:
POR UM MOMENTO, MORRIA A SOLIDÃO,
LEGADA EM BORBOTÃO NUNCUPATÓRIO:
UM SACRAMENTO DOIDO... VINHO E PÃO,
SELANDO PARA SEMPRE UM COMPROMISSO;
DESCOMPROMISSO, ENFIM, EM DECISÃO
SEMPRE INDECISA, NESSE INCOMPROMISSO.
RECOMPROMISSO NOSSA INDECISÃO:
ANEL DE SANGUE, EM TROCA DO CASTIÇO
ANEL DE OURO, EM TAL CONSUMAÇÃO...
O PRIMEIRO NASCER DO SOL I
-- 20 FEV 15
A ÚNICA ESTRELA EM UMA NOITE ESCURA
NÃO É MAIS DOCE DE VER DO QUE TUA FACE,
QUE DUPLA ESTRELA CERTAMENTE SE ESTAMPASSE
CASO OUTRA VEZ ME CONTEMPLASSES COM DULÇURA
SE DUPLA FOSSE A QUE ACIMA SE MOSTRASSE
EM DUPLO RAIO QUE CAI DA IMENSA ALTURA,
TERCEIRA HAVIA SOBRE TUA FACE PURA,
CASO A VISÃO EM TUA BOCA SE FIXASSE.
E NUM SORRISO TEU MAIS EU VERIA,
AFASTADAS AS NUVENS DA TRISTEZA,
QUANDO SE ABRISSEM DA BOCA AS COMISSURAS
E UMA TAL CONSTELAÇÃO ENCONTRARIA,
A RELUZIR NO MARFIM DE TAL NOBREZA,
EM NEGATIVA DE TANTAS AMARGURAS...
O PRIMEIRO NASCER DO SOL II
NA VERDADE, SINTO ESTRELAS TÃO DISTANTES
SALVO SE AS VEJO REFLETIDAS EM LAGOA;
CONTRA A GALÁXIA O IMAGINAR SE ESCOA;
LUZES QUE ESCONDEM OS VENTOS ULULANTES
QUE SE DIRÁ QUE AS AFASTAM, INCESSANTES,
COMO UM GESTO DE MÃO, QUE APAGA À TOA
E AS AMASSA, QUAL NÃO FOSSEM COISA BOA,
TAIS ESTRELAS CONTRA O LIXO CINTILANTES
OU SIMPLESMENTE QUE AS RECUBRA O VENTO,
JÁ QUE RETORNAM TÃO TEIMOSAMENTE,
COM O MANTO DE SUAS NUVENS, QUAIS DESCRENÇAS,
CHEIO DE INVEJA DE SEU DESLUMBRAMENTO,
IGUAL QUE A GENTE O FAZ, FREQUENTEMENTE,
QUE O BRILHO APAGA POR CALÚNIAS DENSAS.
O PRIMEIRO NASCER DO SOL III
MAS QUE FAZER, QUANDO O BRILHO MOMENTÂNEO
DE UMA ÚNICA ESTRELA TUDO APAGA
QUE TAL VELUDO ANTERIORMENTE AFAGA
E TUDO ENVOLVE EM CERÚLEO SUBITÂNEO?
MAS QUANDO TE CONTEMPLO, A MENTE INDAGA,
AO VER O BRILHO DOS DENTES SOBRE O CRÂNIO,
POR QUE É MAIS FORTE ESSE FULGOR ESTRANHO
QUE A LUZ DO SOL REFORÇA E NÃO ESTRAGA?
POIS QUE A ALVORADA APAGa TANTA ESTRELA,
PORÉM AS TUAS PESTANAS, DOCE GRADE,
TÃO LOGO ABREM, FULGEM NOVAMENTE,
NA NOSTALGIA QUE MINHALMA INVADE
E EM QUE ME VEJO FORÇADO INTEIRAMENTE
A CONFESSAR QUE TE ACHO AINDA MAIS BELA!
CORDAS DE AR I – 21 FEV 15
Eu não quero de mim mesmo ter mais nada
do que já tenho agora.
Eu me conheço,
sei o que posso e sei quanto não meço:
estou feliz em meu nicho da empreitada.
São poucas coisas, no momento da jornada
em que me encontro agora, mas não peço
senão por ter mais tempo para o espesso
caldo de obrigações vencer a cada
dia do espaço. Tudo
o que tenho agora
já me enche as medidas e sufoca,
muito especial nos dias de calor...
Pois já me acho assoberbado nesta hora
pelo conjunto de mágoas que me toca,
sem sobrar tempo em que falar de amor!
CORDAS DE AR II
É o próprio respirar que me sufoca
desde o momento de meu despertar;
cordas de vento a me encarcerar
e a me puxar constantemente pela boca.
Ninguém grilhão contra meu pé coloca;
não são os passos pelo dia a tropeçar;
vai nas narinas tal corrente penetrar
e entre as amígdalas, potente, se desloca!
E como um touro, eu sou trazido à vida,
não para meu prazer, mas por labor,
não por passeio, mas puxando arado,
forçosa a senda e não a preferida,
a terra a repartir em forte ardor,
tal qual pudesse cultivar meu fado!...
CORDAS DE AR III
Assim se digo já ter o suficiente
não falo de um farnel de bens da vida,
mas de tarefas, em multidão sofrida,
que todas cumpro com ar indiferente.
E nem mesmo ao dormir descansa a mente,
que a novas emoções garante ermida;
em versos torno cada ilusão perdida,
surfando doida ao longo da corrente...
Mas não me dá prazer sua redação,
antes se trata de uma empresa antiga
que sempre pôde extrair algo de mim,
igual que ao touro por argola puxa a mão,
essa cadeia de ar me seja o auriga,
pelas narinas a arrastar-me assim.
O PRIMEIRO RAIO DE SOL I – 22 FEV 15
Dormi bastante nesta tarde e agora
posso de novo desgastar minha pena,
em frases tolas de expressão amena,
em frases ásperas e amargas nesta
hora.
Não sei o que virá, meu rosto cora
perante a descrição de feia cena
ou ruboriza, em sentença que condena
horas perdidas, tempo posto fora.
O importante é a espera dolorosa
por completar inútil tradução,
em troca meretrícia por dinheiro,
que a outra espera é menos dadivosa,
mas nela espero, sabendo de antemão
que não me livrarás do cativeiro.
O PRIMEIRO RAIO DE SOL II
Durante a noite eu sei que durmo
pouco,
mas com a sesta compenso algumas horas
perdidas na lentidão dessas demoras,
nos intervalos de esperas, semilouco;
mas não protesto até sentir-me rouco;
a rouquidão está em olhar outroras,
vastas lembranças de emoções, esporas
rasgando o ouvido quando a elas se faz
mouco.
Não há protesto. Simplesmente, eu leio
ou então retorno até o computador
ou ainda me sento a redigir um novo
enleio,
sem perder tempo a revirar-me com
ardor,
na vã esperança de rever teu seio,
que em meu antanho escondeu-se de
temor.
O PRIMEIRO RAIO DE SOL III
Não vem o sol a bater-me nas pestanas;
minha câmara fica oposta à alvorada,
são só reflexos a fatiar-me o nada,
nessa panóplia de aquarelas tão
insanas.
Pelos postigos apenas é que abanas,
verde dilúculo de folha iluminada:
pólen disperso de flor maravilhada
com a primeira luz que lhe proclamas.
Só vejo o sol em refletir convexo,
espelhado nas paredes de meu quarto,
a despertar nos livros personagens,
que me fazem despertar, sem grande
nexo...
Os travesseiros, então, dolente
aparto,
para encontrar em mim novas
coragens...
CARNAVAL I – 23 FEV 15
Eu esperava me trouxessem alegria;
ouvia promessa, embora só velada,
de dia para dia sendo adiada,
promessa vaga em que não mais eu cria.
Mais esperava que me trouxessem nostalgia,
após a nossa eucaristia consumada;
separação mui certamente realizada,
quimera e mito de gentil melancolia.
Cumprida essa promessa, eu a lembraria,
por comprida que tivesse sido a espera,
porque memória teria, quem me dera!
Mas a promessa esqueceu-se na folia
de um carnaval que em nada me atraiu,
enquanto Momo de mim apenas riu!
CARNAVAL II
Segundo afirmam, da galhofa é o rei
e igual do riso falso da alegria;
ao redor pulam os servos da folia,
porém Momo só balança ante essa grei.
É um rei gordo, que não aplica a lei
para si mesmo. A
coroa que lhe ungia
a testa nédia por demais lhe pesaria;
ri tolamente nesses dias em que passei
dentro de casa, sem sequer me balançar;
com minhas mãos sobre o teclado sacudi
lança-perfume, confete e serpentina,
com novos versos para me embriagar,
a descrever essa dor que nem senti,
embranquecida por naftalina...
CARNAVAL III
Havia promessas de melodia apenas
na matutina frescura hospitalar,
que minha memória consegue embalsamar:
cheiro de éter contrariando minhas verbenas.
Sempre amei mais as ruínas dessa Atenas,
pelo tempo encanecidas sem parar,
que as saturnais de Roma a rebrotar:
velhos afrescos de perdidas cenas...
Talvez eu seja um tolo amortalhado,
que só se nutre da morte do passado
e não se importa com a presente vida;
porque promessas são apenas alfazemas,
cânfora pura perfumando minhas algemas,
a ressecar-me a lágrima contida.
PRÉLIO I – 15 dez 02
Xô, xô, destino, desde pequenino
me trataste mal...
Xô, xô, meu fado, sempre atribulado
foi o meu canal...
Troca-me agora,
seja esta minha hora encantação
potente:
que te vás embora,
solidão morta e o mundo indiferente...
Vem, vem, destino, vem tocar o sino
de novel porvir...
Vem, vem, meu fado, bem recompensado
que seja o meu seguir...
Sorte não existe
pois tudo só consiste nesse inesperado
recompensar dos atos,
esparzidos fatos, ao longo do
passado...
Por certo é o que acontece, a gente
até esquece
nossa ação antiga...
Tanto se semeou, tanto se descurou,
quanto se consiga...
Se investiste bem,
receberás também o mesmo resultado;
porém se te negaste,
no fim já terminaste sem ter qualquer
bocado...
Esse é que o destino, o qual, desde
menino,
tu mesmo escolheste...
Sem saber o porquê, sem nem olhar a
quê,
a ti mesmo fizeste...
Tempo existe ainda,
em tal tarefa infinda: é aplicar-te
agora...
Constrói para o futuro,
um fado, te asseguro, diverso desse
outrora.
PRÉLIO II – 24 FEV 15
Nosso futuro, afianço-te seguro,
é qual uma muralha.
Pois toma uma lanceta ou mesmo picareta,
para atacar sem falha.
Rasgada
essa parede,
que pouco a pouco cede, a contragosto, embora,
respira
então a poeira,
pancada dá certeira, na insistente hora.
Se alguma coisa erraste, da sorte te afastaste,
o alvo é transponível.
Reúne tuas artérias, após suas longas férias,
e dá salto indizível.
O
disco vai girando,
aos poucos te gastando, sem o vinil parar...
À
superfície sobe,
que a vida não te roube o eterno seu girar...
Agarra-te no braço que insiste em tal compasso:
penetra-lhe na agulha!
E logo encontrarás, há uma pilha atrás:
pois salta sem mais bulha!
Um
disco mais potente,
canção bem mais plangente que a escutada hoje;
Basta
apenas um esforço
e provas novo escorço, que a vida não te enoje...
Pois já pensaste, então, que haverá ocasião
de achar matriz em branco?
Em plena virgindade, tua marca, sem maldade
aceitar num gesto branco?
Será
outro aparelho
a domar nesse teu prélio, mas podes, sem temer,
Imprimir-lhe
nova vida,
sem dar qualquer guarida ao velho desprazer...
PRÉLIO III
Porém na tua esteira a hora derradeira
só chega se a deixares.
Na escuridão ingente o futuro é transparente,
caso o determinares.
Se
queres vida bela,
afia a tua sovela e lhe perfura o couro;
Talvez
lá do outro lado
já vejas preparado um puro e grão tesouro.
Porém tu me dirás: “Difícil é alcançar
essa parede imensa!”
Talvez tu não percebas que diariamente cedas
a uma esteira imensa.
Que
te empurra para trás,
sem conseguir parar e sem autodomínio?
É
a ponte do passado,
que escorre do teu lado, em manso latrocínio.
Pois cabe só a ti, qual eu mesmo percebi,
cortar essa presilha.
E a ela acrescentar, no tempo que sobrar,
A água de outra bilha.
Não
penses que resiste:
existe quem conquiste e lhe abra um amplo furo
Na
cortina tão macabra
gazua e pé-de-cabra arrombam o futuro!
E se tanto te falo e de insistir não calo,
é que persisto ainda.
Essa muralha assalto e corto sem ressalto:
que seja mais bem-vinda!
Contudo,
eu te confesso,
que ao espírito ainda peço que forças me renove.
E
que este meu conselho,
agora que estou velho, por verdadeiro prove!
PRÉLIO IV
Pois não te mentirei: muita vez eu já
tentei
e nada consegui.
É dura essa parede, mas recua como
rede
e nela me prendi.
Os
músculos usei,
a mente eu empenhei e permaneço aqui.
Persisto
com firmeza,
mantenho minha certeza, pois sei não
me iludi.
Por vezes, consegui e tanto persisti
que a vida transformei;
Porém foi ilusória essa mudança
inglória
que assim determinei.
Há
muitos fios, de fato,
e aquele que eu acato, repuxo do
novelo.
E
venho a descobrir
Que perto estou a seguir meu velho
desmazelo!...
Os deuses do destino ao martelo
pequenino
recusam seu diamante.
Entregam-lhe um cristal, parece
senhorial,
mas traz ganga gigante!
Porém
até a morte
combaterei a sorte e amealharei
detalhes.
Oh,
força muscular,
tensor crepuscular, te rogo não me
falhes!
Por isso te concito ao mesmo ideal
bendito:
na luta persistir.
Deixar o gargalhar nos ventos a
soprar,
sem nele te iludir!
Quem
molda teu destino
é o zelo pequenino de cada decisão,
Que
podes dominar,
mesmo sem controlar teu próprio
coração!
AS ÁRVORES MORREM DE PÉ I – 25 FEV 15
Incrivelmente, quando ainda criança,
eu assisti a essa peça teatral;
faz bem mais de meio século, afinal:
o tempo passa, conserva-se a
lembrança.
Infelizmente, não disponho da bonança
de recordar parte alguma do total;
dizem que fica no corredor neural
cada memória que a vida nos alcança...
Não foi espanto que aqui viesse então
essa peça teatral tão importante:
era mais rico da cidade o antigo véu
e servia de passagem, na ocasião,
a companhias de valor gigante,
em seu caminho para Montevidéu...
AS ÁRVORES MORREM DE PÉ II
Posso afirmar, portanto, que assisti
Palmira Bastos, depois comendadora
e a Varela Silva, que mais doura
o papel masculino que então vi...
Mas que tristeza que tudo já esqueci,
salvo esse nome que à lembrança aflora
a cada vez que vejo o ir-se embora
de alguma árvore que nos olhos
recolhi!...
Manuel Maria Ferreira, um espanhol,
foi o autor do prestimoso enredo
e Alejandro Casona o traduziu;
tornou-se filme e da tevê o rol
igualmente percorreu até o degredo,
com que o tempo, finalmente, a
diluiu...
AS ÁRVORES MORREM DE PÉ III
Vi muitas árvores em pé, que
faleceram:
algumas, finalmente, de velhice;
outras roubadas de toda a sua ledice
por parasitas que a raiz lhe
arremeteram.
Outras um raio nos galhos acolheram
e se tornaram secas... Como disse,
mortas em pé, em sua negra
esquisitice:
galhos em súplica que aos céus
arremeteram!
Mais raramente, só por grande
ventania,
vi eucalipto tombar, mas da raiz
nasceu de novo, em poderoso caule...
Se eu às dezenas hamadríades assistia
mortas de pé... Por que a tevê nos diz
que tantas árvores tombam em São
Paulo?
Nenhum comentário:
Postar um comentário