CORDAS DE AREIA – 2008
Duodecaneto de William Lagos
CORDAS DE AREIA
I
Ela chegou, vestida de
cinzento...
Sob um capuz... da
orla aparecia
somente a boca, que
meiga me sorria,
numa expressão tão
leve como o vento.
Aproximou-se, seu
corpo fraudulento
juntou-se ao meu,
fantasma da alegria.
Beijei-lhe os lábios
com que me vencia:
os ossos derretidos
num momento...
Apenas abracei-a,
sobre a capa,
naquele beijo cinza e
gris de sonho,
na boca que se abria
e, pelos dentes,
a língua se insinuava
a ver o mapa
de minha própria boca,
em tal bisonho
sondar mais próprio
para adolescentes.
CORDAS DE AREIA II
Logo senti que era
algo mercenário,
não que fosse me
cobrar pelo serviço
que iria me prestar
com pleno viço:
seu preço era bem
menos ordinário;
era de alcance bem
mais multifário
o amor que vinha de
seu olhar mortiço,
porém meu próprio
desejo assim atiço,
carinho ansiando de
destino vário,
que comigo nessa hora
repartia
os mil tesouros sob a
capa gris,
num protocolo de
generosidade;
contudo amor, de fato,
não sentia
e esse amor que então
com ela fiz,
não foi ato de amor,
mas de amizade...
CORDAS DE AREIA III
Eu me criei num mundo
diferente,
no qual amor se
assemelhava a cântico,
pura tolice de um
ideal romântico,
que agrilhoava com
sutil corrente;
eram de areia as
cordas da pungente
fantasia de carinho
coribântico,
talvez até um pouco
necromântico,
que me prendiam a tal
ideal dolente;
mas eu queria que meu
júbilo nascente
pudesse crer até que
fosse amor
e me prendesse à meiga
visitante;
mas afinal reconheci,
sinceramente,
que a abraçava no mais
puro sexor
e que nem esse me
seria constante...
CORDAS DE AREIA IV
Eu a chamei de
mercenária inicialmente
e descrevi como sendo
fraudulento
esse corpo que me dava
num momento
de prazer transitório
e ambivalente;
mas esse preço, talvez
só complacente,
não se media em puro
pagamento,
nem se ocultava em
vago fingimento,
mas era algo mais
sutil, subjacente;
e à sua maneira, seria
até sincera,
fantasmagórica dama de
cinzento,
a coletar de mim o
sentimento,
após submeter-me a
longa espera,
nutrindo plenamente a
sua vaidade
ao me levar à plena
saciedade...
CORDAS DE AREIA V
Mas eu queria mais o
amor eterno,
que sei não existir,
mas ainda busco;
persigo o fogo-fátuo
ao lusco-fusco,
guardando vagalumes
para o inverno...
E ela me entrega o seu
carinho terno
e então a tenho e a
própria mente ofusco,
no brilho multicor do
orgasmo brusco,
mescla sutil de
paraíso e inferno...
Não é o que ela
quer. Só me visita
quando se quer
assegurar do sentimento
que ainda me prende na
areia da esperança;
e os meses passam
consoante quer a dita
e quando quase me
escapou do pensamento,
era retorna, com seu
sorriso de criança...
CORDAS DE AREIA VI
Quando me abraça, não
tem nada de infantil,
mas se demonstra
mulher integralmente;
desperta em mim o
entusiasmo mais viril
e corresponde sem pejo
e integralmente;
e então desaparece, em
feminil
capricho, a se fazer
de indiferente;
não me procura, não
escreve, enquanto vil
eu lhe mando minhas
mensagens diariamente...
Quando retorna, a
noite se ilumina
e nos meus braços ela
dorme de extenuada;
em cada assomo se
torna sempiterna,
brando calor nessa
emoção que externa
e então se vai e não
me deixa nada,
arrebatando mil nacos
de minha sina...
CORDAS DE AREIA VII
Não sei se ela me
mente, quando diz
que é somente minha e
contaria
se houvesse outrem,
que não me esconderia!
Mas a palavra da
mulher é como giz...
Se faz tábula-rasa em
tons de gris.
Como saber se alguma
coisa me diria
ou só num quadro-verde
escreveria
essas palavras de amor
que tanto quis...?
Pois de fato, em suas
cordas me algemou,
mesmo que sejam tão
somente fios de areia
e olho para as outras
sem desejo;
a mercenária, ao
entregar-se, me comprou:
somente ela tem o
ardor que me incendeia:
como foi caro para mim
seu beijo!...
CORDAS DE AREIA VIII
Às vezes penso que foi
apenas sonho
que algum dia me
tivesse visitado;
afinal, à poesia
consagrado,
as fantasias nutro em
ideal bisonho...
Mas reconheço, em
meditar tristonho,
que essa quimera de meu
sonho alado
é outra corda com que
me tenho atado,
areia seca em esmeril
medonho...
Porque tais cordas de
areia, com certeza,
são atadas ao redor do
coração
e os mil grãozinhos
vão roçando sem parar!
E os tegumentos da
antiga fortaleza,
são erodidos em tal
lenta abrasão
que nem meu sangue
consigo coagular!
CORDAS DE AREIA IX
Cordas de areia a
provocar sangria,
igualmente ao redor de
meus pulmões,
arranhando permanentes
erosões
em cada alvéolo que me
sustentaria;
destarte, o oxigênio
que eu teria
para o nutrir da magia
e das paixões
se evola por mil
fendas e abrasões
e a vida inteira assim
eu perderia,
muito embora tenha a
goma da poesia
para tapar minha
pleura amarfanhada;
são os mil versos que
formam um baraço
aplicado em tal ferida
que esvazia;
porém a areia
permanece atarefada
e me obriga a escrever
o que nem faço!
CORDAS DE AREIA X
Quando me acordo, nos
olhos sinto a areia
que a lágrima deixou,
durante o sono;
nas poucas horas em
que a ele me abandono
mais cresce a areia
que a alma me incendeia;
a dama gris por aqui
não mais passeia;
não foi mais que esta
canção que agora entono;
foi a quimera de meu
ideal de outono,
quando eu curti os
tentos da correia;
em pesadelos, cacei
monstros de areia
e sua pele esfolei,
queria abrigo
costurar com seus
pelos eriçados;
mas se rasgaram, são
corrente para a peia,
que enrolo nos meus
pés como inimigo
de meus próprios
desejos indomados!...
CORDAS DE AREIA XI
Ah, bem quisera que
minha dama gris
não fosse apenas um
simples fragmento
desse meu discutível julgamento,
marchetado por um
sonho que não quis!
O que eu queria é que
esse ideal de giz
não se apagasse com o
mais leve movimento,
mas me pintasse a óleo
o pensamento
e a tornasse tão real
quanto eu a fiz!...
O que eu queria é que
um dia me surgisse,
com o rosto semioculto
por capuz
e que, sorrindo, à
porta me batesse!
Mesmo nuvem de pó que
assim eu visse
ao despi-la,
procurando os seios nus
e apenas pólvora e
areia ali encontrasse!
CORDAS DE AREIA XII
Mas pela força do amor
e da paixão
a polvadeira se
solidificasse
e um corpo feminino
condensasse,
capaz de abraço em
plena comunhão!
Que eu a levasse para
meu leito, então
e que essa mulher de
areia então amasse;
que entre meus braços
não se desmanchasse,
igual que a vi
desfazer-se em ilusão...
E que depois do amor,
se perpetuasse;
que a contivesse no
vigor da fantasia,
por arenosa que fosse
essa cadeia
e que em minha carne,
destarte, se entranhasse
e logo após na alma
que lhe abria,
na solidez que só têm
cordas de areia...
William Lagos
Tradutor e Poeta
Blog: www.wltradutorepoeta.blogspot.com
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