domingo, 10 de maio de 2015






DEMISSÃO – DUODÉCIMA DE WILLIAM LAGOS

DEMISSÃO I  (2009)

hoje pretendo
dar aviso prévio
a todo amor que traga ao coração
que vá embora depressa esta ilusão
que sem motivo está me perturbando
amor do amor apenas denotando
 incomodando          acomodando
relatando           relutando
cantando          ecoando
vou acordar a aurora
à meia-noite
pobre noite           pobre noite
sem afoite          sem afoite
nem aboite          nem aboite
não tendo mais lugar em que me acoite
a noite amiga transformou-se em meu açoite
e o por-do-sol se fez em turbilhão
a rodopiar no interior de meu pulmão

DEMISSÃO II

e na minha lida
incompreendida
busco em vão acordar o por-da-lua
que se ergue apoiada numa grua
por isso quero o sol da groenlândia
seis meses brilha ao norte dessa escândia
islândia          eislândia
 irlândia          eirelândia
laplândia          lapolândia
ante as frieiras da geleira ardente
frito meus dedos em gesto onipotente
onipresente          onipresente
prepotente          prepotente
pente          dente
ao meio-dia porém eu quero a treva
ardem caixilhos embaixo da panela
cozendo a carne de minha musa ausente
que ao meu alvitre já não há destino. (*)
(*) arbítrio, escolha

DEMISSÃO III

que assim me impeça
aproximar-me da janela
mas quando ouvir as doze badaladas
sei que não foram por mim desperdiçadas
são doze horas de coagulado canto
que sempre serve como rima para pranto
paraponto         paraponto
pesponto          pesponto
reponto          reponto
fritando os dedos em puro desaponto
por não dispor de gesto onipotente
                     da gente        descrente
    indigente        delinquente
ardente        agente
destinado a construir mil abadias
mil peregrinos salmodiando as homilias
enquanto pensam em outras contingências
de antemão a fazer suas penitências

DEMISSÃO IV 01 AGO 2010

mas não agora,
tempos depois,
que amor é pássaro em gaiola aberta,
entra e sai à vontade, nessa esperta
malignidade meiga que me acerta
quando menos espero me perturbe
disturbe        disturbe
conturbe        conturbe
a urbe        a urbe
pois é certo que já tentei em vão
inabilmente e sem exaltação
consecução        consecução
execução        execução
da ação        da ação
prender essa ave esquiva na gaiola,
firmando a porta com potente cola
mas ela salta, polichinelo em mola
e as portas da gaiola se escancaram.

DEMISSÃO V

sai o rouxinol
e pousa no farol
com riso cristalino e indiferente
só para mostrar como é potente
e me escraviza em ilusão onipresente
no riso das quimeras que cantaram
abalaram        abalaram
  bailaram        dançaram
     araram        zombaram
o pássaro do amor o canto gera
meu coração aguarda nessa esfera
antiga era        antiga era
e a espera        e a espera
já era        já era
e me lampeja seus olhos descarnados
a sugerir que amor não leva a nada
se for buscar uma jovem encerrada
na mesma torre que foi de Rapunzell

DEMISSÃO VI

e só uma trança
que assim balança
no horizonte despenteado do crepúsculo
desenfreado desejo desse ósculo
perturbado a despertar pelo dilúculo (*)
olhos grudados pelo lusco-fusco
da madrugada        da madrugada
já encarnada        já encarnada
em nada        em nada
estranho fel contido nessa réstia
no doce mel do gel feito de hóstia
a boca escura        a boca escura
se mistura        se mistura
na agrura        na agrura
do meu anseio por louca comunhão
num rosário a titilar o coração
o próprio sangue servindo de cordão
na desventura sincera de minhas penas
(*) Amanhecer, crepúsculo matutino

DEMISSÃO VII

cinco verbenas
que hoje depenas
numa trapaça todo o malmequer
o carocinho se faz em bem-me-quer
nem a mim mesmo sequer enganando
na merencoriedade confessando
farejando        farejando
cheirando        cheirando
fungando        fungando
as cebolas também atraem pelo cheiro
ou nos repelem em prantear mais agoureiro
do entrevero        do entrevero
me abeiro        me abeiro
ligeiro        ligeiro
quem corta corações é um açougueiro
a carne morta conservando no tempero
um coração partido rinconeiro (*)
que o balido nas ovelhas não conserta
(*) Isolado, que mora no rincão

DEMISSÃO VIII

não que me faça de desinteressado
feio pecado
amor não deve jamais ser recusado
o mal do mundo já está tão espalhado
por ódio e inveja sempre controlado
no espantoso palor desse segredo
mas não concedo        mas não concedo
um beijo ledo        um beijo ledo
por medo        por medo
que ponham em dúvida a masculinidade
e espalhem por aí negra inverdade
sou hétero        sou hétero
perpétuo        perpétuo
adepto        adepto
muito mais fácil que adepto de segredos
ditos arcanos mas não mais que enredos
mas adepto apenas do sexual
que a vida expande de forma natural

DEMISSÃO IX

também queria
ter casa arbórea
triste macaco mutilado de sua cauda
naturalmente a subir por uma escada
sem possuir a habilidade do rapell
talvez pudesse galgar corda de nós
ficamos sós        ficamos sós
andando empós        andando empós
fortes cipós        fortes cipós
outros bocós balançando pelo anzol
na cor furtiva de um falso arrebol
o chão ferido        o chão ferido
amolecido        amolecido
ardido        ardido
percebo as joias na luz das exedras (*)
no rendilhado com que fura as pedras
por entre o verde dos caramanchões
no código secreto do esquecido
(*) Pórtico circular, alpendre

DEMISSÃO X

pela ponta cintilante
das adagas
por entre a relva brota um pé-de-sol
surge outro ao lado em chiaroscuro rol (*)
coral carmim brotando em verde atol
madréporas entre anêmonas crescendo
lutas fatais        lutas fatais
em seminais        em seminais
portais        portais
enquanto a cor se move e dissemina
velhos anais da vaidade que assassina
o sol é touca        o sol é touca
que rouca espoca        que rouca espoca
e explode louca        e explode louca
a recobrir de luz pedras de frio
lã jaldeorange no despertar do cio (+)
dos vulcões explodindo ejaculantes
com suas cinzas a cobrir os viandantes
(*) Claro-escuro, contraste entre luz e sombra
(+) Amarelo alaranjado, adjetivo heráldico

DEMISSÃO XI

antigamente
para manter a fé que cria
eu enfiava a mão no sol nascente
do conteúdo de sabor luminescente
a retirar para mim uma fatia
do bolo pálido descrente em caloria
na melodia        na melodia
eu buscaria        eu buscaria
magia        magia
demonstrando total falta de fermento
talvez o cozinheiro até me acene
com sua colher        com sua colher
no meu querer        no meu querer
a remexer        a remexer
só ele tendo o direito de lamber
os dedos lambuzados de prazer
e que não seja abusado algum conviva
que o mestre-cuca de injúrias assim criva

DEMISSÃO XII

de carne feito
tenho o direito
de pedir permissão a meu carrasco
meus próprios membros a comer nesse churrasco
e a beber o sangue que se escoa
do próprio amor se o coração me doa
e informaria        e informaria
minha alegria        minha alegria
em harmonia        em harmonia
após o estômago ter locupletado
e ser nos intestinos enforcado
porém em vão        porém em vão
minha demissão        minha demissão
se aceitaria        se aceitaria
que amor exige bem maior hemorragia
nessa tortura que chamam de poesia
rubro algodão da mais senil melancolia
a que curvo a cabeça em humildade


William Lagos
Tradutor e Poeta
Blog:
www.wltradutorepoeta.blogspot.com





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