JARDIM
DE CRISTAL & MAIS
William
Lagos
JARDIM DE CRISTAL I – 30 ABR 2015
PORQUE EU ESPERO, O TEMPO NÃO ME ESPERA,
PORÉM PASSA E MINHA ESPERA SE DILUI;
TODA A MINHA VIDA NESSA ESPERA FLUI,
ENQUANTO ESPERO O FUTURO QUE ME OPERA.
LEVO O PRESENTE ENVOLTO NESSA ESFERA
EM QUE REMONTA O TEMPO, EM QUE REFLUI,
NO TURBILHÃO VAZIO COM QUE ME ALUI,
ENQUANTO OS REMOS IMPULSIONO DA GALERA.
DO PASSADO NADA ESPERO E MAL RECORDO
BREVES MOMENTOS DE MAIOR SATISFAÇÃO,
QUE A MAIOR PARTE NEM QUERO RELEMBRAR;
VEJO O PRESENTE MEUS DEDOS A LAVAR,
PELO FUTURO SONHO E QUANDO ACORDO
TUDO SE FOI NA MESMA DIREÇÃO...
JARDIM DE CRISTAL II
MAS AFINAL, POR QUE ME ESPERARIA
O TEMPO, QUANDO AS ONDAS NÃO ESPERAM?
SÃO AS MARÉS DOS ANOS QUE ME DERAM
O BRANDO IMPULSO COM QUE ME MOVERIA.
E AFINAL, POR QUE ME AGUARDARIA
O VENTO, SE OS CICLONES NÃO SE ALTERAM?
SÃO TORNADOS DE LUZ QUE OS ARES GERAM,
AS TROMBAS D’ÁGUA COM QUE ME ILUDIRIA.
SÃO AS MARÉS FORMADAS PELA LUA,
MAS SÃO AS MINHAS GERADAS PELO MAL:
NÃO CHEGAREI AOS ASTROS NESSA GRUA,
O VENTO E O TEMPO IRMANADOS, AFINAL,
NO MESMO ORDÁLIO COM QUE MEU CORPO SUA,
ACETINADO POR MIL CORTES DE CRISTAL.
JARDIM DE CRISTAL III
POR TODA A VIDA PROSSEGUI SEM PRESSA,
CADA MOMENTO FAZENDO PERDURAR,
CADA SEGUNDO NOS DEDOS A AVALIAR,
NÃO MAIS O TEMPO QUE MELODIA ESPESSA,
UM CALDO DE PAIXÃO QUE NUNCA CESSA,
MAS SEM QUERER CRIAR MEU BEM-ESTAR,
NAS ARTIMANHAS DE SEU CRISTALIZAR,
EM DORES BRANCAS MEU JARDIM SE ENGESSA.
E ASSIM ESPERO PELO TEMPO, SÓ,
QUE PARA OS OUTROS CORRE DIFERENTE,
A AMPULHETA CHEIA COM MEU PÓ,
NA VENTANIA, MINHA FÉ EM TURBILHÃO,
CRISTAL PARTIDO PELO TEMPO ONISCIENTE,
EM QUE SIBILA O VENTO SEM RAZÃO.
LIVRE
DESEJO I – 01 MAI 2015
Que
seja para mim o verde tempo,
Verde
de pasmo como verde vento,
Verde
que gira para o meu lamento,
Vento
que gira pelo azul mais lento...
Que
segue o vento amarelo como poeira,
Que vai
o tempo em brisa derradeira,
Que
seja o azul do vento peregrino,
A me
deixar vento verde em desatino...
Na
carícia do vento que me esmaga,
No
término do tempo que me traga,
Apenas
mais um vento, vento verde,
Na
carícia do tempo que me cria,
No
término do vento que ainda havia,
Apenas
vento azul que o tempo herde...
LIVRE
DESEJO II
Que
seja para mim tempo encarnado,
Que
seja o vento sempre encordoado,
Vermelho
o tempo como o sangue em nós,
Rubro o
meu vento quando estamos sós.
Que
seja para mim tempo amarelo,
Que
seja o vento do invisível o castelo,
Jalde
esse tempo como flor de outono,
Jalde
esse vento igual ao cardamomo.
Na
carícia do tempo faço o ninho,
Na
carícia do vento hoje me alinho,
No doce
aguardo de poder voar...
Na
tristeza do tempo brando pranto,
Na
tristeza do vento silva o canto,
Enquanto
deixo na terra o meu pesar...
LIVRE
DESEJO III
Que
seja o vento um canto purpurino,
Que
seja o tempo um trono solferino,
Feltro
empapado em coração magenta,
Que o
corpo invade e que a memória tenta...
Que
seja o tempo de um roxo triunfal,
Que
seja o vento cianótico e irreal,
Nuvem
de prata, heptacromo espanto,
Apenas
cinzas sobre um fogo brando.
Na
carícia da areia na ampulheta,
Arcano
seja esse veloz que excreta
O tempo
enquanto nos expõe ao vento...
No
catavento que gira meu destino,
Na
poeira azul do sonho pequenino,
O vento
passa a se ocultar do tempo...
TERRAS I – 02 MAI 2015
Amor da morte a ressonar no escuro,
velhos amantes solitários no estendal,
não mais têm roupas estendidas no varal,
as mesmas vestes mofando no descuro...
Cada qual no emitir de seu sussurro,
por entre as finas paredes do pombal,
outros ouvidos atingindo mal e mal,
em seu murmúrio de teor tão obscuro...
Que nem se sabe se dormem em paz
ou se perdem na gosma do azedume
por qualquer um que passe indiferente;
e destarte esse cochicho se desfaz
no desprezível cheiro do ciúme
que firme abraça o resto dalma dessa gente...
TERRAS II
Antigamente, era bem mais individual
seu descanso conferido permanente
por quem sobrevivia à pobre gente,
maior respeito por cada um ancestral,
dentro da terra, em sudário natural,
alguns presentes, em depósito frequente,
algo que em vida o deixaria contente,
sem grande perda para os vivos, afinal.
Mas cada um perfeitamente acompanhado
por sua pesada lápide, em garantia
de que o defunto nunca mais se erguia
e com rezas constantes do sagrado,
nesse terreno abençoado pela igreja,
um campo santo aonde quer que esteja.
TERRAS III
Ou então, em jazigos familiares,
já incluídas ali as tais gavetas,
portas de bronze, nas intenções secretas
de conservá-los ali, sem mais andares...
O medo aos mortos tem origens seculares,
criado pelas névoas com que excretas,
ó terra fria! cem mil formas incompletas,
mas que lembravam superstições e azares...
Por mais que possa o amor então sentido,
nesse momento cruel do passamento,
bem lá no fundo, soava uma vozinha,
em gratidão por haver sobrevivido,
nessa urdefesa superposta ao sentimento, (*)
com que o remorso juntamente se avizinha...
(*) Defesa primitiva, como a ilusão do Servo Onipotente.
TERRAS IV
Estou no fim do Inferno desse Dante,
cuja leitura empreendo há muitos meses:
quantas eu paro, recomeço de outras vezes,
porque a leitura, na real, é bem maçante!
Mais que nos túmulos, em sonho delirante,
ali estão presas as almas dos fregueses
que mais odeias ou de quem medo sopesas:
nem catecismo traz terror assim vibrante!
Os corpos veem-se na gravura mais dileta
de Gustave Doré para esse Inferno:
músculos firmes de permeio a tais castigos...
Mas sem dúvida, esta é a prova mais completa
de que o abismo desse castigo eterno
foi só criado para os nossos inimigos!...
TERRAS V
Os indo-europeus tais costumes renegavam:
em altas piras cada um era cremado,
em monumentos somente preservado
o que sobrara das cinzas que guardavam.
Era, sem dúvida, difícil esperar
que esses pós reassumissem o corporal
e aos vivos, em seu aspecto natural,
durante as noites viessem a assombrar!
Só era diferentes nas pastagens
em que a madeira bem mais escasseia
e as piras só se erguiam raramente;
mas mesmo ali, corriam as paragens
com cavalhadas a marchar sem peia,
compactada a terra firmemente!...
TERRAS VI
Da Ressurreição dos Corpos vem temor,
que no Credo repetimos firmemente,
sem entender a mensagem, claramente
de São Paulo a descrever seu esplendor.
Não são os corpos materiais e a dor
que ressuscitam na ocasião premente,
como de fato, não vem à luz semente,
após que a lance no eito o semeador...
Porém são corpos por Deus glorificados;
na realidade, corpos espirituais
e não aqueles que foram descartados,
sem mais razão para temores e ademais,
que então se cremem os restos materiais
e os cemitérios se tornem despovoados!
RESPONSOS
I — 01 mar 2007
"Não
fales hoje das horas, das mudanças,
nem me
menciones os lírios e as andanças...
— Só
quero fales do ser-em-si contigo,
só quero
que menciones ser nós e ser comigo.”
"Então te falarei dos seres mais ocultos,
dessas
palavras vagas, que soam como insultos.
Porque
pronta não estou ainda a escutar-te,
exceto
em termos neutros, termos de arte..."
Pois, ao
contrário, eu queria que escutasses,
bem no
teu coração, o quanto não me atrevo
a te
dizer agora, sequer, por meu soneto...
E, se
algo mais queria, é então que me falasses
o que eu
queria dizer... E que mal sei se devo,
porque,
se não falares, percebo que é incompleto.
RESPONSOS
II – 03 MAI 15
“Então
eu falarei dos Devas, dos Asuras,
na
carícia imortal das velhas escrituras,
que até
nós sobrevivem, com ampla fortaleza,
ao
roçagar do tempo polidas em pureza...”
“E só
então me indagarás dos Avatares,
permeio
às eras, em lentos deslizares,
ante a
Sansara em perfeito desafio, (*)
do amplo
tempo a comandar o rio...”
Hoje a
palavra já se vulgarizou:
são
figurinhas em videoguêimes digitais,
que
qualquer jogador pode possuir,
enquanto
Vishnu só se materializou
da
humanidade nos dias mais fatais,
a
integridade do Universo a restituir...
(*) A
roda das encarnações.
RESPONSOS
III
E mesmo
no universo cinemático,
de
inevitável sabor hollywoodiano,
os
avatares surgiram noutro plano,
sem nada
de divino ou de catártico,
seres
azuis vivendo nesse enfático
interligar-se
com caudas, num insano
imitar
desses fios, que cada humano
os
periféricos prende ao sorumbático
receptáculo
da digital memória;
a
conotação por certo já fizeste,
por mais
que o filme despertasse tua emoção,
desvirtuando
desta forma a pura história
e
rebaixando esse teor que recebeste
a pouco
mais do que conexão!...
RESPONSOS
IV
Assim
querias uma conversa filosófica
neste
mundo de velocíssima mudança,
mas só
aparente, pois sei, desde criança
das
previsões tecnológicas, sob a ótica
dos
antigos escritores da estrambótica
Ficção
Científica, como a crítica a abalança,
naqueles
tempos a desprezar, até que a dança
literária
a aceitasse, em nova semiótica. (*)
E hoje
apregoam como novidades
isso que
há oito décadas previam...
Mas para
mim seria melhor tema
contigo
partilhar de amenidades
que
nossos lábios nunca permitiam,
só
registradas em formato de poema...
(*)
Parâmetros de significado.
ANO ANCESTRAL I –
02 MAR 2007
TÃO BREVE O SONHO
DESFRUTADO UM DIA
LONGA A ELEGIA
QUE POR TI COMPONHO
TÃO BREVE A GLÓRIA
FEITA DE ESPERANÇA
GUARDADOS NA
LEMBRANÇA
RETALHOS DE TUA
HISTÓRIA
A MEU REDOR O POVO
RECEBE O ANO NOVO
COM ALEGRIA E
PRESSA
PORÉM EU AGRADEÇO
AO VELHO E AINDA
PEÇO
COMIGO PERMANEÇA
ANO ANCESTRAL II –
4 MAIO 15
POR QUE SOBREVOAR
A BREVE ESFERA
ANUAL
SE UM VASTO CABEDAL
NOS TEM A
DEMONSTRAR?
POR QUE SOBRENADAR
AO TEMPO NATURAL
SE A LUZ DESSE
FANAL
NOS PODE CONFORTAR?
QUE HOUVE MUITO DIA
NO QUAL EU FICARIA
POR BEM MAIS LONGA
HORA
MAS ZOMBA DE MINHA
FÉ
O TEMPO E EM
PONTAPÉ
ME EXPULSA SEM
DEMORA
ANO ANCESTRAL III
BUSQUEI NÃO SER
SOMENTE
O ÚNICO A FICAR
NA ESPERA SINGULAR
DO TEMPO
INDIFERENTE
PORÉM HÁ TANTA
GENTE
QUE BUSCA SE
APRESSAR
À PRAIA DE OUTRO
MAR
REMANDO DE
IMPACIENTE
O TEMPO NÃO AVANÇA
MAS É IMPULSIONADO
POR DOIDIVANAS
BRAÇO
E NESSA LARGA
TRANÇA
ARRANCAM-ME O
PASSADO
E LANÇAM-ME NO ESPAÇO
ANO ANCESTRAL Iv
JÁ TIVE MINHAS
ESPERAS
E TU TAMBÉM TIVESTE
A MÁGOA SUPORTASTE
NO AGUARDO DAS
ESFERAS
ASSIM O TEMPO GERAS
QUE TU MESMA
APRESSASTE
E OS PORVIRES QUE
CONFIASTE
SÃO DADIVOSAS FERAS
TAMBÉM PENSEI UM
DIA
QUE TUDO MUDARIA
DEPOIS DO QUE
ESPEREI
MAS SE A CORTINA
AFASTO
BALANÇO DESSE GASTO
SÓ O TEMPO
DESGASTEI
SIAGONAGRA [nevralgia do trigêmeo] I – 03 JAN 07
e a questão é bem esta: Pressinto se enciume
porque lhe fiz amor no tempo em que ocupava
seu ventre alguma outra. E quando se orgasmava,
era a outra que sentia prazer feito azedume.
por não saber quem amo... Se ela, ou sua parceira,
de coração e corpo... E a quem então amava?
tanta vez eu lhe disse quão grande o amor que amava
que engloba as que se alternam na mente sorrateira.
será que confabulam? Que falam entre si
do harém as odaliscas do mestre do serralho?...
e que dirão de mim, permeio a seus segredos?
pois quase um adultério a praticar-me vi,
com minha própria esposa; e quando enfim me espalho,
nem sei qual a presença que tive entre meus dedos...
SIAGONAGRA II – 05 MAI 15
três nervos nos percorrem por um forâmen só
e assim a dor que causam percebes triplamente:
difícil é saber se a origem é algum dente
ou se provém do ouvido o cepilhar do enxó.
e quando a atmosfera se carrega, sem mais dó,
a dura sensação tortura-te amplamente,
nessa pressão que esmaga e torna a dor potente,
espalhada pelo rosto, chegando até o gogó!
quem sofre dessa dor a amarga nevralgia,
depende muita vez de fortes analgésicos:
por sorte eu a domino mais por concentração
ou faço os exercícios que em alfarrábios via,
certos deles impossíveis aos pobre hemiplégicos,
forçados desta forma a maior meditação...
SIAGONAGRA III
porém a minha amada tem muitas companheiras
que se alternam, potentes, o corpo dominando;
algumas para mim em seu ardor se alçando,
enquanto outras a mim recusam suas esteiras...
um corpo só, porém tantas seresteiras...
é difícil saber sequer quem está olhando
do fundo dessas órbitas, tão só analisando
se dará aceitação a minhas ânsias parelheiras...
e quando isso descrevo, parece-me loucura
que beije a mesma boca num ato de ternura,
mas sem saber de fato qual seja a que estiver
a me esperar ardente em seu ideal complexo,
se quer só meu carinho ou se deseja sexo:
nem sei quantas habitam tal corpo de mulher!
SIAGONAGRA IV
de fato, do trigêmeo até prefiro a nevralgia
que já conheço bem e posso controlar
do que essa mutação em súbito oscilar,
quando à tona me surge outra irmã da confraria!
porém se alguma aceita o amor que me iludia,
como posso saber a qual estou a beijar,
qual delas corresponde a meu terno abraçar,
na troca multicor dessa esquizofrenia?...
pressinto no final que amei caleidoscópio,
composto por mil tésseras em agitar constante
ou antes ampulheta, num lento deslizar
e outras vezes penso que por um periscópio
contemplam lá do fundo, em ciúme delirante,
o prazer de sua irmã, seu corpo a me entregar!...
AMOR DE
CÂMARA VII – SCHUMANN – 3 jan 07
Bate
forte essa música e entorpece
e durmo
e só desperto ao dia seguinte.
sensual
o sono que o sonho teu me pinte:
queria
que meu sonho então se desse...
Queria
que Morfeu trouxesse, alado,
o sonho
bom que tive: e foi contigo;
e que
igual sonho tivesses tu comigo:
quisesses
despertar e ver-me de teu lado.
Que
fosse tudo novo nesse sonho.
Que
fosses meu ideal e eu fosse o teu,
por
entre as ondas que no sonho espumam.
Que
fosse um sonho límpido e risonho:.
que nos
fundíssemos em cristais de breu,
para
fazer amor ao som de Schumann...
AMOR DE
CÂMARA VIII – Berlioz – 03 jan 07
Fecha a
janela durante a tempestade,
palpitante
dos dias que anjos voam,
falando
mudos das noites que se escoam,
enquanto
acorda, presa da saudade
de seu
amor antigo e já afastado:
amor que
foi de lâmia e feiticeira,
amor que
foi de fada alvissareira,
amor de
um coração semicerrado...
Mas para
mim que abrir essa janela,
de par
em par, sem hesitar, quisesse
e eu lhe
entregasse o meu desejo atroz,
de que
me pertencesse, toda ela,
e que
inteira e pronta já estivesse
a amor
fazer, ao som de Berlioz...
QUEIMA DE VERSOS I – 03 jan 07
Não sei dizer se foi corpo sem voz,
ou voz sem corpo feita num sussurro,
nessa eletrônica comutação de nós
que explode em versos que ao teclado empurro.
Não sei dizer se foi a voz sem corpo,
ou o corpo sem voz da tempestade,
que te chegou ao ouvido, se foi cor po- (*)
derosa com que o relâmpago te invade.
Só sei que me juraste ter prazer
na dor-corisco que o corpo te atravessa,
por sobre o pelourinho do trovão.
Enquanto os bytes murmuram, sem poder
mais que cegar teus olhos, quando cessa,
na luz do raio, o pulso da emoção.
(*) Aqui empreguei a Grande
Sinafia.
QUEIMA DE VERSOS II – 6 MAI
15
Talvez escute a voz da
profecia
nesse relâmpago azul da
tempestade,
nesse clarão que os olhos nos
invade
e que talvez cremar-nos
poderia...
Sei de pessoas que um raio
atingiria,
em carne negra encolhida na
verdade,
algum vapor tão só que
sobrenade
esse restolho a partir sem
homilia...
É bem diversa dessa ansiada
cremação
sobre uma pira, como em Bhârat ainda fazem (*)
esses milhões de brâmanes
devotos
ou em um forno de eletrizante
combustão
que a carne e ossos em fina
poeira trazem,
não mais que urna sobrando
para ex-votos.
(*) Nome oficial da República
da Índia.
QUEIMA DE VERSOS III
Somente penso que talvez uma
faísca,
um asteroide, quem sabe, ou
meteoro,
os satélites queimaria, em
triste choro
por tantos versos que a
memória cisca
ou os servidores servindo
como isca
os atraíssem, em acidente que
deploro,
por qualquer magnetismo que
ignoro
e ali cremassem cada frase
que se risca,
desses que julgam serem
digitalmente
conservadas de forma
permanente,
como um aceno para gerações
futuras,
igual que versos foram, porém
materialmente,
em pergaminhos de duração
ingente,
durante as eras até mais
obscuras..
QUEIMA DE VERSOS IV
Já no passado pensei queimar os
versos
que me esmagavam tanto o coração:
quando dormia, seu peso em
multidão
tornava meus ofegos mais
opressos...
Mas hoje, que já os tenho tão
dispersos,
com liberdade para a reprodução,
perdi o controle dessa ampla
gestação:
somente posso comentar os
contraversos
que em escaninhos guardo ainda
neurais,
mas que esqueci em sua grande
maioria
e já nem posso no analógico
encontrar,
mas lá se escondem, em casulos
naturais
e apenas posso temer, em nostalgia,
sejam queimados pela luz do teu
olhar.
A FILHA
DE APOLLO XII – 5 jan 07
Que
coisa mais estranha, que se passa,
quando
lanço um olhar e vejo em torno,
qual um
solipsista, que essa raça
que me
rodeia, que esse povo morno,
é como
se não fosse bem real.
Caricaturas
são, como uma gráfica
computação
inserindo essa virtual
reunião
de táticas na memória sáfica.
Tal
como escasso fora o orçamento
desse
mundo consútil que rodeia
meu
corpo inerme em fímbrias de paixão.
E então
me apego a ti, nesse momento,
em que
teu beijo abrasa e me incendeia
e me
derreto em ti, nessa ilusão...
AS JOVENS DE ROMA LV – 5 jan 07
PYXIA
COM SURPRESA, DESCOBRI QUE ELA TEMIA
LER OS MEUS VERSOS DE ESPLENDOR FUNESTO:
QUE UM OMINOSO FUTURO PRESSENTIA
A CADA VEZ QUE SUSPEITAVA O INCESTO
CONTIDO NESSAS LINHAS ASSANHADAS,
QUE UMAS ÀS OUTRAS FREQUENTES
FECUNDAVAM,
TAL COMO, SE AO FUTURO AMEAÇADAS
TORNASSEM EMOÇÕES QUE A ENSIMESMAVAM.
OU TALVEZ, SIMPLESMENTE NÃO QUISESSE
LER MEUS POEMAS, PORQUE COMOVERIA
SEU MEIGO CORAÇÃO, QUE INDISPUSERA
PELA SUA AUSÊNCIA A QUE MAIS ME
APROXIMASSE.
ATÉ QUE AMOR POR MIM CONFESSARIA,
NA ANGÚSTIA PURA DA EMOÇÃO SINCERA.
A EPIFANIA DA ESTRELA I – 5 JAN 07
A tradição quis preservar o mito
dos Três Reis Magos, de sabor sassânida; (*)
um trouxe a mirra, em seu olor balsâmida,
outro o incenso, para um deus bendito.
Puseram-se a caminho os três astrólogos,
guardados por escolta bem armada,
em proteção do ouro, a bem-amada
e eloquente moeda em seus monólogos.
Pois dormiam de dia; e à noite, viajavam,
para seguir da estrela a orientação,
a supernova esplêndida e azulada,
que os céus marcava em plena exaltação,
essa estrela impossível que enxergavam,
no fulgor pleno da ilusão sagrada...
(*) De fato, o Império Sassânida
se iniciou no século terceiro de nossa era,
conhecido por seus habitantes
com Eranshar ou Eran.
A EPIFANIA DA
ESTRELA II – 07 MAI 15
Li, certa vez,
um melancólico relato (*)
de astronautas
chegados a um planeta,
sua vida
extinta por razão secreta,
sua arte ainda
preservada sem recato.
E assim
chegaram a descobrir, em desacato,
que uma estrela
sua radiação excreta,
toda a vida
destruída por completa,
conservada a
arquitetura, triste fato!...
Bomba de
nêutrons de natural fulgor,
feitos os
cálculos, à conclusão chegaram,
por mais
quisessem negá-la também,
que essa
supernova de pavor
(que os
astrônomos chineses registraram)
fora essa
própria Estrela de Belém!...
(*) O famoso
conto THE STAR de Arthur C. Clarke.
A EPIFANIA DA
ESTRELA III
Porém Giotto de
Halley o cometa
nos céus da
Itália pôde contemplar,
para então em
seus quadros conservar
essa passagem
que toda a Terra afeta,
para o grande
pintor, dourada seta
dos Três Magos
o caminho a indicar:
sobre Jerusalém
vai se ocultar,
sobre Belém de
novo se projeta!...
Desde então,
foi mantida a alegoria,
não de uma
estrela, mas incêndio sideral
que o céu
transmuda com a luz da profecia,
igual que o
Velho Testamento nos dizia
que “do
distrito a pequena capital
o seu Messias
triunfal receberia!...”
A EPIFANIA DA ESTRELA IV
Por Halley esperei, por muitos anos,
e então sofri belo desapontamento,
pois não foi, nem de longe, tal portento
descrito em tantos versos soberanos.
Dizem adeptos de mistérios mais arcanos
que pela cauda do cometa o passamento
de toda a Terra provou, nesse momento,
a loucura coletiva dos humanos!...
Por isso os genocídios, tantas guerras
como jamais o mundo vira dantes...
Assim cometa mais pálido prefiro
sem do conflito atômico nas esperas:
mas seu retorno não verei, em fulgurantes
réstias de luz, trazendo a morte em giro!...
KLIEG LIGHTS [REFLETORES] I – 4 JAN 07
a vida é uma
ironia: são palhaços,
que ao invés
de pulular no picadeiro,
fazem
momices nas arquibancadas
e inda se
julgam no centro do terreiro...
a vida é uma
comédia: nesses traços,
talvez uma
tragédia, ao derradeiro
piscar das
luzes antes espocadas,
que só
iluminavam por inteiro
aquele palco
falso da consciência,
em que nos
enxergávamos, falidos
em nossa
imageria, que outros seres
percorriam na
maior inconsequência,
enquanto nos
mantinham, iludidos,
reflexos a
gozar como prazeres...
KLIEG LIGHTS
II – 8 MAI 15
e, ainda
assim, pagamos para tê-los!
esses
prazeres baços de outras vidas,
que nos
mostram as telas, nas contidas
aspirações
por vicariais desvelos...
pois eu não
quero mais viver fantasma!
quero sofrer
a dor que me entretece;
quero o
prazer que aos poucos me envelhece
nesse
concreto que a mim mesmo orgasma.
nesse mundo
gentil e sibarítico,
que coalesce
em torno, em sifilítico
contaminar
impudico de emoções...
não quero
mais esse prazer aidético,
de fazer
versos apenas, no morfético (*)
despedaçar,
em gangrena de ilusões...
(*) Referente
à lepra.
KLIEG LIGHTS
III
a vida de
hoje está envolta nesse véu:
televisores
e redes digitais,
só os
estranhos percebendo no ademais
das cores
falsas sob o mesmo céu,
que nos faz
pressentir que existe, ao léu,
um outro
mundo de vidas materiais,
porém que
aqui não divisamos mais,
todo o
analógico perdido nesse arpéu...
aqui as
pessoas se limitam a mostrar
seja seus selfies ou alheia imagem,
sem ir nas
ruas apertar as mãos,
só em
eventos falsos beijos dar,
sem
realmente inserir-se na paisagem,
nem
entregar-se a outros corações!
KLIEG LIGHTS
IV
presas assim
nessa moderna zombaria
dos pixels, em constante renovar,
não são os
mesmos rostos a mostrar,
porém novas
imagens que se cria,
tão
diferente de quando a gente ia,
nos fins das
tardes de verão, passear,
com os
amigos indo conversar,
nessa luz
crepuscular que os alumia.
indiferentes
mesmo, a pisotear
os milhares
de negros cascudinhos,
em suicídio
ao redor dos refletores,
para depois
às casas retornar,
dos
mosquiteiros a se esconder nos ninhos,
na breve
fuga de seus perseguidores...
QUANDO
O AEDO MENTE I – 04 jan 07
Assim
me vejo, imaculado a medo,
por
trás dos véus do aroma e do segredo,
no
jogo das palavras, no penedo
das
emoções arrojadas, no arremedo
da
substância real, em que concedo
não
saber exatamente em que degredo
se
encontra meu destino, nesse azedo
perscrutar
das estrelas, no levedo
que
reflui dentro da taça de minha mente,
um
reflexo de céu, sempre presente
nessa
revolta quase onijacente,
que
perpassa meus sonhos, inclemente
percepção
de que a luz circunjacente
nunca
revela o que o sonho meu pressente.
QUANDO
O AEDO MENTE II – 09 MAI 15
Sempre
que o aedo mente, é a verdade
Que
transpira em seus versos: ele vê,
Contra
o véu da mentira, a realidade
Que
o mundo enxerga e, todavia, não crê.
Sempre
que o aedo diz falar mentira,
é
porque nele a verdade é manifesta:
na
plena fantasia é que se estira
a
única verdade que nos resta.
Pois
quando o aedo peneira esse universo,
em
que mente a verdade mais real,
na
verdadeira metáfora nos diz,
que
é na mentira que alcança o mais diverso
descrever
desse mundo natural,
que
só existe nos sonhos que ele quis.
QUANDO
O AEDO MENTE III
Porque
o Universo é farsa desconforme,
criada
apenas por nossos sentidos:
não
vemos o que existe e, nos ouvidos,
o
som do sangue permanente dorme.
O
nosso tato se arrepia ante o disforme,
o
paladar e o olfato compelidos:
nossos
suores os têm comprometidos,
cada
sentido ao imaginar conforme.
Mas
o aedo tem a sua intuição
e
assim revela o que os outros negam,
por
mais que estes afirmem ser mentira
e
mesmo sem saber, traz à razão
o
irracional, perante o qual se cegam
os
que acreditam saber que o mundo gira.
QUANDO
O AEDO MENTE IV
Já
muita vez cruzei essa cortina,
minha
pegada deixei sobre sua alfombra, (*)
abaixado,
enrolei a própria sombra
e
a enovelei no carretel da sina.
Dos
sonhos desvendei a vasta mina,
pesadelo
nenhum nela me assombra,
a
minha própria verdade ali ressumbra,
quimeras
passam por peneira fina.
Assim
eu minto, como um bom aedo,
a
criar e a decorar as epopeias,
os
mitos, pouco a pouco, a transformar,
nas
fantasias que para o mundo cedo,
no
burlar multicor dessas ideias
que
nem sei de qual abismo fui buscar!
(*)
Tapete.
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