DESTINOS
AZUIS – WILLIAM LAGOS
DESTINOS AZUIS
I – 19 ABR 15
“O tempo corre
sempre e não se cansa”,
Contra nosso
coração furtiva lança,
Contra as
reservas de energia avança:
Igual que um
lobo, nossa alma devora.
Os pensamentos,
por igual, explora;
Constrói
paredes na região que mora,
Esguios
palácios do tempo sem demora,
Restos dos
sonhos que tivemos em criança.
Contudo, ainda
que o corpo se desmanche,
Persiste a
alma nas brumas do nirvana,
Como argamassa
permeio aos contrafortes
E arcobotantes
com que o tempo se deslanche;
Sendo as horas
banderilhas com que abana
Falsos consolos
para as tristes sortes...
DESTINOS AZUIS
II
Será que o
tempo se rasga como espaço
Nessas horas em
que ponho em meu regaço
A doce amante
com quem hoje me abraço,
Quando das
horas se percebe a suspensão?
Será que o
tempo se desdobra em afeição
No leve frêmito
de seu coração,
Contra meu
peito, em pura imantação,
No magnético
esplendor de cada laço?
Será que o
tempo se amornece em fruto,
A cada vez que
me concede um beijo
E a alma, num
repente, me perfura?
Será que o
tempo desfalece em luto,
A cada vez que
acaba esse desejo,
Após o orgasmo
de centelha pura?
DESTINOS AZUIS
III
E qual a cor do
tempo quando escorre
E qual a cor do
espaço que nos forre
Cada centímetro
do chão que o passo corre,
Cada horizonte com
que nos ilude?
E qual a cor do
tempo quando mude
A esperança
final que nos alude,
Nesse desdém
que o beijo torna rude,
Quando esse
amor de ontem já nos morre?
Qual é a cor de
um esquecido beijo,
Nesses lábios
de inquieta maciez,
Que
correspondem por obrigação,
Chamas azuis do
derradeiro ensejo,
A consumir o
final de uma nudez
Que expõe
aberto o nosso coração?
ELITROPIA I – 20 ABR 15
DIZIAM ANTIGOS QUE UMA PEDRA HAVIA
QUE TORNAVA INVISÍVEL QUEM A TINHA
E O PROTEGIA QUANDO SE AVIZINHA
QUALQUER SERPENTE QUE SENÃO O PICARIA.
CHAMAVAM-NA ASSIM DE ELITROPIA:
MALBA TAHAN A DEFINIÇÃO ALINHA (*)
DESSA PALAVRA ANTIGA QUE NOS VINHA,
POR MAIS ESTRANHA SUA ETIMOLOGIA
POIS “MOVIMENTO DAS ASAS” DEVERIA
SIGNIFICAR ESSE TERMO, REALMENTE.
Uma entidade, quiçá, atenderia
E essa visão alheia afastaria
No movimento de asas, fremente
Com que a invisibilidade nos daria...
(*) PROF. JÚLIO CÉSAR DE MELLO E SOUZA, 1895-1974, AUTOR DE “O
HOMEM QUE CALCULAVA” E DEZENAS DE OUTROS LIVROS AMBIENTADOS NO MUNDO ÁRABE OU
NO MUNDO DA MATEMÁTICA.
ELITROPIA II
SERÁ QUE REALMENTE EXISTIRIA
QUALQUER PEDRA TÃO LEVE QUE PUDESSE
AFASTAR AGUDO OLHAR QUE NOS ASSESSE
E NOS GUARDAR DA ALHEIA CONFRARIA?
SERÁ QUE ALGUM ENCANTO SE DIRIA,
QUALQUER INVOCAÇÃO OU ARCANA PRECE
PARA QUE ESSA PEDRA MÍSTICA NOS DESSE
UM TAL PODER QUE NOS PROTEGERIA?
BEM QUERERIA NO MEU BOLSO PÔR
UM ARTIFÍCIO COM IGUAL POTÊNCIA,
QUE SÓ MINHA VOZ ENTAO SE ESCUTARIA...
SEM ÀS VISTAS DE OUTREM EU ME EXPOR,
SOMENTE O CANTO DE ESTRANHA ONISCIÊNCIA
AOS OUVIDOS DOS DEMAIS ALCANÇARIA!
(*) ASSESSAR SIGNIFICA “AVALIAR”, ENQUANTO “ACESSAR” REPRESENTA
“ATINGIR” ALGUMA COISA.
ELITROPIA Iii
APRECIARIA TER INVISIBILIDADE
CASO INIMIGOS ME VIESSEM PERSEGUIR,
MAS SEI DE VÁRIOS MOTIVOS A IMPELIR
ALGUM OUTRO QUALQUER, NA REALIDADE.
UM PARAÍSO PARA A LUCRATIVIDADE
DE QUALQUER ASSALTANTE A SE IMISCUIR
OU DE QUEM SE ALMEJARIA INTRODUZIR
DE UMA MULHER NA FINAL INTIMIDADE.
MAS NÃO SERIAM TAIS MINHAS INTENÇÕES:
SE NÃO ME MALQUERESSES, SÓ QUERIA
QUE TEU BELO CORAÇÃO ME IMAGINASSE
E SEM ME VERES, QUE CRIASSES EMOÇÕES
POR ESSES VERSOS QUE ENTÃO TE ENVIARIA,
EM QUE IMAGEM ROMÂNTICA ESTAMPASSE...
FLOR DO TIBET I
– 21 ABR 15
Foi ensinado
por filósofos antigos
que há, de
fato, uma reencarnação,
do tempo isenta
de toda escravidão,
mas partilhada
por amante ou inimigos...
Que após a
morte, retornássemos em amigos
ou nas pessoas
que amamos com paixão
ou naqueles a
quem causamos destruição:
seus mesmos
corpos a nos dar abrigos...
E que vivessem
de forma simultânea,
de tal modo a
gozarmos todo o bem,
ou sofrermos de
igual sorte todo o mal,
que
praticáramos de forma subitânea,
sofrendo cada
golpe assim, também,
e o próprio
beijo nos daríamos, afinal!...
FLOR DO TIBET
II
E se nós todos
tivéssemos consciência
de que o mal
que praticamos nos assalta
e que esse bem
que um dia nos fez falta
fossem de
nossos atos consequência,
não por castigo
receber em descendência,
mas no mesmo
momento em que essa malta
de nossos
feitos surgisse na ribalta,
roteiro feito
com antecedência,
por nossas
próprias mãos e ao mesmo tempo;
se alguém
matássemos, que a morte fosse nossa;
se algum
ajudássemos, esse seria o nosso bem;
todos tijolos
de um só e mesmo templo,
corpos
trocando, sem passar na fossa
e almas
cambiando por entre nós também...?
FLOR DO TIBET
III
Quando olhando
nos olhos de alguém mais
a nós mesmos
enxergássemos no fundo,
muito mais
mágoa nesse esgar profundo
do que seria
provocada no ademais!...
Quando
escutando cem palavras más,
percebêssemos,
permeio ao som imundo,
a nossa própria
voz, quão iracundo
o nosso ego
entranhado no jamais!...
Que essa
maldade contra nós realizada
entendêssemos
por nós mesmos sendo feita,
em dupla vítima
para cada má ação!...
As mães e os
filhos em posição trocada,
a mesma alma
que suga e a outrem aleita,
no mais
perfeito amor nessa ocasião...?
BEZOARES I – 22
ABR 15
Em retrospecto,
agradeço às cem Marias
que amei no meu
passado com sucesso
bem obtido – ou
recebido pelo avesso:
duzentos olhos
a luzir em romarias!
Em retrospecto,
agradeço as homilias
entoadas do
amor no brando apreço,
no coração
ganhando pleno ingresso:
longa trança de
emoções e galhardias!
De cada uma
guardei alguns cabelos;
ás vezes, uma
mecha; doutras, um fio,
amarrados com
fitas em novelos,
perfeitamente
armazenados no meu brio,
troféus inúteis
de um perdido cio,
sedas fantasmas
da morte dos desvelos...
BEZOARES II
Algumas vezes,
é possível encontrar,
dentro do
estômago de certos animais,
esse novelo de
pelos naturais
que os antigos
denominaram “bezoar”.
O mais comum é
nas ovelhas se buscar,
mas entre os
gatos existem muitos mais
e raramente
entre os cães, sem os fatais
costumes de
seus pelos lambuzar...
Causam dores
muita vez e mesmo a morte
esses baraços
de pelos entranhados,
que lá no
antanho empregavam na magia.
Algumas vezes
trazem cálcio no seu porte,
em verdadeiras
joias transformados
por tantas
dores com que o ventre gemeria!
BEZOARES III
Assim, esses
cabelos que guardei,
em qualquer
canto da alma recolhidos
são por mim
outros prantos escondidos
do que não tive
ou de fato experimentei.
Meus bezoares
dos cabelos que ganhei
foram em joias
sempre convertidos,
lápis-lazúli e
crisopraso revolvidos,
cristais em
gotas das lágrimas que achei!
Marchetadas em
meu ventre cerebral,
as suas arestas
muitos sonhos arranhando,
novos rubis
prendendo nessas tranças,
sem que de fato
me fizessem passar mal,
mágoas somente
em colares alinhando,
pérolas mortas
em engastes de esperança...
SOPRO VITAL I – 23 ABR 15
Bem gostaria que subisse o medo
das profundezas ríspidas da alma
e me encarasse, olho no olho, em calma,
com suas unhas aduncas de penedo.
Uma entrevista, de pronto, lhe concedo,
à luz do dia, no forte olor que embalma
ou ao crepúsculo, que o palpitar acalma,
quando a Lua me acarinha em seu albedo. (*)
(*) Albedo é o reflexo da luz solar na Terra sobre a
Lua.
Olhos nos olhos, então o enfrentaria,
para indagar o quê de mim queria
esse palor perdido na minha sombra,
entranhado na orla das pestanas
ou balançando em fio que então abanas
para esse breve susto que me assombra...
SOPRO VITAL II
Eu lhe daria um chá de erva-cidreira
e quando enfim pousasse a colherinha,
indagaria do medo o que é que o tinha
levado a se assentar nessa cadeira,
pois certamente uma razão interesseira
essa entrevista junto a mim continha,
pois nenhum medo às claras se avizinha,
sem segundas intenções – ou até terceira...
Então me disse achar-se muito só,
porque embora me afetasse a adrenalina,
era depressa demais que eu me acalmava;
e que de seu poder não tinha dó,
mas que o tingia em tom de turmalina
nesse pequeno momento em que o julgava.
SOPRO VITAL III
E eu disse ao medo que, de fato, não temia
qualquer mal que me pudesse suceder;
em pouco tempo, teria de morrer;
talvez perdesse a luz que me alumia;
talvez a música que diariamente ouvia;
ou não pudesse talvez locomover;
que meus amados eu visse perecer
ou que perdesse a biblioteca que reunia.
Mas para tudo estava preparado
e lhe queria assim contar segredo:
“se pode ser pior, estou feliz”,
por um sopro de luz sou inspirado,
no qual percebo a viva cor do medo,
tal qual amigo que um bom conselho diz...
LÂMPADA INSONE I – 24 ABR 15
São salgadas as lágrimas, mas teu rosto
recorda mais açúcar e limão,
canela, salsa, algum manjericão,
quando a língua desvaria nesse gosto.
São ácidos os vinhos em seu mosto,
porém é básico o teu coração,
no fel-doçura de minha implantação,
bem mais gentil que um raio do sol posto.
Existe luz em ti que não desaba
nesse momento em que o Sol se põe:
vives assim a me alumiar a senda
e nesse espanto que jamais acaba
cada pegada então se superpõe
nessa quimera transtornada em lenda!
LÂMPADA INSONE II
De fato a Lua perdura e não se apaga
durante o dia, tal qual que nos parece,
embora surja tão só se empalidece
esse fulgor solar que nos alaga;
deusa velada, verdadeira maga,
essa lâmpada insone nunca desce,
sobre o alpendre pendurada como prece,
que argenteamente o rosto nos afaga,
sobre nós constantemente debruçada,
não dorme a Lua quando o Sol descansa
e nem tampouco quando ostenta seu fulgor;
lá está ela, gentil e consagrada,
toda a feiura a iludir com sua cor mansa,
dando pureza ao menor beijo de amor!
LÂMPADA INSONE
III
Assim a luz que
vejo nos teus olhos
não se apaga
sob as pálpebras cerradas:
lá está ela à
espreita, perpassadas
as pupilas, em
resgate dos refolhos;
os negros
cílios meramente antolhos
para visões
alheias apressadas,
para minhas
vistas sempre apresentadas,
faróis ligeiros
contra meus escolhos...
Até mesmo sem
saber, tu me proteges,
ao devolver o
olhar que te dirijo,
nesses cristais
de pranto cor de sal;
e bem queria
então que assim adejes
sobre meus
olhos como adaga rija,
dos pesadelos
afastando todo o mal.
TURQUESA E TURMALINA I – 25 ABR
15
Faces rosadas como a corticeira,
olhar azul da cor do caruru,
minha amada, com cabelos cor de
anu,
em seu sorriso de maga
feiticeira;
e nos cantos dos lábios,
derradeira,
uma gota de saliva, oriental
Fu (*)
me protege do rigor o peito nu:
que não me assalte a maldade
interesseira!
(*) Espírito protetor chinês, mistura de cão e de
leão.
A minha amada tem olhos de botão
dessas flores de buscada
perfeição,
em que o lápis-lazúli se reclina;
e com tais olhos cintilantes de
paixão,
em cada téssera gotejante de
emoção, (*)
ainda controla a senda de minha
sina.
(*) Pequenas pedras coloridas
utilizadas nos mosaicos.
TURQUESA E TURMALINA II
Faces morenas como a terra arada,
tem olhos verdes a mulher que
amo,
que me contempla no ciúme do
reclamo,
no velho adágio ao jade
comparada.
Ela se mostra fértil e abençoada,
ao receber o ardor com que a
conclamo
e a persigo com meu andar de
gamo:
tal corça é bela e de pelagem
delicada.
A minha amada é doce cotovia,
na proteção de seu ninho desvaria:
de fato, o ama mais do que a mim
mesmo;
e assim lhe trago os restolhos da
poesia,
que ela retrança em cestos de
harmonia,
acimentados por verso feito a
esmo...
TURQUESA E TURMALINA III
E são castanhos os olhos de minha
amada,
pois disfarces são apenas os
demais;
são melaninas os pigmentos
naturais:
tudo depende da luz capturada...
Mas olhos negros não tem a
idolatrada,
pois que somente os possuem os
animais;
os mais escuros são castanhos por
demais,
tão concentrada a cor apresentada.
Pois minha amada tem olhos
furta-cor,
iridescentes no amarelo que
reluz,
no heptacromo que cria a refração
e ali encontro a reluzir a meiga
dor
de cada olhar que a meus olhos se
conduz
e faz ferver ali a exaltação...
PRINCIPESSA I
== 26 ABR 15
Inicialmente,
nem sequer a notaria,
não era mais
que um vulto de passagem;
minha
indiferença lhe cobria a visagem,
tal qual
cenário pelo qual me moveria;
mas pouco a
pouco, notar-se ela faria
e no primeiro
plano da portagem
de mim já
exigia a vassalagem:
que a
percebesse de mim demandaria;
e fatalmente
entreguei-me a essa presença,
como um
vassalo, tal qual me requeria,
até a
completação total do giro,
que ao ver-me
firme na sua rede tensa,
fez-se em
princesa que não mais me via,
de quem me
despedi com um suspiro...
PRINCIPESSA II
Assim aquela
que um dia foi mendiga
da intempestiva
visão do meu olhar,
após ter-me
adquirido em seu passar,
não me deixou
ser dela mais que auriga; (*)
(*) Condutor,
cocheiro, chofer.
e tão logo
melhor carro ela consiga,
já sem de mim
sequer se recordar,
seus dois
sapatos de cristal a carregar,
de novo amor se
fará fiel amiga...
Tentada em vão
a invocação de espelhos,
sombra furtiva
nem pude abraçar,
nem seus
perfumes para mim voltaram;
quebrei a harpa
na rótula dos joelhos,
lancei as
cordas sobre o verde mar
e nem sequer em
algas se tornaram...
PRINCIPESSA III
Assim ocorre
com frequência demasiada,
que as coisas
para nós só têm valor
após perdidas
para o nosso amor,
em fantasia no
passado debruçada;
correm os
sonhos qual lesta cavalhada,
seus cascos
ressonando em estridor;
passam as ondas
nas espumas do cantor,
depois da nave
estar algures arribada...
Cada quimera a
furtar outro nitrido
e cada vaga a
matar um rouxinol:
é só então que
o amor nós avaliamos,
perdido o canto
para nosso ouvido,
dança o batel à
luz de outro farol
e no vazio da
margem nos achamos...
MANHÃ DA NOITE I – 27 ABR 15
O tempo gira em volta como o vento,
um pouco me acalenta ou me sufoca;
o som do tempo a meu redor espoca
e como o vento, o tempo gira lento;
o tempo gira para meu tormento
e passa o vento e gira e assim me toca
esse girar do tempo que reboca
o desgaste do tempo e do lamento;
lamenta o vento pelo tempo lento,
tormenta o tempo pelo vento antigo
no qual o vento, tal como o tempo, gira;
torna ao redor de mim no seu portento
o tempo lento, o vento que me mira
e o desgaste do vento é meu jazigo.
MANHÃ DA NOITE II
Mas se eu pedisse ao tempo que voltasse
para o tempo do passado, brevemente,
seria o seu girar mais inclemente
quando o passado em torno a mim girasse,
caso a manhã da noite se estampasse
sobre o crepúsculo de girar dolente,
seria o giro do vento mais potente,
tal qual se o giro do tempo desgastasse,
visto que a tarde da noite é a alvorada,
quando ela morre ao dar à luz o dia,
no dilúculo seu parto entre gemidos;
e quando o dia se extingue em quase nada,
retorna o tempo a girar em nostalgia,
dançando ao vento dos dias já perdidos...
MANHÃ DA NOITE III
Mas se eu pedisse ao tempo que se fosse,
para girar nas testas de outra gente,
seria o vento até mais inclemente,
por minha fraqueza perante ele expor-se;
e se eu pedisse ao vento ser mais doce,
perante o azedo do tempo descontente,
o tempo inteiro giraria velozmente,
nessa ironia de que um dia me remoce;
pois gira o vento a ressecar-te a face
e gira o tempo a quebrantar-te a vida,
nada restando para ti que a louca dança
em que o dia como noite se estampasse
no teu rosto, em calmaria desmentida
por baile doido de que o tempo não se cansa.
ADEMANES I – 28 ABR 15
Aonde eu for, te levarei comigo,
mesmo transpostos os portões da
morte;
não acredito que esse final corte
me roube o pouco de ti que ainda
consigo
conservar nos meus nervos em
abrigo,
cada gesto demarcado por teu
porte,
cada doçura ou azedume forte,
o mármore a formar do meu
jazigo...
Aonde eu for, tal qual o coração,
nesse seu ritmo às vezes
desolado,
é que de fato me conduzirá
esse murmúrio feito de ilusão:
cada trejeito a que fui atrelado,
que até o final minha mente
prenderá.
ADEMANES II
Cada momento algures que te vi
tenho gravado entre as redes
neurais,
em arquivos semióticos
finais, (*)
que voltarão a conduzir-me a ti;
(*) Arquivos de significado.
em cada porto do cérebro inseri
essas lembranças de fomes
perenais,
sobrenadando a quaisquer outras
que tais,
cada instante do passado que
vivi;
não é, porém, tal qual te
aguilhoasse,
pois de ti retirei tão só
reflexos
e nunca essa verdade que tu és;
que em mim somente esse espelho
se estampasse,
no meu ergástulo de perdidos
nexos,
conservados pela força de minhas
fés.
ADEMANES III
Por isso, no meu cérebro é que
pesam
os atributos antigos da memória,
os singulares momentos dessa
história:
outras lembranças apenas é que
lesam
e os julgamentos mal e mal
sopesam;
quaisquer recordações de alheia
glória
a descartar de forma peremptória:
somente tuas as ladainhas que
rezam...
Guardo de ti a saga carmesim,
que em meus neurônios firmemente
dói,
jamais cambiada por outros
desejos;
e desse modo, se algo eu levo,
assim,
é só o fantasma de um sonho que
já foi,
por mais reais que fossem os teus
beijos.
William Lagos
Tradutor e Poeta
Blog: www.wltradutorepoeta.blogspot.com
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