BÚZIOS E MAIS
Novas séries de William Lagos, 16-25 jul 2015
BÚZIOS I – 2007
Esses círculos
que sempre nos rodeiam
não são de fato
olímpicos anéis;
nossos limites
quebram seus pincéis
e, em cores
novas, todos nos enleiam.
Esses círculos
que, em torno, nos ondeiam
partem de nós,
majestosos como reis
dos tronos
promulgando novas leis
a quem escuta,
àqueles que nos leiam.
São vibrações da
voz, do movimento,
são luz que se
projeta de um olhar,
quando a ilusão
do amor quebra o limiar
e nos
reflexos enviados, tal momento,
como o
fulgor do sol, qual o luar,
banha de assombro
o nosso pensamento.
BÚZIOS II – 16 JUL 15
Esses círculos que em torno a nós meneiam
são os círculos concêntricos da vida,
são os círculos do adeus na despedida,
são chamas invisíveis que se ateiam,
são cristais de puro ar que bruxuleiam
em busca de uma névoa mais querida,
gavinhas para a alma desvalida,
que se lança a alcançar o que permeiam,
todo esse espaço que nos contamina,
são vibrações de mim, vazios abraços,
são vibrações de ti que me enlouquecem,
a cada murmurar que se destina
em leve adejo a te beijar os traços
e as mil centelhas que lanças e me aquecem.
BÚZIOS III
Da trompa em espiral do búzio antigo
as clarinadas dos mares ressecados,
as agonias de espíritos alados
a projetar-se na busca de um abrigo;
levo-o ao ouvido e alguma vez consigo
distinguir os apelos consternados,
restaurar os capelos enrugados
do mar erguido em que se planta trigo;
das algas e mães-d’água ouvir rugidos,
enquanto o sol as desidrata ferozmente:
ouço a tristeza dessa inumana mente
e assim recolho da praia os seus gemidos,
leves fósseis em minhalma que adormecem
no vasto coro das quimeras que padecem.
BÚZIOS IV
Saem de mim os versos, com espanto,
ondas concêntricas de mística influência;
algumas vezes estuando de potência,
outros não mais que lágrimas de pranto;
brotam de mim os sonhos, nesse canto,
a alma a corromper-te com ardência
a despertar da lembrança a longa ausência,
a recobrir-te os ombros qual um manto.
Soam os búzios, primordiais trombetas,
de antes mesmo que ancestrais se aventurassem
além dos mares em que tinham segurança;
e assim transmito as luzes mais diletas
para os olhos que as quisessem e abraçassem,
nesse esplendor sutil de lava mansa.
ERZEGRETILDE
(2005)
Tenho uma amante,
Maria Erzegretilde,
mulher humilde,
mas provocante.
A cada vez que vejo minha
Maria,
cujos lábios vermelhos
têm sabor
de vagalumes em calidez e
ardor,
de gafanhotos em ira
momentânea,
reconheço todo o amor que
lhe sentia,
brotado em mim de forma
subitânea.
Desejo muito Maria
Erzegretilde,
que me dá tudo e nada
pede em troca;
meu coração seu coração
invoca,
é bela esta mulher
fosforescente,
que, às vezes, tem
capricho pueril de
mulher de ventre forte e
opalescente.
Em seus mamilos entranho
meus cabelos,
como se entranha a falena
no casulo;
seu coração de ânsia
quase engulo,
sugado o meu há muito por
seus beijos
e assim a envolvo na pompa
dos desvelos,
qual ela a mim na teia
dos desejos...
(*) Devo o nome Maria Erzegretilde a José Mauro
de Vasconcellos, referente a um personagem de se livro ARARA VERMELHA.
QUADRÍPTERO I - 2007
SOZINHO ATRAVESSO A NOITE,
COM MEUS DIAS DESCONTENTE,
O CALOR É MAIS CLEMENTE
NESTA TREVA EM QUE ME ACOITE.
TRAGO EM MIM ALMA ARREDIA,
ALHEIA À CONVERSAÇÃO;
CONTUDO, MEUS DEDOS SÃO
FEITORES DE SINFONIA.
SOB O AÇOITE DO SEGREDO
DE MINHA LOUSA TUMULAR,
A MINHA VIDA SE EXCRETA
E ENTÃO, ME PONHO A SONHAR,
QUAL SENTINELA SECRETA,
NUM MUNDO CREPUSCULAR.
QUADRÍPTERO II – 17 JUL 15
MINHALMA TEM QUATRO ASAS
IGUAL QUE PÁSSARO INDIANO
LIBÉLULA DE MEU RECLAMO
IRIDESCENTE EM SUAS VAZAS;
TEM A MINHALMA OITO CASAS
UMA É BOTÃO CASTELHANO
OUTRA O BROCHE DE UM ROMANO
OUTRA UM NÓ DE VELHAS GAZAS;
TENHO CASA NA MONTANHA
OUTRA NA AREIA DA PRAIA
MAIS OUTRA EM FLORESTA DENSA;
OUTRA FEITA DE ARTIMANHA
MAS TRANÇADA COMO VAIA
SEM QUE A OITAVA ME PERTENÇA.
QUADRÍPTERO III
POR QUE ASSIM SOFRERIA
ALMA COM OSSOS E PELE
ALMA DE CARNE QUE APELE?
ASAS QUATRO EM CONFRARIA...
POR QUE EM ESPANTO GANIA
ALMA INTEGRAL QUE NÃO GELE,
ALMA LEVE SEM QUE A SELE
A MULTIDÃO QUE A QUERIA.
MESMO COM ASA QUEBRADA
ELA ESCANDE PARA O SOL,
UM TANTO DESORIENTADA
FRENTE AO CAMINHO DE ESCOL,
POR NEVOEIRO ILUMINADA,
CRUZANDO DA GEADA O ANZOL.
QUADRÍPTERO IV
SOU UM PÁSSARO JURÁSSICO,
UM ANFÍBIO DO TRIÁSSICO,
UM FÓSSIL DO DEVONIANO,
TRILOBITA DO CAMBRIANO,
PORÉM VOO EM QUALQUER PLANO
COM MEU OLHAR INUMANO,
SEM TORNAR-ME DRAGÃO CLÁSSICO
NEM MÚMIA DE CHÃO MORÁSSICO;
MAS DOS ASSOMBROS NO CANTO
O MEU OLHAR FACETADO
AINDA SE EXPANDE E VÊ
POR ENTRE CHUVAS DE PRANTO
AS MIL BORBOLETAS QUE
FARFALHAM BALÉ GELADO.
VISLUMBRE I – 2007
o tempo não volta atrás
(pelo menos, que se saiba).
talvez na ciência caiba
algum processo capaz
de mudar esta sentença,
num impulso de energia.
que não volte a adolescência:
são anos de malquerença
pela geral aparência...
mas enquanto não retorna,
vamos viver no presente,
pois torná-lo diferente
está sempre a nosso alcance:
basta dar "última forma",
quando a vida já nos canse...
mudar seu comportamento...
(como ensinar truques novos
a um cachorro... até povos
puderam mudar seu jeito.)
vai-lhe dar contentamento,
sem que perca um só defeito
mas mesclado de despeito,
na saudade desse alento,
que foi fiel companheiro,
por mais que fosse imperfeito,
e deixou buraco inteiro,
ao não causar mais tormento.
VISLUMBRE II – 18 JUL 15
nem o espaço torna atrás,
sem ser estranho conceito,
mas projeta seu efeito;
nós é que voltamos nele
no local que nos apele
e que assim nos satisfaz.
que não volte o pantanal,
atoladouro do mal,
sorvedouro sem caudal.
no tempo também queríamos
poder dar a meia-volta,
mas sua opressão não solta,
a empurrar-nos adiante,
paquidérmico elefante,
que vencer não poderíamos.
será que truques se ensina
a tal tempo enganadouro,
domar-se o tempo vindouro
que nossa vida assassina?
afinal, se doma o espaço
em sua imobilidade
e se constrói à vontade
no rasgar do seu regaço.
o tempo, porém, não para
seu estúrdio mecanismo;
num relógio damos corda
e o tempo corda nos dá;
no futuro nos encara
com sorriso de cinismo
e começando da borda
em polpa nos torna já.
VISLUMBRE III
quando verso livre eu tento
logo à rima me encaminho,
do soneto bom vizinho,
na amarra deste portento;
por que perder meu amor
para um formato pior?
corre o tempo como verso,
cada minuto converso
em botão de andar disperso.
porém repilo a aldravia
quando a métrica se infunde,
que o ritmo então abunde
como o faz na mouraria,
verso é fruto de alaúde,
cesura do verbo rude.
só a censura bastaria
para os versos mutilar
pondo a pena a descansar
que o tinteiro esgotaria.
mesmo no tempo presente
de feroz digitação,
rascunho as laudas a mão,
passo a limpo descontente.
as linhas incluem o espaço
porém no tempo são feitas;
cada voluta que aceitas,
cada vírgula, corte e traço;
cada minuto é fatal,
cobrindo talos de vida
que espaço só dá guarida
ao traçar ponto final.
VISLUMBRE IV
só vive o verso no tempo,
mesmo folhado de espaço,
brilhante fólio de ouro
recapando meu desdouro,
como pneus no retempo,
da poeira no seu abraço.
ao completar, no momento,
congela-se o sentimento,
triste mosca em traço lento.
porém escrito, é defunto:
todo o seu tempo perdeu
nesse espaço conquistado
que o envolve amortalhado;
cada verso do conjunto
é múmia que arrefeceu.
na página fica perdido
conventículo de espaço,
não tem do tempo o regaço,
tal qual lápide esculpido.
mas no momento em que o lês
novo tempo lhe designas
com vida nova o insignas,
brilha a folha quando a vês.
então o verso é só teu
seja quem for que o escreva,
formado por tua certeza
enquanto não te perdeu:
no movimento da alma,
na luz de teu sentimento,
o poema é teu lamento,
senão meiga flor de calma.
GILVAZES I – 2007
escarifiquei a
mente e o coração
no anseio de
ti. E me tornei
escravo, não de
ti, do que pensei
pudesses ser,
envolto na ilusão;
um véu de espumas
os olhos me toldou
e imaginei que
idônea fosses, companheira,
tal qual sempre
busquei a vida inteira...
que amasses o que
amo e que, também,
me servisses de
apoio. E assim falhou
todo o meu
julgamento, porque alguém
criei em mim,
espírito ilusório,
alguém que me
amparasse, em quem confiança
total depositasse
e que bonança
me trouxesse à
mortalha decadente;
há de existir tal
ser fantasmagório,
porém não foste
tu. Mordi o ausente
jantar de mágoas,
em eterno malefício;
mas quando penso
em ti, da noite ao meio,
abraço firmemente
o devaneio
que existe em
mim, mas nunca encontrei fora,
maquete feita em
próprio benefício,
que um
dia reconheça, aqui e agora.
GILVAZES II – 19
JUL 15
houve um tempo em
que até mesmo se buscava
possuir no rosto
a escara de um gilvaz,
a branca cicatriz
que um sabre traz,
sinal de que o
masculino se orgulhasse!
isso ocorria
entre os jovens da nobreza,
em especial na
Áustria e na Alemanha;
havia quem
deixasse, em plena manha
que o rosto lhe
marcasse o oponente
como prova da
coragem tão frequente
com que
enfrentava duelos de incerteza.
passou a moda,
como todas passam,
até mesmo em
sociedades tão marciais;
perderam-se os
gilvazes, ademais,
com o explodir
das bombas e, na tumba,
velhas caveiras,
em sono que retumba,
sem gilvazes, em
ataúdes se congraçam.
mas chegam novas
modas, certamente:
hoje o símbolo
buscado é a tatuagem
e não somente
como prova de coragem,
mas em sinal de
pertencer à geração
das novas tribos
que por aqui estão,
até que partam,
de forma permanente...
GILVAZES III
os meus gilvazes
eu traço no papel,
ainda ao alcance
de minha carne e pele,
a longa frase
busca a quem apele,
muito mais que
cicatrizes de quartel.
é a pagina que
vazo com essa espada,
a fina ponta sem
sangue lhe arrancar,
a cada golpe
minha linfa a derramar,
em retalhos de
sonhos delirantes,
as impressões das
loucuras dominantes
que em tal
momento me governam com seu nada.
mas também são as
marcas que me aponho
na superfície que
um dia fora pura;
desilusão é o
gilvaz que mais perdura,
a força do desdém
que mais perfura,
melancolia o que
jamais se cura,
nessa esfera
castigada de meu sonho.
bem na verdade é
na face de minhalma
que deixo tortos
gilvazes mais profundos:
são os insultos
que me vêm, imundos,
acusações, que
mesmo sem ter base,
não me apraz
responder na mesma fase,
senão com frases
de soberana calma.
GILVAZES IV
existem meios de
apagar tatuagem
e recobrir dos
piercings o sinal;
o adolescente
crescerá, afinal,
a desligar-se dos
anseios de ancoragem.
e sempre existem
aqueles mais prudentes
que apenas colam
apliques provisórios,
que ao invés de
piercings usam ostentórios
de joias de
pressão, como os hindus;
destarte adornam
os seus corpos nus,
sem os marcarem
de formas permanentes.
bem que eu queria
que as marcas de minhalma
fossem apenas
postiças e as tirasse,
igual que roupa,
que em casa se trocasse,
após a festa ou
no retorno do trabalho,
ou as lançasse,
igual que em ato falho,
pelo zunir
esverdeado de uma palma.
mas as tatuagens
da alma e seus gilvazes
têm natureza bem
mais permanente
e quase todos as
escondem de outra gente,
preferindo
mostrar sua face nua
diante do Sol ou
sob a luz da Lua,
sem os fracassos
das olvidadas fases...
CATAVENTO
I – 20 JUL 15
Embora
eu não pretenda os publicar,
é para
ti que escrevo, doce amiga,
que
nunca encontrarei no palmilhar
da
velha estrada em excursão antiga.
Só te
desejo que a vida te consiga,
ao
menos doravante, em teu lidar
quanto
quiseste no passado achar,
porém
que te negou dita inimiga.
Ainda
embora não venhas a saber,
porque
não me conheces, nem sequer
eu
saiba algo de ti, igual te amo,
desconhecido
amante em teu viver,
de quem
nunca chegaste a ser mulher,
por
mais forte este amor que te proclamo.
CATAVENTO
II
Buscar-te
algures seria uma agonia,
o
coração a palpitar descompassado
no
percorrer do caminho palmilhado,
que se
te visse, nem te reconheceria.
E se me
visses, de que modo saberias
que te
escrevi mil versos no passado,
que
nunca te enviei de peito alado
e que
só pela Internet é que acharias?
Bem na
real, meu coração inquieto,
se
começasse s percorrer caminhos,
amor
veria em cada peito solitário,
possivelmente
recíproco esse afeto
de tal
mulher ansiosa por carinhos,
que em
mim veria, finalmente, o seu fadário.
CATAVENTO
Iii
Porém
na vasta encantação dos desenganos,
a alma
girando no sabor dos ventos,
fora da
órbita os olhos desatentos,
fora da
língua os versos mais profanos,
consumiria
em vastidão alentos,
a
percorrer os recônditos urbanos,
os
labirintos das solidões em danos,
mil
corações pela saudade lentos.
Quiçá o
catavento de meu peito
até
lançasse suas hastes para ti
e por
momentos te amasse, talvez dias,
mas tão
logo seu ardor fosse desfeito
em
torno olhasse, procurando ali
qualquer
nova exaltação das elegias...
CATAVENTO
iV
Sem de
fato aceitar o amor maior
pelo
qual esperava tantos anos;
seria
amor pequeno, com enganos,
nessa
incontável variação da cor...
Coração
de catavento multicor,
sem
compreender que na capa dos afanos
estava
o amor que não traria danos,
por
simples fosse e despido de esplendor.
Assim
prefiro nem te procurar,
muito
embora te deseje ardentemente
que
novo amor consiga te alcançar,
enquanto
eu viva nessa busca amortecente,
sem
nesse vero amor acreditar,
ante a
força de mil ventos impotente.
SONHOS DE ABRIL 1 – 21 JUL 15
Saber se amor existe e tem sabor,
Cantar de tal amor como um cantor,
Amar sabor de canto nesse amor,
Tanger sabor de amor igual que flor,
Florir então, igual gentil florão,
Amar amor igual que a própria mão
Pedir amor tal qual pedir perdão,
Bordar amor como qualquer bordão,
Amor nasal por perfume natural,
Amor lingual por gosto terminal,
Amor oral por audição final,
Saber se amor existe em tal formal,
Como se afirma existir bem natural
O amor do amor que se sabe ser mortal.
SONHOS DE ABRIL 2
Saber se amor existe e tem odor
Que se consuma em seu próprio esplendor,
Que se prolongue em ramo constritor,
Amor de ferro que nos provoca a dor,
Amor divino, amor de Ave Maria,
Amor centelha na prece que luzia,
Amor que prenda final conheceria
Amor em vascas de impura salmodia,
Amor de salmo dedicado a uma mulher,
Amor de hóstia provado no sabor
De qualquer beijo no confessionário,
Amor roubado àquela que se quer,
Sob Estação da Cruz buscar amor,
Contra toda a pregação amor contrário.
SONHOS DE ABRIL 3
Sabor de amor em gosto de impiedade,
Sabor de abril que agosto hoje recorda,
Sabor que a morte assiste e até concorda,
Sabor de estanho em beijos de alvaiade,
Sabor de madressilva em saciedade,
Amor que alguém assalta assim que acorda,
Que ao despertar inteiramente aborda,
Sabor do vento em eventualidade,
Sabor desejo a percorrer a mente
Cada sentido assim a despertar
Cada nuança de clamor paixão,
Amor olfato de faro contundente,
Que o corpo invade nas asas do adejar,
Em repentino desfolhar do coração.
MORTE DAS ASAS I – 22 JUL 15
Pensando amar, voei um dia bem alto:
voei tão alto que uma estrela me feriu!
Um arranhão no meu flanco me atingiu:
soltei fagulhas no risco do ressalto.
Vim cambaleando, de equilíbrio falto
e meu amor tão somente conseguiu
que despencasse devagar e me induziu
para o Himalaia, em um supino salto.
Com tais neves eternas, restaurei
essa ferida aberta do meu lado,
com certas rochas forjei uma armadura;
fiquei pesado e de amor não mais voei;
somente saltos pude dar, descompassado,
condor ferido nos transes da impostura.
MORTE DAS ASAS II
Mas sendo neve e gelo meu remendo,
meu tronco inteiro assim se arrefeceu;
o velho amor dentro de mim morreu
e em frialdade acabei envolto sendo!
Ainda os ares em meus saltos fendo,
meu rastro alado agora não mais seu,
somente trilha de névoa que desceu
e em cerração enviesado pendo...
E tendo feito de pedras a armadura,
pesado me tornei, bem mais que dantes
e a cordilheira de tais montes gigantes
percorri de raspão na noite escura,
linfa e sangue a escorrer-me das canelas,
asas em pó despencando das costelas...
MORTE DAS ASAS III
Assim sofri tremenda descaída;
com o peso das asas fui sofrendo;
caído, levantar-me não podendo:
amor chamei, sem achar outra saída,
que me podou as asas, em incontida
morte do sonho, não mais me debatendo,
sobre meus pés apenas me mantendo:
tornou-se o voo em final bênção perdida.
E hoje posso tão somente te lançar
as penas de minha pena em carrossel,
pois nunca mais voarei para teus braços;
porém à estrela sempre posso demandar
que me recubra com a poeira de um dossel
que reproduza para mim teus meigos traços.
BUSCA-PÉ 1 –
23 JUL 15
Fui afetado
pela Chikungunya,
que não quer
me deixar, peçonha vária
ou talvez
fosse a tal gripe aviária
ou a suína
que sobre minha se apunha...
ou o vírus
“zica” que agora me acabrunha,
quem sabe a
dengue ou quiçá a malária
ou outra
bactéria extraordinária
ou quaisquer
males desta mesma cunha...
Quem sabe a
MERS, há pouco batizada,
que causou
vítimas até mesmo na Coreia;
na verdade,
nem sei qual é meu mal...
Enfraquecido,
o meu calor feito nevoada,
do cérebro
ainda escorrendo tanta ideia,
há mês e
meio da pneumonia no portal...
BUSCA-PÉ 2
Era costume,
em quaisquer festas juninas,
riscar
estalos sem efeito mais nocivo,
(ou assim
diziam), perseguindo o passo altivo
de quem
fugia dessas luzes pequeninas;
Falar não
ouvi que qualquer dessas meninas
de fato se
queimasse perante o fogo vivo,
bombinha de
brinquedo, mas terror perspectivo
fazia correr
de queimaduras assassinas!...
E quando
elas fugiam, o vento provocado
atraía ainda
mais o atrevido foguetinho,
chegando ao
calcanhar na mais perfeita fé...
Por isso o
nome teve, há muito consagrado,
mais
geralmente pronunciado com carinho:
bom motivo
de riso esse valente busca-pé!
BUSCA-PÉ 3
Mas o que me
busca agora é coisa diferente
e não é só a
mim; não chega a ser castigo
de qualquer
santo violento ou inimigo:
por aí
corre, afetando muita gente...
Segundo
dizem, a morte é até frequente,
pelo vírus
causada que no corpo encontra abrigo
e nem sei
até que ponto irá inticar comigo,
pois não
quer ser expulso de seu local presente.
O seu pior
sintoma é esta tosse ingente,
mas no geral
me afeta e me faz debilitado
e chego a
acreditar haver conspiração
entre donos
de farmácia e a virose complacente
que talvez
ganhe propina de tudo hoje comprado
e compre uma
vivenda nos fundos de um pulmão!
A MORTE DOS MAGOS I – 24 JUL 15
Vejo as aranhas dormentes em sua
teia,
seus oito olhos fechados totalmente;
quem nos diria que a tocaia mais
premente
se esconde em cada fio da cinza
veia!...
Ao inútil debater maior visgor se
ateia
e em poucas horas já há reforma
permanente
da sedosa armadilha em seu vigor
potente:
asas voláteis de quem não se
arreceia...
Até acredito que demonstrem
preferência
por insetos menores que não lhes
causem dano
ao invés do espadanar de pobre
borboleta,
que carne tem bem pouca, galhinho de
impotência,
mas talvez as desejem por um motivo
arcano:
de
ter asas azuis sua ambição secreta...
A MORTE DOS MAGOS II
Talvez exista crença, na mente das
aranhas,
que no máximo conseguem em suas
cordas balançar
que tais seres alado as possam
auxiliar,
pois voam pelos ares sem fios, sem
quaisquer manhas!
São mágicas, talvez!... No instante
das apanhas,
contemplam aracnídeos seu forte
balançar,
até os fios mais fortes rompendo sem
parar,
que as asas mal e mal se grudam, são
estranhas!
E até mesmo percebi cortarem certas
linhas,
deixando ao lepidóptero de novo a
liberdade!...
Quiçá somente o façam para a teia
preservar;
contudo é bem possível que decepem
suas gavinhas
por respeito a tais seres de certa
divindade,
os magos dos insetos em seu puro
adejar...
A MORTE DOS MAGOS III
Não obstante, aranhas que tenham
maior porte,
que dos grilos e besouros penetram as
couraças,
descobrem ponto fraco e o anestésico
das traças
injetam nesses seres, retardando
assim sua morte.
E mesmo gafanhotos, inconscientes
desse forte
translúcido da teia, mundéu para as
carcaças,
já vi nesses casulos em desconformes
massas,
esperando que a aranha complete a
amarga sorte.
Então, se a borboleta se mostra
descuidada,
a aranha se aproxima, na ânsia do
pecado:
um mago a dessecar desperta sua
luxúria;
e em ato sexual a vítima é abraçada,
um sorriso de amor no rosto
transformado
dessa aranha feliz por ver da deusa a
incúria!
A MORTE DOS MAGOS IV
Igual que aranhas, é comum
admiradores,
os atos a louvar de seus heróis
alados,
as palmas a bater, os coros
assoviados,
no espírito da massa tomados dos
pendores,
que atiram contra o palco o som de
seus amores,
para os mágicos cantores de vigorosos
fados,
no encanto de suas vestes de ouropéis
dourados,
os braços balançando em ritmo de
ardores,
mudar a sua intenção quase
imediatamente
quando em súbito processo seu ídolo
decai;
os braços são antenas e os querem
devorar!
A mágica da véspera à sua fome
complacente
e tal bando de carochas sobre sua
presa cai,
nessa primeira chance de podê-las
derribar!...
PIXELANÇA i – 25 JUL 15
A LUZ CREMOSA VEJO A SE DESPIR NO CÉU,
ALVEJADA QUE SEJA EM SEU MANTO DE LANGOR,
NO CÉU DE MINHA BOCA JÁ PROVEI O SEU FLAVOR,
BRUMOSA ESSA CORBELHA DESPOJADA DE SEU VÉU.
A LUZ SE DESPE ENTÃO NAS GRADES DO MUNDÉU
FORMADO PELAS NUVENS DE SINGULAR TREMOR;
SEU CORPO INTEIRO MOSTRA, DESPIDO EM ESPLENDOR
TAL DEUSA PERFUMADA QUE NOS LANÇA SEU ARPÉU.
TAIS VISÕES ANTIGAMENTE ERAM SÓ IMAGINADAS:
MIL DEUSAS A ZUNIR, DE VESTES DESFALCADAS:
QUE IMPORTÂNCIA HAVERIA SE OLHOS CONTEMPLASSEM
A SUA NUDEZ ALTIVA EM IDEAL SUPER-HUMANO,
SEM SEQUER SE IMPORTAR QUE OS MÚSICOS AMASSEM
ESSA BELEZA IDEAL EM SEU PODER ARCANO!...
PIXELANÇA II
HOJE, PORÉM, ESSA POMPA IMAGINÁRIA
DESPIDA FOI DE TODO O SEU MISTÉRIO:
EM UM COMPUTADOR, SEM NADA MAIS DE ETÉREO,
AS MUSAS SE APRESENTAM EM EXUBERÂNCIA VÁRIA,
NOS VIDEOGUÊIMES EXPOSTAS DE REALIZAÇÃO HILÁRIA
PARA QUALQUER COMBATE OU AVATAR EGÉRIO,
PRIMÁRIAS AS IMAGENS QUE MOSTRA O DESPAUTÉRIO,
SERVIDAS EM PACOTES A QUALQUER MENTE MAIS PÁRIA!
HAVIA ARTISTAS NO PASSADO, A DESENHAR,
AFRESCOS E MOSAICOS, NO REBOCO DAS PAREDES,
ÓLEOS E GUACHES DOMINANDO SEUS PINCÉIS!
DIFÍCEIS ESSAS OBRAS PARA QUALQUER COPIAR
E A TAL IMAGERIA DE CERTO MODO CEDES
TUA MENTE A BALANÇAR PERMEIO AOS OUROPÉIS...
PIXELANÇA iii
JÁ HOJE TAIS IMAGENS REDUZEM-SE A QUADRINHOS
DE PIXEIS CHAMADOS, MINÚSCULAS PINTURAS
CODIFICADOS ASSIM NAS IMPRESSÕES MAIS PURAS
TAIS GRUPOS DE SINAIS DE APTIDÕES MESQUINHOS,
TUDO SERVIDO PRONTO A MILHÕES DE GAROTINHOS,
PERDIDO O IMAGINAR EM DIGITAIS TORTURAS,
SUAS MENTES A COPIAR DE MENTES OBSCURAS,
LEVADOS A FAZER TAL QUAL OS SEUS VIZINHOS!
SERÁ QUE ME ACREDITAS, AMIGO, NESTA HORA,
SE tE DISSER QUE NUNCA A TAIS JOGOS ME RENDI?
QUE MOVER SEU JOYSTICK
NEM AO MENOS APRENDI?
E ME LIMITO A TER, NESTA APREENSÃO DA HORA,
O MEDO QUE ME OBRIGUEM A USAR UM CELULAR,
MEU SONHO ORIGINAL FORÇADO A DESCARTAR!...
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