quinta-feira, 13 de agosto de 2015





O PORCO DE CABEÇA PELADA
(Folclore norte-americano, recolhido por Richard Alan Young e Judy Dockrey Young e
publicado em FAVORITE SCARY STORIES OF AMERICAN CHILDREN, (Histórias de
Terror Favoritas das Crianças Norte-americanas) tradução e versão poética de
William Lagos, 15 JUL 15)

O PORCO DE CABEÇA PELADA I

No fundo das colinas e dos vales
das montanhas Ozark, por árvores forradas,
vivia em sua cabana a feiticeira
(que era, de fato, muito mais a curandeira),
a qual ervas e raízes conhecia
como remédio para a maioria dos males
e ainda canções há muito imaginadas
para o combate das doenças que lá havia,
cada poção trazendo cura bem certeira...

Mas Hepzibah nem sempre as acertava,
jogando fora seus feitiços e poções,
numa barrica nos fundos da cabana;
uma vez por mês, ao vir cortar-lhe a grama
um certo homem seu lixo ia levar.
Ali seus restos de comida misturava
e o mau cheiro que exalava em ocasiões
a um porco seu amigo ia chamar,
que o conteúdo espalhava pela lama...

Dizem que o porco, após se alimentar
e ingerir mesmo as sobras das poções,
a Hepzibah obedecia fielmente
e então os restos reunia como gente;
diziam os velhos que nas patas traseiras,
igual que gente, ele sabia caminhar
e só não tinha mais aptidões
por serem curtas suas patas dianteiras,
mas que falar o ouviam, certamente!...

Sem a menor dúvida, esse porco era encantado,
mas Hepzibah não era assim tão forte
que em homem o pudesse transformar;
mas as pessoas a ouviam conversar
com o seu Hogg, como ao porco ela chamava,
que não mantinha o tempo todo do seu lado:
era um marrão selvagem, de bom porte,
que pelas chácaras, à noite, costumava
entrar nas hortas em que às vezes ia fuçar...

O PORCO DE CABEÇA PELADA II

Ora, em Outubro, quando chega ali o outono,
costumavam os caipiras se reunir
junto à defumadeira que na região havia;
em vasto caldeirão a água se fervia;
traziam os porcos e os sangravam, finalmente,
para ter carne durante o longo sono
do seu inverno, quando a neve vinha cair
e em suas cabanas prendia toda a gente,
que desse modo seus presuntos conseguia...

As carcaças lançavam na água quente,
para poder esfolar seus grossos pelos;
quando chegava perto o pôr do sol,
cada porco fora talhado nesse rol
e os pedaços enrolados em aniagem...
Era uma festa para essa pobre gente,
muita cachaça ajudando nos seus zelos
e nas carroças os transportavam, sem vadiagem,
para dos forros pendurá-los com anzol...

Ficavam apenas os ossos e as cabeças;
até linguiças a fazer dos intestinos;
em seu moinho, o dono da defumadeira
moía os ossos e também cada caveira,
após quebrá-las com golpes de machado,
fazendo adubo; mas as maiores peças
usava em espantalhos, galhos finos
com roupas velhas, qual cabide pendurado
contra os pássaros, após cada sementeira.

Mas Jimmy Jones, um dos montanheses,
junto à cabana não construíra chiqueiro;
preguiçoso era demais para cuidar
e sua mulher começou a reclamar
que não teriam provisões de inverno.
Jimmy pensou durante vários meses
e de Hogg se lembrou, porco matreiro,
que andava solto, um fuçador eterno:
fez armadilha para o animal pegar...

O PORCO DE CABEÇA PELADA III

Pois Jimmy Jones conseguiu capturar
o pobre bicho, com armadilha e laço,
enquanto embaixo de árvore dormia
e o envolveu na rede que trazia,
erguendo-o alto, passando corda sobre galho,
para depois em sua carroça o colocar;
golpes lhe deu com toda a força de seu braço,
rebentando-lhe a cabeça com um malho.
E o pobre Hogg à defumadeira conduzia!

Na confusão, entre tantos animais,
ninguém notou qualquer fato mais estranho,
mesmo porque dos vizinhos não roubara,
mas na floresta é que o capturara...
Pois assim Hogg foi ao caldeirão lançado,
perdendo os pelos como todos os demais,
sendo estripado após o fervente banho,
feito em pedaços e em estopa conservado:
só Jimmy Jones a caveira quis levar...

Deixou-lhe os ossos e, no meio da fartura,
deixou o defumador que a carregasse,
em troca de uma garrafa de aguardente
e lá se foi Jimmy Jones, bem contente...
Mas no caminho, ele atingiu um valo:
saltou a caveira e já era noite escura,
sem que o espertalhão a encontrasse;
seguiu em frente, picando o seu cavalo:
carne e linguiça conseguira finalmente!...

Chegando em casa, disse à sua mulher:
“Cá está a nossa provisão de inverno!...”
E Jane Jones ficou muito satisfeita...
Mas Hepzibah notou algo diferente,
quando Hogg parou de visitá-la;
fez um feitiço, sem desistir, sequer,
até a cabeça localizar e, em gesto terno,
fez um conjuro, buscando despertá-la
e a tal caveira se acordou, perfeita!...

O PORCO DE CABEÇA PELADA IV

Não tinha pelos, mas abriu os olhos
e recordou-se de quem a havia maltratado,
saindo aos pulos ao longo dessa estrada...
Mas só a caveira não poderia fazer nada
e precisava de seu corpo restaurar!...
Foi-se arrastando por espinhos e abrolhos,
logo chegou da defumadeira ao lado,
seus próprios ossos viu na pilha a ressecar
e lhes lançou mensagem enfeitiçada!...

“Ossos sangrentos, venham para mim!
Dancem no solo e cheguem aonde estou!”
E então os ossos começaram a dançar
(Somente os dele, os demais a descansar,
porque cumpriam de porcos o destino.)
Porém os seus foi por traição, enfim...
Contra a caveira cada osso se encaixou,
firme o esqueleto como por um forte pino,
ficando em pé e conseguindo andar!...

Mas continuava sem carne sobre os ossos
e com o poder de Hepzibah, a feiticeira,
entrou na mata a fim de se equipar,
pedindo empréstimos para conseguir copiar;
presas iguais às do jaguar ele imitou;
copiou as garras do urso, em tais retoços;
criou carne de veado; e em presa derradeira,
um rabo do gambá ele arranjou,
mas sem qualquer dos animais prejudicar...

Com o novo corpo logo se acostumou
e foi correndo até a casa do ladrão,
em que o casal se achava já deitado,
mas por ruído lá fora foi chamado
e Jimmy Jones saiu a ver o que era...
Ao redor de seu casebre nada achou;
olhou em volta, com toda a precaução;
e de repente, enxergou a estranha fera:
um vasto vulto na chaminé montado!...

O PORCO DE CABEÇA PELADA V

“Com os diabos!” disse o velho, já acordado.
“Quem é você, na chaminé encarapitado?”
“Sou Hogg, o porco que você matou!”
Falou voz rouca e Jimmy se assustou...
Entrou na casa e voltou com seu bastão:
“Desça daí ou vai ficar bem machucado!”
“Você não pode machucar quem foi matado...”
“Eu a mato de novo, assombração!...”
Mas de um só golpe o bastão se espatifou!

Jimmy entrou em casa e saiu com seu forcado,
o garfo usado para o feno se empilhar
e viu dois olhos a brilhar na escuridão...
“Com os diabos!  Esses olhos pra quê são?”
“Eles brilham para achar tua sepultura!”
E logo o cabo do forcado foi quebrado!
Entrou em casa e o grosso malho foi buscar:
“Vá-se embora, pesadelo de loucura!...”
E então partiu-se o malho na sua mão!...

“Com os diabos, por que essas garras arranjou?”
“Para com elas cavar sua sepultura!”
Falou mais uma vez essa voz rouca...
E embora tudo parecesse coisa louca,
Jimmy Jones à sua cabana retornou
e com sua velha garrucha ele voltou;
mas negou fogo naquela noite escura...
“Com os diabos!” – de novo ele afirmou:
“Com o seu rabo vou fazer minha nova touca!”

“Não, Jimmy, com este rabo eu vou varrer
sua sepultura!” – retornou a aparição.
Jimmy Jones com a espingarda retornou,
deu os dois tiros, porém nada acertou...
Mostrando os dentes, Hogg deu uma gargalhada
“Com os diabos, prá quê esses dentes você quer?”
“Pra te comer depressa, seu ladrão!...”
Saltou o porco, sem lhe dizer mais nada
e a cabeça de Jimmy ele arrancou!...

O PORCO DE CABEÇA PELADA VI

Andando em pé, igual que uma pessoa,
Hogg à carroça atrelou o cavalo
e pôs Jimmy lá dentro, facilmente,
indo embora para longe, de repente!
Só então Jane Jones levantou,
morta de medo, mas como era gente boa
o porco Hogg não lhe causou nenhum abalo,
só da boleia da carroça ele acenou
e se perdeu no escuro, totalmente!...

Jane Jones nunca mais viu seu marido,
mas a carroça Hogg em breve devolveu,
sendo gentil, com coração bem terno
igual ao de um veado. Mas direto para o inferno
a alma de Jimmy veio um diabo e a arrastou,
já que os diabos ele chamar tinha querido!...
Jane Jones ao bom Deus agradeceu,
pois sua carroça assim recuperou
e bons presuntos lhe restavam para o inverno!

De Jimmy Jones nem se soube mais,
porém em certas noites de luar,
sempre é possível a Hogg divisar,
o macacão e a camisa ainda a usar
de Jimmy Jones, que não mais precisaria!
Sentado ereto no cavalo, em naturais
posições, qual via a gente cavalgar,
seu par de olhos no escuro brilharia,
sua cabeça esfolada ainda a ostentar!

No Hallowe’en ele sempre aparece,
pelas montanhas Ozark a cavalgar,
a proteger os animais dos caçadores,
salvo se caçam para acalmar as dores
de seu estômago, a sofrer de fome!
Porém cuidado, se um animal padece
se por prazer alguém o quis caçar!...
Dali sumiram muitos dos agricultores:
tenha cuidado, ou você igualmente some!

EPÍLOGO

O porco Hogg, da cabeça bem pelada
até aparece só para te assustar,
porém protege a velha feiticeira;
ele é o guardião da mata conservada
lá nos Ozarks – e alto preço irás pagar,
caso te esqueças de apagar a tua fogueira!




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