Galeão Espanhol, xilogravura de Christiaan Verbeeck, 1618.
O poema abaixo, escrito em alexandrinos, foi publicado na
Antologia Del’Secchi, Volume XXV, 2015.
TRAVESSIA
A bordo vinham
meus sonhos; antigamente
Usavam uniformes,
brava gente,
A enfrentar
garbosamente oceanos.
Eram sonhos reais;
na fugidia
Luz da manhã o seu
olhar luzia,
Contemplado, a
sorrir, por veteranos
Que doutras tantas
viagens navegavam
E sabiam como os
mares destratavam
Os sonhos jovens
nas ondas refulgentes:
Que muito em
breve, essas tranquilas ondas
Seriam mais
profundas do que as sondas
E os sonhos não
seriam suficientes.
Não é que houvesse
tantas tempestades:
Foi mais a
calmaria, as saciedades,
A despertar em
minhalma a sensação
De que tudo era
inútil desatino,
Que a multidão dos
sonhos de menino
Não era mais que
vaga exaltação.
Seguiram no navio,
trocando as velas,
Aqueles pobres
sonhos, já sequelas
Do que antes
tinham sido; inquietação
Constante no
intestino, enjoo manso,
Sabendo que esforçar-se
sem descanso
Não impediria sua
lenta humilhação.
Foram sendo
superados, um a um,
Amorteceram;
afogou-se algum,
Porém a maioria
adormeceu.
Do olhar se foi a
luz... Ficou desdita,
A luta se manteve,
nessa aflita
Contemplação de um
ser que não morreu,
Mas não vive
tampouco, nessa mágoa
Inconsequente de
trilhar a tábua
Sempre oscilante
do velho tombadilho:
Percepção
constante e visceral,
Que não importa o
ardor mais triunfal
No oceano da vida:
escuro e brilho
Independem de nós,
são aleatórios,
Os ventos nos
arrastam, peremptórios
E o bem e o mal
nos chegam sem esforço.
Sobreviveram os
sonhos, resistentes,
Porém sabendo que
muito mais potentes,
São o acaso e a
aleivosia, seu reforço.
Assim os sonhos
passaram a cumprir ordens
Dos desgostos, das
pragas, das desordens,
Tornaram-se
confiáveis e obedientes,
Esperando, talvez,
terminaria
Em um porto essa
viagem, dia a dia,
Contrário o vento
e de tufões frequentes.
E a bordo vêm meus
sonhos, no presente,
Esfarrapados,
magoados, no impotente
Esforço de cumprir
tanta rotina,
Roídos de
escorbuto, doídos, fracos,
Escravos da
esperança, pobres cacos,
Com lustro ainda
ao fundo da retina.
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