FARÓIS & MAIS – 6-15 ago 15
Novas séries de William Lagos
FARÓIS I –
19 abr 2007
Estrias de
luz correram por minha barba
e nela se
instalaram. Toda branca
ela ficou,
não por tristeza manca,
e nem
sequer por peso e fardo e carga.
Sobre os
fios que recobrem os meus olhos
os cabelos
recusaram essa luz,
tornaram-se
grisalhos. Não seduz
o
emaranhado cinzento dos escolhos,
que ao
redor de meu crânio esfiaparam
e pouco
remanesce do que foram.
Infelizmente,
nem sequer coroam
de prata
digna os lados da cabeça.
Mas
vejo sombras por luz, que se escaparam
e a luz
por ver-se em prata não se apressa.
FARÓIS II
– 6 AGO 2015
Também
minha barba, que já foi castanha-
-avermelhada
já embranqueceu;
quando
contemplo um retrato que foi meu,
às vezes
sinto uma surpresa estranha:
que a
diferença seja tão tamanha
daquele
rosto que o tempo já esqueceu,
tal e qual
suba ao rosto humano um véu,
a denotar
esta vida que me lanha.
E nem me
reconheço totalmente...
Como o sol
evitei, não sou manchado,
sequer nas
mãos o tempo está espelhado.
E fico a
matutar: será que a gente,
de quando
em vez, para outro corpo passa
como uma
forma de abranger nossa desgraça?
FARÓIS III
Porque é
impossível essa mudança louca!
O que
transforma a criança em um ancião?
Por que os
netos nos dão recordação
do que
fomos sob a sombra de outra touca?
À voz do
vento nossa audição é pouca.
mas tem
armário de vasta mutação:
durante o
sono, quase por traição,
a alma
chupa pelos cantos de tua boca
e teu
corpo transporta, em ventania,
deixando
outro mais velho em seu lugar,
soprando a
alma para dentro dele;
teu corpo
leva, por artes de magia,
para um
outro qualquer que possa achar,
no brando
sono sem que sua alma zele...
FARÓIS IV
Se
realmente tal vasta troca existe,
o que
farias, se encontrasses pela rua
alguém
igual a ti, nova charrua,
que abrir
espaços pela vida insiste?
Pois,
certamente, tal surpresa triste
eu já
encontrei, o que bastante amua:
velhos
amigos em que não mais a vida estua,
andando
por aí, que mocidade assiste.
E outros
vi, com os rostos transformados
por tantos
anos por que nós dois passamos,
com as
mesmas feições dos pais, nos fins,
mesmo
depois dos mais velhos sepultados...
E se, de
fato, tantos corpos nós trocamos,
nós não
passamos, afinal, de manequins?
sombras quânticas I – 19 abr 2007
minhas sombras se entrelaçam no passado:
este sou eu, não sou... como discordam!...
essas penadas almas só concordam
em perturbar-me o amanhã inalcançado.
porque o presente não podem: é marcado
pelas tribulações que, atuais, o abordam,
pelas escassas candeias que se acordam
em murmurar-me um futuro mais dotado.
o que sei é que não vivo nesse outrora,
que já se foi, mas que faz parte de mim
e me criou a interface... tão fluente,
que dizem ser atual, porque é de agora,
e todavia, bem sei não ser assim:
que é meu porvir que escorre permanente
sombras quânticas II – 7 AGO 15
como as minhas, tantas sombras
perambulam,
despegadas dos corpos que tiveram;
perderam pés ou os pés é que as perderam,
essas mil sombras que pelo chão pululam?
talvez sejam as paredes que as engulam,
numa vasta colônia que reuniram,
sombras de mim e de outros que partiram,
algumas em desprezo, outras que adulam.
sombras essas, decerto, diferentes
dessas que os corpos outra vez projetam,
nesse constante transmitir de si;
por isso as noites nas cidades são
potentes,
que a própria escuridão elas completam,
sem que jamais possa afirmar que as vi.
sombras quânticas III
só nós, humanos, sofremos mutações
que antigas sombras possam esquecer;
como podes, enfim, reconhecer
tuas sombras de criança em multidões?
nos animais, há diversas atuações,
pois não se enrugam e raramente podes ver
os pelos brancos da idade a aparecer:
não se transformam quais nossas ilusões.
é bem verdade que vivem muito menos
os cães e os gatos, em sua maioria,
que envelhecem, ficam fracos, sem mostrar
uma aparência sujeita a tais venenos,
tais quais a idade nos humanos cria:
o seu pelame a velhice a desafiar...
sombras quânticas IV
mas que dizer daquela tartaruga
que foi vista nas galápagos por Darwin
e que só veio a falecer, enfim,
há poucos meses, sem no casco qualquer ruga?
será o sol que a juventude suga,
para lançar, como orvalho, num jardim?
será o sangue, que se torna carmesim,
que o ar nos rouba, feito sanguessuga?
será o vento que nos muda por capricho
ou determinado prazo estabelece,
sem os mesmos apontar a qualquer bicho?
que a proteção dos cabelos nos arranca,
fio por fio, qual lastimosa prece,
até que, enfim, toda a vida nos estanca?
INDECISIVE
SONG XIV
Always
accept your mistakes like friends
who came
in to stay the closest to you.
Their wish
for pleasant remembering stands
and never
for punishment mete out anew.
Rather
they want to prevent the beggars,
the new
mistakes bearing masked faces,
from
swindling you with hidden daggers
and
leading you astray to dismal places.
Now trust
past mistakes and experiences,
that
instructed into your apprenticeship
and helped
as well to character-building.
But never
put your faith in those appearances
that come
to you in false stewardship
so as to
allure and dominate your being.
ALFENINS PUÍDOS I – 23 abr 07
EU RECONHEÇO, AFINAL, SER DESONESTO,
COMO TODOS, ENFIM, QUE ME RODEIAM.
COM SEUS SORRISOS FALSOS, PRESENTEIAM
CORDIALIDADES FORJADAS EM INCESTO.
POR MAIS QUE NESTES VERSOS QUE CAMPEIAM
UM SENTIMENTO ALTIVO, OUTRO MODESTO,
QUE ME DESCREVEM ATRABILIÁRIO GESTO,
OU AS CALMAS ANSIEDADES QUE PERMEIAM
MEU RETINIR DO MUNDO, LÁ NO FUNDO,
BEM SEI QUE TODOS OS BELOS SENTIMENTOS
E OS VERSOS DE REVOLTA EM QUE ME ACENDO,
NÃO REFLETEM A MIM: SÃO MAIS JOCUNDO
RECALCITRAR DE ANTIGOS NASCIMENTOS
DE VIDAS MORTAS, QUE NEM SEQUER ENTENDO.
ALFENINS
PUÍDOS II – 8 AGO 15
Ou, quem
sabe, não são vidas passadas,
as que me
inspiram. Sequer recordações
lembradas
nas presentes ilusões,
que
rematizam lembranças já trincadas.
Talvez
relembre outros de mim mesmo,
que vivem
simultâneos, em portais,
que
demarcam outros mundos: que jamais
encontrarei.
Porque, transpondo a esmo,
são meus
colegas de vida, meus espelhos.
Ou quem
sabe se não passo de um reflexo
e um outro
deles, apenas, é quem vive?
Em tal
solipsismo, que seus velhos (*)
anseios de
alcançar melhor amplexo
não são os
mesmos que jamais eu tive?...
(*) Crença de uma pessoa de ser a única
mente que existe no mundo.
ALFENINS PUÍDOS III
Ventila o vento, em dias de calor.
Se não quer ventilar, o tempo gira
e agita o ar à força, antes que fira
meu próprio coração em tal ardor.
Ventila a vida, em dias de indolor
esquecimento de quanto o mundo mira.
Não que a vida ventilada assim prefira,
mas porque ventilar-se é seu pendor.
Prefiro mesmo que a aridez do estio
seja varrida, até que outro frescor
sobre mim chore e em pranto dê guarida.
Porque assim vejo: são dias que desfio,
em matrimônio com tal ventilador,
que me arrebata cada ilusão sofrida!
ALFENINS PUÍDOS IV
Eu amo o frio, afinal, que me conserva
a enfrentar a vida estoicamente;
gélido o vento a afrontar de frente:
sinto-me verde como toda a erva
e só posso esperar que o sangue ferva
em minhas artérias, a borbulhar contente,
olhando o gelo no rosto de outra gente,
a me sentir superior que essa caterva!
Naturalmente, já parei de fazer troça
desses que gemem no rugir do inverno,
pois, afinal, também uso roupa grossa!
E seria grão cinismo de minha parte
afirmar sentir da geada abraço terno,
embora a enfrente com “engenho e arte”!
ALFENINS
PUÍDOS V
Pois somos
todos feitos de tal massa
delicada,
da mais pura farinha; (*)
cada nenê
que da Terra se avizinha
é um
alfenim delicado que perpassa,
(*) Ou seja, a massa de alfenim.
e assim
perdura, no iniciar da raça,
quando
criança, se não sofre alguma tinha,
doença
grave ou maldição que desalinha
e sua
pureza inicial assim embaça...
Mas com o
tempo, os pequenos alfenins
crescem e
mudam, adquirem solidez,
o mundo a
enfrentar com mais ruído
e vêm
desgastes, moléstias, seus afins,
seca-se a
massa que inicial se fez
e cada um
se torna em alfenim puído...
ALFENINS PUÍDOS VI
OU, QUEM SABE, ENTÃO CRUZAMOS UM PORTAL
E LOGO ESTAMOS EM MUNDO PARALELO;
A MESMA MASSA, MAS COM DIVERSO PELO
E LÁ INICIAMOS NOVA VIDA MATERIAL?
EU, MUITA VEZ, JÁ SUSPEITEI FATAL
TROCA DE PLANO, TAL COMO EM PESADELO,
MUI RARAMENTE POR MUNDO MAIS BELO,
DE SOFRIMENTO MAIOR BEM MAIS NORMAL.
MAS QUEM PRESIDE A TAIS TRANSFORMAÇÕES,
ESSAS PASSAGENS A CRUZAR INCONFORMADOS,
PARA OUTRO MUNDO, AO NOSSO SEMELHANTE?
SERÁ QUE OUTRO DE MIM AS MUTAÇÕES
SOLICITOU, PARA FUGIR A SEUS PECADOS,
TRISTE MILAGRE QUE ME ARRASTOU POR
DIANTE?
PANTAGRUEL
I – 23 abr 2007
Durante o
inverno eu vou beber o sol.
Me alegra
o coração, quando ele cresce
dentro do
peito e o estômago me aquece
e
somatizo-me assim, nesse arrebol. (*)
(*) Transformação de sentimentos em sintomas corporais.
Mas no
verão, não me sinto girassol.
Bem ao
contrário, teria, se pudesse,
os céus
nublados como em triste prece,
para
esconder-me, qual um caracol
prudentemente
se enfia em labirinto.
Mas bem
sei que melhor seria, então,
que
devorasse o sol deste verão
e assim
pudesse, como vinho tinto,
embriagar-me
num metabolismo
que melhor
iluminasse o quanto cismo...
PANTAGRUEL
II – 09 AGO 2015
Quando
Rabelais criou Pantagruel,
nunca
pensou que nasceria um dia
algum
imerso em tanta fantasia,
que o
imitasse a encher o seu farnel.
O outro
gigante, Gargantuá, em igual cordel,
a competir
com ele em tal porfia,
o mundo
inteiro também devoraria,
sem nem
lhe dar e sem pedir quartel!... (*)
(*) Em literatura, perdão ou proteção.
Foram
aceitos bem-humoradamente,
meros
fantasmas que alguma mente cria,
meio
ridículos, meio assustadores,
bem esquecidos
hoje, infelizmente,
com todos
os repentes de ironia
que
Rabelais infundiu nesses senhores...
PANTAGRUEL
III
Mas quando
falo no Sol a devorar
não sou
diverso, afinal, de muita gente.
Vejo
pessoas sob esse sol clemente,
a se
aquecer, sem mais frio suportar.
Porém
ocorre que o calor solar
é bem mais
fraco nesse tempo ingente;
não sobra
muita mornura, realmente,
para suas
tardes de lento dormitar...
O que,
entretanto, me separa dos demais
é que eu
evito o sol nesses verões,
no buraco
de ozônio a me encontrar,
das
radiações temendo os naturais
efeitos
cancerígenos e outras mutações,
que meu
amargo fim vão apressar!
PANTAGRUEL
IV
Assim, o
sol do inverno eu armazeno
e o
acondiciono dentro dos pulmões,
por me
acolher sob suas proteções,
fugindo do
verão e seu veneno,
sem me
expor à canícula e ao sol pleno,
pois me
aqueci no fluir das ilusões,
apeluciadas
e macias emoções,
em cujo
manancial rego meu feno.
Calor
diverso do que encontro pela rua,
calor do
sol embutido na minhalma,
que me
protege, sem me prejudicar;
e se no
inverno sentes tua pele nua,
chega-te a
mim, sem medo e em plena calma,
que meu
calor eu posso te emprestar!...
REGRAS
DA VIDA XXX – 25 abr 07
Nem
sempre que se faz uma pergunta
se
gosta da resposta: mas se sabe.
Dúvida
alguma na mente já não cabe,
quando a
suposição não mais se ajunta
aos
nossos preconceitos e esperanças.
Assim
se tornam inúteis nossos planos.
Porque
é certo que todos os humanos
coisas
diversas desejam por bonanças.
É o que
se vê nos negócios, na família,
e nos
casos de amor mais desejados.
Pergunte
sempre e mude seus projetos.
indague
bem de si mesma qual a trilha
a que
seus atos vêm sendo destinados.
antes
da caça aos sonhos incompletos,
CORES
BRANCAS I – 10 AGO 2015
Por que
um poema deverá ser lindo?
Não
existe coisa mais limitadora
que
circunscrever a frase sedutora
somente
àqueles a quem ele é bem-vindo.
Pois
tantas vezes o soneto é advindo
da dor
e da amargura sofredora
ou da
contemplação perscrutadora
da
morte ou de um dia que já é findo.
A vida não
é linda. É uma ilusão
que
criamos em nós mesmos por consolo:
por que
então deverá o verso ser belo?
Porque
o formato do soneto é exaltação
do
poder das palavras que, no colo,
trazem
o gérmen de um bonito anelo...
CORES
BRANCAS II
Por que
um poema então deve ser lido?
Porque
o peito ele arranha em terciopelo, (*)
nos
queima a alma com brasões de gelo
e
condecora com o sonho mais garrido;
(*)
Veludo.
porque
arranca da alma um som querido
e nos
reveste como apóstolos de zelo;
às
vezes, corre o pranto só de lê-lo,
às
vezes lembra o tempo já vivido.
Mas
sobretudo, cada poema é individual:
o que
ele diz, quem dizes és tu mesmo,
decifrando
esse enigma dos versos,
em
vasto labirinto espiritual,
as
alusões caleidoscópio a esmo,
que em
cada um desperta sons diversos.
CORES
BRANCAS III
Por que
um poema sons deve despertar?
Mesmo
que seja muda a sua leitura,
dentro
da mente faz tanger a lira pura,
silvando
as cordas em prestimoso andar.
Como um
pincel, cada verso a se espalhar
por
sobre a tela vaga da cultura,
pelo
mosaico com que a alma se costura,
em
maravalha espiral do pincelar...
E
maravilha! Só pinta em tons de branco
(dos
quais dizem haver mais de dois mil,
mas só
uns poucos tu podes conhecer).
E só
brotam as nuances num arranco
de tua retina,
na centelha mais gentil,
cores
criando que só tu poderás ver!...
AGULHAS DE GESSO I –
11 AGO 15
Diziam antigos que a
Fênix perdura,
Embora morra, de seu
próprio ovo,
Chocado pelas cinzas
em renovo:
Surge outra igual e
nova vida dura.
Ai, quem me dera
sofrer a mesma cura!
Que queimassem as
palavras que eu só louvo,
Que expor queria,
quiçá, a todo o povo
E ressurgissem numa
poesia pura,
Algo melhor que tudo
o que já fiz,
Que explodisse em
chamas pelos céus,
Em nova apoteoso
muito humana...
Mil estrelas
formando o pó de giz,
Que me recobre como
sete véus,
Enquanto a musa
desdenhosa abana!
AGULHAS DE GESSO II
Certas vezes, pensei
mesmo queimar versos
Em holocausto puro à
divindade,
Sua fumaça a
confundir a humanidade,
Em mil coriscos
descendo tão diversos,
Que os pobres cantos
assim fossem conversos,
No sacrifício de
toda a minha vaidade,
Em chuva temporã de
qualidade,
Ou geada e gelo nos
sarçais dispersos.
Porém meu fósforo
sempre negou chama
Ou foi a musa que a
centelha me apagou,
Tal qual aviso: que
não queimasse nada!
Bem ao contrário, é
ao dever que me conclama,
Que desse ao mundo
esse sonho que restou
No tisne morto da
lareira congelada!...
AGULHAS DE GESSO III
Quando um poema no
teu peito crava
É igual que agulha
forjada sem metal,
Que se desmancha
perante o élan vital,
Bala de gesso
derretida em lava;
Porque a palavra é
de tua mente escrava,
Qualquer
interpretação é artificial;
É o que tu sentes e
pensas no final:
É tua quimera que
ali se derramava.
Resta ao poeta
somente o breve ofício
De desenhar um
arcabouço de ilusão,
Que sem a tua
leitura, morre logo.
Destarte o verso se
queima em sacrifício
No mesmo instante em
que te toca o coração,
Mas como a fênix, só
rebrota de teu fogo.
PACTO DE SANGUE I – 12 AGO 15
Eu segurei o tempo pela mão
e perfurei seu dedo indicador;
meu próprio dedo, com igual ardor,
eu perfurei na mesma sangração.
E os dedos encostei, na exultação!
Sangue do tempo escorrendo com calor,
sangue da vida fluindo com temor
nesse pacto perpétuo de invasão!
Deixei que o tempo queimasse minha vida
mais depressa que seria de esperar,
mas me lancei, tal qual alma perdida
no fluxo do tempo, a balançar,
os séculos em zelo a conquistar
para a própria exaltação bem mais
garrida!
PACTO DE SANGUE II
Assim eu trago no meu sangue o tempo
e facilmente as épocas percorro;
em mil batalhas, com heróis, eu morro
e sacrifico a mim mesmo em cada templo!
Dos filósofos antigos busco o exemplo,
não do que li, mas de tocar no forro
das velhas túnicas; e preencho o gorro
com mil percalços e cada contratempo.
E mais ainda, me balanço no futuro,
enquanto o tempo se equilibra em mim;
em tempos ainda virgens me aventuro
e o tempo o corpo meu percorre assim,
mas enquanto dura o tempo, não me iludo,
pois sou do tempo só imperfeito escudo!
PACTO DE SANGUE III
Porque esse tempo com quem pacto firmei
é o breve tempo a mim determinado,
por mais milênios que percorra,
descuidado,
meu corpo ao tempo, com meu sangue, eu
dei.
E assim perduro na mais antiga lei
do tempo ingrato que se faz passado
e que não pode ser modificado
enquanto o tempo for do corpo o rei.
E me transforma, enquanto me perpassa,
embora em nada eu possa transformá-lo.
Tudo pensado, foi pacto desigual...
Porém sondei as vastidões da raça
e pouco importa se meu corpo abalo,
se reviver em mim cada ancestral!...
ARES SÓLIDOS I – 13 AGO 15
EM TI ACHEI A FORÇA DE MINHA AURORA,
MESMO QUANDO ME DEIXASTE EM SOLIDÃO;
A TEMPESTADE DO SOL GUARDA O CLARÃO,
QUE ACIMA BRILHA CONSTANTE NESSA HORA.
AFIRMEI MEU ESPÍRITO NO EMBORA,
DOS ARES LÍQUIDOS EM ANIMADVERSÃO
E DISSOLVIDA A FORÇA DO BULCÃO,
REBRILHA O ASTRO QUAL BRILHOU OUTRORA.
ASSIM ÉS MINHA AURORA E TODA A LUZ
QUE ME ENVIASTE NÃO PERMITE QUE TE ESQUEÇA;
MESMO DE NOITE, SOU TEU GIRASSOL
E SOMENTE UMA ESPERANÇA ME CONDUZ:
QUE DIA E NOITE CONSTANTE PERMANEÇA
JUNTO DE TI, ATÉ QUE SEQUE O SOL!...
ARES SÓLIDOS II
MOMENTOS HÁ EM QUE O AR, À NOSSA VOLTA,
SE FAZ EM PEDRA, SEM ABRIR CAMINHO;
EU FICO EM VÃO NA ESPERA DE UM CARINHO:
MARTELO O AR E O AR PORÉM NÃO SOLTA.
CONTEMPLO MAIS ADIANTE ESSA REVOLTA
MASSA DE TEUS CABELOS; E BEM DEVAGARINHO,
ENFIANDO OS LÁBIOS EM TEXTO PEQUENINHO,
OS ARES LAMBO COM MINHA LÍNGUA INCULTA.
E A POUCO E POUCO, VAI O AR SE DILUINDO,
UM TANTO A BEIJOS, OUTRO TANTO POR SUSSURROS,
ABRO CAMINHO, MINHA CARNE A REVERTER
E DE REPENTE, TEUS LÁBIOS VÃO-SE ABRINDO
E O AR SE GASEIFICA, SEM QUE MURROS
FOSSEM PRECISOS, AFINAL, PARA O VENCER!
ARES SÓLIDOS III
AO TEU REDOR, MANTO HÁ DE SOLIDEZ,
QUE ENTÃO ME ENGLOBA NESSA TENTATIVA,
POR DURA TENHA SIDO A TRATATIVA,
TUA CARNE E A MINHA SÃO DA MESMA GRÊS.
E ASSIM CONFUNDO A TUA COM MINHA TÊS,
NO LONGO ABRAÇO DE MINHA RECIDIVA,
ATÉ A ENTREGA DE TUA FACE ESQUIVA:
SÓLIDOS ARES TÃO SÓ DE INSENSATEZ!
E ME PROUVERA SER IGUAL FAROL:
QUE A TI TE TRANSFORMASSE EM MARIPOSA,
PARA AQUECER-TE SEMPRE JUNTO A MIM.
PORÉM DE TI PROVÉM A LUZ DO SOL
E ME CONTROLAS COM FÉRULA DE ESPOSA,
A SOLIDEZ FORJANDO EM FINAL “SIM”!
CARDÍACA UNIDADE
1 – 14 AGO 15
Meu coração não se partiu. Está empenado:
Se acha a sofrer destino incerto e torto;
Não houve enfarto, não há músculo morto,
Somente inchou e encontra-se trancado.
Decerto o mofo o deixou contaminado;
Para o amor mesmo o musgo traz aborto;
Enferrujou-se a âncora em seu porto,
Pois bate o sino, porém descompassado.
Talvez sejam estes versos os derradeiros
Que escrevi sob a influência da doença;
Agora estás perto de mim, sempre a meu lado,
Sem mais desdém e muxoxos sobranceiros,
Dando conforto à minha antiga crença
De que meu sangue ao teu está mesclado...
CARDÍACA UNIDADE
2
Amor só é saudável quando aceito;
Incompreendido é mais um próprio amor,
Amor pequeno, perdido o seu calor,
Em círculos concêntricos sujeito.
Amor só é amor se tem direito
De receber do alvo igual vigor;
O outro amor é um triste caçador,
Que nem encontra a alma no seu peito.
Amor precisa de ter um combustível
Que o possa conservar puro e vibrante:
Amor sem dono é solitário vício,
Que de si mesmo, enfim, faz-se exaurível...
Amor materno, talvez, mas não de amante,
Que mal resiste ao dom do sacrifício!
CARDÍACA UNIDADE
3
Dizem que amor que acaba não é amor;
Feroz a chama, mas no fim se apaga,
Que a mente e a alma por instante alaga
E então se escoa, perdido o seu vigor...
Mas não é bem assim. Devorador,
Devora a dor que o próprio amor esmaga
E nessa chama o coração afaga
E o amor perdura em pipilar menor...
Em qualquer canto recôndito do peito,
Nessa vaga esperança da saudade,
Por mais vazia que seja a sua esperança,
Mas o amor da unidade sem defeito
Em carne viva conserva a validade
E à própria morte sorri em sua esquivança.
PALAVRAS MORTAS I – 15 AGO 15
Que fim darei aos trechos dos rascunhos
que decido mudar, passando a limpo?
Os dias passam antes do garimpo:
trechos ficam reduzidos a estremunhos...
Conservam lascas de meus próprios punhos,
células mortas que não verão o Olimpo
da redação final que então eu grimpo
até as alturas parnasianas de seus
cunhos.
Caem palavras e trechos como pétalas
subjugadas por vento ou por calor;
resistem mais no caule verdes sépalas
e fica o chão de alfombra assim coberto,
que às solas ainda se prendem com vigor,
tristes polainas de coração aberto!...
PALAVRAS MORTAS II
Nem é que tantas assim eu abandone:
aqui um verbo eu troco ou conjunção,
nunca uma frase em total decantação:
respeito muito a ideia que me tome
de assalto a mente, singular, com fome
de ser vista perante vasta multidão,
aos holofotes do palco em vibração,
iluminada por ribalta que se dome...
A grande parte dos rascunhos permanece
para impressão em folhas de missal,
vaga a esperança de que seja recitada,
qual uma reza que no peito desce
e nos arranca do plano terrenal,
tal qual o encantamento de uma fada!...
PALAVRAS MORTAS III
Mas sempre há aquelas que são
executadas...
Talvez algumas em títulos transforme;
noutro soneto estoutra se conforme;
algumas poucas por tesoura são podadas...
E caem no chão, chorando de agoniadas,
nessa injustiça que lhes parece
desconforme;
ouvidos tapo ao gemido mais disforme;
sobe algum pranto às estrofes
marchetadas...
Algumas chegam a morder-me os tornozelos
e provocar em minha pele uma alergia;
e então as varro, com brava maldição...
Mas me arrependo e as recolho com meus
zelos,
cheio de pena, a lhes cantar uma elegia,
para as guardar novamente ao coração...
Nenhum comentário:
Postar um comentário